Monologo do andarilho do abismo. No turbilhão em que me encontro faço uma libação ao caos, pois ele que tem regido minha vida, os filhos da Noite e sua ventania, as lagrimas da madrugada e a secura da ausência da saliva. É estranho que eu me sinta afogar? A cada passo que dou sinto a ladeira que se inclina, sinto a espeça mente do abismo que se esgueira a me observar, idílica criatura da infâmia, sorrateira e onírica ninfa das sombras, cativa de meus passos como sou cativo de seu riso, de seu escarnio. Ou será que ela ri comigo? Será que ela ri da tortuosa alma que deus me deu? Será que ela ri por sermos da mesma matéria eterial? Da mesma essência vital, da mesma mônada. Eu e o abismo, um só ser, espelhos de minha não humanidade. Já não sou, talvez nunca tenha sido. E na monstruosidade de minha separação de raça, toco no argênteo reflexo de minha alma, manchando minhas mãos do pesado mercúrio dos alquimistas. Suspiro ao sentir o peso de suas caricias, mergulhando pouco a pouco em minha carne, induzindo a loucura torpe de alguém que foi liberto de seu cárcere, tragando minha sanidade vã entre o mundo de vênias e latria’s. No fim, entre o abismo e o caos de minha alma, espirais de rubro anil, espirais de dor e calma, aceito a verdade que preenche o silencio. Nunca houve em mim um humano com suas humanidades, talvez um abismo, talvez o caos e suas vontades, mas não essa comum saciedade, não essa comum banalidade. As vezes me interrogo, quem está refletido em minhas cartas?