Lygia Fagundes Teles

  • June 2020
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  • Pages: 3
Lygia Fagundes Telles Lygia, a quarta filha do casal Fagundes, nasce a 19 de Abril de 1923, na cidade de São Paulo, mas é em pequenas cidades do interior daquele estado brasileiro (como Sertãozinho, Apiaí, Descalvado, Areias e Itatinga) que passa a infância. O pai é advogado e exerce também as funções de promotor público e delegado e a família muda de cidade à medida das exigências da sua profissão. Aos nove anos, a pequena Lygia já escreve, impressionada pelas histórias que ouve contar às criadas. Aos quinze anos publica seu primeiro livro, financiado pelo pai, Porão e Sobrado. Apesar de ser um livro de contos, gênero em que se destacará, a escritora nunca mais autorizará a publicação da obra. Estuda, primeiro Educação Física e depois Direito. Na Faculdade de São Paulo, começa a frequentar os círculos literários e a colaborar nos jornais acadêmicos Arcádia e O Libertador. Conhece por essa altura alguns escritores, como Oswald de Andrade e Mário de Andrade. Conhece também Paulo Emílio Salles Gomes, crítico de cinema com quem se casará daí a duas décadas. O pai morre em 1945 e quatro anos depois ela volta a publicar. O Cacto Vermelho, novo volume de contos, vence o Prêmio Afonso Arinos, da Academia Brasileira de Letras, mas será também renegado pela escritora. No início da década de 50, casa com o Goffredo da Silva Telles Jr e muda-se com o marido, jurista e ensaísta, para o Rio de Janeiro. Em 1952, no entanto, volta para São Paulo e escreve A Ciranda de Pedra, o seu primeiro romance. Em 1954 nasce-lhe o único filho, Paulo Goffredo da Silva Telles Neto. No ano anterior morrera-lhe a mãe. Já separada do marido, em 1962, publica o segundo romance, Verão no Aquário. Por essa altura, já está a viver com Paulo Emílio, que conhecera enquanto estudante. É na década de 70 que o reconhecimento da sua obra, já iniciado quando da publicação de O Cacto Vermelho, acontece: o seu terceiro romance, que será o que mais ligado ao seu êxito, As Meninas, vence três prêmios num ano: o Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, o Coelho Neto, da Academia Brasileira de Letras, e o de Ficção, da Associação Paulista de Críticos de Arte. Entretanto, Lygia Fagundes Telles já lançara outros volumes de contos, gênero de que nunca prescindirá. Em 1987 toma posse como presidente na Academia Brasileira de Letras e dois anos depois lança As Horas Nuas, o mais maduro e peculiar dos seus romances até então, cuja personagem chave é um gato que em outra encarnação fora poeta do Império Romano. Durante a década de 90, escreve e publica os volumes de contos A Noite Escura e Mais Eu (1996) e, em 2000, Invenção e memória, que no ano seguinte vence o Golfinho de Ouro, o grande prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte e novamente o Jabuti. Em 2003, o estado de São Paulo dá o seu nome ao galardão literário que atribui. 30 anos passados sobre a sua consagração com As Meninas, as autoridades da sua terra natal homenageiam-na com uma grande festa, a 29 de Setembro desse ano.

Então, adeus! Lygia Fagundes Telles Isto aconteceu na Bahia, numa tarde em que eu visitava a mais antiga e arruinada igreja que encontrei por lá, perdida na última rua do último bairro. Aproximou-se de mim um padre velhinho, tão velhinho que mais parecia feito de cinza, de teia, de bruma, de sopro do que de carne e osso. Aproximou-se e tocou o meu ombro: - Vejo que aprecia essas imagens antigas – sussurrou-me com sua voz débil. E descerrando os lábios murchos num sorriso amável: - Tenho na sacristia algumas preciosidades. Quer vê-las? Solícito e trêmulo, foi-me mostrando os pequenos tesouros da sua igreja: um mural de cores remotas e tênues como as de um pobre véu esgarçado na distância; uma Nossa Senhora de mãos carunchadas e grandes olhos cheios de lágrimas; dois anjos tocheiros que teriam sido esculpidos por Aleijadinho, pois dele tinham a inconfundível marca nos traços dos rostos severos e nobres, de narizes já carcomidos... Mostro-me todas as raridades, tão velhas e tão gastas quanto ele próprio. Em seguida, desvanecido com o interesse que demonstrei por tudo, acompanhou-me cheio de gratidão até a porta. - Volte sempre – pediu-me. - Impossível - eu disse. – Não moro aqui, mas, em todo caso, quem sabe um dia... – acrescentei sem nenhuma esperança. - E então até logo! – ele murmurou descerrando os lábios num sorriso que me pareceu melancólico como o destroço de um naufrágio. Olhei-o. Sob a luz azulada do crepúsculo, aquela face branca e transparente era de tamanha fragilidade, que cheguei a me comover. Até logo? ...”Então adeus!”, ele deveria ter dito. Eu ia embarcar para o Rio no dia seguinte e não tinha nenhuma idéia de voltar tão cedo à Bahia. E mesmo que voltasse, encontraria ainda de pé aquela igrejinha arruinada que achei por acaso em meio das minhas andanças? E mesmo que desse de novo com ela, encontraria vivo aquele ser tão velhinho que mais parecia um antigo morto esquecido de partir?!... Ouça, leitor: tenho poucas certezas nesta incerta vida, tão poucas que poderia enumerálas nesta breve linha. Porém, uma certeza eu tive naquele instante, a mais absoluta das certezas: “Jamais o verei.” Apertei-lhe a mão, que tinha a mesma frialdade seca da morte. - Até logo! – eu disse cheia de enternecimento pelo ingênuo otimismo. Afastei-me e de longe ainda o vi, imóvel no topo da escadaria. A brisa agitava-lhe os cabelos ralos e murchos como uma chama prestes a extinguir-se. “Então adeus!”, pensei comovida ao acenar-lhe pela última vez. “Adeus.” Nesta mesma noite houve o clássico jantar de despedida em casa de um casal amigo. E, em meio de um grupo, eu já me encaminhava para a mesa, quando de repente alguém tocou o meu ombro, um toque muito leve, mas parecia o roçar de uma folha seca. Voltei-me. Diante de mim, o padre velhinho sorria. - Boa noite! Fiquei muda. Ali estava aquele de quem horas antes eu me despedira para sempre. - Que coincidência... – balbuciei afinal. Foi a única banalidade que me ocorreu dizer. – Eu não esperava vê-lo... tão cedo. Ele sorria, sorria sempre. E desta vez achei que aquele sorriso era mais malicioso do que melancólico. Era como se ele tivesse adivinhado meu pensamento quando nos despedimos na igreja e agora então, de um certo modo desafiante, estivesse a divertir-se com a minha surpresa. “Eu não disse até logo?”, os olhinhos enevoados pareciam perguntar com ironia. Durante o jantar ruidoso e calorento, lembrei-me de Kipling. “Sim, grande e estranho é o mundo. Mas principalmente estranho...” Meu vizinho da esquerda quis saber entre duas garfadas: - Então a senhora vai mesmo nos deixar amanhã? Olhei para a bolsa que tinha no regaço e dentro da qual já estava minha passagem de volta com a data do dia seguinte. E sorri para o velhinho lá na ponta da mesa. - Ah, não sei... Antes eu sabia, mas agora já não sei.

No primeiro parágrafo, a autora compara a velhice do padre à antiguidade da igreja em tom depreciativo, quando se refere àquele, “... que mais parecia feito de cinza, de teia, de bruma, de sopro do que de carne e osso...” como se estivesse falando a respeito de uma coisa velha, sem valor algum, e a esta nas passagens “... a mais antiga e arruinada igreja...”, “... perdida na última rua ...”. Nos dois parágrafos seguintes, ambiguidades há. Conquanto a autora compare o padre às obras de artes, novamente com referências negativas, como em “...voz débil...”, “...lábios murchos...”, “...mãos carunchadas...”, “... narizes já carcomidos...” e “... tão velhas, tão gastas quanto ele próprio...”, demonstra especial interesse pelas obras e alguma admiração pelo padre mostrando a dualidade dos sentimentos que representados pela oposição entre a apreciação pelas obras embora estivessem em mau estado de conservação. A partir desse ponto, o terceiro parágrafo, começa a idéia central do texto, com a apresentação de argumentos que embasariam a tese inicial da autora, jamais veria o padre novamente, chega a duvidar da existência da igreja, por ocasião do seu retorno àquele lugar, nesse ponto, retoma a comparação do primeiro parágrafo, ou seja, o padre e a igreja estariam tão “velhos” que tinha absoluta certeza que não existiriam mais, “... parecia um antigo morto esquecido de partir...”. Como desfecho a autora transmite a mensagem de que por mais certas, por mais concretas estejam as coisas, não há certeza absoluta, que todos os planos, todos os caminhos estão sujeitos às alterações, ao acaso.

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