1Mentir
em 2Nome do 3Amor e da 4Sabedoria 5Kant, o grande 6filósofo alemão do 7século XVIII, era um 8adepto indefectível da 9razão. A razão 10dignifica-nos, eleva11nos, transforma-nos 12em seres superiores. 13Nesse âmbito, Kant 14concebeu os 15chamados 16«imperativos 17categóricos», do tipo 18«Não mintas, em 19ocasião alguma», a 20que deveríamos 21obedecer piamente. 22 23Kant não admitia 24excepções aos seus 25imperativos, fixados 26por via racional. Só 27assim eles eram 28categóricos. 29Mas será que amar a 30verdade, é nunca 31atraiçoá-la, é nunca 32mentir? Será que a 33verdade deve ser 34encarada como um 35postulado científico, 36inquebrável? 37 38Kant achava que sim. 39Em nome de quê? Em 40nome da dignidade 41humana, em nome da 42razão. Para ele o 43imperativo categórico 44da verdade era 45inquestionável, ainda 46que isso beneficiasse 47quem não merecesse
48e prejudicasse os 49fracos e pobres, e 50causasse sofrimento. 51 52Mas será mesmo 53assim? Será que não 54é legítimo mentir a 55criminosos e a 56ditadores que 57perseguem e 58atormentam 59inocentes? Será que 60devemos revelar ao 61moribundo a verdade 62da sua situação? 63 64A resposta humanista 65tem que ser não. A 66verdade que causa 67sofrimento 68desnecessário ao 69moribundo ou a 70pessoas violentadas, 71é crueldade. Não 72mentir ao assassino e 73ao terrorista que 74sequestra, é 75colaboracionismo 76cruel e tolo. Os 77«imperativos 78categóricos» podem e 79devem ser quebrados, 80em determinadas 81situações. A verdade 82não pode estar 83sempre acima do 84amor que devemos 85aos outros. 86 87Há muitos casos em 88que a verdade tem 89que ser defendida a 90tudo o custo, ainda 91que isso nos cause 92lágrimas, desgosto e 93até sofrimento. Não 94podemos, por 95exemplo, negar a 96verdade científica 97para conforto próprio. 98Não podemos teimar 99em ver-nos como
100seres especiais, 101criados à imagem de 102Deus, em vez de 103seres descendentes 104de símios. 105 106Mas essa não é uma 107regra absoluta. 108Também há ocasiões 109e situações em que a 110mentira é legítima, 111em que certas 112verdades factuais 113podem e devem ser 114omitidas em nome do 115amor. 116