Manifesto Contra A Lei De Tortura Dos Eua- Daniel Leite, Oacir Mascarenhas, Rodrigo Tourinho Dantas E Ticiano Alves

  • December 2019
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MANIFESTO CONTRA A LEI DE TORTURA DOS EUA Por Ticiano Alves e Silva; Oacir Silva Mascarenhas; Daniel Leite Ribeiro e Rodrigo Tourinho Dantas. Acadêmicos do 8º Período da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Salvador (UCSAL).

A insensatez parece não ter mais limites! No dia 29 de setembro de 2006, sexta-feira, com apenas uma canetada, o tal George W. Bush sancionou uma lei que liquidou um patrimônio constitucional edificado ao longo de séculos ao custo de muito sangue e de muitas vidas.

O Ato das Comissões Militares de 2006, ou Lei n. 3.930, ou ainda Lei dos Detentos, institui legislação própria para tratamento de suspeitos de terrorismo (pasmem: eles não estarão sujeitos à Constituição!), prevendo, dentre outras inconstitucionalidades (?), tribunal militar de exceção, poderes ao tal George W. Bush de definir quem são os “combatentes inimigos” e quais métodos de interrogatório são aceitáveis, desde que eles não causem danos físicos "sérios" ou psicológicos "permanentes", além de desobrigar o Inquisidor Mor de tornar públicos seus critérios.

Conclui-se,

pois:

RELATIVIZOU-SE

O

IRRELATIVIZÁVEL:

LEGALIZARAM A TORTURA! Afinal, como já ensinara Bobbio, o único direito absoluto é o direito de não ser submetido à tortura. Mas o lamento ganha contornos de consolo diante da pior das constatações: PIOR NÃO PODE FICAR.

No livro “Diário de um Século”, o notável Norberto Bobbio conta um episódio marcante em sua vida que o fez chegar a conclusão da irrelativização do direito à não-tortura. Conta o jusfilósofo que durante o regime fascista de Mussolini ele foi obrigado pelo ditador a redigir do próprio punho uma carta de apoio ao regime totalitário. Sob ameaça de ser torturado, assim ele o fez. Nessa sua autobiografia, pede desculpas a todos os intelectuais da época por ter sucumbido ao medo da tortura:

2 “O intelectual tem o dever de lutar pela liberdade, enfrentando, se necessário, a fogueira que queima o corpo e purifica a alma; a tortura que esmigalha cada centímetro da carne e dos ossos e faz explodir o grito da dor nas ruas e nas catedrais, nas tribunas e nas sinagogas, levando multidões a rasgar regras de inquisições, a derrubar bastilhas e incendiar bunkers, a levantar bandeiras de liberdade até então arriadas”.

A prática ignóbil e abjeta da tortura deveria, hodiernamente, ser apenas um registro histórico. Como é sabido, essa prática não é recente. As mulheres chinesas foram torturadas por séculos para atingir o ideal dos pés pequenos; os condenados franceses passaram por suplícios sangrentos, como relata Michel Foucault em “Vigiar e Punir”; os métodos empregados na Inquisição para obter confissões eram de uma crueldade sem precedentes e a repressão dos regimes totalitários aos dissidentes sempre foi feita ao custo de muito sangue e muita dor frutos da tortura. Cesare Beccaria, na segunda metade do século XVIII, no opúsculo “Dos Delitos e Das Penas” fere de morte todos os argumentos que tentaram legitimar a tortura (Beccaria defendia que a prática da tortura era inútil contra o criminoso comum e injusta como tormenta do inocente). MAS QUANDO SE PENSA QUE A TORTURA É FATO PASSADO...

A despeito do retrocesso jurídico, humano e filosófico perpetrado nesta última sexta –feira nos EUA, o repúdio à tortura está consagrado nos mais importantes documentos de direitos do mundo, sejam eles constituições, convenções, declarações, acordos, ou o que for, porquanto a hediondez característica de tal prática odiosa desautoriza que se lhe admita como aceitável, como agora se quer na Terra da Liberdade.

Impressiona que a Terra da Liberdade caminhe em direção oposta a que justamente deveria, a realizar, sem coações, o que almeja declaradamente os terroristas com tanta violência: a destruição da sociedade ocidental e de seus valores, o que inclui, por óbvio, seu sistema constitucional fundado na dignidade humana.

3 Num mundo sofrido, marcado por tantas guerras e disputas, no qual se luta sempre por um futuro melhor para as próximas gerações, não há como se cogitar um posicionamento de uma Nação tão desprovido de sapiência.

Martin Luther King, Mahatama Gandhi, dentre muitos outros, dedicaram suas vidas à princípios como a liberdade, a paz, a igualdade. Do seu sangue brotaram, para nós, os valores que hoje temos como intocáveis, inatingíveis. A positivação de uma norma diametralmente oposta a tudo aquilo conquistado pela Sociedade ao longo do tempo é apagar o passado, esquecer a História, ir contra a maré de progressos alcançados com tantos esforços.

Nada mais que paradoxal- é uma das formas como se pode entender a excrescência jurídica perpetrada pela maior potência mundial.

O mais triste neste atentado ao patrimônio constitucional secular é que ele foi perpetrado no país em que a doutrina dos direitos humanos é mais desenvolvida e sólida, confirmando a tese segundo a qual os EUA são a terra do paradoxo. A terra em que os valores ocidentais de liberdade foram desenvolvidos e protegidos ao extremo sucumbe diante da ameaça dos terroristas, sem se perguntar se legalizar a tortura não é o maior dos atentados terroristas. Terrorismo, segundo os dicionários, é O USO DO TERROR E DA VIOLÊNCIA COMO MEIO DE COAÇÃO. E esta prática da tortura nos interrogatórios nada mais é do que o terror e a violência aplicados institucionalmente como meios de coação a fim de se arrancar a fórceps informação (verdadeira ou falsa, não importa) que possa pôr enjaulado àquele tido como simplesmente “suspeito” ou “combatente inimigo”, sem saber ao certo o que vem a ser isso, já que os critérios do tal George W. Bush nascem no seu íntimo e lá permanecem, porquanto a Lei de Tortura garante aos cidadãos o DIREITO DE NÃO SABER. ENFIM, TERRORISMO E TORTURA SÃO FACES DA MESMA MOEDA!!!

Reitera-se que esse é apenas um aspecto, o pior deles, diga-se, que se extrai da Lei de Tortura aprovada. Mas o simples fato da lei conceder ao Mr. Enxofre (talvez o presidente venezuelano Hugo Chávez o chamasse assim) o poder de definir quem são os

4 “combatentes inimigos” já é de fazer estremecer o mais duro dos tiranos. Cláusula mais generalíssima do que esta nunca se viu na história do Direito e aliada à reserva mental absoluta do tal George W. Bush na escolha dos critérios a serem escolhidos no combate ao terrorismo leva-nos a pensar para onde vai o Direito. Expressões como estas nada mais são que manipulações semânticas carregadas de um subjetivismo autorizador de arbítrio desmesurado e, pior de tudo, incontrolável.

De igual modo acontece quando se prevê métodos de interrogatório que não causem danos físicos “sérios” ou psicológicos “permanentes”, em que a imprecisão do que venha a ser “sério” e “permanente” franqueia as piores arbitrariedades. Mas a questão definitivamente não é essa. Ainda que o dano físico não seja sério ou o psicológico não seja permanente, tal prática não desnatura o ato de tortura, estando esta configurada e devendo, pois, ser repudiada até o fim!

Cumpre ressaltar que, infelizmente, o tal George W. Bush já demonstrou há muito sua inaptidão para lidar com o terrorismo e seu desprezo por valores universais. Basta relembrar, para tanto, a conivência com que foram processados e julgados os militares norte-americanos que fizeram da prisão em Abu Graib um genuíno castelo dos horrores, em que as mais perversas práticas de tortura foram consumadas. Mesmo com amplíssima divulgação midiática, nada se fez e não se espera que se faça, inda mais agora que trataram de institucionalizar a mais abominável das violações aos que se chama de Direitos Humanos.

Em termos práticos, questionamos a eficácia da referida medida. Qual o benefício que essa funesta lei trará no combate ao terrorismo? Nenhum!, porque o terrorismo, pelo menos o não-institucionalizado, não se vê, até que perpetre o ataque.

Tem-se, pois, como balanço geral, à luz de uma análise jurídica, filosófica, sociológica, histórica, política, até pragmática, enfim, geral, como inaceitável a legalização do último direito irrelativizável, qual seja, a não- tortura, representando tal institucionalização verdadeiramente um atentado à consciência ética universal, com repercussões maléficas sobre todo o mundo, e não somente dentro das fronteiras norteamericanas.

5 Ora, quando se toma conhecimento de uma violação aos Direitos Humanos, ainda mais sobre os auspícios do Estado, onde quer que seja, contra quem quer que seja, pensa-se, sempre, invariavelmente, mesmo que remotamente, que tal poderia ser feito contra si, e também por isso tais direitos são chamados de humanos e tidos como universais e sua violação desperta revolta.

As conseqüências, lá e cá, do baque sofrido pelo constitucionalismo democrático de direito com a aprovação da Lei de Tortura não podem ainda ser avaliadas, mas a revolta que nos tomou imediatamente à notícia de tal aprovação legislativa não pode ser medida, senão pela leitura do quanto manifestado nestas apressadas linhas e pelo desejo que temos todos de ver repercutido tal atentando ao patrimônio

constitucional.

VALORIZAÇÃO

E

CONSTITUCIONAIS

INSTAMOS PELA

TODOS

À

PRESERVAÇÃO

SUPRANACIONAIS

QUE

REFLEXÃO

PELA

DAS

CLÁUSULAS

SE

PRETENDEM

IMUTÁVEIS!!, para que também Bobbio possa descansar em paz.

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