Livro-cidades-sustentaveis

  • June 2020
  • PDF

This document was uploaded by user and they confirmed that they have the permission to share it. If you are author or own the copyright of this book, please report to us by using this DMCA report form. Report DMCA


Overview

Download & View Livro-cidades-sustentaveis as PDF for free.

More details

  • Words: 64,528
  • Pages: 224
A CIDADE SUSTENTÁVEL E O DESENVOLVIMENTO HUMANO NA AMÉRICA LATINA: TEMAS E PESQUISAS

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURG

Reitor JOÃO CARLOS BRAHM COUSIN Vice-Reitor ERNESTO CASARES PINTO Pró-Reitora de Graduação CLEUZA MARIA SOBRAL DIAS Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação LUIS EDUARDO MAIA NERY Pró-Reitora de Extensão e Cultura DARLENE TORRADA PEREIRA Pró-Reitor de Assuntos Estudantis LUIZ BESSOUAT LAURINO Pró-Reitor de Planejamento e Administração MOZART TAVARES MARTINS FILHO Pró-Reitor de Infraestrutura ERNESTO LUIZ GOMES ALQUATI Pró-Reitor de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas CLAUDIO PAZ DE LIMA

Antônio Carlos Porciúncula Soler Carlos R S Machado Daiane Teixeira Gautério Eder Dion de Paulo Costa Eugênia Antunes Dias Paulo Ricardo Opuszka (Organizadores)

A CIDADE SUSTENTÁVEL E O DESENVOLVIMENTO HUMANO NA AMÉRICA LATINA: TEMAS E PESQUISAS

Rio Grande 2009

 de Antônio Carlos Porciúncula Soler; Carlos R S Machado;

Daiane Gautério; Eugênia Antunes Dias; Paulo Ricardo Opuszka

2009

Ilustração da capa: gravura do artista cubano Amílkar Chacón, cedida pelo Professor Pablo René Estévez. Formatação e diagramação: Antonio Soler, João Balansin, Daiane Teixeira Gautério; Eugênia Antunes Dias e Marcelo Fagundes Mirailh Revisão: Anna Jardim ([email protected]) C565c A cidade sustentável e o desenvolvimento humano na América Latina: temas e pesquisas / organizado por Antônio Carlos Porciúncula Soler ... [et al.] – Rio Grande: FURG, 2009. 222p.; 21cm ISBN 978-85-7566-140-6 1. Sociologia 2. Sociologia urbana 3.Comunidades urbanas I. Soler, Antônio Carlos Porciúncula CDU 316.334.56 Bibliotecária responsável: Jandira Maria Cardoso Reguffe – CRB 10/1354

DEDICATÓRIA E AGRADECIMENTO Dedicamos esta obra a todos e todas que de alguma forma colaboram para a construção e concretização da utopia em torno da Cidade Sustentável. Não podemos deixar de registrar que, para a elaboração desta obra, muitos esforços foram imprescindíveis. Assim, agradecemos a colaboração do coletivo da PróReitoria de Extensão e Cultura (PROEXC) da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, do Núcleo de Desenvolvimento Social e Econômico (NUDESE), do Grupo de Pesquisa Política, Natureza e Cidade, do Grupo Transdisciplinar em Pesquisa Jurídica para a Sustentabilidade, do Grupo Transcultural de Estado e Pesquisa em Educação Estética e Ambiental, do Centro de Estudos Ambientais, do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental e da Prefeitura Municipal de Santa Vitória do Palmar. Em especial, nosso forte agradecimento a Pró-Reitora de Extensão e Cultura da FURG, Msc Darlene Torrada Pereira, pela permanente motivação e apoio sem os quais a materialização desta publicação e de outros tantos sonhos e projetos não seria possível.

APRESENTAÇÃO A presente coletânea teve origem há três anos quando alguns dos autores e organizadores desenvolveram atividade de extensão na Universidade Federal do Rio Grande – FURG, motivados pela idéia de outra cidade, diferente daquela em que vivemos – estudamos e lutamos – na perspectiva de que seu futuro seja melhor e mais justo, sem exploração humana e destruição dos ecossistemas. Desde então, claro que muita coisa aconteceu. Nossas pesquisas foram aperfeiçoadas, agregaram-se colaborações diversas e nossa análise em torno do tema cidade qualificou-se e, mais ainda, no processo de elaboração (aos poucos), a partir do andar dos mais lentos, como dizem os Zapatistas, não perdemos o foco na utopia da discussão e construção de uma cidade sustentável socialista ou de uma cidade socialista sustentável, onde princípios ecológicos não sejam rechaçados. Insistimos na referida discussão, todavia, para além do discurso hegemônico em torno do Desenvolvimento Sustentável, atentando para a (in)sustentabilidade da cidade capitalista e da crise de paradigma, a partir de debates inconclusos ou parcos, do que seria (ou como seria) a concretização da antiga utopia – o horizonte socialista. Diante disso, a estrutura do livro parte do geral, relacionado à América Latina, desde reflexões e proposições de superação da condição de exploração e dependência das elites e modelos de desenvolvimento que não beneficiam o conjunto da humanidade e exploram negativamente o ambiente natural e o construído – a cidade. O tema do desenvolvimento humano sustentável é salientado neste livro, fundamentalmente a partir da contribuição da experiência cubana. Tal desenvolvimento, ao contrário daquele

consagrado pelo capitalismo, o qual impõe o mercado e o lucro como ordem primeira em benefício de poucos, apresenta uma perspectiva onde todos os seres humanos encontram-se no centro das considerações, sem deixar de propor uma forma de uso da natureza garantidora desse direito também para as gerações futuras. A experiência cubana evidencia inúmeros aspectos neste sentido, partindo da fundamentação de um projeto macro desenvolvido com mais três países (Venezuela, México e Bolívia). Em seguida, se vislumbra uma introdução ao tema relacionado ao conceito de cidade. Avançando na produção teórica e política da cidade sustentável, destacadamente encontramos algumas diretrizes primárias indissociáveis da cidade utópica e que certamente os autores e autoras lançam como pontos de partida para a continuidade de nossa caminhada. Neste caso, a produção, ou melhor, uma outra produção/atividade econômica, que estamos denominando de solidária, mas também cooperada, além do marco jurídico para cidade, mirando atividades concretas como a pesca artesanal, a ecoestética nos espaços escolares e/ou educativos, a agroecologia, podem ser exemplos de ações que avançam na produção da cidade sustentável, ou como queiram, da sustentabilidade. Nem todos os colaboradores e colaboradoras deste livro comungam da mesma base formadora da idéia de cidade utópica. No entanto, compartilham da reflexão/ação sobre a produção da cidade sustentável, como se perceberá na leitura da contribuição de cada um, as quais apontam para sugestões, insights, nuances, enfim, fragmentos dessa busca, cuja discussão sempre pode (e deve) ser aprofundada. Nossa perseguição permanente da utopia começa no conhecimento e na forma como enxergamos o espaço da Universidade Pública. Assim podemos passar para a prática, incondicionalmente emancipatória dos seres humanos e uma relação desses com a natureza, onde todas as formas de vida tenham direito a tal. Organizadores

SUMÁRIO

Apresentação…………………………………………………

7

Desarrollo Sustentable e Integración para América Latina y el Caribe Jaime García Ruiz……………………………………………

11

A Cidade com Desenvolvimento Humano Sustentável Carlos R S Machado e Jaime García Ruiz...............................

35

Aspectos Emergentes para/da Cidade Sustentável: a Natureza, a Educação, a Justiça e a Economia Popular e Solidária Carlos R S Machado, Eder Dion de Paula Costa, Francisco Quintanilha Véras Neto e Antônio Carlos Porciúncula Soler ..

59

Conscientização Ambiental e Legitimidade da Política Ambiental Francisco Quintanilha Véras Neto e Benilson Borinelli.........

71

Flexibilização da Tutela Jurídica das Áreas de Preservação Permanente e Direito à Moradia nas Cidades Sustentáveis: convergência ou incompatibilidade? Eugênia Antunes Dias e Antônio Carlos Porciúncula Soler...

93

Direito Coletivo do Trabalho e Cooperativismo Popular. A contribuição da autonomia coletiva do Direito Coletivo do Trabalho para organização dos trabalhadores em Cooperativas 121 Paulo Ricardo Opuszka .........................................................

A (In)Sustentabilidade Local no Processo de Globalização da Laguna dos Patos: o caso da Pesca Artesanal Maicon Dourado Bravo......................................................... 153 Natureza da/na Crise dos Paradigmas no Século XXI 173 Denise Gamio Dias, Claudia Battestin e Carlos R S Machado .. Lo Estético en la Naturaleza Humana 193 Pablo René Estévez……………………..…………………… As Três Naturezas e a Natureza das Três 205 Carlos R S Machado, Fabiana Dendena, Daiane Gautério....

DESARROLLO SUSTENTABLE E INTEGRACIÓN PARA AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE Jaime García Ruiz * RESUMO O trabalho propõe-se a apresentar para discussão os princípios e fundamentos de um novo paradigma de desenvolvimento, tendo o desenvolvimento humano sustentável como perspectiva orientadora de suas reflexões. No entanto, ao inserir tal debate em diferentes perspectivas disciplinares referente às áreas do conhecimento econômico, político, cultural e socioambiental, dentre outras, bem como no contexto da América Latina e Caribe, o autor insere suas reflexões na utopia de uma América integrada. Neste caso, tendo a ALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas) como texto de base – como proposição – pelo autor, e coletivos de investigadores cubanos da Universidade Central Marta Abreu de Las Villas (Cuba) e, mais recentemente, um coletivo de investigadores da FURG (Universidade Federal do Rio Grande) na inserção da sustentabilidade, numa perspectiva, também alternativa, mas em produção/construção por cada grupo/coletivo e subprojeto ao articularem investigação, ensino e extensão por parte dos envolvidos.

*

Departamento de Filosofía, Faculdade de Ciências Sociais, Universidade Central “Marta Abreu” de Las Villas, Cuba. Este trabalho apresenta as bases fundamentais do projeto “Fundamentacion del Desarrollo Humano Sustentabel desde una vision transdisciplinar para América Latina e Caribe”, o qual gerou projeto de investigadores da FURG/PPGEA, sob a coordenação do professor Dr. Franscico Quintanilha Véras Neto, pelo Brasil (FURG), e Dr. Jaime G. Ruíz pela parte cubana (Universidade de Las Villas), em março de 2009 (CAPESMES, 2009).

11

Introducción En la copiosa bibliografía publicada en los últimos años sobre el desarrollo encontramos un conjunto de acepciones para designar o calificar el fenómeno. Entre estas acepciones tenemos: “desarrollo humano”, “desarrollo sostenible”, “autodesarrollo”, “desarrollo social”, “desarrollo integral”, “desarrollo endógeno”, “desarrollo local”, “desarrollo comunitario”, etc. Para nosotros estas denominaciones no son más que lados de un mismo proceso que ponen el énfasis en una u otra dimensión o en uno u otro principio del desarrollo y pueden subestimar otras. Durante los años 50 y parte de los 60 en el pensamiento y la acción desarrollista Latinoamericanas prevaleció la concepción de la CEPAL. La teoría cepaliana y su máximo representante – Raúl Prebisch – “en respuesta a una visión neoliberal creada por economistas norteamericanos y europeos” 1 orientaba su crítica a la teoría clásica del comercio internacional como palanca del desarrollo y sostenía que “la única solución para lograr el progreso económico era la industrialización; lo cual permitiría un desarrollo hacia adentro” 2. Con el fracaso del modelo de desarrollo sustentado en la industrialización por sustitución de importaciones 3 aparece la alternativa de la integración. 1

Colectivo de autores. Economía Internacional. Editorial “Félix Varela”, La Habana, 1998, T. II; p. 34. 2 Ver: Economía Internacional. Op. Cit. P. 36. 3 Cuando se ha tratado el desarrollo económico, el crecimiento cuantitativo y la maximización del Producto Interno Bruto (PIB) han servido de guía fundamental: el desarrollo se ha entendido como crecimiento económico. En otros casos el desarrollo se ha vinculado a la industrialización bajo los efectos positivos del progreso técnico. En tales circunstancias el desarrollo se ha interpretado como industrialización. Para América Latina, los modelos de desarrollo industrial por sustitución de importaciones y más recientemente el neoliberal, han sido impuestos desde afuera en respuesta a los intereses de los países centrales. Con ello los esquemas de desarrollo y también de integración de la región han quedado atrapados en la lógica y subordinados a los intereses del gran capital transnacional.

12

A partir de la segunda mitad de la década de los años 60 “se comienza a desarrollar un pensamiento crítico tanto de la Teoría del desarrollo o modernización como de la Teoría desarrollista cepaliana. Este nuevo enfoque se conoce con el nombre de Teoría de la dependencia – cuyo padre fundador es Fernando Enrique Cardoso. Otros exponentes importantes lo han constituido: Theotonio Dos Santos, André Gonder Frank, Samir Amin, Octavio Ianni, Darcy Ribeiro, Ruy Mauro Marini, Marcos Kaplan, Celso Furtado y Vania Bambirra” 4 . En el presente trabajo pretendemos ilustrar el condicionamiento objetivo y la interdependencia existente entre los proceso de integración y de desarrollo en América Latina y el Caribe, partiendo de que en las condiciones actuales de la región es necesario construir un nuevo paradigma de desarrollo y su realización sería posible tomando como base un modelo de integración que esté al servicio y haga realidad nuevos principios en todas las dimensiones del nuevo paradigma de desarrollo. Dicho de otra manera; la integración no es un objetivo en si misma, sino un medio al servicio del desarrollo que necesitan nuestros pueblos. De la hipótesis anterior surgen dos interrogantes: 1. ¿Qué tipo de desarrollo necesitan nuestros pueblos? 2. ¿Qué integración o cuál es el tipo de integración que puede garantizar el desarrollo que necesitamos? Partimos de que el desarrollo que necesitan nuestros pueblos es de contenido multidimensional, que abarca lo económico, lo social, lo medioambiental, lo cultural, lo tecnológico y lo político jurídico, sustentado en los principios y valores de la eficiencia, la equidad, la sustentabilidad, la cooperación, la participación, la potenciación y la seguridad y, que el proceso de integración que se ha comenzado a implementar – el ALBA – se sustenta y cataliza dichos principios y valores, al 4

Idem., p. 37.

13

transformar y fomentar nuevas relaciones sociales de producción. Dichas relaciones de producción se basan en un nuevo tipo de empresas Grannacional, diametralmente opuestas a las Empresas Transnacionales (ETN) por su contenido y objetivos; las Empresas de Producción Social Integradas (EPSI-ALBA) del ALBA. 1 El contenido y el carácter del desarrollo como proceso Las teorías y conceptos que nos han llegado en los últimos tiempos sobre el desarrollo – y también sobre la integración –, como norma obvian el contenido y el carácter del sistema de relaciones sociales de producción particular existente en el país y época concretos, cuando éstas, en última instancia han determinado los procesos de desarrollo e integración. El desarrollo es un proceso universal de carácter objetivo históricamente determinado y de contenido multidimensional, que íntervincula las dimensiones económica, la social, la cultural, la ambiental, la tecnológica y la político-jurídica; cada una de las cuales incluye a su vez, múltiples categorías, variables e indicadores que se sustentan en un conjunto de principios básicos tales como: la eficiencia, la equidad, la sustentabilidad, la cooperación, la seguridad, la potenciación y la participación 5. El desarrollo como proceso universal de cambio y transformación acusa su carácter conforme al tipo de relaciones sociales de producción prevalecientes, los valores, la ideología e intereses clasistas de la sociedad de que se trate6. Todo ello determina los 5

El Informe de Cuba sobre el Desarrollo Humano del año 1996 consideró y explicó como dimensiones del desarrollo lo que aquí nosotros entendemos como principios básicos de cualquier proceso de desarrollo que se considere verdadero. Investigación sobre el Desarrollo Humano en Cuba 1996, Editorial Caguayo, La Habana 1997, pág. 3. 6 Federico Engels en el Anti- Duhring refiriéndose al objeto de estudio de la Economía Política apuntaba que de lo que se trataba era del estudio de el conjunto de las relaciones de producción social de la existencia de los hombres; “las leyes especiales de cada etapa de desarrollo de la producción y del cambio y

14

objetivos, el tipo de mecanismo de realización, las políticas y estrategias de desarrollo, su implementación y los instrumentos jurídicos e institucionales que se empleen. Para nosotros el desarrollo se realiza (materializa) en espacio-tiempo concretos: la sociedades Latino caribeñas actuales; algunas en transición al socialismo del siglo XXI 7, sustentadas en un sistema de relaciones sociales de producción heterogéneas y por lo tanto contradictorias, donde predominan las relaciones capitalistas de producción en transición hacia una nueva cualidad. Entonces, el desarrollo solo puede ser entendido, explicado y superado, explicando las tendencias regulares y superando las contradicciones de dicho sistema, convirtiéndose este último – el nuevo sistema de relaciones de producción que se construye – en el verdadero objeto de investigación y de transformación y no “la conciencia de si mismo”. 8La integración no puede ser un fin en si misma, sino un proceso que se ponga al servicio del desarrollo que necesitan nuestros pueblos. 1.1 La Dimensión Socioeconómica Así, el proyecto social que se encamine y el proceso de integración que lo sustente y facilite, debe poner en el centro de atención a los seres humanos y su entorno, como gestores directos solo al llegar al final de esta investigación podrá formular las pocas leyes generales aplicables a la producción y al cambio.” Federico Engels. AntiDuhring, Editorial Pueblo y Educación, La Habana, 1979, p. 180. 7 El tema del Socialismo del siglo XXI requeriría un trabajo adicional para su análisis, lo cual no es posible en los marcos de la presente ponencia. 8 Carlos Marx en el Prólogo a la Primera Edición de El Capital escribió: “solo nos referimos a las personas en cuanto personificación de categorías económicas, como representantes de determinados intereses y relaciones de clase. Quién como yo concibe el desarrollo de la formación económica de la sociedad como un proceso histórico-natural, no puede hacer al individuo responsable de la existencia de las relaciones de que él es socialmente criatura, aunque subjetivamente se considere muy por encima de ellas.” C. Marx, El Capital. Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 1973, Prólogo. P. XI.

15

de su destino y, por otro lado, como beneficiarios directos de los resultados del mismo. De lo anterior se desprende que un momento esencial de partida en la concepción del desarrollo está en determinar la estructura, características y tendencias (leyes) del sistema socioeconómico dado y con ello sus agentes. Debe identificarse las dimensiones y al interior de ellas los ejes socioeconómicos fundamentales y los sujetos en su estructuración en clases y grupos sociales. La estructura económica, Marx la defines como “el conjunto de las relaciones de producción que en ella priman, las cuales corresponden a un determinado grado de desarrollo de las fuerzas productivas materiales y constituyen la base real sobre la cual se eleva la superestructura jurídica y política y a la que corresponden determinadas formas de la conciencia social. El modo de producción de la vida material condiciona el proceso de la vida social, política e intelectual en general.” 9 Y más adelante apuntaba: “Así como no se juzga a un individuo por la idea que él tenga de si mismo, tampoco se puede juzgar tal época de revolución por la conciencia (cursiva del autor) de si misma; es preciso, por el contrario, explicar esta conciencia por las condiciones de la vida material, por el conflicto que existe entre las fuerzas productivas y las relaciones sociales de producción.” 10 En el nuevo proyecto social de desarrollo la “superestructura jurídica y política” adquieren un papel activo en el proceso de transformación y creación de las nuevas bases; si importante es el acceso al poder político de las nuevas fuerzas revolucionarias, tanto o más lo es refrendar jurídicamente (nuevas constituyentes, referéndum, etc.) el nuevo rumbo para consolidarlo. El sistema socioeconómico de una sociedad concreta está compuesto por la unidad de dos estructuras que se presuponen y 9

Marx, C.: Contribución a la crítica de la Economía Política. Editorial Pueblo y Educación, La Habana, 1970. Prólogo, p. 12. 10 Marx, C.: op. cit., p. 13.

16

excluyen mutuamente: la estructura de las relaciones sociales de producción y la estructura de las fuerzas productivas. La ley marxista del cambio social (del desarrollo) se refiere precisamente a la correspondencia obligada entre las relaciones sociales de producción y el nivel de desarrollo de las fuerzas productivas. “Así, Marx nos plantea sistemáticamente, el contenido de la famosísima ley de la correspondencia entre el nivel de desarrollo de las fuerzas productivas y las relaciones de producción como fundamento de la teoría general del desarrollo histórico. Estas relaciones determinadas, necesarias, independientes de su voluntad tienen lugar siempre a partir de y en el marco de determinadas relaciones de propiedad.” 11 Esta ley actúa lo mismo en el transito de una formación social a otra, que al interior de una formación. 12 Por lo tanto, es valida en los marcos de la transición 11

Figueroa Albelo, V. La economía política de la construcción del socialismo. Editorial Eumed.Net, 2006, p. 43. Figueroa Albelo aclara a pie de página que: “esta ley no puede ser interpretada mecánicamente – desgraciadamente así sucedió en no pocos casos – tampoco puede negarse la autonomía relativa de las relaciones de producción y su capacidad de movilizar o retrancar el desarrollo de las fuerzas productivas en la historia de la humanidad”. Ibidem. 12 “Una sociedad no desaparece nunca antes de que sean desarrolladas todas las fuerzas productivas que pueda contener, y las relaciones de producción nuevas y superiores no se sustituyen jamás en ella entes de que las condiciones materiales de existencia de esas relaciones hayan sido incubadas en el seno mismo de la vieja sociedad. Por eso la humanidad no se propone nunca más que los problemas que puede resolver, pues, mirando de más cerca, se verá siempre que del problema mismo no se presenta más que cuando las condiciones materiales para resolverlo existen o se encuentran en estado de existir.” C. Marx, op. cit., p. 13. La definición de sistema socioeconómico coincide con la de “sistema de relaciones de producción” que da Lenin según la cual: “cada sistema de relaciones de producción es, según la teoría de Marx, un organismo social particular, con sus leyes propias de aparición, de funcionamiento y de paso a una forma superior de conversión en otro organismo social.” Ver: Lenin, V. I., Contenido Económico del populismo y su crítica en el libro del Sr. Struve. O. C., T. I., p. 429. Los distintos modos de producción que lo componen y sus respectivas formas organizativas y de propiedad son: 1) el modo de producción socialista sustentado en; a) la propiedad Estatal (Empresa Estatal), b) la propiedad estatal-

17

al socialismo y acompañará su evolución. Las relaciones de producción tienen una forma exterior de manifestación y una íntima realidad, que no siempre coincide con la apariencia. El concepto marxista se refiere a esa realidad oculta que es necesario descubrir y apropiarse mediante categorías y leyes y transformarla. El concepto se refiere al modelo del cambio social marxista, al concepto marxista de desarrollo, al explicar la sustitución de una estructura por otra o a los cambios que se dan al interior de una formación social: a) lenta transformación progresista de las fuerzas productivas, b) desajuste contradictorio con las relaciones sociales de producción y, c) conclusión; estructura socioeconómica de cualidad nueva. Los factores endógenos constituyen la base del análisis, son la base del cambio y del desarrollo y los factores exógenos actúan de modo indirecto acelerando o frenando el desarrollo de las fuerzas productivas. 1.2 La Dimensión Tecnológica del Desarrollo Las Ciencias Sociales sitúan la Ciencia y la Tecnología como elemento esencial de las fuerzas productivas y la conceptúa como los medios de producción que intervienen entre el trabajo y los objetos de la naturaleza. 13 Se debe inferir entonces, que la Ciencia y la Tecnología es mucho más que objetos materiales (“volumen y eficacia de los medios de producción”). Ella acumula “destreza del obrero”, costumbres y cultura, “progreso de la cooperativa (Unidades Básicas de Producción Cooperativa) y c) la propiedad cooperativa (sector CPA), 2) el modo de producción mixto; sustentado en la propiedad mixta estatal-capital extranjero; 3) el modo de producción pequeño mercantil – formal e informal del campo y la ciudad – basado en la propiedad privada individual. 13 Es preciso recordar que Carlos Marx define la producción de la forma siguiente: “Toda producción es apropiación de la naturaleza por los individuos, en el interior y por medio de una determinada forma de sociedad.” Carlos Marx. Contribución a la crítica de la Economía Política. Op. Cit., p. 241.

18

ciencia y su aplicación”, conocimientos, experiencias y tradiciones que se van transfiriendo de generación en generación. La Ciencia y la Tecnología, producto directo del ingenio humano, debe ser puesta definitivamente al servicio de los seres humanos y su entorno, de tal manera que se minimicen sus costos económicos, sociales, culturales y ambientales. La atención debe centrarse en “que el progreso científico y tecnológico no puede constituir un fin en si mismo, sino un medio para promover el desarrollo humano equitativo de la sociedad”. 14 La historia ha demostrado que para acceder al progreso científico y tecnológico tan añorados y necesarios desde épocas pasadas en la región, es necesario apropiarse de los medios de producción fundamentales y de la riqueza en los sectores claves, sin absolutizar formas sociales apropiación y esquemas caducos de socialización. En tal sentido los proyectos de desarrollo e integración se encaminan en tal dirección, con criterios autóctonos basados en el principio de independencia nacional, soberanía, equidad y justicia social. 1.3 La Dimensión Medioambiental Los seres humanos y el medio conforman un sistema único integrado en el cual los hombres entran en determinadas relaciones sociales al apropiarse de la naturaleza y éste actúa sobre la sociedad. Por tanto, los seres humanos y las relaciones que se originan no son un elemento aislado en relación con el medio y este último no puede tratarse en un sentido estrictamente naturalista y aislado. De lo que se trata entonces es de establecer un enfoque y soluciones humanistas a los problemas que surgen de la relaciones entre los hombres en sus vínculos con la naturaleza.

14 Investigación sobre ciencia, tecnología y desarrollo humano en Cuba, 2003. p. XIX.

19

1.4 La Dimensión Cultural La cultura en el sentido amplio del término, incluye no solo la educación y la cultura artística y literaria – la literatura, la danza, el teatro, el cine, la plástica, la música y la poesía –, sino que sintetiza las tradiciones y costumbres acumuladas, enriquecidas constantemente y transferidas de generación a generación. Es un producto histórico y un factor del desarrollo de la sociedad que la identifica como nación. La cultura en general y la artística y literaria en particular y su producto, el producto cultural o artístico, están determinados por las relaciones sociales imperantes, a pesar de que en ocasiones se le quiera atribuir una “subjetividad”, “intangibilidad” e “individualidad” particular que lo independizan. Recordemos con Marx que “el desarrollo de la formación económica de la sociedad como un proceso histórico-natural, no puede hacer al individuo – al productor cultural, al creador (nota del autor) – responsable de la existencia de las relaciones de que él es socialmente criatura, aunque subjetivamente se considere muy por encima de ellas.” 15 Por lo tanto, las distintas culturas – la cultura productiva, la cultura económica, la cultura medioambiental, tecnológica y política – son expresión de las relaciones necesarias históricamente dadas. Solo el método de la abstracción nos permite el análisis de la cultura en si misma, aislándola del resto de las dimensiones del desarrollo y tratarla como un fenómeno relativamente independiente y en su mayor pureza. De igual forma, nos permite abordar la cultura en su sentido estrecho; como cultura artística y literaria. Así, la producción, la distribución, el intercambio y el consumo del producto artístico y literario, aunque adquiera particularidades e independencia relativa, no dejan de estar subordinados al sistema de relaciones imperantes en el país y 15 C. Marx, El Capital. Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 1973, Prólogo. P. XI.

20

épocas concretas y su entorno y expresan sus tendencias y contradicciones. Por lo tanto, las contradicciones que hoy se perciben en la superficie de la sociedad en cuanto a la producción, distribución, al intercambio o circulación – el mercado, comercialización y sus mecanismos e instrumentos – y el consumo del producto artístico, tiene sus orígenes en el proceso de producción artístico y literario, su contenido y estructura socioeconómica. Descubrir el contenido y la estructura de dicho proceso de producción artístico y literario, no solo a nivel de la sociedad, sino también a escala regional y local, es trascendente para el afianzamiento de nuestra identidad cultural latinoamericana y el reconocimiento de la diversidad cultural existente. Es conocida las transformaciones e impactos del Neoliberalismo en nuestras sociedades desde finales de los años 80ta. Esto creó necesidades y planteó nuevas contradicciones nunca entes experimentados por nuestras culturas nacionales. Así entonces, se produce un cambio en el contenido y la estructura de nuestros productores o creadores artísticos y literarios, en la circulación y el consumo del producto cultural. ¿Cuál es entonces la tipología de nuestros productores o creadores artísticos y literarios a nivel de sociedad y cuáles son sus peculiaridades a nivel regional y local? Sabemos que quizás sea en el campo de la cultura artística y literaria donde la división social del trabajo sea más marcada. 16 Sin embargo, aún cuando la división social del trabajo en esta esfera imprima con más énfasis el sello individual al producto del trabajo del creador, al producto artístico, este último no deja de tener o contener y expresar la sustancia misma de las relaciones sociales específicas, sin perder el sello de lo individual – los 16

Al respecto de la división social del trabajo Federico Engels apuntaba: “Las diferentes fases del desarrollo de la división del trabajo son otras tantas formas distintas de la propiedad; o, dicho en otros términos, cada etapa de la división del trabajo determina también las relaciones de los individuos entre sí, en lo tocante al material, el instrumento y el producto del trabajo.” Federico Engels. La Ideología Alemana. Editora Política, La Habana, 1979. p. 20.

21

sentimientos, espiritualidad del creador – y lo diverso. De este modo se ha venido dando una contradicción entre los intereses, los sentimientos y necesidades del creador de una parte y de otra parte, la demanda del mercado y las necesidades del consumidor del producto artístico en muchos casos artificialmente creadas o importadas hacia la región. Aquí sería muy útil diferenciar entre el destinatario nacional y extranjero, dado el contexto en que se han desenvuelto las sociedades de la región desde los años 80ta, bajo el dominio del neoliberalismo. Una contradicción primaria que se ha exacerbado es la que se da entre la producción artística y literaria y la distribución. La distribución es la vía por la cual el creador recibe de la sociedad el equivalente al trabajo (producto artístico) por él aportado. Aparece un primer problema: ¿Cómo valorar el trabajo y el producto artístico, “subjetivo” “intangible” surgido de los sentimientos más íntimos de un creador autentico y autóctono? ¿Cómo medir la calidad, pongamos como ejemplo, de una canción, de una obra teatral, de una pintura o de una novela? Aquí los criterios son muy relativos, lo mismo que podría decirse de la valoración de un descubrimiento hecho por un científico en un laboratorio en el área de la salud. Es cierto también, que todas las creaciones en este campo, por más que se originen y contengan la subjetividad más profunda, se objetivizan y hacen tangibles indefectiblemente; la música en un CD o en un concierto, una obra de teatro en la puesta en escena, etc. Al final, los criterios que deben primar son los valores morales, artísticos y estéticos del proyecto social que encaminan nuestros pueblos; legitimado por el público y no por criterios del mercado. Los proyectos de desarrollo y de integración ALBA ponen en el centro de atención la cultura artística y literaria autóctonas de la región. ¿A qué necesidades debe responder el producto artístico?, ¿Debe estar orientado al mercado y a la demanda solvente o a las necesidades sociales? Por su parte el vínculo entre la producción y el consumo 22

está mediado por la distribución y el intercambio (mercado). Hay que distinguir entonces, las vías, formas de producción y creación y para qué público y a través de qué mecanismos les llega. Si nos atenemos a la dialéctica producción-consumo; una cosa es lo que considere el creador de su producto y otra lo que considera la sociedad como destinatario y final legitimador de dicho producto. Como decíamos anteriormente, el creador (productor) aún cuando actúe a titulo individual, es un producto social y al final como “criatura” social responderá a los patrones tendenciales de su época. Aquí aparece entonces una contradicción entre la producción artística y literaria, expresión de las identidades nacionales y valores propios del proyecto en construcción y el creador; que es único – Venezolano, Boliviano, Cubano, Latinoamericano – y el destinatario; el público, su pueblo o extranjero, cuyas necesidades y demandas pueden ser diferentes. El objetivo fundamental en la que se ha de sustentar la política la política cultural de la región es la de elevar constantemente la cultura y favorecer los valores morales, artísticos y estéticos de los procesos de revoluciones sociales en marcha y no elevar las ganancias del productor. No es un producto para satisfacer necesidades consumistas o el consumo de elite, sino para el disfrute y satisfacción de necesidades auténticas de masas. En este empeño, habría que diferenciar entre las necesidades culturales objetivas y la demanda; entendida ésta última como demanda solvente: la capacidad adquisitiva de los ingresos de los consumidores. Debe evitarse por todos los medios y con todos los medios que el consumo artístico sea inducido por el mercado en términos absoluto. De lo anterior se deriva otra contradicción: entre la calidad del producto artístico y lo inevitable del consumo. 17 Esto hace más necesario que sea validado constantemente por 17

Rudy Mora en la Revista TEMAS refiriéndose a la televisión refería que: “Sabemos que nuestro producto se va a consumir inevitablemente porque no es posible – por las condiciones económicas en el país y la producción – tener dos

23

las masas 18. ¿Cómo se manifiestan estas tendencias y las contradicciones y se resuelven a escala regional y local? Son problemas que están por indagar en investigaciones más concretas. 2 Los principios del desarrollo Los principios del desarrollo enunciados anteriormente – la eficiencia, la equidad, la sostenibilidad, la cooperación, la seguridad, la potenciación y la participación – expresan en su interdependencia reciproca; y con las dimensiones, los valores que en última instancia contiene el proyecto de desarrollo (de transición al socialismo del siglo XXI) y de integración que se ha comenzado a desplegar en la región, los cuales lo caracterizan desde su origen y lo diferencian del resto de los paradigmas de desarrollo, implementados y existentes, especialmente del Imperialista-Neoliberal. Como se apuntó con anterioridad, las teorías y modelos han enfocado generalmente el desarrollo como un fenómeno macro, proyectos simultáneos para un mismo horario. Esto crea, y no en todos, la poca necesidad de buscar la calidad a ultranza porque nunca se pone en crisis la permanencia en el espacio como creador, y entonces la búsqueda y la necesidad de la competitividad sana para este destinatario, y como artista desaparece. Creo que la no presencia de un mercado en términos de exigencias como en la música, la plástica u otras zonas de la creación artística hace que, de manera general, en los seriados cubanos viva el inmovilismo. No se siente la necesidad de la medida, no hay un sistema directo y sincrónico, algo que te esté exigiendo determinadas reglas, porque además nuestro sistema televisivo transmite productos terminados. Revista Temas, No. 33/34, abril/septiembre de 2003. p. 155. 18 El propio Rudy más adelante añade: “Hay productos artísticos que pueden convertirse en algo masivo, sobre todo en Cuba, por las características que mencioné, pero tienen que comunicarse de verdad con el público. De lo contrario, puede estar y la gente no reparar, simplemente verla, o verla para criticarla. Eso es muy de Cuba con respecto a otros mercados, otros países u otros canales de televisión, porque casi nunca, por muy baja calidad que tenga, se levanta del aire.” Ídem, p. 157.

24

asistido de forma exógena por los Estados-Nación, de “arriba – abajo” y desde afuera como parte del lugar asignado a las naciones en la División Internacional Capitalista del Trabajo (DICT). Para los teóricos, decisores e implementadores de estrategias de desarrollo lo local-comunitario ha sido el Estado Nación y el desarrollo ha estado dirigido a la Nación en su conjunto pero, como totalidad fragmentada. 19 Al concepto y la práctica de lo local debe dársele un contenido diferente y una importancia trascendental a los fines de elevar los niveles de desarrollo, manteniendo los niveles de seguridad y potenciar su integración con los restantes niveles superiores. El concepto de localidad nos permite hacer interpretaciones y ejecutar acciones desde lo local hasta lo global y reconocer el derecho a las teorías, las construcciones y transformaciones propias desde la realidad concreta. Lo local representa el punto de encuentro, el ámbito donde los agentes 19

En un mirada crítica a las teorías burguesas sobre lo local-comunitario habría que señalar con Néstor Kohan que: “la literatura filosófica de la Academia post 68 abandona de un plumazo las categorías críticas de estirpe marxista que cuestionan el fetichismo de la sociedad mercantil capitalista y su fragmentación social… La mirada crítica de la dominación y explotación capitalista se desplazó a partir de esos años desde la la gran teoría – centrada, por ejemplo, en el concepto explicativo del ‘modo de producción’ entendido como totalidad articulada de relaciones sociales históricas – al relato micro, desde el cuestionamiento del carácter clasista del aparato de Estado a la descripción del enfrentamiento capilar y a la ‘autonomía’ de la política, desde el intento por trascender políticamente la conciencia inmediata de los sujetos sociales a la apología populista de los discursos específicos propio de cada parcela de la sociedad” (página 10). “Las instancias y segmentos que forman parte del entorno social se volvieron a partir de entonces absolutamente ‘autónomas’. El fragmento local cobró vida propia. Lo micro comenzó a independizarse y a darle la espalda a toda lógica de un sentido de lucha” (página 12). “La sociedad capitalista queda sancionada, administrativamente y con el sello prestigioso de las metafísicas académicas ‘post’, como algo eterno. Solo nos resta seguir pataleando y protestando en el ámbito local.” Néstor Kohan. Fetichismo y hegemonía en tiempos de Rebelión. Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 2005.

25

(Recursos Humanos) territoriales adquieren capacidades, fijan el rumbo y construyen el futuro. El desarrollo local es, por tanto, un proceso territorializado de concreción y maduración de las relaciones sociales de producción. Es un proceso generado y adquirido por los sujetos locales. Los sujetos socioeconómicos pasan de espectadores y simples receptores, a protagonistas de su propio destino mediante su participación directa en el sistema de relaciones sociales de producción que se materializa o se hace tangible en el ámbito local, superándose la visón sectorial, verticalizada y fragmentada de la economía y la sociedad para entenderla como sistema económico social, como totalidad concreta. Nada de esto es absoluto y por tanto, nada tiene que ver con la autarquía. El desarrollo local lo concebimos como desarrollo endógeno que utiliza y aprovecha las oportunidades externas y comparte las ventajas de cada nación o región. En tal sentido debe apuntarse que el desarrollo local no es únicamente desarrollo municipal o comunitario. El territorio, como un sistema económico social compuesto por un entramado complejo y contradictorio de relaciones sociales de producción incluye el conjunto de vínculos, relaciones, tendencias internas, estables y objetivas que se dan entre los sujetos en un contexto histórico social determinado. Incluye además, el conjunto de eslabonamientos productivos, institucionales y políticos. En tercer lugar, el desarrollo local tiene que ver con un enfoque territorial y de “abajo-arriba”, pero debe buscar también las intervenciones de los restantes niveles de relaciones y decisiones del Estado (provincia, región y nivel central) que faciliten el logro de los objetivos de la estrategia de desarrollo local y solucione las contradicciones. Se precisa, pues, de una eficiente coordinación de los diferentes niveles territoriales de las administraciones públicas y de un contexto integrador de los niveles nacional, provincial, y local y en sentido inverso. Las decisiones de “arriba-abajo” son también importantes para el enfoque del desarrollo local. Además, es concebido como un conjunto organizado de sujetos, recursos e instituciones 26

(públicas, sociales, científicas, no gubernamentales, etc.) que interactúan dialécticamente en el entorno. La dimensión político-axiológica del desarrollo debe construir y/o potenciar un pensamiento inclusivo de matriz transdisciplinar que reconstruya los conceptos e indicadores de desarrollo necesarios a nuestras realidades sobre la base de repensarla desde la unidad en la diferencia, el antiinjerencismo, la independencia política y económica y la solidaridad y crear una conciencia crítica hacia los modelos euro céntricos y norteamericanos y por ende consumistas de desarrollo, a partir de una metodología de evaluación coherente de políticas públicas para el desarrollo. La cooperación y participación son principios rectores del desarrollo y la integración ALBA que se implementan en la región. Su potenciación convierte a los actores en los protagonistas principales del desarrollo a través de su participación directa. En tal sentido Ernesto Che Guevara señalaba que: “la última y más importante ambición revolucionaria (que) es ver al hombre liberado de su enajenación”, y que para ello “todavía es preciso acentuar su participación consciente, individual y colectiva, en todos los mecanismos de dirección y producción y ligarla a la idea de la necesidad de la educación técnica e ideológica, de manera que sienta como estos procesos son estrechamente interdependientes y sus avances son paralelos. Así logrará la total conciencia de su ser social, lo que equivale a su realización plena como criatura humana, rotas las cadenas de la enajenación.” 20 Es necesario esclarecer el concepto de participación como principio y método que se convierte en el hilo conductor de nuestro modelo de desarrollo. El proceso de participación puede considerarse como la unidad de dos subprocesos: 1) se trata de aprovechar y potenciar las capacidades de pensar de los Recursos Humanos implicados, lo que conduce a la planificación del desarrollo y potencia el valor 20 Ernesto Che Guevara: El Socialismo y el hombre en Cuba. Editora Política, La Habana, 1988, p. 15.

27

de la participación y, 2) se trata de aprovechar y potenciar la capacidad de actuar de los Recursos Humanos en grupo (en colectivo) y por consenso, lo que debe garantizar el proceso de ejecución y potenciar el valor de la implicación. No se trata solo de la cooperación y la participación de los que hasta ahora se han considerado simples receptores, sino también de implicar a los Universidades, integrada en sus distintas disciplinas en los procesos de desarrollo e integración. La academia y sus profesores-investigadores hasta hace poco, como norma se ha encargado de investigar, criticar, utilizar en la docencia y divulgar con sus medios el fenómeno del desarrollo, pero no siempre han salido de sus predios para acompañar de forma participativa a los actores y beneficiarios directos de dichos procesos. De lo que se trata entonces es de transferir conocimientos y tecnologías, de generar nuevos conocimientos y tecnologías mediante la participación directa y coordinada de investigadores, actores y beneficiarios directos. Como se apuntara anteriormente, las distintas ciencias como regla han abordado el desarrollo en los marcos de su objeto de estudio específico. Los gobiernos en la decisión de políticas, su implementación y realización no han tenido siempre en cuenta el contenido multidimensional del proceso y el carácter transdisciplinar en que debe ser tratado. De aquí la necesidad de que en los procesos reales, el desarrollo sea atendido cada vez más por los actores como un proceso de contenido multidimensional y se atienda su carácter transdisciplinar, es decir, que se ponga el énfasis hacia el área donde convergen las distintas ciencias para impulsar el desarrollo y se construya tal transdisciplinariedad. Las dimensiones del desarrollo están relacionadas con una o más ciencias y disciplinas, cada una de las cuales se encuentran mutuamente relacionadas en los procesos reales de desarrollo en que se desenvuelven de forma compleja y contradictoria, por lo que lo transdisciplinar se convertiría en un resultado que debe ser construido a partir del proceso de formación de los Recursos Humano, de investigación, de transferencia de conocimientos y 28

tecnologías y de la generación de nuevos conocimientos y tecnologías por los actores e investigadores, de transformación y extensión. La Investigación + Desarrollo debe concebirse entonces, en primer lugar, con un enfoque Transdisciplinar, que parta de lo global hasta llegar a lo local, vinculándose con las realidades más concretas en todas las dimensiones del desarrollo formuladas, para luego construir las generalizaciones teóricas y tecnológicas que emanen de los procesos reales de desarrollo y sirvan para explicarlos y transformarlos. El debate constante debe enriquecer la teoría acerca del desarrollo a partir de la sistematización de toda la experiencia acumulada y el quehacer práctico tomando en cuenta los problemas globales, las experiencias y particularidades nacionales, reconstruir la teoría del desarrollo con un enfoque transdisciplinar que explique la realidad y sus contradicciones y contribuya a solucionarlas. Cuba 21 acumula una experiencia y ha hecho aportes importantes en el plano teórico-metodológico, a la conformación y aplicación de índices para el diagnóstico y la medición del desarrollo humano. Ello se verifica en la Investigación sobre desarrollo humano en Cuba 1996 – donde se introduce un índice para evaluar el desarrollo humano de las provincias de Cuba (CIEM; Índice Provincial de Desarrollo Humano). Estos resultados fueron referenciados en el Informe sobre desarrollo humano 1999 (PNUD, 1999). Los debates posteriores permitieron introducir en la Investigación sobre Desarrollo Humano y Equidad en Cuba 1999, el Índice Territorial de Desarrollo Humano y Equidad (CIEM, 2000). La última aplicación de dicho índice fue en el año 2003. La utilización y perfeccionamiento de dicho índice servirá para el diagnóstico de las regiones seleccionadas y la evaluación de los logros esperados.

21

Ver: Investigación sobre ciencia, tecnología y desarrollo humano en Cuba 2003. CIEM. P. 161.

29

3 La integración Latino caribeña y los agentes socioeconómicos de nuevo tipo: Las Empresas de Producción Social Integradas (EPSI) del ALBA ¿Qué integración o cuál es el tipo de integración que puede garantizar el desarrollo que necesitamos?

Los esquemas de integración desarrollados hasta hoy en nuestra región no han garantizado ni garantizarán el desarrollo que necesitan nuestros pueblos. Dichos esquemas han estado centrados en lo económico y particularmente en el comercio, soslayando el resto de las dimensiones del desarrollo y el objetivo supremo de todo proceso de desarrollo que se considere verdadero: los seres humanos y la potenciación de su bienestar pleno. Por el contrario, la integración ha estado regida por las relaciones capitalistas transnacionalizadas que han dominado en los últimos tiempos la región. Hasta hoy la industria dinámica integrada nacionalmente e independiente del capital transnacional en América Latina y el Caribe está por crear. Este debe ser el mayor empeño de cualquier proceso de desarrollo e integración en la región. El ALBA por primera vez se ha planteado dicho objetivo y ha comenzado a constituir las Empresas de Producción Social Integradas (EPSI) de nuevo tipo del ALBA. Estas por su esencia son diferentes a las Empresas Transnacionales del sistema capitalista mundial y a la Translatinas, creadas al calor de los procesos integracionistas planteados para dar respuesta al fracaso del modelo de desarrollo hacia adentro, de los años 50ta. La propuesta ALBA ya en marcha es más que un modelo acabado; es una guía estratégica que debe construirse desde adentro por, para y con los propios pueblos. El ALBA está creando los mecanismos de Cooperación y coordinación entre las naciones latinoamericanas para fortalecer la capacidad de negociación frente al ALCA, ha elaborado y ha puesto en marcha nuevos proyectos de desarrollo endógenos, apuesta al desarrollo del capital humano y 30

las tecnologías internas y arranca con la solución de los graves problemas sociales existentes (educación, salud) y de exclusión. Se sustenta en la participación directa real de los pueblos. El objetivo del ALBA es el desarrollo socioeconómico de los países miembros. Así, “la integración para los países de América Latina y el Caribe se convierte en condición indispensable para aspirar al desarrollo” 22. En los documentos programáticos del ALBA se señala que las bases de la misma están en la cooperación y la complementación de las economía, la solidaridad, la preservación de la independencia y la identidad nacionales y la eliminación de las desigualdades sociales para hacer las naciones más justas, más cultas, más participativas y fomentar la calidad de vida. De esta manera pudiera concluirse que el ALBA se sustenta en los mismos principios del proceso de desarrollo que necesitan nuestras naciones y que se formularan con anterioridad. El ALBA se distingue por la transformación de la bases socioeconómicas preexistentes en los países miembros y la creación de un nuevo sistema empresarial productivo mediante la ejecución de proyectos que fomentan las Empresas de Producción Social Integradas (EPSI) del ALBA. Por su esencia socioeconómica dichas empresas – y con ello el sistema empresarial ALBA – se sustentan en la propiedad pública (estatal, cooperativa o mixta existentes o que se creen a los fines de la integración y se centran en la creación de valores de uso social, la satisfacción de las necesidades sociales y y no en el mercado y la maximización de las ganancias. Es un sistema que persigue la máxima eficiencia privilegiando la complementación productiva, social, científica- tecnológica y financiera. El triunfo definitivo del ALBA y el desarrollo que impulsa vendrá, al demostrar en cuanto a eficacia y nuevos principios, su superioridad frente a las Empresas Transnacionales y las 22

Ver Acuerdos ALBA en Portal ALBA

31

Oligarquías Financieras nacionales. El estudio del nuevo sistema socioeconómico y las nuevas leyes económicas que han de sustentarlo está por hacer, sabiendo que la investigación debe concebirse en primer lugar, con un enfoque Transdisciplinar, que parta de lo global hasta llegar a lo local, vinculándose con las realidades más concretas en todas las dimensiones del desarrollo, para luego construir las generalizaciones teóricas que emanen de los procesos reales de desarrollo y sirvan para explicarlos y transformarlos. Conclusiones En el presente trabajo arribamos a las siguientes conclusiones generales: 1. Dado el condicionamiento objetivo y la interdependencia existente entre los proceso de integración y de desarrollo en América Latina y el Caribe, en las condiciones actuales de la región, es necesario construir un nuevo paradigma de desarrollo y su realización sería posible tomando como base un modelo de integración que esté al servicio y haga realidad nuevos principios en todas las dimensiones del nuevo paradigma de desarrollo. 2. El desarrollo es un proceso universal de carácter objetivo históricamente determinado y de contenido multidimensional, que íntervincula las dimensiones económica, la social, la cultural, la ambiental, la tecnológica y la político-jurídica; cada una de las cuales incluye a su vez, múltiples categorías, variables e indicadores que se sustentan en un conjunto de principios básicos tales como: la eficiencia, la equidad, la sustentabilidad, la cooperación y complementación, la seguridad, la potenciación y la participación. El desarrollo como proceso universal de cambio y transformación acusa su carácter conforme al tipo de relaciones sociales de producción prevalecientes, los valores, la ideología e intereses clasistas de la sociedad de que se trate. Es un proceso que se realiza (materializa) en espacio-tiempo concretos: la sociedades Latino caribeñas actuales; algunas en transición al socialismo del siglo XXI, sustentadas en un sistema de relaciones sociales de producción heterogéneas y por lo tanto contradictorias, donde predominan las relaciones capitalistas de producción en transición hacia una nueva cualidad. Entonces, el

32

desarrollo solo puede ser entendido, explicado y superado, explicando las tendencias regulares y superando las contradicciones de dicho sistema. 3. Los proyectos social revolucionarios que se encaminan y el proceso de integración que lo sustenta y facilita, ponen en el centro de atención a los seres humanos y su entorno, como gestores directos de su destino y como beneficiarios directos de los resultados del mismo. En dichos procesos la “superestructura jurídica y política” adquiere un papel activo en el proceso de transformación y creación de las nuevas bases; si importante es el acceso al poder político de las nuevas fuerzas revolucionarias, tanto o más lo es refrendar jurídicamente (nuevas constituyentes, referéndum, etc.) el nuevo rumbo para consolidarlo. 4. La historia ha demostrado que para acceder al progreso científico y tecnológico tan añorados y necesarios desde épocas pasadas en la región, es necesario apropiarse de los medios de producción fundamentales y de la riqueza en los sectores claves, sin absolutizar formas sociales apropiación y esquemas caducos de socialización. Los proyectos de desarrollo e integración se encaminan en tal dirección, con criterios autóctonos basados en el principio de independencia nacional, soberanía, equidad y justicia social. 5. Los proyectos de desarrollo y de integración ALBA ponen en el centro de atención la cultura artística y literaria autóctonas de la región. Los criterios que deben primar son los valores morales, artísticos y estéticos del proyecto social que encaminan nuestros pueblos; legitimado por el público y no por criterios del mercado. 6. Pudiera concluirse que el ALBA se sustenta en los mismos principios del proceso de desarrollo que necesitan nuestras naciones. El ALBA se distingue por la transformación de la bases socioeconómicas preexistentes en los países miembros y la creación de un nuevo sistema productivo, de distribución (complementación) e intercambio mediante la ejecución de proyectos que fomentan las Empresas de Producción Social Integradas (EPSI) del ALBA ( Empresas Gran nacional). Tal Sistema debe ir cambiando y transformando las relaciones sociales de producción capitalistas transnacionalizadas basada en el capital y la maximización de la ganancia. 7. Por su esencia socioeconómica dichas empresas –y con ello el sistema empresarial ALBA- se sustentan en la propiedad pública (estatal), cooperativa o mixta existentes o que se creen a los fines de la integración y se centran en la creación de valores de uso social, la satisfacción de las necesidades sociales y y no en el mercado y la maximización de las ganancias. Es un sistema que persigue la máxima eficiencia privilegiando la complementación productiva, social,

33

científica- tecnológica y financiera. 8. El triunfo definitivo del ALBA y el desarrollo que impulsa vendrá, al demostrar en cuanto a eficacia y nuevos principios, su superioridad frente a las Empresas Transnacionales y las Oligarquías Financieras nacionales. El estudio del nuevo sistema socioeconómico y las nuevas leyes económicas que han de sustentarlo está por hacer, sabiendo que la investigación debe concebirse en primer lugar, con un enfoque Transdisciplinar, que parta de lo global hasta llegar a lo local, vinculándose con las realidades más concretas en todas las dimensiones del desarrollo, para luego construir las generalizaciones teóricas que emanen de los procesos reales de desarrollo y sirvan para explicarlos y transformarlos. BIBLIOGRAFÍA COLECTIVO DE AUTORES. Economía Internacional. Editorial “Félix Varela”, La Habana, 1998. CALVO ESPINOSA, H. Hacia una “Revolución ciudadana”. Entrevista realizada al Presidente Rafael Correa. Periódico Juventud Rebelde, miércoles 31 de octubre de 2007. p. 3. ENGELS, Federico. Anti-Duhring. Editorial Pueblo y Educación, La Habana, 1979. ENGELS, Federico. La Ideología Alemana. Editora Política, La Habana, 1979. FIGUEROA ALBELO, V. La economía política de la construcción del socialismo. Editorial Eumed.Net, 2006. GUEVARA, E. El Socialismo y el hombre en Cuba. Editora Política, La Habana, 1988. INVESTIGACIÓN SOBRE EL DESARROLLO HUMANO EN CUBA 1996, Editorial Caguayo, La Habana 1997. INVESTIGACIÓN SOBRE CIENCIA, TECNOLOGÍA Y DESARROLLO HUMANO EN CUBA, 2003. KOHAN, N. Fetichismo y hegemonía en tiempos de Rebelión. Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 2005. MARX, C. El Capital. Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 1973. MARX, C. Contribución a la crítica de la Economía Política. Editorial Pueblo y Educación, La Habana, 1970. MORA, R. Revista Temas, No. 33/34, abril/septiembre de 2003. PORTAL ALBA.
34

A CIDADE COM DESENVOLVIMENTO HUMANO SUSTENTÁVEL * Carlos RS Machado ** Jaime García Ruiz ***

Introdução No ano de 2008, começamos a produzir um intercâmbio acadêmico e de investigação que avançou para uma profícua relação entre dois grupos de pesquisa e de investigadores de duas Universidades, uma brasileira (Universidade Federal do Rio Grande) e uma cubana (Universidade Central Marta Abreu de Las Villas). O núcleo da articulação foi a sinergia construída entre os pesquisadores em torno de dois projetos: O “Desenvolvimento *

Este trabalho apresenta as referências teóricas e conceituais de um subprojeto coordenado pelo primeiro autor, inserido no bojo do projeto coordenado pelo segundo autor. Além disso, o mesmo faz parte de um projeto macro, construído por um coletivo de pesquisadores brasileiros com um coletivo de professores cubanos em torno do projeto coordenado pelo prof. Dr. Jaime Ruiz (Cuba) e o Prof. Dr. Francisco Quintanilha Veras-Neto (Brasil). ** Professor da Universidade Federal do Rio Grande/FURG e do programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental/PPGEA/FURG; coordenador do grupo de Pesquisa Política, Natureza e Cidade/CNPq-Brasil, trabalhando com pesquisa, docência e extensão (Instituto de Educação/FURG), nos seguintes temas: Políticas Ambientais e Educacionais, Gestão Democrática e Qualidade da educação/ensino; Cidade Sustentável, participação e democracia sem fim, Henri Lefebvre, obra, concepções e vivido. *** Economista, Professor Doutor da Faculdade de Ciência Sociais da Universidade Central Marta Abreu de Las Villas/UCLV (Cuba) e coordenador do Projeto Fundamentación para o desarrollo humano sustentable desde la perspectiva transdisciplinar em América Latina e Caribe-Cuba.

35

Humano Sustentável A Partir De Uma Perspectiva Transdisciplinar” (Universidade de Las Villas), e o projeto “Educação e Natureza da Cidade” (Universidade Federal do Rio Grande), sendo cada projeto coordenado pelos autores acima. O resultado, em processo de desenvolvimento, foi a inserção do segundo no primeiro, de pensar o desenvolvimento humano na cidade e/ou de pensar a cidade com desenvolvimento humano sustentable. Neste trabalho, apresentamos os aspectos teóricos e conceituais relacionados aos temas das duas pesquisas, bem como nossas perspectivas teóricas e utópicas. Ou seja, apresentamos algumas definições teóricas e conceituais que fundamentam o projeto de pesquisa que tem o título acima, coordenado pelo pesquisador brasileiro; e que é parte do projeto maior, coordenado pelo pesquisador cubano. Na primeira parte, demonstramos algumas reflexões sobre o contexto macro no qual a cidade e os investigadores e seus projetos inserem-se; depois, discorremos sobre a (in) sustentabilidade do modelo de desenvolvimento hegemônico; da natureza, da teorização sobre a cidade e sobre a natureza no desenvolvimento humano, e da sustentabilidade da/na cidade. Por fim, nas considerações relacionamos os encaminhamentos de nossas pesquisas, articulações e pontos que deveremos equacionar coletivamente, ao longo dos próximos anos, rumo à utopia de cada um dos projetos, de ambos e de seus investigadores. 1 O contexto macro do desenvolvimento humano sustentável A destruição e exploração dos recursos energéticos, florestais e hídricos ou os efeitos do “desenvolvimento” industrial e tecnológico assumiram uma dimensão planetária de risco global para todos os seres vivos deste planeta (BROSWIMMER, 2005). O “aumento do controle e do domínio humano sobre a natureza” (PORTO-GONÇALVES, 2007), através dos processos desencadeados pelo desenvolvimento capitalista desregulado, acelerou extraordinariamente o domínio do homem sobre a 36

natureza, alterando as relações sociais de produção e de consumo e, consequentemente, as formas e conteúdos dos paradigmas. Estes, constituídos nos últimos 200 anos, com o capitalismo e a modernidade, instituíram a verdade científica, a objetividade, a racionalidade e a técnica usadas contra e na exploração da natureza e dos humanos (SANTOS, 1996, 2001; QUIJANO, 2001; ALIMONDA, 2002; MARTINEZ-ALIEZ, 2007; MACHADO, at.all, 2009). Nas últimas décadas, a globalização neoliberal, que se confunde com a americanização do mundo (PORTOGONÇALVES, 2006, 2007), a partir da hegemonia “desbragada” das grandes corporações empresariais e das elites capitalistas mundiais incidiu de forma aterradora sobre a(s) natureza(s). A natureza física é explorada de forma nunca antes observada; grandes contingentes humanos (consubstanciada nos pobres, nos trabalhadores, nos excluídos e nos indígenas) ampliaram-se de forma significativa. O desemprego, a violência, a falta de moradia, enfim, – a utopia “globalitária” (SANTOS, 2004) – não gerou a riqueza e a justiça alardeada por seus “pregadores”. Ao mesmo tempo, percebemos o crescimento das cidades na última década, que se urbanizam e mundializam, sem que, no entanto, muitos dos estudos elaborados propiciem indicadores capazes de sustentar uma teoria sobre a cidade (FREITAG, 2006; FARIAS, 2002). No Brasil, por exemplo, entre 1970 e 1980, dos 119 milhões de pessoas que constituíam sua população total, 80 milhões compunha a população urbana, o que significava um percentual de 67,7% (SANTOS, 1985). Dados do IBGE indicam que, em 2000, a população total do Brasil atingiu a marca de 169.590.693 habitantes. Deste número, a população urbana perfazia o total de 137.755.550 habitantes, isto é, 81,23% da população brasileira reside em cidades (CARVALHO, 2008).

Menos ainda de uma cidade sustentável com desenvolvimento humano articulado às suas diversidades e particularidades inseridas no global, hegemônico e/ou alternativo 37

do “outro mundo possível” apregoado pelos Fóruns Sociais Mundiais. Se no nível mais distante temos a globalização, o sistemamundo, as instituições e o Estado, esses “condicionam” o local, o cotidiano e as relações humanas. Todavia, a influência do global sobre o local\a cidade não é absoluta, havendo contradições, conflitos, rebeldias e resíduos nesse espaço de mediação entre a ordem distante e a ordem próxima (LEFEBVRE, 1991). Mas, as cidades também evidenciam diversas experiências, espaços e temáticas em disputa, o que torna cristalina uma não homogeneidade no nível local (ACSRLRAD et all 2006; CARLOS, 1996). 2 (In)sustentabilidade do desenvolvimento econômico O ambiente físico é inseparável dos demais seres vivos, inclusive os humanos, fazendo parte de um todo em processo permanente de mudanças, conflitos; e que, com o ambiente social, produzido pelos humanos na relação com aquele, foram colocados pela humanidade no momento atual numa “encruzilhada”, para abrasileirarmos a “bifurcação” identificada por Prigogine (in. WALLERSTEIN, 1993). Isto porque, o sistema capitalista, além de (in) sustentável, deixado a seu “livre” funcionamento, como as crises atuais evidenciam; também, sua história ambiental pregressa na América Latina, mostra que desde a chegada dos europeus a exploração humana e da natureza caracterizaram-se como “economias de rapina” (HERRERA, 1994, 2004),1 atualizadas 1

Recentemente o Prof. Dr. Pedro Cunill Grau (Venezuela), na conferência de encerramento do 12º Encuentro de Geógrafos de América Latina, ao falar sobre a degradação ambiental na Venezuela quando da colonização española, mostra que a exploração dos humanos incluía a dos “recursos” minerais, árvores, plantas, animais, ouro, enfim, a natureza em seus múltiplos aspectos sofreu a degradação, e muitas sendo extintas no processo de domínio colonial das potências europeias daquele tempo. (Ver: www.egal2009.com; 07/04/2009, Hotel Radisson, Montevidéu, Uruguai).

38

com a emergência dos Estados Unidos do Norte, como substituto dos europeus nesta tarefa. Mas, não imaginemos que os povos que aqui viviam desenvolviam uma relação “harmoniosa” com a natureza como nos mostraram Diegues (2004) e Javier Taks e Guillermo Foladori (2001), ou Broswimmer (2005), ao evidenciar o “ecocídio” atual, que tem suas raízes anteriores ao sistema capitalista atual. No entanto, na atualidade com a globalização neoliberal que “prometia o paraíso” para todos, diríamos que, a questão central seria o próprio sistema capitalista, ou como diz Wallerstein (2002), “é o sistema produtor de mercadorias”, consubstanciado em paradigmas hegemônicos (SANTOS, 1993, 2001; MACHADO, et. alli, 2009). Mas, as experiências alternativas ao capitalismo, como o socialismo constituído na experiência da URSS (1917), além de ter apresentado problemas como burocratização, controle do Estado e do partido sobre a sociedade, definhamento dos “soviets”, não avançaram para a “auto-gestão dos produtores associados”. Além disso, a teoria política da transformação que as explicavam e justificavam se instituíram, e não deram conta de aspectos da complexidade humana em suas relações sociais e com a natureza. Isto levou à institucionalização da teoria, entendido por aqueles, apenas como “reflexo” das bases econômicas (LEFEBVRE, 1957, 1959, 1968, 1973, 1991). Em decorrência disso, a própria concepção de desenvolvimento focou apenas no aspecto econômico, ou no “determinismo” da produção, em seu sentido restrito, de produção de bens e mercadorias predominou até recentemente, para citar apenas o caso da agricultura em Cuba (KOURI, 2003). La ecologia política [...] se ha constituído a partir del intento de ‘discernir mejor los mecanismos económicos y políticos generadores de desequilíbrios ecológicos’ para, sobre la base de um análisis crítico del funcionamento de las sociedades industriales avanzadas, reflexionar ‘sobre los médios que hay que poner em acción para llegar a um modo distinto de desarrollo (KOURI, 2003, p. 10).

39

No debate da esquerda e do marxismo, a questão ambiental, nas últimas décadas, vem sendo problematizada de forma mais consistente através da ecologia política (ALIMONDA, 2003) ou de proposições de um ecossocialismo (LOWY, 2005). Questão que Perry Anderson (1992), já nos anos 1970, levantava como emergindo, e gerando parte da “crise do marxismo” e, depois da “crise desta crise” nos inícios dos anos 1980. No entanto, a crise da década perdida na América Latina (BELLUZO, 1999), o fim do socialismo da URSS e no Leste europeu, e a emergência do “capitalismo de cassino” (SANTOS, 2001) e de “rapina” (HERRERA, 1994, 2004) levaram-nos ao extremo do desenvolvimento e crescimento da riqueza para poucos. Portanto, incluir tais temas (ambiente, o desenvolvimento humano sustentável, uma cidade com direitos para todos e todas) nas utopias visando um “outro mundo possível” como propõem os Fóruns Sociais Mundiais de Porto Alegre, é urgente e parte das tarefas acadêmico-políticas dos cidadãos envolvidos neste projeto. 3 A cidade: sua natureza no contexto macroconcebido O foco deste estudo será a cidade, ao entendermos que a mesma é um espaço de mediação, entre o que se desenvolve/produz no nível global (sistema-mundo e concepções/paradigmas) com o cotidiano/vivido, o dia a dia no espaço mais próximo de cada um de nós e de todos através das relações sociais. Sendo esse espaço, o lugar em que vivemos e desenvolvemos nossas atividades educativas, de investigação e de extensão, aí poderemos potencializar ações na produção da utopia do desenvolvimento humano sustentável como produção/obra dos sujeitos envolvidos na referida utopia. 2 2

De um lado, a investigação enquanto processo de trabalho/produção individual articula-se coletivamente às pesquisas e especificidades de cada projeto e pesquisador, mas também, é formação na medida em que visamos ao definir os conceitos, realizar eventos e debates, reuniões e discussões entre os

40

Mais precisamente, identificar o lugar da cidade em sua relação com seu entorno, é pensar suas relações com o exterior, seja o regional, o nacional e o mundial; mas, também, pensar seu interior, enquanto configuração de uma paisagem resultante das relações políticas, econômicas, ambientais, sociais, etc. através da história de sua coevolução com a natureza. É na cidade, no local e nas relações sociais cotidianas que se está produzindo e reproduzindo o sistema. Mas tal determinação (ou indução) não é absoluta, e processos coletivos e participativos de decisão que tenham os humanos como centrais, como desenvolvimento humano sustentável na cidade, poderão orientar à produção de alternativas, e assim contribuir para pensarmos um desenvolvimento humano sustentável para todos e para todas em todo o mundo. A cidade é o foco deste projeto. E Lefebvre a concebe como: obra e ato perpétuos dá lugar a instituições específicas: municipais. As instituições mais gerais, as que dependem do Estado, da realidade e da ideologia dominante, têm sua sede na cidade política, militar, religiosa. Elas aí coexistem com as instituições propriamente urbanas, administrativas, culturais. Donde certas continuidades notáveis através das mudanças da sociedade (LEFEBVRE, 1969, p.53).

Já Bárbara Freitag diz que as cidades são formações históricas próprias, cada uma com sua individualidade. Elas apresentam a cultura específica do seu tempo [...] [e] hoje as cidades, como centros culturais, econômicos e políticos, podem até mesmo substituir a realidade e o conceito de nação/Estado (FREITAG, 2006: 23).

Mas, todos concordariam que vivemos num sistema-mundo (WALLERSTEIN, 2001) planetário, no qual uns vivem numa pesquisadores; além de extensão, pois serão realizadas atividades mais amplas de exposição, divulgação e debates de nossas conclusões – de cada projeto e dos projetos articulados.

41

cidade capitalista, outros, numa cidade socialista, mas ambas em processos de constituição que decorreram de uma urbanização nas últimas décadas 3. Diz Ana Fani Carlos (CARLOS, 2004, p.7) que "a sociedade urbana constitui-se a partir da generalização do processo de urbanização no mundo" (Idem, 2004, p.11). No entanto, para avançarmos nesse debate sobre a cidade, diz Freitag ser necessário pensarmos em teorias da cidade: não podemos falar de uma ‘teoria da cidade’, ou seja, uma teoria que valha para todas as cidades que encontramos através da história e nas mais diversas regiões. Devemos, sim, falar de ‘teorias da cidade’, ou seja, das várias tentativas de conceituação da cidade como um fenômeno universal da vida em sociedade (FREITAG, 2006, p. 12).

A autora apresenta seus argumentos, percorrendo a produção sobre a cidade nos aspectos sociológicos, antropológicos, econômicos e políticos, arquitetônico e urbanístico (FREITAG, 2006: 12), em autores da Alemanha, França, Inglaterra e EUA e da América Latina e seu impacto no Brasil. Sobre Lefebvre, um dos autores centrais deste projeto, diz que “reaproximou-se do Partido Comunista em 1978, por continuar a ser um marxista convicto e, por isso mesmo, menos prestigiado no mundo acadêmico europeu”, e que “sua obra só foi divulgada e traduzida para outras línguas (mesmo assim parcialmente) após sua morte, em 1991 (Lefebvre 1996)” (FREITAG, 2006: 72). E diz (p.70, nota 8), ao referir-se às mobilizações estudantis na França, em 2006, que suas “análises (e os conceitos) continuam válidos” segundo a socióloga. E destaca que, apenas Lefebvre preocupou-se com a história da cidade, ao contrário de outros autores franceses 3

No caso, a cidade de Rio Grande; a cidade de Santa Clara/Cuba, são totalidades e parte de um país, o qual, por sua vez, insere-se nas relações internacionais e diplomáticas com muitos países da América Latina e de outros continentes. E, nesse sentido, ambas são influenciadas, mas, também, apresentam aspectos singulares, específicos de suas organizações socioeconômicas e políticas, bem como em seus marcos jurídicos.

42

que “privilegiaram o estudo do espaço, sua ocupação, sua produção social, sem demonstrar interesse especial pela evolução histórica da cidade” (idem, p.72). É uma pena que, a edição brasileira utilizou-se da expressão a construção do espaço, e não, produção como é o sentido da obra principal do autor sobre esse tema. 4 Outro autor destacado por Freitag é Milton Santos, brasileiro, que na mesma linha de Lefebvre (p.130), refere-se ao direito à cidade mas pensado a partir do “espaço histórico com bases na experiência colonial, na vivência secular de opressão e na rebeldia latente dos povos subjugados” (p.138). Focalizando o território, produziu elementos para “uma teoria do Brasil a partir do Território” (p.138), mas território entendido como “o nome político para o espaço de um país”, e desse na sua relação com espaço internacional (p.139). Enfim, partindo destes pressupostos, deveríamos pensar cada cidade em sua particularidade, e, portanto, de sua organização, história e processo de decisão e participação, bem como sua relação com a natureza. Mas, pensar implica indicar uma utopia, e os meios de sua realização. Nesse sentido, diríamos com Henrique Rattner que “a cidade [...] deve servir ao cidadão como um modelo de civilização sustentável [...] ancorada nos princípios de justiça social e autonomia individual” (2001, p.10), e que o desafio seria “implementar um novo conceito de poder político comunitário local” (idem, p.10), o qual se relacionaria a um novo paradigma de gestão urbana focada na participação, na democracia participativa, e como elementos da democracia sem fim (SANTOS, 1998). Henri Acselrad (2001), no entanto, lembra que a própria cidade e seu futuro estão sendo disputados pelos organismos internacionais, através de financiamento em infraestrutura pela 4

Refiro-me ao livro A produção do espaço (1974), pois Lefebvre discute nesse, e em textos anteriores, o conceito de produção com dois sentidos: um mais restrito, produção de coisas, mercadorias, bens, enfim; e outro mais amplo, que englobaria a produção de obras, do pensamento, das cidades, de tudo.

43

“melhoria da qualidade ambiental na vida urbana” (p. 22). Tais políticas orientar-se-iam por um “pensamento único urbano”, por uma cidade do “ambiente único – o ambiente dos negócios” (p. 22) 5 .Por outro lado, desde a “ótica dos movimentos sociais [...] há diferentes ambientes e diversos riscos para os atores sociais da cidade”; é necessário pensarmos “um novo modelo de desenvolvimento urbano, baseado nos princípios da democratização dos territórios, do combate à segregação socioespacial, na defesa do acesso aos serviços urbanos e na superação da desigualdade manifesta também nas condições de exposição aos riscos urbanos” (p. 23). Até porque, a crise social nas cidades, que se apresenta, tem suas raízes fora de suas fronteiras (ACSELRAD, 2001, p. 23). Diante disso, propõe: Em contraposição às estratégias de modernização ecológica das cidades, a noção de “justiça ambiental urbana” é aquela que permite que se oponha resistência às estratégias de desterritorialização das capitais, [...] a busca da produção, da distribuição e reprodução de múltiplos atributos qualitativos de um ambiente urbano para todos (ACSERLRAD, 2001, p. 24).

Por sua vez, o tema da “sustentabilidade urbana” está presente nos debates ambientais desde o Relatório de Brundtland, em 1987 (Idem, 2001, p. 25), e ao fazer uma descrição das diferentes concepções (eficiência, ética, de escala, da autossuficiência) diz que “o futuro das cidades dependerá em grande parte dos conceitos constituintes do projeto de futuro dos agentes relevantes na produção do espaço urbano” (p. 30). Para finalizar esta parte, reafirmaríamos a necessidade da produção de uma cidade sustentável, na sua relação com a natureza e na produção dos meios necessários à vida, resultantes de um processo de efetivação de uma democracia sem fim e de alta intensidade (SANTOS, 5

A cidade do Rio Grande está assinando com o Banco Mundial, com anuência do BNDS e do governo federal brasileiro, um empréstimo no qual a questão da infraestrutura, da paisagem, etc. são focais do projeto que o sustenta.

44

1998, 2001, 2007) perpassando todas as relações sociais, educativas e com a natureza poderia ser uma utopia articuladora das ações destes pesquisadores-cidadãos e educadores ativos e rebeldes. Além de inconformados com as condições de miséria, exclusão e de exploração de nosso povo desde há 500 anos (MACHADO, SOLER, DE PAULA, NETO, 2008).

4 A natureza na cidade com desenvolvimento humano sustentável O "direito à natureza (ao campo e à ‘natureza pura’) entrou para a prática social há alguns anos em favor dos lazeres", através de banalizações "contra o barulho, a fadiga, o universo concentracionista das cidades” (à medida que a cidade apodrece ou explode) (LEFEBVRE, 1969, p. 67), disse Lefebvre no final dos anos 1960 (1969, p. 67). E propõe em alternativa à cidade existente na França, então, uma cidade nova ou cidade do futuro: O direito à cidade se manifesta como forma superior dos direitos: direito à liberdade, à individualização na socialização, ao habitat e ao habitar. O direito à obra (à atividade participante) e o direito à apropriação (bem distinto à propriedade) estão implicados no direito à cidade (LEFEBVRE, 1969, p. 124).

Na década de 1970, propõe uma revolução urbana (1999 [1970]) diante da emergência da urbanização, sugerindo que a industrialização perdia a sua força na determinação da sociedade (LEFEBVRE, 1999). Ele analisou e criticou o urbanismo (como ideologia), pois o mesmo reduziu a complexidade ao instituir e incorporar-se ao sistema. Sérgio Martins (1999: 11-12) afirma que “passados quase 30 anos, tal projeto de transformação da sociedade, pela reinvenção desse mundo invertido [...] ganhará sentido quando começarmos a tirar daí as consequências”. Segundo Lefebvre: A cidade, antinatureza ou não-natureza - e, portanto, segunda natureza ou natureza segunda - anuncia o mundo futuro, o mundo urbano

45

generalizado. Enquanto some de particularidades exteriores, umas em relação às outras, dispersas pelo espaço, a natureza morre. Ela dá lugar ao espaço produzido: o urbano definido como ajuntamento e encontros, como simultaneidade (centralidade) de tudo o que existe socialmente; esta naturalidade segunda e apropriada pode fracassar; é um aspecto da hipótese estratégica (LEFEBVRE, 1973: 15).

Em A cidade do Capital (1973) diz As forças produtivas, no seu crescimento, apesar dos ‘entraves’ das relações de produção capitalistas, estimuladas por duas guerras mundiais, atingiram tal potência que produzem o espaço. Em escala mundial, o espaço não é somente descoberto e ocupado, ele é transformado, a tal ponto que sua ‘matéria-prima’, a ‘natureza’, é ameaçada por esta dominação que não é uma apropriação. A urbanização geral é um aspecto desta colossal extensão (LEFEBVRE, 1999 [1973], p. 173).

Mas, Lefebvre considera que, onde “há produção do espaço”, [há] “contradições do espaço”, “conflitos imanentes a essa produção”, e “novas contradições” (Idem, p. 176). Por fim, na 4ª edição francesa de A Produção do Espaço (1985), afirma uma tese fundamental: Le mode de production organise – produit – em même temps que certains rapports sociaux - son espace (et son temps)”. [...] "ne désignant pás um ‘produit’ qualconque, chose ou objet, mais um ensemble de relations, le concept exigeait un approfondissement des notions de production, de produit, de leurs rappouts (LEFEBVRE, 1985, p. 20-25).

Para tanto, é necessário compreender, de forma mais qualificada, os processos de "produção e re-produção" das relações sociais no local, no cotidiano e na cidade, e desta com o sistemamundo (WALLERSTEIN, 1975). E ao relacionarmos tal processo de produção com o de participação, diríamos do estudo que realizamos sobre a gestão da esquerda em Porto Alegre, que:

46

[...] a criação de espaços e instituições participativas que ampliaram a gestão democrática nas escolas municipais. [...] não avançaram de modo a ocupar todas as potencialidades abertas pelas próprias políticas que desenvolveram. [...] como obra política educativa dos agentes [envolvidos] (MACHADO, 2005, p. 28).

Na cidade do Rio Grande, desenvolvemos estudos e pesquisas sobre as políticas educacionais e ambientais (MACHADO, 2006, 2007; GAUTÉRIO, 2008; VALÉRIO, 2006). As políticas da Secretaria Municipal de Educação buscam incidir apenas nas escolas de sua rede de ensino, o mesmo ocorrendo com a Secretaria Estadual e o Sistema Federal. Nas políticas ambientais, a partir da participação na Agenda 21 da cidade (2008), e das análises de documentos como o Plano Ambiental da Cidade do Rio Grande (2007) e Plano Estratégico da Cidade (2004-2010), verificamos que o ambiente está subsumido ao mercado (Agora, 2008). De um lado, percebemos a exploração econômica do meio ambiente e, de outro, a sua preservação ou conservação por meio de ações conscientizadoras dos cidadãos levadas a cabo de forma pontual. Advem como instigante à pesquisa a experiência desenvolvida num país socialista como Cuba, se focalizarmos os temas desde a cidade/do local para o nacional: de Santa Clara/Villa Clara para o regional e o nacional. Além disso, o país, ao completar 50 anos de revolução (em 2009), passa por mudanças num processo que deverá culminar no próximo Congresso do Partido Comunista (DIAZ, 1999; DILLA, et. al. 1993; RAMONET, 2006; AYERBE, 2004), como síntese do período, além de projetar utopias para o futuro do país. No entanto, para além dessa particularidade deveras importante, os investigadores de la Universidad Central de Las Villas desenvolvem projetos em diferentes cidades de la província, como Placetas, Manicaragua e, mesmo, Santa Clara, nos quais praticam investigação, formação e extensão tendo o desenvolvimento humano sustentável como processo de produção

47

(poderíamos dizer empoderamento) dos agentes envolvidos nessas atividades (MACHADO, 2009). 5 A natureza da sustentabilidade na cidade Ao longo dos últimos anos, a partir dos estudos no PPGEAFURG, produzimos reflexões e discussões sobre a natureza, a partir da obra de Marx e de Lefebvre. Como resultado desta produção (MACHADO, et. alli, 2008) apresentado em eventos internacionais, fomos avançando nas reflexões e às mesmas vêm contribuindo como “pano de fundo” teórico ao estudo das políticas públicas da/na cidade e outros temas. As dissertações de Fernanda Mendonça Ciandrini, A Natureza da/na Formação do MST; e de Eduardo Morrone, A Natureza das/nas Políticas da Pesca Artesanal, são exemplos disso, no PPGEA-FURG. Portanto, diríamos que: A natureza humana em sua relação com a natureza física e social foi discutida por Karl Marx desde suas primeiras obras. A natureza humana emerge da natureza física e transforma-a pelo trabalho produzindo obras, cidades, novas relações sociais e a própria história dos humanos. No entanto, ao desenvolver-se tal processo, os humanos estão se produzindo e re-produzindo em sua interioridade, subjetividade e aspectos mais profundos de seu ser. Portanto, poderíamos identificar três naturezas nesse processo: a natureza física, a Terra da e na qual as demais emergiram; a natureza humana que emerge da primeira, e ao agir enquanto individualidade e coletividade transformam-na; e, por fim, as obras e produtos da ação humana sobre àquela. No entanto, essa natureza teria uma dupla especificidade. De um lado, enquanto produtos ou obras exteriores aos humanos e, de outro, aspectos internos a seu ser, enquanto subjetividade, “psique”, emoções, valores mais arraigados e profundos (MACHADO, et alli, 2008).

As ciências sociais situam a ciência e a tecnologia como elementos essenciais das forças produtivas e conceituam-nas como os meios de produção que intervêm entre o trabalho e os objetos da

48

natureza. 6 Devemos inferir, então, que a ciência e a tecnologia são muito mais do que objetos materiais (volume e eficácia dos meios de produção). Ambas acumulam a destreza do trabalhador, costumes e cultura, “progresso da ciência e sua aplicação”, conhecimentos, experiências e tradições que vão se transferindo de geração em geração (Fundamentación...CAPES-MES, 2009). Nesse sentido, as três naturezas e suas relações (a natureza física, a natureza humana e a natureza produzida no decorrer das relações entre as duas primeiras) devem ser incluídas nessas valorizações e como perspectivas teóricas deste debate e projeto (MACHADO, 2008, 2009). Isto porque, a ciência e a tecnologia, produto direto da engenhosidade humana, em sua relação de criação com os elementos da natureza primeira, devem ser postas definitivamente a serviço dos seres humanos, de tal maneira que se minimizem seus custos econômicos, sociais, culturais e outros de sua vida em sociedade. Ainda mais, destacamos que a natureza/meio ambiente deve ser destacada em sua relação com os processos produtivos tanto culturais como educacionais neste projeto. A atenção deve atentar que “el progreso científico y tecnológico no puede constituir un fin en si mismo, sino un medio para promover el desarrollo humano equitativo de la sociedad” 7 e uma relação de utilidade, mas de preservação para as gerações futuras do meio ambiente (Fundamentación...CAPES-MES, 2009). O estudo da história mostra-nos que para acessar ao progresso científico e tecnológico tão sonhados e necessários desde épocas passadas na região, é preciso se apropriar dos meios de produção fundamentais e da riqueza em setores chaves/estratégicos, mas sem absolutizar formas sociais de esquemas de socialização. Mas, como tem 6

É preciso recordar que Karl Marx define a produção da seguinte forma: “Toda producción es apropiación de la naturaleza por los individuos, en el interior y por medio de una determinada forma de sociedad.” Carlos Marx. Contribución a la crítica de la Economía Política. Op. Cit., p. 241. 7 Investigación sobre ciencia, tecnología y desarrollo humano en Cuba, 2003. p. 19.

49

mostrado a história ambiental da região ou dos estudos da paisagem cultural, o ambiente/a natureza não tem sido destacada em suas relações com tais processos produtivos (CASTRO HERRERA, 1994, 2004, ILE, 2004, PADUA, 2008). Os seres humanos e o meio conformam um sistema único integrado, no qual os humanos entram em determinadas relações sociais ao apropriarem-se da natureza, e na qual atuam sobre a sociedade. Portanto, os seres humanos e as relações que originam, não são um elemento isolado na sua relação com a natureza e esta não pode ser tratada num sentido estritamente naturalista e separada. Do que se trata então é de estabelecer um enfoque e soluções humanistas aos problemas que surgem das relações entre os homens em seus vínculos com a natureza (Fundamentación...CAPES-MES, 2009). Antonio Manuel Nunes Castelou (2004), ao estudar a relação da cidade e Natureza, relacionou alguns aspectos interessantes para nosso estudo, ao ter como fundamento uma abordagem geral das modificações ocorridas no conceito filosófico de natureza, a partir de diferentes posturas do homem em relação ao ambiente natural, procura dialogar com a problemática da sustentabilidade urbana, apresentando sumariamente as origens greco-romanas, a ruptura representada pelo pensamento de um conceito unificador entre homem e natureza existente na ideia de desenvolvimento sustentável.

Diz ainda que, foi a partir da década de 1970, as discussões sobre o meio ambiente e seus vínculos com o ser humano passaram a ocupar uma posição relevante no mundo globalizado. A natureza, suporte da vida e dos meios de produção, transformou-se historicamente e seus elementos passaram a ser mercadorias denominadas recursos naturais. [...] O reconhecimento da natureza como algo distinto em relação aos seres humanos pôde ocorrer apenas a partir do momento em que houve uma separação entre o mundo natural e o mundo social. Primitivamente, o homem não se reconhecia de maneira diversa dos fatos naturais. Na pré-história, desejos, carências,

50

paixões e demais atitudes humanas eram também comportamentos comuns aos elementos da natureza, percebidos em todos os fenômenos naturais.

No século XIX, a ruptura definitiva entre o conhecimento filosófico e o científico acabou por definir a primazia da positividade às ciências naturais. O pensamento hegemônico sobre a natureza assentou-se no raciocínio dedutivo da ciência, devido ao predomínio dos princípios empiristas (MACHADO, et alli, 2009). E a relação entre homem e a natureza e, mais especificamente, entre cidade e meio ambiente passou, cada vez mais, a tomar um lugar de relevância na discussão de projetos arquitetônicos ou planos urbanísticos, diz Castelou. Luciana Sereneski de Lima (2009), em recente dissertação no mestrado do PPGEA-FURG, estudando a Participação no Conselho Ambiental da Ilha dos Marinheiros (Rio Grande- RS): diálogo entre educação ambiental transformadora e o gerenciamento costeiro integrado, faz uma síntese bastante útil ao debate sobre a sustentabilidade no contexto da cidade de Rio Grande. No caso do Gerenciamento Costeiro Integrado (GCI), definido por Cicin-Sain e Knecht (1998) como um processo contínuo e dinâmico por meio do qual decisões são tomadas, visando o uso sustentável das áreas costeiras e marinhas e seus recursos, diz a pesquisadora. O tema da sustentabilidade aparece nas funções do GCI como: (...) resguardar recursos, com vistas a proteger a base ecológica das áreas costeiras e marinhas, preservar a biodiversidade e assegurar a sustentabilidade dos usos, por exemplo. Como a FURG é, portanto, um espaço da cidade está incluído neste gerenciamento, e o destacamos para em seguida avançarmos nas concepções de sustentabilidade. Para Acserlad (2005), há disputas na interpretação desse conceito, sendo que a razão utilitária é “hegemônica e tem como características a concepção do ambiente como composto estritamente de recursos materiais, sem conteúdos socioculturais; o questionamento dos meios e não dos fins para os quais a sociedade 51

apropria-se dos recursos; e a apresentação da poluição como “democrática”, não propensa a fazer distinções de classe” (LIMA, 2009, p. 20). Nessa concepção busca-se a “internalização dos problemas ambientais, com “ênfase à adaptação tecnológica, à celebração da economia de mercado, à crença na colaboração e no consenso” (BLOWERS, 1997 citado por ACSSELRAD, 2005, in LIMA, p. 21). Em contraposição, a razão cultural parte da “interrogação sobre os fins pelos quais a sociedade apropria-se dos recursos”, e das distribuições desses na sociedade, que é desigual, para ancorar-se numa “justiça ambiental” (LIMA, 2009, p.21). Portanto, para além dos consensos propostos pelos Organismos Internacionais e o pensamento hegemônico, há diferentes concepções de desenvolvimento sustentável. Porto Gonçalves (2002) afirma que devemos pensar no “sustentável como prática que se feita por um, pode ser feita por todos, [noção] que pressupõe a crítica ao modelo societário atual de desigualdade” (in. LIMA, 2009, p. 26). O significado atribuído ao termo “desenvolvimento sustentável” é resultado de um acordo, que do mesmo modo que pressupõe uma ideologia e deriva de um espaço histórico-cultural, prevê determinadas práticas para atingir este estado de organização social em que a crise ambiental estaria solucionada – uma destas práticas é o gerenciamento racional dos recursos e outra é a harmonização das atividades setoriais. Desse modo, pode se reconhecer o desenvolvimento sustentável em sua formulação oficial, como meta, implica em acordar com os pressupostos sobre os quais ele se construiu (LIMA, 2009, p. 22). Por fim, partimos da ideia de que O desenvolvimento como processo universal de mudança e transformação evidencia seu caráter conforme o tipo de relações sociais pré-existentes, os valores, a ideologia e interesses classistas da sociedade de que se trata. Isso tudo determina/condiciona os objetivos, o tipo de mecanismo de realização, as políticas e estratégias de desenvolvimento, sua implementação e os instrumentos políticojurídicos e institucionais que se empregam. Para nós, o verdadeiro

52

desenvolvimento, de um lado, é aquele que coloca no centro de sua atenção os seres humanos e seu entorno, como gestores diretos de seu destino e, por outro, como beneficiários diretos dos seus resultados (Fundamentación...CAPES-MÊS, 2009, p. 10).

A partir do exposto anteriormente, é que deveremos desenvolver o referido projeto e, em seu processo, ir ampliando as reflexões teóricas e conceituais a partir do confronto dessas sínteses com a realidade e a ação transformadora dos diferentes agentes envolvidos, sejam eles investigadores, produtores, acadêmicos, etc. Considerações finais Nossas conclusões (in) conclusas, pois ainda em desenvolvimento, decorrentes dos aspectos apresentados no decorrer deste texto, articular-se-ão com as proposições e desdobramentos em realização dos referidos projetos. Assim, numa primeira fase, o projeto Macro (CAPES-MES) entre as duas Universidades, articulará atividades e planos de investigação de quatro grupos de pesquisa e/ou extensão da FURG, quais sejam: Grupo de Pesquisa Política-Natureza-Cidade, Núcleo de Desenvolvimento Social e Econômico (NUDESE), Grupo Transdisciplinar em Pesquisa Jurídica para a Sustentabilidade (GTJUS) e o Grupo de Pesquisa Eco-Estética, com investigadores e Centros a eles ligados na Universidade “Marta Abreu”. Cada um destes grupos desenvolve investigação que será incluída, e ajustada em sua articulação com o macroprojeto. Assim, o intercâmbio entre a Universidade Central de Las Villas e a FURG, partindo dos seguintes eixos de investigação-ação, desdobrar-se-ão em subprojetos, a partir das seguintes linhas temáticas: 1 A Natureza do Desenvolvimento Humano Sustentável nas dimensões econômica, ambiental, cultural, político-jurídica e eco-estética na cidade e no território. Essa parte se desenvolverá através da concretização deste macro, articulando os 53

dois eixos restantes, e tem como objetivo intercambiar estudos e reflexões sobre os fundamentos do Projeto Macro Cubano, com relação as atividades e as ações desenvolvidas no Brasil e em regiões da província de Villa Clara. Estará sob responsabilidade do coordenador no Brasil, Dr. Francisco Quintanilha Véras Neto, e de Cuba, Dr. Jaime García Ruiz, com o apoio de subcoordenadores de cada subprojeto (Carlos R S Machado, Iván Santos, Eder Dion de Paula Costa, Pablo René Estevéz) e também contará com a participação e protagonismo dos membros das respectivas equipes. 2 A Cidade Sustentável: história, paisagem, poder popular e estruturas de gestão das políticas públicas da e na cidade (Rio Grande e Santa Clara). Estão previstos dois subprojetos articulando os temas selecionados e as investigações e estudos em desenvolvimento, tendo dois coordenadores, um em cada país: no Brasil, Dr. Carlos R S Machado e em Cuba, Dr. Iván Santos. Para tanto, em janeiro de 2009 elaborou-se um plano de trabalho, e plano de atividades, pelos Prof. Dr. Carlos RS Machado junto com o Prof. Dr. Iván Santos e os Profs. Msc. Gerardo Iglesias e José Cebey. Além disto, estão inseridas as dissertações de mestrado de Daiane Gautério, Antonio C P Soler e a monografia de Diego Cipriano, bem como os estudos realizados por Carlos R S Machado em Porto Alegre e Rio Grande, como bases de sustentação deste subprojeto. O segundo subprojeto será um curso de formação na modalidade Especialização em Ecologia Política, semi-presencial (Ensino a Distância - EAD-on line), via Universidade Aberta do Brasil (UAB-FURG), coordenado pelo Prof. Carlos RS Machado e Msc. Eugênia Dias, para o Brasil, num primeiro momento. 3 O desenvolvimento humano sustentável nos espaços do vivido e da produção: relações socioeconômicas, economia solidária e cooperativismo. Para este momento estão previstos dois subprojetos. O primero pretende articular os projetos de extensão “Agricultura Urbana e Peri-Urbana” (AEUP/NUDESE), coordenado pelo 54

Dr. Eder Dion de Paula Costa e Antonio C P Soler; e de “Incubação da Rede de Comercialização da Pesca Artesanal no Sul do Rio Grande do Sul” (Projeto Rede/NUDESE), coordenado por Msc. Paulo Opuska, bem com sua tese de doutorado (FURGUFPr). Pretende ampliar e aprofundar estudos conceituais/teóricos sobre os temas destes projetos de extensão, em sua relação e intercâmbio com os que se desenvolvem em Villa Clara. Nesta província e na cidade de Santa Clara, terão o apoio dos projetos do Grupo de Estudios sobre Desarrollo Rural y Cooperativismo (GEDERCO), coordenado pela Dra. Grizel Donéstevez Sánchez. O segundo subprojeto visará a “Sustentabilidade Eco-Estética na Educação Escolar da Cidade”, coordenado pelo Prof. Dr. Pablo René Estévez, por hora desenvolvido com o apoio de vereadores da cidade de Rio Grande e de outras entidades municipais. Em 2010, se desenvolverá em Cuba (Santa Clara), em escolas municipais e outros espaços através do apoio da Fundación Samuel Feijó (Santa Clara), responsável no Ministério da Cultura por assessorar as instituições escolares e professores nesta temática. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACSELRAD, Henri, et. al. Cidade, Ambiente e política – Problematizando a Agenda 21 local. Rio de Janeiro: Garamond, 2006. ALIMONDA, Hector (org.). Ecologia política – natureza, sociedad y utopia. Buenos Aires: CCLACSO, 2003. AYERBE, Luis Fernando. A Revolução Cubana. São Paulo: Editora UNESP, 2004. BAYCE, Rafael. El Sistema Educativo Uruguayo (1973-1985). Montevidéo: Banda oriental, 1988. BROSWINMMER, Franz J. ECOCÍDIO – Breve história de la extinción en masa de las espécies. Espanha\México: Laeotoli/Oceano, 2005. CAPES-MES. Fundamentação do desenvolvimento humano sustentável desde uma perspectiva transdisciplinar para a América Latina e Caribe. Projeto apresentado de convênio CAPES-MES, março de 2009. FURG-PPGEA. CARVALHO, Vilson Sérgio de. Educação ambiental urbana. Rio de Janeiro: Wak Ed., 2008. CASTRO HERRERA, Guillermo. Los Trabajos De Ajuste Y Combate. La Habana: Casa de Las Américas, 1994 [Premio Casa de Lãs Américas).

55

______. Para uma história ambiental latinoamericana. La Habana: Ciências, 2004. DIAZ, Jesús Delgado (org.). Cuba Verde – En Busca de un Modelo para la Sustentabilidad en el Siglo XXI. Cuba: Editorial José Martí, 1999. DIEGUES, Antônio C. O mito da natureza intocada. 5ª ed. São Paulo: HUCITEC/NUPAUB/USP, 2004. DILLA, Harold, et al. Participación POPULAR y desarrollo en los municipios cubanos. La Habana: Centro de Estudios de América, 1993. FARÍAS, MÓNICA. La Cuidad A Examen. 1ª ed. Buenos Aires: Longseller, 2002. FREITAG, Barbara. Teorias da cidade. São Paulo: Papirus, 2006. KOURI, Raul Roa. El ILé que todos merecemos. Revista ILÉ – Anuário de Ecologia, Cultura e Sociedade. La Habana: Fundacion Antonio Nunez Jimenez, Ano 3, num.3, 2003. LIMA, Luciana Sereneski. A Participação No Conselho Ambiental Da Ilha Dos Marinheiros (Rio Grande-Rs): Diálogo Entre Educação Ambiental Transformadora E O Gerenciamento Costeiro Integrado. Dissertação de mestrado PPGEA-FURG, março 2009. LOUREIRO, Isabel, et al (org.). O espírito de Porto Alegre. RJ: Paz e Terra, 2002. MACHADO, Carlos RS, CIPRIANO, Diego Mendes. Contribuições teóricas ao estudo da História Ambiental da/na cidade. In: 12º Encuentro de Geógrafos Latinoamericanos, 2009, Montevideo. Analles del 12º Encuentro de Geógrafos Latinoamericanos. Montevideo:2009. MACHADO, Carlos RS, COSTA, Eder Dion de Paula, SOLER, Antônio, NETO, Francisco Quintanilha Véras. Aspectos Emergentes para/da Cidade Sustentável: a natureza, a educação, a justiça e a economia popular e solidária. In: 6. Congreso Internacional De Educación Superior - 11 a 15 de fevereiro de 2008, Havana Cuba. Anais do 6. Congresso Internacional de Educação Superior. Havana: Ministério da Educação Cuba, 2008. v.1. p.1 - 10 MACHADO, Carlos RS. DENDENA, Fabiana; GAUTÉRIO, Daiane. As três Naturezas e a natureza das três. Rio Grande/FURG, 2007. [Trabalho Apresentado no Congresso Internacional de Alfabetização e Educação Ambiental/CONALFEA]. MACHADO, Carlos RS, ESSINGER, Daniel V. Os problemas ambientais do entorno escolar e sua relação com o ensino de ciências em uma escola municipal do Rio GrandeRGS-Brasil. In: 12º Encuentro de Geógrafos Latinoamericanos, 2009, Montevideo. Analles del 12º Encuentro de Geógrafos Latinoamericanos, 2009. MACHADO, Carlos RS. Relatório de Atividades de Intercâmbio-FURG-Marta Abreu de Las Villas, janeiro/fevereiro, 2009. Santa Clara-Rio Grande, Mimeo. MACHADO, Carlos RS, SCHNEIDER, Nairana, Cipriano, Diego Mendes. A Educação e a Natureza da/na cidade: Contribuições de Henri Lefebvre In: 12º Encuentro de Geógrafos Latinoamericanos, 2009, Montevideo. Analles del 12º Encuentro de Geógrafos Latinoamericanos, 2009. MACHADO, Carlos RS. SCHNEIDER, Nairana e RECHIA, Liliam. A Educação e a

56

Natureza da/na Cidade: as contribuições de Henri Lefebvre. Rio Grande: FURG, 2007 [Projeto de Pesquisa FURG/PIBIC-CNPq, 2007-2008]. MARTINEZ-ALIEZ, Joan. O Ecologismo dos Pobres. São Paulo: Contexto, 2007. MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa Social: teoria, método, criatividade. Petrópolis: Vozes, 1994. O,CONNOR, James. ?História Ambiental: qué és? In: Revista Caminos. La Habana: Revista Teológica, 2007. PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. QUIJANO, Aníbal. Colonialidad del Poder y Classificación Social. Journal of WorldSystemas Resaerch, VI, 2, Summer/Fall 2000, 342-386. (in: http://jwsr.ucr.edu, Acesso janeiro de 2007). QUIVY, Raymond e Campenhoudt, Luc Van. Manual de Investigação em Ciências Sociais. Lisboa: Gradiva, 2005. RAMONET, Ignacio. Dos voces. Buenos Aires: Sudamerica, 2006. RGS/CORAG. Um Outro Mundo É Possível. RGS: CORAG, 2002. RUDIO, Franz Victor. Introdução ao projeto de pesquisa científica. Rio Janeiro: Vozes, 2007. SANTOS, Boaventura S. A crítica da razão indolente – contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2000. _____. O Fórum Social Mundial – manual de uso. SP: Editora Cortez, 2005. _____. Reinventar la Democracia – Reiventar el Estado. B.Aires: CLACSO, 2005. _____. Um discurso sobre as ciências. 4a ed. São Paulo: Cortez editora, 2006. SANTOS, Milton. Pensando o Espaço do Homem. São Paulo: Editora da USP, 2004. WALLERSTEIN, I. Las Incertimdunbres del saber. Barcelona: Gedisa, 2004. WHITAKER, Chico. O Desafio do Fórum Social Mundial – um modo de ver. São Paulo: Loyola/Perseu Abramo, 2005.

57

58

ASPECTOS EMERGENTES PARA/DA CIDADE SUSTENTÁVEL: A NATUREZA, A EDUCAÇÃO, A JUSTIÇA E A ECONOMIA POPULAR E SOLIDÁRIA Carlos RS Machado * Eder Dion de Paula Costa ** Francisco Quintanilha Véras Neto*** Antônio Carlos Porciúncula Soler ****

Introdução Este trabalho apresenta as bases teóricas de uma atividade de extensão que culminou na articulação de professores à produção de uma pesquisa sobre a cidade sustentável. A partir da realização de evento com cinquenta pesquisadores e acadêmicos, e de *

Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal de Rio Grande (FURG), coordenador e membro do grupo de pesquisa GPNC (Grupo de Pesquisa Política, Natureza e Cidade – [email protected]. ** Professor de Direito da FURG, membro fundador do GTJUS (Grupo Transdisciplinar de Pesquisa Para a Sustentabilidade Jurídica), Coordenador do Projeto Agricultura Ecológica Urbana e Peri-Urbana e da INTECOOP (Incubadora de Cooperativas), ambos ligados ao Núcleo de Desenvolvimento Social e Econômico (NUDESE), da Pró-Reitoria de Extensão da FURG – [email protected]. *** Professor de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da FURG, líder do GTJUS – [email protected]. **** Professor de Direito Ambiental, Coordenador Institucional do Centro de Estudos Ambientais (CEA), membro fundador do GTJUS, Coordenador do Projeto Agricultura Ecológica Urbana e Peri-Urbana (NUDESE), discente no Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da FURG – [email protected].

59

reuniões entre os pesquisadores, geramos um projeto de pesquisa a ser desenvolvido de 2007-2009, que deverá culminar na criação de um observatório na/da cidade em Rio Grande/FURG. Isto porque, partimos da conclusão de que a cidade é estratégica no sistemamundo capitalista, como espaço de transformação e superação do sistema produtor de mercadorias e de suas relações sociais e com a natureza. E diante disso urge a articulação da pesquisa, da ação política e cidadã, em todos os espaços sociais de superação de tal realidade em nossas cidades e relações. Neste sentido, a produção de uma cidade sustentável, na sua relação com a natureza e na produção dos meios necessários à vida, resultantes de um processo de efetivação de uma democracia sem fim e de alta intensidade (SANTOS, 1998, 2001, 2007), perpassando todas as relações sociais, educativas e com a natureza poderia ser uma utopia articuladora das ações desses pesquisadores-cidadãos e educadores ativos e rebeldes. Além de inconformados com as condições de miséria, exclusão e de exploração de nosso povo há 500 anos. Argumentaremos nas partes seguintes do por que ser a cidade estratégica, bem como sobre alguns aspectos importantes de tal estratégia na cidade e dos fundamentos teóricos ao estudo da/na cidade. Ao final apresentaremos algumas conclusões provisórias sobre a temática desenvolvida. 1 A cidade como estratégica A cidade é o local no qual as pessoas vivem e relacionamse em/com determinado ambiente natural, social, econômico e sob determinado arcabouço jurídico e sob determinadas formas de produção dos meios de sua subsistência. Nela se produz e reproduz a vida como um todo. Cada qual tem uma história, tradições e culturas constituídas através dos tempos que lhes dão "um charme particular". Mas ela é obra dos cidadãos, daqueles que

60

agem, mas também daqueles que nela apenas habitam. Neste sentido, desenvolve-se na cidade um processo educativo que se assenta numa determinada realidade social, econômica e natural. A produção desta "base" desenvolve-se, por exemplo, nas atividades de ensino (nas redes de ensino e escolas), e também através das leis da (in)justiça e da/na produção material e/ou manifestações artísticas 2 como produção de hegemonia, de consenso, etc., “traduzindo-se” nas relações sociais no cotidiano e no vivido. Isto porque, na sociedade/cidade como há divisões sociais, territoriais, classes e grupos diferenciados em termos de lugar em que vivem, no acesso aos benefícios das políticas, dos bens produzidos e à justiça, bem como aos centros de decisões e de poder, a percepção e o vivido de todos e de cada um é diferente (e diferenciado). Mas, além disso, a cidade é o "lugar de combate entre as classes” (LOWY, 2006, p. 59-60). Ao mesmo tempo, devemos considerar as cidades, em suas particularidades, mas também onde se localizam, ou seja, na América do Sul (Rio Grande, Santa Clara, Cienfuegos, Montevidéu, etc.) são cidades capitalistas (Rio Grande, Montevidéu) ou socialistas (Santa Clara e Cinefuegos), como exemplos. Nas cidades, ou em nosso continente, invadido em 1500 pelos europeus, diz Ouriques e Rampinelli (2000, p. 86) devemos considerar o que chamam de conquista interminável: 1

A configuração do Estado, da economia e das classes sociais sempre esteve condicionada pela forma histórica de integração da região à 1

Diferenciaríamos os seres humanos que vivem na cidade como cidadãos (ativos, os quais podem ser divididos entre aqueles que desenvolvem ações rebeldes e aqueles que desenvolvem ações conformistas) e moradores/habitantes. Estes são como árvores, pedras, animais, pois apenas vivem, comem, dormem e fazem sexo, além é claro, de serem “mão de obra” do sistema. Tais definições e/ou separações inspiram-se em Boaventura de Sousa Santos (2001, 2007). 2 A sustentabilidade ecoestética é tema de estudos do prof. Dr Pablo René Estevez, autor de artigo deste livro intitulado “Lo Estético En La Naturaleza Humana”.

61

economia mundial. O velho colonialismo foi superado e a dependência afirmou-se de maneira completa revelando que as elites são historicamente incapazes de romper o círculo de ferro que determina a exploração e a alienação de milhões de seres humanos em nosso continente. A dependência transformou-se na única mercadoria que constantemente se renova em negociatas intermináveis no mercado mundial (OURIQUES e RAMPINELLI, 2000, p. 9).

Tais aspectos são importantes, pois a cidade (sociedade) em que vivemos – neste sistema-mundo (WALLERSTEIN, 2001) – é uma cidade capitalista decorrente de um processo de urbanização que se revelou/ampliou desde os anos 60 do século passado. E, sendo assim, as políticas urbanas (e/ou sociais na cidade) criam e re-criam "constantemente os lugares" e novas centralidades que se deslocam produzindo novas formas de uso/consumo do espaço (GONÇALVES, 2004, p. 11). Tal processo deve ser inserido na nova subordinação constituída nos últimos tempos com o chamado neoliberalismo. Este em decorrência da globalização capitalista nas últimas décadas passou por cima dos estados nacionais, avançou mais profundamente sobre todos os espaços da vida e sobre a natureza. Chegamos à mercantilização de tudo – portanto, a barbárie total na/da sociedade e na/da natureza e na/da vida. Mas, ao mesmo tempo, o local e a cidade, o lugar onde as pessoas vivem "parece" emergir como importante componente de suas identidades e envolvimentos em processos participativos nas últimas décadas em nosso país. Sendo assim, devemos contextualizar a cidade em sua história nacional e internacional (sistema-mundo) em sua especificidade sociopolítico-econômica dentre outros aspectos para percebermos suas diferenças, mesmo em relação a temas e lutas aparentemente comuns. Finalmente, pensar a cidade como estratégica, implica de um lado não se esquecer dos processos globais, mas pensá-los articulados com os espaços e as lutas locais que se localizam e desenvolvem na cidade, em cada cidade. Neste sentido, as próprias estratégias transformadoras devem ser reestudadas buscando nelas 62

o lugar da cidade, e de forma crítica buscar elementos à sua inclusão de forma diferente nas estratégias futuras. Por quê? Levantaremos uma hipótese. As estratégias de transformação social ao longo do século XX, sempre tiveram o local como parte da estratégia final, e não também, como momento de iniciar-se a efetivação nesta das utopias propostas ao nacional e ao mundial. Mas, concretamente, diríamos que as lutas dos trabalhadores, dos socialistas e dos comunistas, sempre tiveram o espaço nacional como ponto de partida para as transformações mundiais, e que se não superarmos o modo de produção de mercadorias não haverá futuro para a humanidade. E foi assim na URSS (1917) e em Cuba (1959), por exemplo, ou seja, os processos revolucionários desenvolveram-se em diferentes lugares no interior até chegar ao nacional. Para ampliarmos um pouco, também podemos citar o caso de Portugal e de suas cidades que, inserem-se na crise do “colonialismo português” e da ditadura militar nos anos 1973-74 através da Revolução dos Cravos (1973-74) (Secco, 2006); o caso, da Venezuela, também é sui generis visto desenvolver-se a partir de uma ação militar (grupo de militares) que é derrotada, e seus líderes junto com a crise da dominação e com a organização popular, derrotam eleitoralmente as classes dominantes, e dizem caminhar para o socialismo. Nos primeiros processos revolucionários (URSS e CUBA, por exemplo), o local era parte da transformação do nacional, parte do momento da transformação do todo e a ocupação de espaços e de instituições (sindicatos, associações de moradores, partidos, entidades estudantis, etc.) como momentos de acúmulo de forças à transformação nacional. Ao chegar neste, leia-se ao "estado central" iniciavam-se as transformações pela estatização dos meios de produção, os quais deveriam produzir novas relações, mentalidade, valores, etc. No entanto, a história do socialismo mostra que predominou a estatização dos meios de produção, e não sua 63

socialização, e menos produção de novas relações sociais, de valores, ideologias, etc. ou, procedimentos rumo ao fim do estado e a autogestão generalizada da sociedade. Já o ocorrido, nos anos 70 em Portugal e, mais recentemente, na Venezuela, evidencia estratégias ou movimentos diferentes dos citados acima. A cidade nessas diferentes situações e processos históricos certamente vivenciou-os, também, de forma diferente. 2 Aspectos da estratégia na cidade Pensar a efetivação da cidade sustentável implicaria levarmos em consideração suas diferenciações (semelhanças e diferenças), bem como o lugar (contexto no país e na história) de cada uma. Por exemplo, o caso de Rio Grande. A possibilidade da entrada de inúmeras empresas de celulose visando explorar o biopampa do Rio Grande do Sul com seus eucaliptos e pinheiros usufruindo as águas do Aquífero Guarani, de portos para escoar a produção de celulose e de governo subservientes em diferentes níveis, coloca-nos inquietações acadêmicas e cidadãs 3. Ou seja, a questão acima, terá impacto na educação, na justiça, na produção econômica, enfim na cidade como um todo e é, neste sentido, que os aspectos particulares (temas e lutas) devem se pensar enquanto totalidade que se articula a outros temas e lutas. Mas, cada tema em sua particularidade é um mundo por si só. Assim, por exemplo, o GTJUS e o CEA4 tratam e acompanham aspectos da legislação e das lutas ambientais na cidade, mas aspectos dessas temáticas dizem respeito também à educação e à produção econômica. Outro exemplo, no relacionado à produção material. Neste caso, para além da economia tradicional (ou da produção econômica tradicional, que devemos lutar para transformá-la) 3

Um subgrupo dos pesquisadores desenvolverá estudos sobre a questão ambiental e a justiça sustentável no espaço da cidade. 4 O CEA é a primeira ONG da região Sul, fundada oficialmente em 1983, em Rio Grande, atualmente com foco de abrangência regional.

64

devemos pensar e desenvolver as bases econômico-sociais e de produção dos meios necessários à vida na cidade numa perspectiva alternativa. Nesse caso, seguimos as contribuições da economia popular e solidária, da qual diz Tedesco (2001, p. 11) “as ações de colaboração solidária, tendo a cooperação, a integração e a democratização nas decisões, nos lucros e no saber, dão-se nas esferas locais, regionais, nacionais e mundiais; abarcam horizontes econômicos políticos e culturais” (TEDESCO, 2001, p. 17). Pensar no trabalho, hoje, é ir além de suas históricas macroorganizações; é voltar a pensar em noções de necessidade, de utilidade, de apropriação da riqueza produzida socialmente; é pensar no fator substituição, no fator integração social, no fator autonomia; é colocar na ordem do dia questões de gênero, de informalidade, de precarização, da exploração, da extração de formas cada vez mais aperfeiçoadas de mais-valia; é, enfim, pensar no seu significado vital para o ser humano (TEDESCO, 2001, p. 11).

Os empreendimentos “econômicos solidários [...] começam a ganhar forças e amplitude regional, estadual, influenciando econômica e politicamente. Tornam-se atores cada vez mais importantes no processo de transformação das relações de dominação entre o capital e o trabalho para relações de autogestão” (TEDESCO, 2001, p.38).5 Na cidade de Porto Alegre, BARROS (2005) evidenciou experiências e alternativas que se desenvolviam no campo da economia solidária, de cooperativas e grupos de produção que tiveram apoio/incentivo do governo da cidade (de 1989-2004). Dizem as promotoras do livro (Agência de Desenvolvimento solidário da CUT, Cáritas/RGS e Instituto Popular Porto Alegre) que: no decorrer da história, o capitalismo tem se caracterizado pela forma como consegue desenvolver as capacidades produtivas. Contudo, sua 5

O NUDESE/PROEXT/FURG, desenvolve pesquisas e atividades de extensão relacionadas a esta temática.

65

produtividade tem sido acompanhada por uma constante concentração de riqueza e renda, resultando em crescentes desigualdades sociais, miséria e, principalmente, exclusão (p. 1).

Ignácio Ramonet (2004) já destacara outros aspectos do desenvolvido em Porto Alegre, mas também, em decorrência dos Fóruns Sociais Mundiais ocorridos nessa cidade. E MACHADO (1999, 2005) estudou as políticas educacionais e a gestão nessa cidade destacando avanços e limites dessa experiência contrahegemônica. Finalmente, em parte inspirados em Boaventura de Sousa Santos (2006), que ao ser perguntado sobre quais seriam as grandes questões que deveríamos enfrentar, aproveitamos para aprofundá-las em nossos estudos e atividades. Diz Santos (2006): A água [...] e a terra, pois as transformações ambientais vão levar à escassez de água potável. E todas essas questões são dimensões das novas questões ambientais. Questões pouco mapeadas pelas forças de esquerda e pela teoria crítica é a militarização do planeta, a religião e a educação. Em relação a esta última, é preciso fazer uma profunda transformação da universidade, que lhe permita realizar articulações virtuosas entre a ciência moderna e a ecologia de saberes populares (SANTOS, 2006, p. 21).

3 Fundamentos teóricos da cidade como estratégica Sposito e Whitacker (2006), em 2003, ao desenvolverem estudos em “cidades médias e pequenas”, analisando as relações “entre o urbano e o rural, o campo e a cidade”, constatam diferenças entre o campo e cidade, as dimensões das cidades ou características específicas de tal ou qual cidade. Fernanda Sanchez (2003), a partir de inquietações relacionadas às “políticas de promoção da cidade” em escala mundial, ao desvelar os diferentes meandros e aspectos envolvidos neste processo – constata a produção de cidades mercadorias, às quais são “vendidas” no mercado mundial nos anos 90 (SÁNCHEZ, 2003, p. 26-27). Ambos os estudos contribuem às nossas reflexões em 66

determinados aspectos. No entanto, se de um lado situamos a cidade, de forma explícita, no contexto do capitalismo global constituído nas últimas décadas, de outro, buscamos perceber as potencialidades de cada cidade em sua particularidade, articulações e em relação aos temas concretos de nossos estudos e reflexões. Além disso, como buscamos diferentes cidades (capitalista, em transição e socialista) outros aspectos emergem como diferenciador dos aspectos estudados pelos pesquisadores acima. Sendo assim, partimos, inicialmente, das reflexões de Henri Lefebvre (1901-1991), que entre os anos 1960-975, desenvolveu estudos sobre a cidade 6 em decorrência das transformações e de mudanças que ocorriam na região em que tinha vivido em criança (LEFEBVRE, 1975, p. 226). Em 1968, no primeiro livro (1989), ao se referir ao direito à cidade menciona que esse “manifesta-se como forma superior dos direitos: direito à liberdade, à individualização na socialização, ao habitat e ao habitar. O direito à obra (à atividade participante) e o direito à apropriação (bem distinto à propriedade) estão implicados no direito à cidade” (LEFEBVRE, 1969, p. 124). Outros direitos deveriam se tornar reais aos cidadãos pela superação da realidade atual ao entrarem para a prática social como o "direito ao trabalho, à instrução, à educação, à saúde, à habitação, aos lazeres, à vida" (LEFEBVRE, 1969, p. 131). Noutra obra, intitulada em português como A cidade do Capital (1973), ele sistematiza obras de Marx e Engels destacando o lugar e os processos de constituição das cidades ao longo dos processos históricos e na emergência do capitalismo. E numa obra chamada A Produção do Espaço (1974), desenvolve aspectos relacionados a transformações da natureza do/no espaço da cidade, articulando-as 6

São seis livros: Le droit à la ville (1968), Du rural à l'urbain (1970), La révolution urbaine (1970), La pensée marxiste el la ville (1972), Espace et politique, second volume du Droit à la ville (1973), en enfin, sorte de couronnement du tout, La production de l'espace (1974) (HESS, 2000, p. IX). Estes livros e contribuições serão estudadas/desenvolvidas no primeiro ano, por subgrupo desta pesquisa.

67

com o processo de produção das relações sociais e o capitalismo. Portanto, tendo tais questões sobre a cidade (no caso, do conjunto dos cidadãos) e dos diferentes temas que pretendemos desenvolver nesta pesquisa, podemos contribuir na problematização da cidade existente – a cidade capitalista, a cidade em transição e a cidade socialista – visando com isso relacionar aspectos à produção da cidade sustentável enquanto utopia acadêmica e dos pesquisadores envolvidos neste empreendimento. Considerações finais Tendo, portanto, os fundamentos resenhados nas partes anteriores, diríamos ser necessário a estudo, a sistematização e o acompanhamento das lutas da/na cidade numa perspectiva de totalidade e de forma que articule diferentes “olhares” e “saberes” no que Santos (2006, 2007) vem chamando de “ecologia dos saberes”. Por outro lado, é necessário aprofundarmos o estudo e as particularidades de cada cidade (no caso, das cidades que elegemos e com as diferenciações sugeridas). No caso da cidade capitalista (Rio Grande, Montevidéu, Porto Alegre, ou outras) ou da cidade socialista (Santa Clara, Cienfuegos, ou outras) buscando nos aspectos relacionados à educação, à natureza, à justiça e à economia popular solidária. 7 Do projeto de extensão desenvolvido, e de seus resultados, no caso os projetos que foram desenvolvidos nos anos seguintes, e que este livro apresenta parte de suas reflexões, articulações e algumas contribuições, avançamos no debate e na produção coletiva, participativa e solidária de ações de pesquisa, intercâmbio e atividades que apontam para ampliarmos nossas reflexões para a 7

Estes temas avançaram em suas explicitações e foram traduzidos em projetos em desenvolvimento pelos autores, em particular, num elaborado sob a coordenação do professor Dr. Jaime Ruiz (Cuba, Universidade Marta Abreu de Las Villas) e professor Dr. Francisco Quintanilha Veras Neto (Brasil, Universidade Federal do Rio Grande), onde este livro insere-se como parte das reflexões individuais e coletivas.

68

produção/criação de nossa cidade como sustentável e socialista. Enfim, afirmaríamos que, a atividade de extensão foi a possibilitadora da “sinergia” entre os participantes e organizadores, ao gerar o que em decorrência do mesmo produzimos em seguida. Este livro e as informações e reflexões nele presentes é um exemplo disso. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FÓRUM BRASILEIRO DE ONGS E MOVIMENTOS SOCIAIS PARA O MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Sustentabilidade, Meio Ambiente e Democracia no 3º FSM: Visões e Concepções. Rio de Janeiro: FBOMS, 2004. GONÇALVES, Carlos Walter Porto. A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. LEFF, Enrique. Racionalidade Ambiental. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. _____, Enrique. Saber Ambiental. Petrópolis: Vozes, 2001. LEFEBVRE, Henri. Problemas Actuais do Marxismo. Portugal: Biblioteca Ulmeiro, 1977. [França, 1957]. _____. A cidade do capital. Brasil: DP&A editora, 1999. [La pensée marxiste et la ville, França, 1975]. _____. A natureza e o controle da natureza. Introdução à Modernidade. Brasil: Editora Paz e Terra S.A., 1969. [França, 1962]. _____. A re-produção das relações de produção. Porto: Publicações Escorpião, 1973. [França, 1973, 1a parte de La survie du capitalisme]. _____. A Revolução Urbana. Brasil: Editora UFMG, 1999. [França, 1970]. _____. De lo rural a lo urbano. 4a ed. Barcelona: Ediciones Península, 1978. [França, 1970]. _____. La production de l'espace. 4a ed. Paris: Anthropos, 2000. [França, 1974]. _____. O direito à cidade. Brasil: Editora Documentos Ltda.,1969. [França, 1968]. _____. Tiempos equivocos. Barcelona: Editorial Kairós, 1976. [Le temps des méprises, França 1975]. LOWY, Michael. A Cidade, lugar estratégico do enfrentamento das classes. In: Revista Margem ESQUERDA, ensaios marxistas, n. 8, São Paulo: Boitempo editorial, 2006. _____. Ecologia e Socialismo. São Paulo: Cortez, 2005. MACHADO, Carlos RS. As vicissitudes da Construção da qualidade do ensino na política pública de educação no município de Porto Alegre, de 1989 a 1996. Porto Alegre, RS. UFRGS/FACED. Dissertação de mestrado defendida em jan./1999, sob

69

orientação da Prof ª Dra. Maria Beatriz Moreira Luce. _____. Contribuições acerca das políticas públicas e o Paradigma Emergente. ECCOS REVISTA Científica, São Paulo, v. 8, n. I, p. 213-232, jan./jun. 2006. _____. MARTINS, Anália e MELLO, Marco. A Educação na Cidade de Porto Alegre. Instituto Popular Porto Alegre: Porto Alegre, 2004. RAMONET, Ignácio. O novo rosto do mundo. Lisboa: Campo da Comunicação, 2004. SANTOS, Boaventura de Sousa. Entrevista. In: Revista Margem ESQUERDA, ensaios marxistas, n. 8, São Paulo: Boitempo editorial, 2006 (p. 13-21). _____. A Gramática do Tempo: Para uma Nova Cultura Política. São Paulo: Cortez, 2006. _____. Um discurso sobre as ciências. 12ª ed. Porto: Afrontamento, 2001. _____. Crítica da razão Indolente. Volume I. Porto: Afrontamento, 2001a. _____. Reinventar a Democracia. Lisboa: Gadiva/Fundação Mário Soares, 1998. SOLER, Antonio C. P.. Instrumentos Tecnológicos e Jurídicos Para a Construção de Uma Sociedade Sustentável. In: O Desafio da Sustentabilidade: Um Debate Socioambiental no Brasil. São Paulo: Editora da Fundação Perseu Abramo: 2001. WALERSTEIN, I.; ARRIGUI, G. HOPKINS, T.K. Movimentos Antissistêmicos. Madri/Espanha: Ediciones AKAL S.A, 1999b.

70

CONSCIENTIZAÇÃO AMBIENTAL E LEGITIMIDADE DA POLÍTICA AMBIENTAL Francisco Quintanilha Véras Neto Benilson Borinelli

Introdução No presente artigo discutimos as relações entre as ações classificadas como a conscientização ambiental e a legitimação da política ambiental. Faremos isso extraindo elementos de uma outra investigação sobre a gênese e evolução da política ambiental estadual em Santa Catarina 1. Mais particularmente se discutem os dados que dizem respeito às primeiras iniciativas governamentais de conscientização ambiental do início dos anos 1980. A referida investigação analisou as diversas formas assumidas pela debilidade institucional da política ambiental em Santa Catarina no período de 1975 a 1991, enfocando, sobretudo a dinâmica da Fundação do Meio Ambiente – FATMA, órgão executor da política ambiental catarinense. Neste artigo, também pensaremos o problema da relação entre conscientização ambiental e legitimação da política ambiental dentro do marco da debilidade institucional da política ambiental. Num sentido geral, se entende a debilidade institucional como uma política deliberada, cuja expressão mais evidente é ausência crônica e persistente daqueles recursos de poder necessários à eficácia de uma política pública quando comparada a seus objetivos formais. 1

Trata-se da dissertação de mestrado “Um Fracasso Necessário: Política Ambiental em Santa Catarina e Debilidade Institucional (1975-1991)”, defendida pelo segundo autor, em 1998 no Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Santa Catarina.

71

A análise da debilidade institucional na pesquisa original teve como um de seus objetivos específicos a identificação dos principais mecanismos e condicionantes que contribuíram para a manutenção da legitimidade da política ambiental estadual. Foi neste ponto que nos ocupamos com o estudo da conscientização ambiental promovida pelo governo catarinense, seu contexto e função política. Em especial, com o Governo de Jorge Konder Bornhausen e Henrique Córdova (Aliança Renovadora Nacional ARENA/Partido Democrático Social - PDS), de 1979 a 1983, que este objetivo demonstrou-se mais saliente. Sucedendo seu primo, Antonio Carlos Konder Reis, Jorge Konder Bornhausen foi o último governador indicado pelo Governo Federal e eleito indiretamente em Santa Catarina antes do retorno das eleições diretas em 1982. Este governador dava continuidade às relações de ascensão sobre a administração pública dos interesses da quase totalidade do grande empresariado do estado, aglutinados em torno do partido governista, o Partido Democrático Social – PDS. Um dos principais traços desse governo foi uso intenso e estratégico da máquina pública para fins eleitorais, visando a permanência das forças políticas tradicionais no poder, elegendo Esperidião Amin Helou Filho, e derrotando o candidato do Movimento Democrático Brasileiro – MDB. Este partido já comandava no início dos anos 1980 quase todas as principais cidades do estado. Os condicionantes deste contexto político preparatório da abertura política e a eclosão da questão ambiental no país e no mundo, no início da década de 1980, potencializaram a politização dos problemas ambientais e, portanto, acentuaram as exigências por respostas estatais mais consistentes. O crescente volume de denúncias de novos e tradicionais movimentos, e a reduzida disposição de recursos institucionais logo evidenciou não só uma crise ambiental no estado, como a existência de um órgão ambiental sem possibilidade de resolvê-la. Por sua vez, a relativa e difusa expressão política dessas crises deram uma identidade funcional à FATMA na gestão de demandas políticas divergentes. A FATMA, várias vezes ameaçada de extinção neste governo 72

diante de sua inoperância, passou a ter sua existência assegurada, porém para administrar a crise ambiental e não solucioná-la. É nesse cenário que o governo catarinense começa a intervir num espaço de quase uso privado e que busca garantir sua legitimidade, mobilizando um conjunto de instrumentos, entre outros, a conscientização ambiental. 1 Contexto da discussão ambiental no cenário externo e a sua influência na busca da legitimidade institucional da questão ambiental Há autores que reconhecem a existência de políticas ambientais desde o século XVII, mas é nos últimos 40 anos que a questão ecológica produziu políticas públicas originadas em pressões externas. Estas políticas são encaminhadas principalmente a partir do pós-guerra até a Conferência de Estocolmo, em 1972. Neste contexto histórico não havia propriamente uma política ambiental, mas políticas que resultaram nela. Os temas dominantes eram o fomento à exploração dos recursos naturais, o desbravamento do território, o saneamento rural, a educação sanitária e os embates entre os interesses econômicos externos, os conservacionistas que defendiam a proteção da natureza, através da exploração controlada como a Fundação Brasileira de Conservação da Natureza (FBCN), e os nacionalistas que defendiam a exploração pelos brasileiros como a Campanha Nacional de Defesa e Desenvolvimento da Amazônia (CNDDA). A legislação que dava base a essa política é da década de 30 e era formulada pelos códigos de águas, florestal, de caça, pesca e mineração (VIEIRA & BREDARIOL, 2006). O exemplo do Código das Águas dado pelo ambientalista Antônio Soler revela o surgimento da problemática ambiental num nível incipiente da regulamentação do uso de recursos naturais como a água: “Esta era a lei 24643, de 10 de julho de 1934, que visava o aproveitamento industrial das águas” (SOLER, 1996, p. 67). Neste período inicial, a legislação ambiental brasileira era 73

marcada pela fragmentação, ou seja, as questões ambientais não eram vistas dentro de uma totalidade e estavam desconectadas, as partes estavam isoladas do todo. A natureza era um objeto, um bem econômico, e como não havia uma visão mais ampla do meio ambiente, a natureza era vista como algo posto, que devia ser dominado a favor do homem, que não fazia parte desta última. Nas décadas seguintes surgem mudanças na percepção da questão ecológica, que fazem surgir outro modelo legal orientado pelo ambientalismo e baseado em uma visão holística, ou seja, que vê os problemas ambientais dentro de um contexto, de uma totalidade caracterizada, pela interdependência ecossistêmica, tema ampliado pelas teorias da complexidade e visão ecossistêmicas que hoje são reavaliadas e reintegradas por autores como Loureiro a uma crítica mais ampla conjugada ao plano da dialética marxista, que compreende a totalidade sistêmica dentro de um cenário de contextualização sócio-histórica situada no desenvolvimento da sociedade capitalista (LOUREIRO; VIEGAS, 2008). A conscientização da crise ambiental torna-se mais nítida no imaginário social estético expressivo do próprio movimento ecológico a partir da reinvenção dos valores ambientais, agora legitimados por uma série de eventos que têm como marcos significativos de posicionamento da luta pela conscientização verde: O ambiente político-cultural que caracteriza as condições de emergência do campo ambiental tal como o demarcamos, ou seja, como configuração contemporânea, pode ser pensado no âmbito do movimento contracultural e do ideário emancipatório dos anos 60, no qual surgem os movimentos ecológicos (CARVALHO, 2002, p. 39).

No caso do Brasil este cenário está demarcado pela cena contracultural brasileira que era inevitavelmente mixada com o regime autoritário brasileiro e latino-americano (CARVALHO, 2002). A conjuntura sócio-histórica, que levou a criação das políticas públicas no campo ambiental brasileiro, situou-se inicialmente dentro do quadro internacional que pressionava a

74

ditadura militar a adotar algum posicionamento em relação a questão ambiental. Nos anos do Milagre econômico 2, o governo teria convidado os poluidores para investirem no país em plena conferência de Estocolmo realizada em 1972: (...) A participação da comitiva brasileira na Conferência de Estocolmo norteou-se por tentar cativar empresas estrangeiras a investirem em terras brasileiras. Nossos diplomatas usaram o fato da inexistência de leis ambientais rigorosas no Brasil como atrativo para investidores. As empresas que aqui se instalassem não teriam que se preocupar com gastos em equipamentos, sistemas ou pessoal especializado para evitar impactos ambientais negativos de sua atividade industrial, o que certamente lhe economizaria muitos dólares. Propagandeou-se, no exterior, a aceitação do Brasil da poluição industrial. Situação testemunhada ocularmente na Europa por Carlos Minc e relatada da seguinte forma: em 1974, quando eu estava exilado e estudava em Paris, vi estupefado um out-door de propaganda do governo brasileiro convidando os investidores para virem poluir no Brasil, pois aqui não havia qualquer controle ou penalidade para a poluição. É de matar... (SOLER, 1996, p. 70).

A crise ambiental situa-se num processo de longa duração, que está representado significativamente com mais força nas últimas décadas, que na verdade expressa a exploração dos recursos naturais pelos agrupamentos humanos em distintas partes do planeta, o uso em larga e crescente escala dos recursos naturais 2

O milagre econômico é o jargão que intitulava o crescimento econômico “extraordinário” ocorrido especialmente no governo Médici, dando a entender que o Brasil logo seria uma potência líder se continuasse seguindo o modelo econômico proposto pela ditadura. O crescimento econômico estava ligado especialmente a internacionalização da economia brasileira, com a entrada de grandes multinacionais no país. Para que tal processo pudesse ser efetivado foram despendidos grandes recursos na infraestrutura, com a realização de grandes obras, muitas delas faraônicas, algumas exitosas como Itaipu e outras condenadas ao fracasso como a Transamazônica. O crescimento econômico foi logo bombardeado pela crise do petróleo de 1973, ocasionando uma maior dependência do país das potências internacionais, além de concentração de riqueza, achatamento salarial e desnacionalização do parque industrial.

75

pela sociedade industrial tem provocado desequilíbrios sociais e ambientais que integram a agenda política internacional das últimas décadas (MARTINEZ, 2006, p. 53): A busca de alternativas para a sobrevivência do modelo industrial e a manutenção das condições de vida no planeta tem predominado nos documentos emitidos pela comunidade internacional. Esta busca coloca, muitas vezes em lados opostos, os interesses de importantes segmentos da sociedade e da comunidade científica e os interesses das grandes corporações empresariais que exploram recursos naturais e de governos vulneráveis às suas pressões. O desenvolvimento de programas nucleares, a adoção de sementes transgênicas, os limites éticos da comercialização da genética humana e a conquista dos espaços são exemplos desta disparidade entre as necessidades sociais no âmbito geral e as conveniências econômicas particulares (MARTINEZ, 2006, p. 53-54).

Os anos 1980 sinalizam para a distensão e transição orquestradas pelas cúpulas do sistema ditatorial. O início do processo da discussão ambiental ocorreu num contexto de redemocratização, mas também de crise da dívida externa e do modelo de Estado interventor. No processo de transição, vários setores ditatoriais civis e militares tentaram formar novas arregimentações oligárquicas em um momento de grande agitação promovida por organizações populares, associações civis, novos movimentos sociais e ecológicos. Neste cenário, o sistema ambiental brasileiro passa por vários momentos, dentre os quais se inclui a passagem de uma legislação fragmentada, como a do Código de Águas criada nos anos 30 por decretos, e que era baseada no uso econômico e industrial das águas, especialmente para a produção hidroelétrica. Em momento posterior, foram criadas as legislações que tratarão da questão ambiental sob um viés holístico, caracterizando a proteção ampla dos ecossistemas de uma forma mais complexa e efetiva, apesar da notória ineficácia dos processos de fiscalização e punição a degradação ambiental. Longe de ser apenas um problema de gestão, a ineficácia é a expressão mais aparente do 76

fenômeno político da debilidade institucional da política ambiental, cujas determinantes primeiras originam-se na contradição central do Estado na regulação da apropriação dos recursos naturais; qual seja, de ter que restringir o livre uso desses recursos em nome da segurança ambiental e, ao mesmo tempo, depender política e economicamente da apropriação dos recursos naturais nos moldes capitalistas. A legitimação ideológica deste modelo atenderá aos limites da reprodução capitalista periférica ditada pelas oligarquias internacionais multilaterais, nacionais e regionais que no novo ambiente partidário da democratização conduzirão as questões ambientais dentro dos limites de reprodução da desigualdade da sociedade capitalista brasileira. O foco aqui se dirige especificamente ao plano da dinâmica regional catarinense e da sua organização institucional voltada para a filtragem da questão ambiental por interesses limitadores do alcance das demandas ambientais, fixadas pela legitimidade da reprodução de formas de conscientização ambiental compatíveis com a reprodução do sistema capitalista. Daí ser a legitimação de uma das principais funções das instituições para aproximar esses extremos que constituem a política ambiental contemporânea. O primeiro passo para a criação desta visão holística ecossistêmica na legislação ambiental brasileira ocorreu após a extinção da Secretaria Especial do Meio Ambiente - SEMA qu e havia sido criada em 1973, durante o governo militar. De acordo com Soler (1996), esta Secretaria do período militar estava orientada para a conservação do meio ambiente e ao uso racional dos recursos naturais. Assim o governo poderia levar adiante o projeto da industrialização brasileira, desconsiderando seu custo ambiental, concomitantemente à criação da SEMA, fato que combateria determinadas pressões ambientais que emanavam do cenário internacional (SOLER: 1996). Após a extinção desta Secretaria, criada no regime militar apenas para legitimar a falta de preocupações ambientais daquele regime, garante-se a transição da legislação ambiental para a etapa 77

holística que passa a se consolidar paulatinamente no plano das leis. Isto a partir do marco estabelecido pela Lei nº 6.938/81 criada ainda no período militar e que inicia a visão de uma legislação ambiental holística, voltada para a compreensão ampla da questão ambiental e que posteriormente se sedimentará na Constituição do período democrático promulgada em 1988 (SOLER, 1996). Portanto a visão ecossistêmica e holística baseada na conexão entre o local e o global, ou seja, na interdependência e conexão em rede dos ecossistemas e da sociedade humana, foi contemplada nestas duas leis da década de 80. No contexto de um cenário nacional pressionado por uma conjuntura em que ascendia a preocupação ambiental na agenda pública internacional produziu importantes reflexos no Brasil e em Santa Catarina, os quais desencadearam um conjunto de ações. Por um lado, essas ações sinalizavam avanços na inclusão da questão ambiental na agenda púbica, mas, por outro, apontavam para a inviabilidade das mesmas. A importância assumida pelo controle da poluição, em especial a industrial hídrica, entre as ações da FATMA, indicava que não era mais possível ignorar os graves e conflituosos problemas ambientais, sendo necessário, portanto, uma nova estratégia para o momento eleitoral e de abertura democrática em marcha. Medidas cosméticas e reativas como a alardeada aprovação da primeira legislação ambiental do estado, a Lei n 5.793 de 05/06/1981, que buscava sobretudo a constituição de um sistema de controle da poluição industrial; a neutralização do Conselho Estadual de Tecnologia e Meio Ambiente; a instalação tardia de unidades da FATMA no interior do estado foco dos maiores desequilíbrios ambientais - em plena campanha eleitoral; a proposição de Comissões Municipais de Defesa do Meio Ambiente para canalizar e padronizar as ações locais. É no interior deste processo que surgem as primeiras iniciativas estatais de conscientização ambiental, aqui entendidas como ações de caráter legitimador e compensador dos déficits, do restrito espaço de poder da política ambiental estadual. Um restrito espaço de poder está geralmente associado a uma 78

situação de crise institucional. Pode-se afirmar que um órgão público está em crise institucional “quando uma dada condição social estável e auto-sustentada deixa de poder garantir os pressupostos que asseguram sua reprodução.” (SANTOS, 1995, p. 190). Contudo, a crise institucional não indica necessariamente o seu fim, pois as instituições podem sobreviver com um mínimo de consentimento social ou de legitimidade. A compreensão deste conceito é muito importante, pois permite uma avaliação dos mecanismos e condições para administrar o nível de legitimidade institucional perante os diferentes segmentos sociais. O conceito de legitimidade, em um sentido geral, é compreendido como o consentimento de quem obedece sobre quem manda, portanto, um importante teste político para os governos e para o Estado na relação com suas demandas. “A legitimidade é o principal atributo do estado social, como consenso acerca dos critérios qualitativos que orientam sua intervenção, pautado nos resultados.” (MARTINS, 1996, p. 143). Assim, os resultados da política pública não precisam necessariamente corresponder aos preceitos legais. Mas pelo caráter contraditório e dinâmico do Estado e sociedade capitalistas, a política pública pode alcançar uma relativa e precária legitimidade invertendo totalmente sua ação, sujeitando-a apenas, em casos extremos, ao consenso na base social (OFFE, 1984). Offe, quando se refere às estratégias da política pública para “descarregar” o excesso de demandas que comprometem sua legitimidade, afirma que a crise das instituições políticas tende a se manifestar quando o desacordo entre os motivos das instituições e suas funções objetivas resultam de uma expansão dos conflitos. No caso desta pesquisa, as discordâncias entre as funções inerentes à política ambiental configuradas na FATMA. Em resposta a esses conflitos, as instituições desenvolvem mecanismos de defesa que se originam da combinação de estratégias de a) redução da probabilidade da emergência de conflitos ou b) a redução do impacto de suas manifestações (OFFE, 1984, p. 170). É a partir dessa perspectiva que analisaremos as primeiras 79

iniciativas de conscientização ambiental do Estado catarinense em suas múltiplas interfaces com a legitimação da política ambiental e, consequentemente, dos governos. Por certo, com tal perspectiva não pretendemos esgotar as possibilidades analíticas da questão, mas dentro do espírito exploratório deste trabalho, demarcar importantes balizas e relações para pensar a dimensão política e ideológica da conscientização ambiental, aqui também pensada como um elemento privilegiado da educação ambiental. 2 A conscientização ambiental pela educação ambiental capitalista e a reprodução da legitimidade das políticas públicas em Santa Catarina A discussão dos processos de conscientização ambiental por modelos de educação ambiental voltados para a conservação da legitimidade dos interesses de reprodução da sociedade capitalista é fundamental para a compreensão dos limites dos processos de conscientização formal sobre a crise ambiental. Eles buscam fundamentalmente manter a legitimidade política negando, dissimulando e amenizando os impactos capitalistas sobre a sociedade e o meio ambiente. O debate promovido não envolve elementos mais amplos de uma nova perspectiva ético-política, o que exigiria tratar de questões como racismo, o falocentrismo, o urbanismo criador de desastres e a justiça ambiental. Esse novo olhar envolveria a libertação da criação artística do mercado e uma nova pedagogia capaz de inventar seus mediadores sociais, dentro da problemática da existência humana em novos contextos históricos (GUATTARI, 1990). Partimos da premissa de que o início das ações de conscientização ambiental em Santa Catarina, durante o governo de Jorge Konder Bornhausen, está principalmente relacionado à necessidade de conquistar legitimidade em função das sucessivas crises institucionais deste período, bem como pela necessidade crescente de justificar uma opção institucional pela orientação em detrimento da coerção aos infratores. Em ambos os casos, tentando 80

justificar a existência institucional da política ambiental ao ocultar e amenizar os conflitos inerentes à apropriação contraditória de recursos naturais vigentes nas sociedades de mercado. Na proposta do governo, conscientizar no campo ambiental consistia em promover e desenvolver programas educativos e informativos que concorressem para “uma melhor compreensão social dos problemas ambientais, o uso adequado dos recursos naturais e a participação efetiva de toda a comunidade no processo de controle e do meio ambiente (...) [as palestras tinham como preocupação básica] a descentralização dos conhecimentos acerca do manejo dos recursos naturais e a formação de estruturas mentais voltadas para aspectos de conservação, preservação e melhoria da qualidade de vida, a partir da mudança de comportamento (...)”. (FATMA, 1982, p. 23 e 25). Um conjunto de ações do período analisado pode enquadrar-se nesse esforço: a) criação de premiações e títulos honoríficos às pessoas e entidades que se projetaram em atividades relacionadas com o meio ambiente, com destaque para a primeira edição do Troféu Fritz Müller 3; b) edição e publicação de obras de pesquisadores autônomos; c) distribuição de mudas de plantas e árvores, cartilhas e camisetas; d) acordos com a Secretaria de Educação, visando a elaboração de projetos específicos como cartilhas e programas; e) campanhas publicitárias; f) outros eventos, como passeios ecológicos e palestras. Dividiremos esta análise em dois momentos relevantes e inter-relacionados, o primeiro que trata dos atrativos operacionais da opção pela conscientização ambiental, e o segundo, em que se apresenta a relação entre a necessidade da conscientização ambiental e o seu conteúdo para a produção de legitimidade da política ambiental. Em primeiro lugar, as atividades entendidas como de 3

Controvertido naturalista e pesquisador alemão que viveu em Santa Catarina entre 1852 e 1897, internacionalmente conhecido por suas contribuições à teoria evolucionista de Charles Darwin.

81

conscientização ambiental costumam ser de baixo custo e ter impacto positivo sobre a opinião pública. O custo reduzido geralmente se deve tanto à própria dimensão dos eventos quanto à possibilidade de uso de recursos externos, como na distribuição de mudas e árvores à população ou em acordos e convênios com outros órgãos públicos, por exemplo, com a Secretaria da Educação na elaboração de cartilhas e de programas específicos. Igualmente, o abalo orçamentário de oferecer troféus e prêmios a pessoas e entidades que se destacam na área do meio ambiente, e campanhas publicitárias esporádicas como formas de contrabalançar os desgastes divulgados na mídia são infinitamente inferiores aos investimentos necessários a uma política ambiental consequente. Geralmente, com uma pontual e intensiva divulgação na mídia, o conteúdo destes eventos costumava recorrer a apelos científicos e emocionais (românticos), ambos com chances de convencimento da opinião pública. Desta forma, esses recursos podem também ter um relativo sucesso na produção de uma imagem positiva para a instituição contra denúncias de omissão do órgão ambiental advindas de regiões específicas e, em geral, carentes de consistência e persistência. Além disso, estas ações implicam na maior parte dos casos em um baixo nível de conflito. Em geral, uma fatia expressiva da população informada concorda que para resolver grande parte dos problemas ambientais falta “consciência” às pessoas. Assim, os meios de conscientização que atingem grande parte da população, direta ou indiretamente, têm a vantagem de gozar de um baixo nível de conflito político e social. O mesmo não acontece às medidas de coerção moral ou impedimento de funcionamento de atividades econômicas. Afinal, estas medidas vão contra toda lógica de funcionamento da sociedade de mercado, só justificáveis em casos de extremo impacto sobre o meio social e natural, espacial e temporalmente identificados. Em segundo lugar, importa considerar a impossibilidade de controlar satisfatoriamente as externalidades ambientais das 82

atividades produtivas e daí a necessidade de ocultamento das contradições do modelo capitalista de apropriação dos recursos naturais. Essa situação leva a necessidade de criação de um cenário difuso e minimizador da socialização das externalidades ambientais negativas e, consequentemente, da decisão política que elas envolveriam, deslocando a ênfase dos principais problemas para outras instâncias. Por sua vez, isto exige a (re)construção de uma percepção social que circunscreva, numa dimensão relativamente segura e adequada ao sistema, o que é a Natureza, o meio ambiente, a crise ambiental, seus sintomas, dimensões e interlocutores legítimos e as soluções aceitáveis. Como adverte Folari, analisando a função ideológica assumida pelo conceito de interdisciplinaridade no discurso ecológico, quando não há decisão política, “melhor é apelar para cortinas de fumaça, como a interdisciplinar, que conduzem a soluções imaginárias pautadas na imanência do técnico e no adormecimento das consciências sobre as opções que teriam real eficácia” (FOLARI, 1993, p. 89). As chamadas de campanhas publicitárias durante a gestão da FATMA de 1979-1983, como “Dê uma mão a natureza”, “Cuide bem dessa bola. Deus não vai fazer outra” ou “Poupar a natureza faz bem” - são bons exemplos de um ocultamento ideológico da realidade social e política. Numa sociedade que se desenvolve pela desigualdade, almeja-se tornar todos simetricamente responsáveis por problemas ambientais, em geral indefinidos. Ao mesmo tempo em que se socializa a responsabilidade sobre uma crise ambiental, sugere-se que a mesma pode ser resolvida pela soma das mudanças de comportamentos individuais. E como defende o termo “ecodesenvolvimento” e mais recentemente “desenvolvimento sustentável”, disseminado pela ONU, os conflitos existentes na apropriação desigual dos recursos naturais e seus conflitos são passíveis de conciliação 4. Mais recentemente, a ONU alude a 4

Ver mais sobre a crítica à proposta de “Desenvolvimento Sustentável” no contexto das sociedades capitalistas em STAHEL (1995).

83

questão da década internacional para Educação voltada para o desenvolvimento sustentável, os efeitos da crise ambiental no plano social são principalmente: sexismo, racismo, catástrofes ambientais e sociais, mas o conceito de desenvolvimento sustentável permanece em sua abstração etérea mítica, fixado na moldura semântica dos ideais liberais da conscientização ambiental aprisionada ao modelo de capitalismo globalizado. Aliás, modelo esse hoje combalido, ao menos temporariamente, pela crise financeira. Situação que não faz cessar, antes, mais provavelmente, agrave as causas estruturais do quadro de holocausto ambiental que está na sua eminência histórica. A Década Internacional da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (2005-2014) é uma das tênues estratégias que as Nações Unidas propõem como necessárias ao enfrentamento dos problemas mais urgentes no século XXI, a paz e a redução das desigualdades sociais. Estas, em suas diferentes formas de manifestação, como o racismo, a opressão da mulher, a concentração da riqueza, da cultura e do poder, a fome e a pobreza, podem desembocar em situações de completa desestruturação social, nas quais nem mesmo a ajuda humanitária e a assistência social seriam capazes de restabelecer e assegurar a paz e a vida em sociedade. É o que já ocorre em países como o Haiti ou em favelas de grandes metrópoles brasileiras como o Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo (MARTINEZ, 2002, p. 54).

De volta ao caso catarinense, foi possível identificar a existência de um calendário mínimo de reposição de legitimidade, onde o rol de medidas exposto anteriormente entra em ação sob múltiplas combinações. As principais referências desse calendário situam-se no mês de junho, no dia 5, Dia Mundial do Meio Ambiente, de 05 a 12 de junho, Semana Nacional do Meio Ambiente, e em menor grau o Dia da Árvore, no dia 21 de setembro. Outros importantes momentos deste calendário podem ser identificados nos pleitos eleitorais e, emergencialmente, em acidentes ecológicos. Nesse sentido, também se observa a preocupação para que “grandes” acontecimentos relacionados ao meio ambiente, que são poucos para se dispersar durante o ano, tenham seus lançamentos 84

“oficiais” concentrados em datas estratégicas, quando as atenções se dirigem para as avaliações da problemática ecológica e é necessário dissimular a impressão de que não se está fazendo nada. É a partir do Governo Bornhausen que se instalou, em consequência das intensas pressões sobre as políticas ambientais, a constituição de um ritual nas semanas do meio ambiente, onde se conjugam críticas, denúncias, justificativas, comemorações simbólicas e apresentação de novos programas e declaração de intenções, para só serem retomados como fatos públicos no próximo evento. A título de ilustração, no governo analisado foram lançados ou sancionados, preferencialmente em dias da Semana do Meio Ambiente ou em datas do mês de junho, o decreto que regulamentou a legislação estadual do meio ambiente (5.06.81), a Reserva Biológica Estadual de Aguaí (05.06.78), e as reservas biológicas estaduais de Canela Preta e da Serra Furada (20.06.80). Portanto, uma educação e uma conscientização ambiental equivocadas não devem ser vistas apenas como ações resultantes da má vontade ou incompetência de certos agentes, mas, e principalmente, como ações dependentes, na definição de seu conteúdo e forma, do atendimento ao critério supremo de garantir à perpetuação da sociedade capitalista industrial. De uma maneira ou de outra, isto se dá pela predominância neste campo de abordagens e termos unidimensionais, instrumentais e autoritários, prevalecendo desta forma, pela execução de um “currículo oculto”, como defende Brügger (1999), algo melhor caracterizado como um adestramento ambiental. Em suma, a chamada educação ambiental deve ser vista também como uma luta pela difusão de uma determinada concepção de mundo, que permita a perpetuação das classes dominantes - e não somente como uma tentativa de conscientização ambiental (BRÜGGER, 1999, p. 99).

Essa luta a que se refere Brügger pode, conforme Beck (1992), também ser interpretada como uma operação central da sociedade de risco, onde “à lógica positiva da apropriação se 85

contrapõe uma lógica negativa do eliminar, do evitar, do negar, do reinterpretar" os riscos ambientais (BECK, 1992, p. 33). Aqui, as instituições aparecem "gerindo" os riscos e as percepções dos mesmos ao se envolverem ativamente em relações de definição, ou seja, “as leis, instituições e capacidades que estruturam a identificação e avaliação dos problemas e riscos ecológicos, a matriz legal, epistemológica e cultural, segundo a qual se conduz a política de ambiente” (GOLDBLATT, 1996, p. 241). Fórmulas explicativas dos riscos, como afirma Beck (1992), não ficam em pé por si só. Relações públicas ("carpinteiros de argumentações") de grupos científicos, empresariais, governos ficam na linha de tiro da crítica pública. Nesta luta de definições para obscurecer ou revelar os riscos 5 o acesso à mídia se torna decisivo. Assim não parece sem propósito que nos meios de comunicação de massa, na grande maioria das vezes, a problemática ambiental receba uma cobertura isolada e fragmentada, dissociada de um contexto político, social e econômico, onde se destaca o acesso privilegiado de setores com maior poder social como fontes de informação, a exemplo dos setores governamental e empresarial. Dessa forma, parece lógico que os mais graves problemas ambientais não encontrem repercussão proporcional à distribuição de seus malefícios. essa forma de atuar tem repercussões sobre o processo de formação de opinião a respeito da problemática ambiental, restringindo o seu espectro, e, consequentemente, inibindo a conscientização dos direitos do cidadãos das responsabilidades do poder público dos agentes da sociedade civil em relação ao meio ambiente (RAMOS, 1995, p. 150). 5

Beck comenta sobre os obstáculos ao reconhecimento dos riscos da modernização: "Aqui, não são decisivas (ou não só) as consequências para a saúde, para a vida das plantas, dos animais, e dos seres humanos, senão os efeitos secundários sociais, econômicos e políticos dos efeitos secundários: demolição de mercados, desvalorização do capital, expropriação furtiva, novas responsabilidades, deslocamento de mercados, obrigações políticas, controle das decisões empresariais, reconhecimento de pretensões de indenização, custos gigantescos, processos judiciais" (1992, p. 86).

86

A problemática do adestramento ambiental pode ser posicionada em um quadro mais amplo em que não há compatibilidade entre um modelo de educação ambiental emancipatória e transformadora com o modelo de sociedade capitalista que se utiliza de alternativas moralistas. Estas deslocam o comportamental do histórico-cultural que está ligado a própria estrutura do capitalismo caracterizado pela coisificação e mercantilização da natureza, com a consequente banalização da vida, e a dicotomização que resulta no maior deslocamento do ser humano em sua relação com a natureza. Desta forma, produzem-se projetos de alcance ambiental calcados no individualismo social, que não visam à justiça social, ao equilíbrio ecossistêmico e à indissociabilidade entre humanidade e natureza (LOUREIRO, 2006, p. 94). Portanto, a partir de um quadro analítico mais amplo, que posiciona a discussão sobre o meio ambiente dentro das possíveis formas de conscientização e intervenção na questão ambiental legitimadas por estratégias de ação, consumam-se as políticas públicas ambientais no ambiente contraditório das sociedades capitalistas. Nesse ambiente, as atividades econômicas não podem aceitar, ou apenas sob formas restritas e rentáveis, limites como o do fim da “externalização” dos custos ambientais. No contexto nacional e específico de Santa Catarina, isto demarcará a emergência de um ambientalismo cosmético das políticas públicas através de um tratamento fragmentado e distante de qualquer possibilidade de conscientização da sociedade civil e da esfera pública em geral, que se contentará com medidas insignificantes em face aos problemas estruturais de ordem econômica e institucional que envolvem a problemática ambiental. A internacionalização da agenda ambiental nos anos 1990, contribuiu para uma inflação de temas no campo ambiental, levando a uma maior complexidade da questão. Por outro lado, os ataques teóricos e práticos ao Estado por forças neoliberais promoveram um processo ambíguo de descentralização do poder decisório. O que se chamou também de uma modernização política 87

(ARTS; TATANHOVE, 2000) promoveu um deslocamento de responsabilidades políticas no campo ambiental, tornando, por sua vez, esse campo mais difuso e de difícil controle e compreensão. O deslocamento de responsabilidades ambientais dos setores dirigentes para a sociedade assumiu novas dimensões com o aprofundamento do processo de globalização; seja pela natureza extraterritorial de alguns problemas ambientais, seja pela constituição de novas esferas decisórias internacionais. A racionalidade básica da representação democrática, como constatou Hay (1994), encoraja o Estado a restringir suas respostas às crises ambientais ao mínimo necessário para a restauração da legitimidade de curto prazo. Uma das formas de fazer isso é deslocar a crise em diferentes direções – para dentro da sociedade civil (ao tornar o indivíduo responsável por uma resposta à crise ambiental, facilitando assim, a sua transformação em um consumidor “verde”), para o programa político global ou ainda em outra direção, apresentando a crise como, por exemplo, problema de legitimação de outro estado. Com isso, consegue-se rebaixar a um segundo plano a dimensão regional da problemática ambiental, diluindo desta forma as responsabilidades dos setores dirigentes nos problemas locais. Esse escapismo deliberado tende a reduzir ou isentar as elites locais de suas responsabilidades sobre o gerenciamento da problemática ambiental, diluindo e enfraquecendo a pressão da sociedade sobre as questões ambientais locais. Isto é ampliado pelas tendências conservadoras e pragmáticas dominantes, que estabelecem ações educativas dualistas entre o social e o natural, e que se amparam em um modelo de educação ambiental não-compromissado com o vetor da transformação social e civilizacional (LOUREIRO, 2006, p. 81).

A estratégia de um ambientalismo cosmético perpassa hoje também a conquista do discurso ecológico por grandes intelectuais coletivos como as empresas, especialmente as transnacionais que passam a investir no marketing ecológico publicitário e em projetos comunitários de educação e conservação ambiental 88

dirigidos para setores excluídos pela sociedade capitalista. A finalidade retórica desses protagonismos é atrair a opinião pública para os ideais do capitalismo verde que eliminaria as contradições geradas pela predação acima dos limites de sustentabilidade planetária e pelo consumo excessivo, especialmente no norte planetário, mas também nas nações que almejam um desenvolvimento capitalista exponencial com grandes impactos socioambientais. Considerações finais Como esse estudo exploratório deixou entender, é necessário ainda desenvolver novas pesquisas considerando outras experiências para um melhor conhecimento das relações entre a conscientização ambiental e a produção de legitimidade da política ambiental. Contudo, acreditamos ter apresentado aqui algumas importantes pistas para tal esforço a partir de dados do caso de Santa Catarina. Neste texto propomos a ideia da existência de medidas governamentais engajadas na formação de uma percepção pública do conceito de Meio Ambiente e Natureza, enquanto ações estratégicas para a produção de legitimidade da política ambiental, dado que desta forma forjou-se a redução da probabilidade da emergência de conflitos ou do impacto de suas manifestações. A contribuição das ações de conscientização ambiental para tal tarefa pode ser percebida em dois momentos que evidenciam os seus atributos operacionais de baixos custos e grau de conflito, e a necessidade de ocultamento das contradições que movem a atual crise ambiental através do uso de um repertório de iniciativas estrategicamente apresentadas no tempo. Segundo a perspectiva teórica adotada aqui, esse repertório, mais recentemente, permite a reposição de legitimidade da política ambiental deslocando as responsabilidades pelos danos ambientais em diversas direções para a própria sociedade, para a esfera global e para o mercado. Esta diluição das responsabilidades dos dirigentes pressupõe a 89

elaboração de um conteúdo e forma para a conscientização ambiental que privilegie uma percepção social das relações com o meio natural funcional à manutenção do atual padrão de produção, consumo e distribuição das riquezas. Contudo, é possível imaginar que a existência de alguma contribuição real por parte dessas iniciativas de “conscientização ambiental” - embora de difícil avaliação - para a formação de uma percepção social dos problemas ambientais necessária para dar maior expressão política à questão ecológica. Há a possibilidade de que muito embora essas iniciativas visem o ocultamento das contradições ambientais, elas estejam estimulando novas demandas e, consequentemente, aumentando a visibilidade das contradições inerentes a esta política. Assim, é no campo de luta das relações de definição em torno da educação e conscientização ambiental que pode, dialeticamente, surgir e se disseminar um novo viés pedagógico emancipatório e transformador. Por fim, continua sendo necessário reafirmar o compromisso, nada fácil, com a busca de novos caminhos para a construção de uma educação ambiental. Por um lado, que não admita abrir mão do seu caráter complexo, mas restrito à consciência possível e às necessidades daqueles que a pensam; e por outro lado, que faça isto assinalando a sua dimensão política e ética, na medida em que os impasses e riscos socioambientais para a humanidade na atual sociedade não possam mais ser desvinculados dos conflitos inerentes à distribuição e uso desigual dos recursos naturais, se é que em algum outro momento isto foi possível. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARTS, B.; TATENHOVE, J. van. Environmental Policy Arrangements: a new concept. In: GOVERDE, H. Global and european polity?: organizations, policies, contexts. Aldershot: Ashgate, 2000. BECK, U. Risk Society: Towards a new modernity. Londres: Sage Publications, 1992. BORINELLI, Benilson. Um Fracasso Necessário: Política Ambiental em Santa Catarina e Debilidade Institucional (1975-1990).1998. Dissertação de Mestrado. Programa de

90

Pós-Graduação em Administração. Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. BRÜGGER, Paula. Educação ou Adestramento Ambiental? Contemporâneas, 1999.

Florianópolis: Letras

CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. A invenção ecológica: narrativas e trajetórias da educação ambiental no Brasil. 2ª ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002. CAVALCANTI, C (org.) Desenvolvimento e Natureza: estudo para uma sociedade sustentável. São Paulo: Cortez; Recife - PE / Fundação João Nabuco, 1995. FATMA. Relatório de Atividades de 1981. Florianópolis, 1982. GOLDBLATT, D. Social Theory and the Environment. London: Polity Press, 1996. GUATARI, Félix. As três Ecologias. Tradução Maria Cristina F. Bittencourt. Campinas: Papirus, 1990. HAY, Colin. Environmental Security and State Legitimacy. Capitalism, Nature, Socialism. Vol. 5 (1), mar. 1994. LOUREIRO, Carlos Frederico B. Trajetória e Fundamentos da Educação Ambiental. 2ª edição. São Paulo: Cortez, 2006. LOUREIRO, C. F. B. ; VIEGAS, A. Complexidade e dialética: por uma busca de novos elementos na tradição crítica diante dos desafios da educação ambiental. Ambiente & Educação (FURG), v. 12, p. 11-32, 2008. MARTINEZ, Paulo Henrique. História Ambiental no Brasil: pesquisa e ensino. São Paulo: Cortez, 2006. MARTINS, H. F. Uma análise dos Paradigmas de Administração Pública à Luz do Contexto do Estado Social. Revista Parcerias Estratégicas, nº 1, mai. 1996. OFFE, C. Problemas Estruturais do Estado Capitalista. Trad. Bárbara Freitag. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. RAMOS, Luís F. A. Meio Ambiente e Meios de Comunicação. São Paulo: ANNABLUME, 1995. – ( Selo universidade; 42). FOLARI, Roberto. Ecologia, Ecodesenvolvimento, Ecocídio, Eco... Cadernos Cedes Educação Ambiental. n. 29. Campinas: Papirus, 1993. STAHEL, Andri W. Capitalismo e Entropia: os aspectos ideológicos de uma contradição e busca de alternativas sustentáveis. In: CAVALCANTI, C (org.). Desenvolvimento e Natureza: estudo para uma sociedade sustentável. São Paulo: Cortez; Recife - PE / Fundação João Nabuco, 1995. SANTOS, B. S. de S. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1995. SOLER, Antonio C. P. O Direito Ambiental como instrumento de Cidadania e a Legislação Existente em Pelotas. Sociedade em Debate. Pelotas Universidade Católica de Pelotas; EDUCAT, V. 2, N. 2, p. 1-136, jun/1996.

VIEIRA, Liszt & Celso Bredariol. Cidadania e política ambiental. 2ª Edição. Rio de Janeiro. São Paulo, 2006.

91

92

FLEXIBILIZAÇÃO DA TUTELA JURÍDICA DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E DIREITO À MORADIA NAS CIDADES SUSTENTÁVEIS: CONVERGÊNCIA OU INCOMPATIBILIDADE? * Eugênia Antunes Dias** Antonio Carlos Porciúncula Soler ***

Para evitar, não só o colapso 1, mas também os seus prenúncios, como as causas e consequências do aquecimento global, vários desafios requisitam a atenção do movimento ecológico 2. Certamente, o mais grandioso deixou de ser promover *

O presente trabalho partiu de um artigo apresentado no I Encontro Internacional de Ciências Sociais/III Encontro de Ciências Sociais do Sul: Democracia, Desenvolvimento, Identidade, organizado pelo Programa de PósGraduação em Ciências Sociais (PPGCS – ISP/UFPel), em abril de 2008, em co-autoria com a Profª. Dra. Maria Tereza Rosa Ribeiro. ** Bacharel em Direito e Mestre em Ciências Sociais/PPGCS pela Universidade Federal de Pelotas/UFPEL, pesquisadora do Grupo Trandisciplinar em Pesquisa Jurídica para a Sustentabilidade (GTJUS) da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, consultora técnica na área do Direito e Ecopolítica no Núcleo de Desenvolvimento Social de Econômico (NUDESE/FURG) e membro do Centro de Estudos Ambientais/CEA – [email protected] *** Professor de Direito Ambiental, pesquisador do GTJUS/FURG, Coordenador Institucional do CEA, Coordenador de Projeto de Extensão no NUDESE/FURG e discente do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande (PPGEA/FURG) [email protected] 1 Ver Diamond (2006). 2 Preferimos usar a expressão movimento ecológico, pois entendemos que existe diferença entre esse e a categoria movimento ambiental. Para Dias (2008, p. 46) apud Pádua (1995, p. 26) “a diferença entre ambos os movimentos aflora na superação de um antropocentrismo, através de uma nova visão de mundo (...)”, sendo esta a proposta do movimento ecológico.

93

o avanço, mas, sim, evitar o retrocesso do marco jurídico ambiental brasileiro. Esse conquistado ainda no século passado, notadamente desde a década de 60, na qual a Lei 4771/65, denominada Novo Código Florestal Brasileiro (NCFB) é o destaque, entre outros aspectos, pela criação da Área de Preservação Permanente (APP), passando pela Constituição Federal de 1988 (CF/88), com seu inovador artigo 225, o qual prevê o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, chegando a diplomas legais como a chamada Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98) e a Lei 11.428/06, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, cuja referência podemos fazer como a última conquista dos ambientalistas/ecologistas. Atualmente, uma intensa campanha com ampla ressonância no meio político pela minimização do Direito Ambiental em benefício de interesses antiecológicos, é protagonizada por setores produtivistas ligados ao agronegócio e à cidade, na sua face mercadológica. Isso aparece claramente e com abundância em posturas e iniciativas dos governos municipais, estaduais e federal. No Rio Grande do Sul, a alteração do marco legal do licenciamento para atender o tempo e os interesses da monocultura de eucaliptos3; em Santa Catarina, o escândalo da Máfia Verde 4 e a recente alteração da proteção da APP, com a promulgação do ilegal Código Ambiental Estadual. Na Amazônia, a Medida Provisória (MP) 458 5, é outro exemplo disponível para destacar a minimização da proteção legal da Natureza. Igualmente, a revisão dos Planos Diretores, prevista na Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade), tem sido 3

Ver Soler e Dias (2008). Nome batizado a uma investigação realizada pela Polícia Federal a qual tinha como objeto um grupo de pessoas (agentes políticos com cargos eletivos, empresários, servidores públicos da área ambiental, entre outros) e suas eventuais relações com a fraude em processos de licenciamentos ambientais. 5 Tal MP dispõe sobre a regularização fundiária em terras situadas em áreas da União, na Amazônia Legal. 4

94

um espaço onde, pela atual correlação de forças, possibilita, em determinada medida, um retrocesso no Direito Ambiental Brasileiro. Nessa esteira podemos citar a Lei 5.502/08, que aprovou o III Plano Diretor de Pelotas, cuja ilegalidade aparece quando do tratamento dado às APPs. Nesse processo de desmanche do ordenamento jurídico ambiental, desponta como mais significativas as numerosas propostas para modificar o NCFB, cujo resultado poderá nos levar a um cenário onde não mais existam APPs, não somente no plano formal (retiradas da lei), mas também na realidade material, por exemplo, na beira de um rio ou qualquer outro corpo d’água. Essa é uma proposta de um inegável reacionarismo jurídico, pois vai nos levar, caso aprovada, ao início do século passado, mais precisamente para a década de 30, antes de ser decretado o primeiro Código Florestal Brasileiro (Decreto 23.793/34), onde já havia tipo de tutela jurídica para essas áreas. É assim, também, momento de enfrentamento decisivo pelo não retrocesso do Direito Ambiental Brasileiro. Nas áreas urbanizadas ou sob influência das cidades, o conflito material é claro. As APPs são ocupadas e suprimidas pelos mais diversos usos, que vão desde os meramente especulativos, econômicos, passando pelo lazer e chegando até a moradia, em alguns casos, como a única opção. Parte desse conflito está consubstanciado no Projeto de Lei (PL) 3057/00 6, que dispõe 6

Não é a única nem a primeira tentativa legislativa de retirar as regras do NCFB das áreas urbanas. O PL 2.109/99, por ex., que dispõe sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Bancário, o qual veio a se transformar na Lei 10.931/04, em seu art. 64 estabelecia: “Na produção imobiliária, seja por incorporação ou parcelamento do solo, em áreas urbanas e de expansão urbana, não se aplicam os dispositivos da Lei no 4.771, de 15 de setembro de 1965". Após forte mobilização das ONGs ecológicas e ambientais, bem como do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o referido artigo foi vetado pelo Presidente Lula, através da Mensagem 461/04. Entre as razões de fato ao veto está expresso: “considerando que a Lei no 4.771, de 1965, é um dos pilares da política ambiental do País, sendo, pois, um dos mais importantes instrumentos

95

sobre o parcelamento do solo para fins urbanos e sobre a regularização fundiária sustentável de áreas urbanas, chamada também de Lei de Responsabilidade Territorial, na qual nos deteremos em seguida. Cabe ressaltar que essa proposta não vem sozinha. Muitas outras medidas legislativas e administrativas sustentadas pelo capital e pela política contra o interesse público, estão em gestação e/ou já foram executadas, como a dispensa de Licença Prévia (no âmbito do Licenciamento Ambiental) às “obras rodoviárias de pavimentação, melhoramentos, adequação e ampliação de capacidade a serem executadas no âmbito das faixas de domínio de rodovias federais existentes, por terem estas a destinação vinculada à lei e constarem do Plano Nacional de Viação – PNV 7”. Outra ameaça oriunda da histórica ganância do agronegócio, já consubstanciada em proposta do Ministério da Agricultura 8, novamente volta a atacar a APP e a Reserva Legal. Parte dessa nova ameaça já se encontra em forma de proposição legislativa, através do PL do Código Ambiental Brasileiro, o qual almeja restabelecer a Política Nacional de Meio Ambiente, definindo os bens que pretende proteger e criando os instrumentos para essa “proteção”; e cria a política geral de meio ambiente urbano. Esse PL, se aprovado, revogará diversas diplomas legais, especialmente a Lei 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação e, o alvo central, a Lei 4.771/65, o NCFB. de gestão ambiental, ter-se-á o afastamento de todas as condicionantes ambientais, relativas às construções. 7 A proposta foi incluída na MP 452/08, que dá nova redação para a Lei nº 11.887, de 24 de dezembro de 2008, que cria o Fundo Soberano do Brasil – FSB, e para a Lei nº 11.314, de 3 de julho de 2006, que autoriza o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) a executar obras nas rodovias transferidas a entes da Federação, que desobriga a obtenção de licença prévia para obras de recuperação e/ou ampliação de estradas de rodagem. 8 O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, em março de 2009, apresentou uma proposta de alteração do NCFB, contemplando o uso e ocupação de APPs.

96

Paradoxalmente, diante de uma planetária e crescente degradação ambiental, sempre indissociada da miséria social e violação dos diretos humanos fundamentais da maioria, é esse mesmo Direito Ambiental já atacado que pode garantir uma proteção para os ecossistemas, biomas e à vida em geral, se usado e aplicado como instrumento para uma cidadania ecológica, ainda a ser construída. Para enfrentar o desmonte do marco legal ambiental brasileiro, que tem como consequência o enfraquecimento do Poder Público frente aos conflitos ecológicos e a afronta ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, necessário se faz achar respostas para as recorrentes e indesejáveis perguntas que surgem no dia a dia de grande parte do movimento ecológico/ambiental, dentre elas: como garantir, mais que a teoria, mas uma prática sustentável mínima – não necessariamente ecológica –, no espaço urbano e para além desse? A busca pela resposta é assumida publicamente, não só por ambientalistas/ecologistas, mas também por aqueles que, mesmo motivados pelo oportunismo profissional, debruçam-se sobre o tema, bem como por setores ligados aos interesses econômicos ou até mesmo pelos que não se dizem ambientalistas ou ecologistas. Nesse caso o motivador, via de regra, são questões de saúde e/ou sobrevivência. No presente arrazoado, vamos destacar alguns aspectos do conflito urbano em torno das APPs, dando continuidade a estudos realizados no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais/PPGCS da Universidade Federal de Pelotas/UFPEL, no Grupo Transdisciplinar em Pesquisas Jurídicas Para Sustentabilidade (GTJUS) 9 e na organização ecológica não governamental (ONG), Centro de Estudos Ambientais (CEA) 10. 9

O GTJUS é um grupo de pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). 10 O CEA é a primeira ONG ecológica da região Sul do Rio Grande do Sul,

97

As Cidades (In) Sustentáveis Se o pensamento humano, a ciência e a prática daí decorrentes estão em permanente transformação, o conceito de Cidade Sustentável é certamente um dos mais claros exemplos dessa incerta metamorfose, pois o mesmo não está imune às disputas das concepções de mundo. Assim, devemos abordar os enfrentamentos que despontam no cenário das cidades contemporâneas, considerando, entre outros aspectos, os valores antropocêntricos 11 intrinsecamente associados ao racionalismo moderno, sem deixar de traçar sua relação com as variáveis acerca do conteúdo da sustentabilidade, sob pena da incompreensão dessas disputas de poder, dos conceitos e práticas inerentes a tais embates e, dessa maneira, não ultrapassaremos o limite do paliativo e das superficialidades, o que nos aprisiona distante da ideal e necessária sustentabilidade urbana e também para aquém dela. Claramente se apercebe que essa é a opção mais confortável e, por isso mesmo, é hegemônica no âmbito da Administração Pública e de seus respectivos governos, das mais variadas matrizes ideológicas. Na Academia, que não está imunidade às ideologias, essa também é a posição majoritária colaborando, assim, para que a Cidade Sustentável ainda seja uma meta a ser compreendida e alcançada e não uma experiência em vias de concretização. As relevantes tentativas visando à construção de alternativas ao conflito decorrente dos interesses que gravitam em torno do conceito de moradia e da tutela ambiental, demonstram ser um caso da incapacidade de ultrapassar esse ponto de superficialidade. Tal conflito urbano é paulatinamente incrementado pela restrição e/ou eliminação do acesso à habitação fundada em 1983, no município de Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Ver: http://centrodeestudosambientais.wordpress.com/. 11 Conforme PEPPER (1996, p. 34) “[...] antropocentrismo, definido como (a) considerando os valores humanos a fonte de todo o valor, e (b) querendo manipular, explorar e destruir a natureza para satisfazer desejos materiais dos seres humanos.”

98

via mercado imobiliário, juntamente com a omissão, conivência e, alguns casos, estímulo do Estado 12 em fragilizar e/ou deixar de adotar as devidas e obrigatórias medidas para tutelar áreas legalmente protegidas em razão de elementos ambientais, independentemente se o é com vistas a proteção da biodiversidade (valor ecocêntrico 13), ou para atender interesses e necessidades somente humanas (valores antropocêntricos). Outros fatores também contribuem para estimular esse enfrentamento, como a inquestionável capacidade dos núcleos urbanos em atrair pessoas. Segundo Soler (2001): As cidades, no mundo contemporâneo, globalizado pelo neoliberalismo, cada vez mais têm sido o centro da vida da maioria das pessoas 14. Na esperança de um emprego, de uma morada, de conhecimento, de saúde, as pessoas têm abandonado a vida rural, mudando para o meio urbano. Entretanto, as cidades, especialmente nos países pobres, não têm oportunizado todos esses sonhos às pessoas, muito antes pelo contrário. As cidades são, em geral, o ímã, o agregador dos maiores problemas vividos por nós, administradores públicos ou munícipes. Insuficiência e ineficiência dos serviços públicos, com o incremento da violência, da exclusão social e da poluição, lugar de morada da infelicidade e da desesperança. Hoje, no planeta, inexiste água potável para 220 milhões de pessoas, 600 milhões não dispõem de uma morada adequada e 420 milhões estão longe de um serviço mínimo de saneamento. Entretanto, os padrões de consumo e, por consequência, de impacto no ambiente daqueles que vivem em países ricos é muito acima do dos pobres que vivem nas cidades dos países pobres. Na Flórida, é necessário dois litros de 12

Como foi a postura do Ministério do Meio Ambiente (MMA), no processo de negociação do projeto de resolução que se transformou na Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) 369/06, a qual permite a supressão de APP em determinados casos. 13 Conforme Dias (2008, p. 56) apud Capra (1996, p. 28) “[...] valores ecocêntricos (centralizados na Terra). É uma visão de mundo que reconhece o valor inerente da vida não-humana. Todos os seres são membros de comunidades ecológicas ligadas umas às outras numa rede de interdependências”. 14 Em torno de 73 % dos latino-americanos vivem nas cidades.

99

gasolina e mil de água para produzir um suco de laranja. Para uma tonelada de papel, são empregadas 98 toneladas de diversos outros elementos naturais. O volume de refugo resultante da produção de um laptop chega a quatro mil vezes o seu peso. Esse modo de relação com o ambiente é insustentável. As cidades atuais são insustentáveis. A produção e o consumo sem preocupação social e ecológica é uma das principais causas da insustentabilidade. Os moradores de Londres, para manterem os seus níveis atuais de consumo, somente para suprir suas necessidades de alimento e madeira, exigem a exploração de uma área 58 vezes maior que sua superfície da metrópole. Se fosse possível que, todos os habitantes do planeta, por um passe de mágica, consumissem nos mesmo padrões dos londrinos ou dos estadunidenses, precisaríamos de mais três Terras.

Agrava-se esse cenário quando nos deparamos com dados inéditos na história da humanidade: mais da metade ou, ao menos metade da população do planeta vive em cidades. No caso das cidades latino-americanas, o índice é preocupantemente maior. Em alguns casos, 80% da população está concentrada nas cidades, causando e sofrendo, não na mesma medida, impactos ambientais e suas consequências. Chegamos a esse patamar exagerado para a escala humana, pois em torno de 100 anos atrás apenas 10% da população mundial era urbana, o que é fruto do processo acelerado da urbanização motivada, especialmente pela economia capitalista, gerando também intensa ameaça ecológica e injustiças sociais. Ambientalmente devemos considerar, ao menos, os impactos no território das cidades, independe dos critérios utilizados para defini-lo, bem como as modificações da natureza para além desse território. Impactos esses que podemos entender melhor através do conceito de pegada ecológica 15. Segundo 15

Segundo Gonçalves (2006, p. 40) “(...) a pegada ecológica estima a pressão que uma determinada amenidade humana exerce sobre os ecossistemas mundiais (...). Segundo o PNUMA (Perspectivas de médio ambiente mundial 2002 – GEO-3) é uma unidade de área que ‘corresponde ao número necessário de hectares de terra biologicamente produtiva para produzir os alimentos e madeira que a população consome, a infraestrutura que utiliza, e para absorver o CO2 produzido durante a queima de combustíveis fósseis”.

100

O’Meara (1999, p. 142) as cidades ocupam 2% do território da superfície da Terra, mas consomem 76% do que é retirado da natureza. (...) é majoritariamente para manter as cidades que exploramos a natureza e a transformamos em energia ou em matéria. O que antes era floresta podem ser móveis ou alimentos, aqui e na Europa. Os carros já foram petróleo ou subsolo. As construções e eletrodomésticos também foram elementos naturais. Do total da população urbana do planeta, 76% são favelados em países pobres, como o Brasil. Número esse maior do que a população total dos países ricos (Canadá, EUA, Japão e europeus). E mais, 20% da população mundial consome a maior parte da natureza (três quartos), sobrando apenas um quarto para os demais 80%. A degradação é proporcional ao consumo. Quem consome mais, degrada mais” (SOLER, 2007).

Assim, os modelos urbanos contemporâneos predominantes são insustentáveis. O padrão médio de consumo verificado em cidades de países dominantes e em algumas de países dominados é impossível de ser alastrado para todo o planeta 16. Intrinsecamente inerente ao consumo está a degradação ambiental. O lixo, produto do consumismo, espalha-se pelas cidades e junto com ele as doenças e o caos na saúde pública, como foi o caso da dengue, no Rio de Janeiro. O culto crescente ao consumo ilimitado de automóveis, que disputam as vias das grandes e médias cidades, faz com que seus moradores desperdicem horas e horas em congestionamentos, como em São Paulo, cujo engarrafamento já passou de metros e chegou a quilômetros. As medidas 17 adotadas pelos governos locais para conter seus impactos negativos quase sempre são paliativas e não atingem a causa primeira dos 16

A população dos países mais ricos é a que mais consome a natureza transformada. Londres, por exemplo, exige 58 vezes o tamanho equivalente a sua superfície para atender sua necessidade de alimentos e madeira (SOLER, p. 06, 2001). 17 Como o rodízio de veículos em São Paulo ou o pedágio em determinadas cidades europeias para acesso de algumas zonas centrais.

101

problemas ambientais. Mas não é só isso, as cidades estão dominadas pela violência, pelo medo e pela diminuição dos espaços de convivência social, como as praças e os parques, onde alguns dos poucos que existem são submetidos ao cercamento e, consequentemente, ao cerceamento do acesso público livre. De tal modo, pela materialidade do cenário urbano e pelos valores que nos levam a ele e à busca de soluções, não é uma tarefa fácil administrar as cidades em padrões sustentáveis. Conforme a II Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Assentamento Humano (Habitat II)18 “abrigos adequados a todos e tornar os assentamentos humanos mais seguros, saudáveis e habitáveis, mais igualitários, sustentáveis e produtivos”, estão entre as características de uma cidade sustentável. Cinco anos depois, esse espírito foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pelo já citado Estatuto da Cidade, o qual estabeleceu como primeira diretriz da política urbana garantir o direito a cidades sustentáveis “entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações” (inciso I, art. 2º, Lei nº 10.257/01). Consideramos que muitos são os pré-requisitos, alguns já consagrados na lei ambiental, que podem ser elencados para a construção de uma cidade sustentável. Podemos citar alguns: redução do consumo; reciclagem de resíduos; Aterro Sanitário; sistema de ciclovias; implantação e manutenção das Unidades de Conservação; disponibilidade de ruas, praças e parques arborizados; ocupação dos vazios urbanos, especialmente com hortas ecológicas comunitárias; aplicação de material de baixo impacto na construção civil; reuso da água; iluminação natural nos prédios e, principalmente, zelo pelas APPs. Mas, sem dúvida, todas essas medidas não serão adequadas 18 Ocorrida em junho 1996, em Istambul, reuniu 171 Estados e 576 representantes de cidades.

102

se não existir concomitantemente o combate à fome e à pobreza, e a garantia de democracia ambiental, com colegiados ambientais deliberativos e espaços públicos para debates sobre a política urbana. O controle público do orçamento e dos fundos ambientais também são uma premissa inarredável, assim como a devida transparência dos atos administrativos ambientais realizados no plano municipal, sejam eles emanados do governo local (Executivo e Legislativo), do Ministério Público e do Judiciário. Um sistema de licenciamento ambiental eficaz e com acompanhamento pela coletividade é, sem dúvida nenhuma, um fator constitutivo de uma Cidade Sustentável. Por fim, a produção legislativa e a gestão urbana sustentável não devem ser tecnicistas e nem moldadas pelo interesse de mercado, como tem sido a marca de alguns processos de elaboração de planos diretores. Contudo, como pré-requisito para levar adiante todas essas ações deve ser enfrentada, dentre outras, a inadequação no uso dos conceitos que permeiam essa disputa. A luta pelo significado do conceito A modernidade tem sido marcada por disputas acerca da prevalência de sentido em torno dos conceitos. A questão da polissemia versus a totalização do sentido permeia os discursos e as práticas nos diversos campos do saber e entre esses. Se há um conceito que tem sido atravessado por vários campos com intuito de dizer qual seu real significado e a partir disso hegemonizar seu uso, é o de sustentabilidade e, por conseqüência, de desenvolvimento e de cidade sustentável. Assim, não raras vezes, apesar de antagônicos, faz parecer que liberais de mercado e ecologistas profundos compartilham do mesmo ideal. Segundo Dias (2008, p. 53), a “Ecologia Profunda acaba combinando preocupações com a Natureza e o desejo de transformar radicalmente a sociedade, posto que as relações entre as mesmas não podem ser transformadas dentro das atuais estruturas sociais. Ademais, também se baseia em conhecimentos emocionais e 103

intuitivos, historicamente negados pelo Tecnicismo e Cientificismo dominantes.” A produção dos variados sentidos de sustentabilidade parte da adesão, consciente ou não, a uma determinada concepção de natureza e da relação da humanidade com ela e consigo mesma. Gonçalves (2004, p. 23) afirma que cada sociedade forja seu conceito de natureza, sendo esse um dos pilares no qual essa sociedade ergue-se, estabelece sua cultura e em razão disso suas relações. No caso da cultura ocidental dominante, o conceito hegemônico de natureza instituído, evidentemente sem a participação ativa de cada cidadão, reforçado e difundido diariamente pela globalização do capitalismo, inclusive para culturas que possuíam concepção diversa, coloca-a como um elemento externo à sociedade. Mas não só. A sociedade encara a natureza de forma inferior e opressora, mantendo relações pautadas no critério de utilidade. Essa referência constitui o antropocentrismo, ou seja, o homem prioritariamente no centro das considerações da humanidade 19. Nessa direção, Leis e D’amato (2005) classificam a relação dos seres humanos com a natureza mediante critérios de inclusão ou exclusão dessa do contrato social. Identifica que o antropocentrismo adota critérios de exclusão, ou seja, a natureza não faz parte do contrato social que só considera os seres humanos (e, ainda assim, poucos deles que possuem capital social, econômico e político para ocuparem o pólo do dominante). Enquanto que o biocentrismo parte de critérios de inclusão da natureza nesse contrato. Santos (2006, p. 188) também adota essa perspectiva para analisar a dominação da natureza que leva ao processo de degradação socioambiental que a contemporaneidade experimenta, afirmando que o paradigma dominante, de origem cartesiana, parte 19

Em contrapartida temos o ecocentrismo, o qual considera a humanidade como parte da natureza e em igualdade de consideração, sem que se estabeleça uma relação utilitarista.

104

do pressuposto de exclusão da natureza do contrato social. O valor do Outro dominado, tanto natureza, quanto oprimidos (igualmente ele ressalta que nem toda a humanidade ocupa o polo do dominador), é o da utilidade. Essa dominação é possível porque a natureza é exterior ao homem (colonizador), assim ele pode subjugá-la. Da mesma forma, os colonizados são considerados inferiores, o “selvagem”, portanto podem ser dominados e civilizados (SANTOS, 2006, p. 181-190). Diante disso, essa perspectiva de exteriorização e de inferiorização está no centro de toda a dominação experimentada até os dias de hoje. Destarte, a partir do antropocentrismo ou do biocentrismo/ecocentrismo 20, se cunham os diversos significados em torno do conceito de sustentabilidade e cidade sustentável. Leff (1998, p. 20) é um dos mais enfáticos na denúncia da existência de significados diferentes para o termo sustentabilidade. O mais evidente é o forjado pelo discurso ambiental dos neoliberais, que permeia a maioria dos discursos e dos conceitos desenvolvimento sustentável, desenvolvimento durável, crescimento sustentável, propalados por diversos campos em disputa. Nessa perspectiva, estaria o conceito de Desenvolvimento Sustentável, meta consolidada na Conferência Eco-92 promovida pela ONU, cunhado a partir do Informe de Bruntland 21, pois compartilha dessa raiz antropocêntrica. Pretende através dos mecanismos de mercado conseguir um desenvolvimento passível de atender aos anseios da atual geração sem comprometer os da geração vindoura. Assim, além de manter a relação utilitarista da 20

Ambos os conceitos não são antagônicos, ainda que não possuam o mesmo significado. 21 Em 1984, mediante solicitação do secretário-geral da ONU, foi criada a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento que tinha como atribuição avaliar o avanço dos processos de degradação ambiental e as políticas ambientais de enfrentamento dos mesmos. As conclusões dessa comissão foram publicadas num relatório intitulado Nosso Futuro Comum, também conhecido como informe de Bruntland (nome da Primeira Ministra da Noruega à época, uma das autoras do relatório) (LEFF, 1998, p. 19).

105

sociedade para com a natureza, amenizada por ações que procuram mitigar ou compensar a degradação, não rompe com a lógica geradora da degradação, e ainda antecipa que os anseios das gerações futuras também beberão dessa fonte. É, ao mesmo tempo, uma manutenção e uma antecipação do antropocentrismo. Castri (2002, p. 26) atentamente menciona que desenvolvimento e sustentabilidade são termos antagônicos, posto que o primeiro reflete um processo dinâmico, aberto e com um comportamento caótico, sendo impossível sua presivibilidade e determinabilidade. Porque “sustentável” é uma característica dos sistemas fechados, estáveis, previsíveis, impossível nas atuais relações que estão em constante mutação e ampliação de suas fronteiras e de seus efeitos, principalmente no ambiente. Inversamente, temos um significado que busca a ruptura da racionalidade dominante, notadamente econômica neoliberal, que nega a Natureza, compreendendo a sustentabilidade no sentido de condição para a construção de uma nova realidade ambiental, que não seja antropocêntrica. Conforme a definição de Leff, sustentabilidade, conceito pedagogicamente desenvolvido em contraponto ao termo desenvolvimento sustentável, é um princípio que: (...) surge como uma resposta à fratura da razão modernizadora e como uma condição para construir uma nova racionalidade produtiva, fundada no potencial ecológico e em novos sentidos de civilização a partir da diversidade cultural do gênero humano. (...) Trata-se da “reapropriação” da natureza e da reinvenção do mundo; não só de “um mundo no qual caibam outros mundos”, mas de um mundo conformado por uma diversidade de mundos, abrindo o cerco da ordem econômicoecológica globalizada (LEFF, 1998, p. 31).

Fruto da propalada racionalidade antropocêntrica dominante, apontamos a CF/88, também conhecida como Constituição Cidadã 22. Ainda que em raros momentos ela assinale 22

Ainda que a CF/88 tenha sido cunhada no antropocentrismo, mesmo que alargado, a sua aplicação levaria a uma significativa alteração na relação da

106

para considerações mais próximas a um ecocentrismo quando, por exemplo, veda quaisquer práticas que submetam os animais (não humanos) à crueldade, identifica-se mais com um conceito ainda em formação, qual seja, o antropocentrismo alargado. Esse advoga a manutenção da humanidade no centro das considerações, embora seja mais receptivo a tolerar outras formas de vida como relevantes e com um fim em si mesmas. Aceita a concessão de determinados direitos, em decorrência da capacidade de sofrimento, conforme o pensamento de Peter Singer, a partir da teoria de Jeremy Benthan (no qual a capacidade “sofrimento” é o “passaporte” para ser tutelado juridicamente e sendo merecedor de igual consideração), rompendo com a lógica Kantiana que atribui somente aos animais humanos um valor intrínseco e um fim em si mesmo, premissa que sustenta o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Além disso, esse sofrimento deve mobilizar nos seres humanos sentimentos que os levem a tutelar e salvaguardar a integridade daquele animal (não humano) que sofre, que se dá menos em função de uma utilidade explícita (antropocêntrica) que tenha, e mais por um remorso implícito e por um desejo de não culpa (antropocentrismo alargado), mas que não pretende romper com a relação hierarquizada, privilegiada e opressiva dos animais humanos para com outras formas de vida. Proposta essa de difícil aplicação, pois quais seriam os parâmetros para verificar a capacidade e o grau de sofrimento. Talvez a maior ou menor proximidade biológica despertasse um sentimento de compaixão e de proteção. A origem da ideia de que a vida humana pela simples razão de sua existência é titular de determinados direitos considerados naturais e que não são objeto de alienação, advem, segundo Sarlet (2007, p. 45), do mundo antigo e que foi incrementada pela filosofia clássica e pelo pensamento cristão. Conforme Gonçalves (2004, p. 28), da mesma forma no pensamento greco-romano, notadamente a partir de Sócrates, houve a distinção entre homem e sociedade com a natureza não-humana.

107

natureza, originando o antropocentrismo, o qual foi revigorado, principalmente pela ciência moderna de origem newtoniana e cartesiana, e que está impregnado no pensamento e no agir ocidental, traduzido, especialmente, na cultura urbana. Sobretudo no século passado, concluiu-se na luta e na experimentação da degradação humana e do ambiente, que não bastava garantir o direito à vida humana se essa não fosse digna. A ONU, em função das consequências da II Guerra Mundial, teve papel preponderante nessa formulação posto que capitaneou conferências 23 com a participação dos movimentos sociais (na grande maioria das vezes, secundarizada) e de chefes de Estado, que derivaram em pactos internacionais 24, cujo objeto e força motriz foram o reconhecimento e a salvaguarda da dignidade inerente à pessoa humana, derivando em um vasto inventário de direitos e garantias, assim como deveres, fundamentais para a realização e seguridade dessa dignidade 25 e que no caso brasileiro, 23

Na política ambiental internacional, a Conferência de Estocolmo (Estocolmo/1972) e a Eco-92 (Rio de Janeiro/1992). No tema assentamentos humanos as conferências Habitat I (Canadá/1976) e a Habitat II (Istambul/1996). Nos encontros de avaliação dessas conferências foi unânime a conclusão de que pouco se avançou na reversão da degradação social e ambiental, em todas as escalas, ao contrário, tendo sido agravadas. 24 Alguns instrumentos internacionais relevantes para a questão da dignidade da pessoa humana: no âmbito da ONU: a Carta das Nações Unidas; o Pacto Universal dos Direitos Humanos; o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Já no domínio da Organização dos Estados Americanos (OEA), a Convenção Americana de Direitos Humanos. 25 Santos (2006, p. 433-470) defende a ideia de uma reconstrução intercultural dos direitos humanos, posto que acusa o atual inventário de estar incompleto, tendo sido construído pelo imperialismo do norte ocidental (onde para nós a ONU tem papel de destaque), num processo de universalização sobre culturas não ocidentais e do hemisfério Sul, que não reconheceu as especificidades das mesmas e estando a serviço da globalização hegemônica neoliberal. A proposta do autor está a favor de uma política de direitos humanos progressista e emancipadora. Não obstante, em nenhum momento, Santos (2006) afirma que os direitos fundamentais ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e a

108

refletiu na formulação do direito interno. De tal modo, indissociavelmente para satisfazer essa prerrogativa e para dar substância ao princípio da dignidade da pessoa humana foi pactuado que são necessários, dentre outros elementos, um ambiente equilibrado e uma moradia adequada. Embora a ONU tenha tido papel destacado nesse pacto, essa compreensão foi conquistada majoritariamente através da ação dos movimentos sociais e ecológicos, e não derivados diretamente de premissas liberais que asseguraram, por exemplo, os direitos, também considerados fundamentais, de propriedade e de herança. Ainda que a raiz de ambos seja antropocêntrica, as estratégias de conquista tiveram percursos diferentes e alcançaram resultados do mesmo modo diferenciados. Nesse mesmo sentido, a CF/88 possui um extenso rol de normas que enunciam direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, que igualmente são em menor escala fruto da concessão dos legisladores originários, mas ao contrário, produto de movimentos políticos, sociais e ecológicos que nomearam (e continuam nomeando), de forma incisiva e combativa, essas questões como objeto de tutela jurídica especial. Muito embora ao arrepio dessa legalidade, seguem sendo violadas nos dias de hoje. Lutas essas que também se vinculam a uma determinada concepção de natureza e sociedade (já frisamos que predominantemente de matriz antropocêntrica) e que, dependendo da ocasião, mobilizaram recursos suficientes para sua admissão constitucional. Assim, está evidente que o direito não encontra internamente seu próprio fundamento, distanciado das interferências da realidade social (tese internalista). Também não é um reflexo direto das relações de força da sociedade (tese externalista), sendo duplamente determinado na luta dos variados campos, conforme Bourdieu (2006). moradia tenham sido cunhados nessa perspectiva. Ao contrário, afirma que uma das grandes conquistas imperiais foi justo a dominação da natureza e dos seres humanos inferiorizados e oprimidos.

109

Diante disso, segundo Dias (2007), nos Títulos I e II da CF/88, estão dispostos os princípios, direitos e garantias constitucionais fundamentais da pessoa humana, dentre eles, o direito fundamental à moradia (Título II, art. 6º), tardiamente incorporado através da Emenda Constitucional (EC) nº 26/2000. Devido ao caráter aberto da constituição nesta matéria, podem-se encontrar direitos fundamentais em outros títulos do corpo constitucional, como é o caso do direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, situado desde a promulgação da CF/88, no Título VIII, que dispõe sobre a ordem social (art. 225). Portanto, esse direito teve status constitucional anterior ao direito à moradia, mas não em grau de importância destacada. É relevante destacar que a salvaguarda jurídica formal, mesmo com a proeminência desse status, não é suficiente para a sua realização material, sobretudo quando falamos dos direitos destacados acima, posto que historicamente aqueles que os evocam e defendem encontram-se fragilizados no processo tutelar, o que justifica a permanente necessidade de lutar por sua realização e, de forma mais anacrônica, pelo próprio reconhecimento, mesmo com todo o arcabouço jurídico. Como forma de dar efetividade aos mesmos, a doutrina jurídica procurou se debruçar sobre essa temática através da relativização de direitos fundamentais nos casos concretos de colisões e concorrências entre os mesmos, buscando supostamente através da técnica (autonomeada de universalista e neutra), solucioná-las. Segundo Martinho (2006), o Brasil não adotou um limite para a relativização dos direitos fundamentais. Diante disso, Dias (2007) afirma que no cotidiano dos operadores do direito, assim como no dia a dia de gestores públicos e privados, os direitos fundamentais ao ambiente ecologicamente equilibrado e a moradia são ponderados e suprimidos, algumas vezes amparados por essa técnica jurídica e, na maioria, à margem dela, levando em conta “outros exercícios” não condizentes com o Estado

110

Democrático de Direito 26. Ainda que compartilhem da mesma matriz antropocêntrica, tais direitos não são conflitantes entre si. Na sua formulação, embora os seres humanos encontrem-se em posição de maior relevância em relação a outras formas de vida e elementos naturais, não há impedimento de ordem substancial para que se concretizem. Compreendemos que para haver dignidade da pessoa humana tem de necessariamente existir um meio ambiente ecologicamente equilibrado e uma moradia adequada, sendo que um não se realiza sem o outro, são complementares, ainda que o primeiro seja condição para o segundo. Portanto as soluções práticas que concedem, por exemplo, o direito a determinado indivíduo de residir 27 em áreas legalmente protegidas em razão de elementos ambientais, como são as APP, concede um placebo de direito de moradia a um, extirpando formal e materialmente, o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado de todos, inclusive desse mesmo indivíduo, diminuindo seu próprio rol de direitos. Enfim, não é uma solução de cunho fundamental, e sim paliativa e pragmática. Seria imperativo averiguar antes de chegar-se a uma situação de extirpação, não somente o fato concreto, e sim o histórico do mesmo. Diante desse exercício poder-se-ia identificar a falha na providência do direito e determinar sua irremediável correção, e não decidir que em dado caso tal direito irá preponderar em detrimento de outro. Afinal, conforme já exposto, na sua concepção, tais direitos fundamentais não são excludentes, e sim convivem harmonicamente nessa interdependente e complexa rede que conforma a dignidade da pessoa humana. Assim sendo, tais mecanismos de regularização fundiária 26

Não se exclui o aniquilamento de direitos e garantias fundamentais pelo Estado Democrático de Direito, sob o condão da legalidade. 27 Morar é um conceito complexo que necessariamente reúne diversas variáveis. Compreende-se moradia como um somatório de condições de ordem material e psíquica, que não dispensam, por exemplo, o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado.

111

para fins de moradia em APPs, que serão mais bem detalhados na sequência, ofendem até mesmo a ordem antropocêntrica (alargada), legitimada através de tais garantias legais. Ameaça à tutela Permanente (APP)

jurídica

das

Áreas

de

Preservação

A utilização de APPs com fins econômicos vem levando larga vantagem sobre a luta política e jurídica que pretende sua proteção. Há uma distância muito grande entre o que recomenda a doutrina jurídico-ecológica, o que prevê a lei e o que acontece nas APPs (DIAS, 2007b). A disputa sobre as APPs não diz respeito somente ao seu uso e ocupação material, mas também ao conceito adotado pela lei e pela doutrina. Legalmente, tal conceito 28 veio com a alteração do NCFB, através da edição da MP nº 2.166-67/01, a qual também elencou os casos especiais onde é possível a supressão de sua vegetação (interesse social, utilidade pública, obtenção de água, supressão eventual e de baixo impacto), delegando ao CONAMA, a competência para definir outros casos. Cabe ressaltar que tal MP foi alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), na parte em que modificou o NCFB, ao prever a alteração ou supressão de vegetação em APP. Embora tal pretensão tenha sido derrubada pelo Supremo Tribunal Federal, citamos manifestações respectivas dos ministros Carlos Ayres Britto e Marco Aurélio, expressamente contrários à possibilidade de supressão de vegetação em APPs: O caráter concessivo da medida provisória assusta, preocupa-me muito o problema da desertificação no Brasil, porque se nós suprimirmos de 28

Art. 1º - (...); II – (...) área protegida nos termos dos arts. 2 º e 3 º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas; (NCFB, Lei n º 4.771/65, alterado pela MP nº 2.16667/01)

112

uma área de preservação permanente a própria vegetação, pode ser fatal, o que sobrará dessa área de proteção especial? Fonte: O Direito por Um Planeta Verde (2007). (...) pobres gerações presentes e futuras no que se acaba por olvidar os parâmetros da Carta da República, os parâmetros voltados ao meio ambiente e à integridade e ao respeito ao meio ambiente indispensável ao próprio homem. (...) Se a medida provisória vier ser rechaçada pelo Congresso, o mal já estará consumado e o fato consumado no Brasil tem um efeito incrível em termos de alteração que a Constituição Federal visa a afastar, que é a alteração do meio ambiente com a supressão da vegetação, que é indispensável em se tratando de território. Fonte: O Direito por Um Planeta Verde (2007).

Posteriormente, o CONAMA editou a já comentada Resolução nº 369/06, como resultado de um processo conflituoso devido aos diversos interesses dos atores lá presentes e/ou representados. Foram apresentadas cerca de cem emendas ao texto do projeto de resolução, com a juntada de abaixo-assinados, pareceres técnicos, notas de repúdio e manifestações de organizações não-governamentais (ONGs) ecológicas 29 e de membros do Ministério Público. Todas contrárias à supressão de vegetação em APP. A Resolução citada, salvo melhor juízo, ilegalmente permitiu ao órgão ambiental competente autorizar a intervenção ou supressão de vegetação em APP 30 para a regularização fundiária sustentável (qual é o sentido de sustentabilidade?) em área urbana, considerada de interesse social, quando: inexistir alternativa técnica locacional; inexistir riscos de agravamento de processos como enchente, erosão ou movimentos acidentais de massa rochosa; for declarada pelo Plano Diretor do Município, ou outra 29

Notadamente do Fórum Brasileiro de ONG’s e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS), que aglutina mais de 500 entidades em todo o Brasil. 30 Já a Resolução CONAMA 303/02, apresentava definições de APPs e a reboque definiu Área Urbana Consolidada, preparando o cenário para as futuras flexibilizações.

113

legislação municipal, como Zona de Especial Interesse Social (ZEIS); for predominantemente residencial e ocupada por moradores de baixa renda; a ocupação possuir no mínimo três itens, dentre os discriminados na resolução, de infraestrutura urbana implantada; apresentar densidade demográfica superior a cinquenta habitantes por hectare; tratar de ocupações consolidadas e apresentarem Plano de Regularização Fundiária Sustentável. Encorajados pelo caminho aberto pelo CONAMA, de claro favorecimento aos interesses produtivistas e antropocêntricos, o qual contou com a regência do governo federal, ganhou força no Congresso Nacional o comentado PL nº 3.057/2000, apelidado, inadequadamente, de Lei de Responsabilidade Territorial, o qual altera a Lei do Parcelamento do Solo Urbano – Lei 6.766/79. ONG’s ecológicas, o Conselho Nacional de ProcuradoresGerais do Ministério Público dos Estados e da União, a Associação Brasileira do Ministério Público de Meio Ambiente, manifestaramse contrários ao PL. Em contrapartida, o Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil e da Câmara Brasileira da Indústria da Construção declararam seu apoio. A origem do conflito que ameaça formal e materialmente as APPs – considerações finais A existência de conflito entre os direitos fundamentais ao ambiente ecologicamente equilibrado e à moradia, mais especificamente à de interesse social, decorre de uma visão reduzida e cartesiana dos mesmos, configurando um conflito artificial. Fernandes (2004) já apontou para a falsificação desse conflito. O latifúndio no Brasil, responsável por grande parte da degradação ambiental e social, o qual efetivamente empurra as populações de baixa renda para as APPs, conforme assinala Maricato (2000, p. 150-151), tem resistido, através de acordos políticos, econômicos e jurídicos, há 4 séculos a todo e qualquer 114

debate e proposta de mudança. Com ele, a concentração de renda e de terra urbana, também resistem. A autora condena exatamente o que propõem a Resolução CONAMA 369/06 e outros diplomas legais de igual natureza, ou seja, buscar solucionar problemas sociais somente através da alteração legislativa. No caso em comento, defrontamo-nos com a flexibilização da legislação ambiental, a qual visa a dita regularização fundiária sustentável em APPs urbanas, cujas ocupações sejam classificadas como consolidadas. Entretanto, a entrega meramente formal de um título de posse ou propriedade (regularização), mesmo que acompanhada de programas de saneamento e qualificação ambiental, o que não é a regra, não se aproxima dos requisitos de uma cidade sustentável. Posto que, sob o ponto de vista ecológico, as APPs, mesmo urbanas, apresentam grande diversidade biológica e importantes funções ecológicas e sociais. Ademais, tal regularização obsta à efetividade dos direitos fundamentais ao ambiente ecologicamente equilibrado e à moradia, que se torna ainda mais claramente fragilizado quando as APPs apresentam risco eminente ao patrimônio e à integridade física de quem lá “mora”, tendo em vista as enchentes e os deslizamentos de terra, pois não há medida tecnológica ou de gestão que retire esse ameaça de forma permanente de tais ambientes. Ao analisarmos os acordos internacionais, a CF/88, a legislação ambiental, a urbanística, a do consumidor, o próprio Estatuto da Cidade, a doutrina acerca da sustentabilidade e da Cidade Sustentável, não encontraremos nenhuma disposição que afirme que o exercício do direito ao ambiente ecologicamente equilibrado impede o direito à moradia. O conflito que efetivamente existe, conforme já pincelado, é entre moradia e ambiente ecologicamente equilibrado num pólo e uso abusivo do direito de propriedade, sem observância de sua função social, no outro. Quando as APPs estiverem ocupadas na sua totalidade será a hora de enfrentar esse conflito que é real? Santa Catarina, e até mesmo, Pelotas, no Rio Grande do Sul, sentiram as consequências da supressão/ocupação das APPs, com 115

as recentes enchentes. Assim, é comum e equivocado, principalmente se nos localizamos na superfície da questão, afirmar que a tutela jurídica das APPs produz ilegalidade. Na verdade, o que gera a ilegalidade é a concentração de terra urbana e a ausência de políticas públicas que enfrentem a primazia do mercado sobre a proteção ambiental e a melhoria das condições sociais das classes oprimidas. É claro que existem alternativas locacionais para os ocupantes de APPs. São elevados os números de imóveis desocupados e/ou subocupados, e de vazios urbanos fora delas que podem e devem ser a regra na distribuição de terra urbana. Merece crítica um dos objetivos da Secretaria Nacional de Programas Urbanos 31, do Ministério das Cidades 32, o qual busca a remoção dos “obstáculos” da legislação ambiental federal para a implementação do Planejamento Territorial Urbano e Política Fundiária com inclusão social. Talvez por que o enfrentamento do conflito real, a questão da acumulação fundiária e imobiliária, seja politicamente mais custoso, atingindo os que desejam manter o status quo dominante, passando ao largo da raiz do problema, qual seja, o não cumprimento da função social da propriedade e a acumulação de riqueza e renda, no caso, no espaço urbano. Mesmo ao adotar a matriz de análise antropocêntrica, concluímos que as referências conceituais para a defesa de um direito à regularização fundiária em APPs, e os futuros usos e ocupações almejados para as mesmas, estão equivocadas, pois se admitirmos que atendem o direito à moradia (o que não ocorre materialmente), não atendem o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo, 31

http://www.cidades.gov.br//index.php?option=content&task=section&id= 15&menupid=203&menutp=progurb 32 A questão ambiental dentro do Ministério das Cidades é vista, em grande parte, como política de saneamento ambiental. É notável que essas políticas não necessariamente correspondem e têm como objetivo o ambiente ecologicamente equilibrado.

116

conforme a CF/88. Direito esse igualmente antropocêntrico. Salvo se entendermos que o antropocentrismo não visa beneficiar a todos os seres humanos, mas somente aqueles que estão no pólo da dominação social, econômica e política e, assim, fazem valer sua vontade e seu poder. O paradigma cartesiano-instrumental, predominantemente economicista, não considera, ou omite a consideração que, independente do estatuto jurídico que se dá a “coisa” (Benjamim, 2001), as APPs possuem função ecológica e que sua descaracterização/supressão antrópica, não ocorrerá sem consequências negativas ao ambiente e, obviamente, ao ser humano. O que leva a um distanciamento do conceito de Cidade Sustentável e da potencialidade de sua concretização. Destarte as “dimensões da tragédia humana”, em apologia a Maricato (2001), serão maiores, e, principalmente, mais severas para as classes oprimidas da população, e no interior dessas, para crianças, jovens e idosos. E não são mais os ecologistas, pejorativamente chamados de românticos, catastróficos e acusados de insensíveis às causas sociais que apontam para essas consequências danosas ao ambiente natural ou não. São também cientistas do Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas (IPCC) 33 da ONU, membros da OEA, a mídia, igrejas, empresas e outras tantas instituições, tanto progressistas, quanto neoliberais, a maioria dos seus feitores é letrada nos bancos dessa mesma razão dominante, produtivista, antropocêntrica. Nesse caso de regularização das ocupações em APPs, principalmente em área urbana e para fins de moradia de populações de baixa renda, o falso conflito tem proporcionado uma aliança esdrúxula entre parte dos movimentos sociais de luta pela moradia e setores privados e/ou públicos, responsáveis diretos pelas mazelas dos primeiros, assim como, pela degradação do ambiente e pela alteração da legislação tutelar social. A citada 33

Criado em 1988, reúne diversos cientistas do mundo todo para avaliar, sob diversos aspectos, o aquecimento global, propondo formas de enfrentá-lo.

117

aliança dos dominantes com parte dos movimentos sociais é baseada na utilidade que um tem para o outro, mas a distribuição do ônus e do bônus, como a história demonstra, não é equitativa! Devemos buscar alternativas à aparente única opção (proposital e antropocêntrica) que pode ser traduzida nas seguintes questões: a quem cabe o direito de degradar a natureza em proveito próprio ou de terceiros? Ao “grande” ou ao “pequeno”? Ao rico ou ao pobre? Parece-nos que não devemos escolher entre nenhuma dessas possibilidades, mas, sim, aquela que exclua a premissa da degradação e da opressão. A justiça social, neste caso o acesso à moradia, não pode vingar e ser mantida à custa da degradação do planeta, pois para nada servirá a equidade social sem o ambiente ecologicamente equilibrado, por uma razão simples, não haverá possibilidade para a vida, humana ou não. A crise ecológica leva-nos a uma reflexão sobre a urgente repactuação social dentro de padrões não-antropocêntricos, os quais obviamente incluem a natureza, desconsiderada do pacto moderno. E que tal premente repactuação seja realizada em condições de consideração e não de subjugação da natureza em relação a determinados animais humanos (SANTOS, 2006). Assim sendo, a flexibilização da tutela jurídica ambiental diverge dos elementos que apontam para o ideal de cidade sustentável. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENJAMIN. Antonio H. A natureza no Direito Brasileiro – coisa, sujeito ou nada disso. In: Caderno Jurídico da Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Ano 01, vol. 01, nº 02. Julho de 2001. BOURDIEU, Pierre. A força do direito: elementos para uma sociologia do campo jurídico. In: _________. O Poder Simbólico. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. p. 209-254. CASTRI, Francesco di. Os três paradoxos do desenvolvimento sustentável. In: SEURB CADERNO SUSTENTAR 3. Pelotas: CPLAN, 2002. p. 26 -37. DIAMOND, Jared. Colapso. Como as sociedades escolhem o fracasso e o sucesso. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 2006. DIAS, Eugênia Antunes. Áreas de Preservação Permanente permanentemente não

118

preservadas: o falso conflito entre os direitos fundamentais ao ambiente ecologicamente equilibrado e a moradia. In: ANAIS DO I CONGRESSO SUL-RIOGRANDENSE DE DIREITOS FUNDAMENTAIS, I. 2007. Rio Grande: FURG. 2007b. ______. Uma Análise da Postura do Poder Judiciário no Caso da Ocupação da Orla do Balneário Laranjal – Pelotas/RS. 2007. 59f. Qualificação (Mestrado em Ciências Sociais)-Instituto de Sociologia e Política, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas. ______. Visão de Natureza: uma análise sobre práticas jurídicas antropocêntricas do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. 2008. 185 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)-Instituto de Sociologia e Política, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas. FENSTERSEIFER, Tiago. Dignidade e Ambiente: A dignidade da vida para além do animal humano? In: DIREITOS HUMANOS E MEIO AMBIENTE, 10, 2006, São Paulo. Anais do 11º Congresso Internacional de Direito Ambiental. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006, p. 915-933. FERNANDES, Edésio. Preservação Ambiental ou Moradia? Um Falso Conflito. 2004. http://geodesia.ufsc.br/wikiDisponível em: ctm/index.php/Preserva%C3%A7%C3%A3o_ambiental_ou_moradia%3F_Um_falso_co nflito. Acesso em: 05 jun 2007. GONÇALVES, Carlos Walter Porto. A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. 461p. ______. Os (Des) Caminhos do Meio Ambiente. 11 ed. São Paulo: Contexto, 2004. 148 p. INSTITUTO O DIREITO POR UM PLANETA VERDE. Disponível em: Acesso: jul 2007. LEFF, Enrique. Saber Ambiental. Petrópolis: Vozes, 1998. LEIS, Héctor; D’AMATO, José Luis. Para um teoria de las prácticas del ambientalismo mundial. THEOMAI, Buenos Aires, n. 11, 2005. Disponível em: Acesso em: 15 jun 2005. MARICATO, Ermínia. As Ideias Fora do Lugar e o Lugar Fora das Ideias. p. 121-192. In: ARANTES, Otília, VAINER, Carlos e MARICATO, Ermínia. A Cidade do Pensamento Único. Desmanchando Consensos. Petrópolis (RJ): Vozes, 2000. ______. Dimensões da Tragédia Humana. 2001. Disponível http://comciencia.br/reportagens/cidades/cid18.htm Acesso em: 08 jun 2007.

em:

MARTINHO, Luciana Toledo. Limites da Relativização do Direito Fundamental ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado. In: DIREITOS HUMANOS E MEIO AMBIENTE, 10 , 2006, São Paulo. Anais do 11º Congresso Internacional de Direito Ambiental. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006, p. 627-640. MINISTÉRIO DAS CIDADES. Disponível em: http://www.cidades.gov.br//index.php?option=content&task=section&id=15&menupid=2 03&menutp=progurb Acesso em: 06 mai 2007 O’MEARA, Molly. Explorando uma nova visão para as cidades. In: BROWN, Lester; FLAVIN, Christopher; FRENCH, Hilary. Estado do Mundo 1999. Salvador: UMA –

119

Universidade Livre da Mata Atlântica. 1999. p.138-157. PEPPER, David. Ambientalismo Moderno. 1996. Lisboa: Instituto Piaget. 1996. SANTOS, Boaventura de Souza. A Gramática do Tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006. SARLET, Ingo.W. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 8 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.503p. SOLER, Antônio C P ; DIAS, Eugênia Antunes. Cultivando a flexibilização do Direito Ambiental, colhendo monoculturas: o Pampa em contraste com a monotonia. In: FILHO, Althen Teixeira. (Org.). Eucaliptais. Qual Rio Grande do Sul Desejamos?1 ed. Pelotas, 2008, v. 1, p. 167-195. Disponível em: http://centrodeestudosambientais.wordpress.com/2008/11/20/baixe-o-livro%E2%80%9Ceucalipitais-qual-o-rio-grande-do-sul-desejamos/ Acesso em: 20 de abr 2009. SOLER, Antônio Carlos Porciúncula. Direito Ambiental Como Instrumento de Cidadania e a Legislação Existente em Pelotas. Sociedade em Debate. Editora da UCPel: Pelotas, n. 2, v. 2, p. 63-83, jun. 1996. ______. Por Uma Cidade Solidária e Sustentável. SEURB: Pelotas, 2001. ______. Aquecendo a Injustiça Ambiental. Porto Alegre: Jornal Zero Hora, 2007.

120

DIREITO COLETIVO DO TRABALHO E COOPERATIVISMO POPULAR A contribuição da autonomia coletiva do Direito Coletivo do Trabalho para organização dos trabalhadores em Cooperativas Paulo Ricardo Opuszka 1 RESUMEN estudios de Derecho Laboral Colectivo, en que pretiñe en la formación e afirmación de la autonomía colectiva, pueden surgir de la categoría trabajo, para desarrollo de nuevos derechos inscritos en los instrumientos colectivos de trabajo. Esto potencial puede sir recuperado por las Cooperativas Populares, para sus organizaciones sea en lo agrupamiento dos emprendimientos o su aprimoramento en la estruracion de las organizaciones en Red. PALABRAS-CLAVE: autonomia cooperativismo popular.

coletiva,

derecho

laboral

coletivo,

Introdução O objetivo do presente artigo é resgatar e problematizar a categoria autonomia coletiva, sob o ponto de visto sócioeconômico, no sentido de encontrar pistas para organização do trabalho cooperado no capitalismo brasileiro, e jurídico, afim de re-significar cooperação enquanto opção de trabalho e renda com 1

Paulo Ricardo Opuszka é mestre e doutorando em Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná. Professor de Processo do Trabalho da Universidade Federal de Rio Grande – FURG/RS e membro do Núcleo de Direito Cooperativo e Cidadania.

121

proteção jurídica, a partir das reflexões nos recortes de investigação do Núcleo de Direito Cooperativo e Cidadania do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná e do Núcleo de Desenvolvimento Social e Econômico – NUDESE da Universidade Federal de Rio Grande – FURG. O percurso a ser desenvolvido será da abordagem de elementos do Direito Coletivo do Trabalho, em especial na forma como se consolidou no Brasil, na tentativa de apresentar um modelo de organização sindical, no qual se encontra uma possibilidade de afirmação de autonomia coletiva a partir da possibilidade de criação de novos direitos para os trabalhadores organizados em cooperativas e que, essas experiências e conquistas do mundo da organização sindical sirvam para o cooperativismo popular. As fontes autônomas do Direito Coletivo do Trabalho, que se consolidaram enquanto instrumentos de criação de direitos coletivos a partir da Convenção Coletiva de Trabalho e do Acordo Coletivo de Trabalho e também a fonte heterônoma, na forma de heterocomposição, denominada sentença normativa, que também possibilita a criação de direitos por parte do Estado Juiz, apresentam um modelo de organização, para além do contrato (fonte de Direito que privilegia a relação individual) e da Lei (fonte de Direito que privilegia a relação universal), onde um agrupamento de indivíduos, mas especificamente uma categoria, cria sua própria proteção jurídica e apresenta suas conquistas enquanto classe a partir de um instrumento normativo que estabelece autonomamente o seu limite no Estado de Direito. É certo que a autonomia coletiva sofreu uma limitação substancial em relação àquelas estabelecidas nos países onde o movimento sindical teve intensa organização como é o caso da Itália, Rússia e Alemanha, ou mesmo alguns países da América Latina como o México, Argentina e Chile, uma vez que, no Brasil, ela esteve atrelada aos princípios da unicidade sindical (representatividade no limite da base territorial) e contribuição sindical compulsória. 122

Outro limitante a ser considerado é a formação do Tribunal Superior do Trabalho, a qual acarretou um legado jurisprudencial legalista e conservador. Entretanto, ainda assim, o poder normativo da Justiça do Trabalho, em especial, do Tribunal Regional do Trabalho, órgão competente para decidir acerca do dissídio coletivo, também submetidos a terceiro (nesse caso o Estado Juiz) permaneceu com um poder para, dentro de um conteúdo pré-estabelecido (nas propostas de negociação do sindicato dos trabalhadores e proposta de acordo do sindicato patronal), decidir sobre a incidências de novos direitos e obrigações no prazo de 2 anos a contar do Acordo ou Convenção que não se consolidou cabendo ao Poder Judiciário uma solução criativa e criadora. Salienta-se, portanto, que ao lado do Mandado de Injunção, diferente do que se estabeleceu nos demais casos de exercício da Jurisdição no Direito Brasileiro, as sentenças normativas dos Dissídios Coletivos acabam por tornar-se outro instrumento de criação de direitos 2. Cabe ressalvar que, atualmente, a inscrição da expressão de comum acordo ao § 2°, do inc. IX, do art. 114 da Constituição Federal, pela emenda 45/2004, o exercício do poder normativo está limitado ao acordo das entidades sindicais para o ajuizamento do dissídio coletivo, o que limita consideravelmente o exercício da autonomia coletiva de uma classe, já que os interesses dos patrões e empregados, pela sua natureza capitalista, permanecem e continuarão em conflito. A luta de classe é o movimento da sociedade moderna. Contudo, o exercício da autonomia coletiva ainda permanece e pode ser útil para a organização coletiva das entidades cooperativas, embora a nova Lei do Cooperativismo 2

O Mandado de Injunção serve para proteger direito fundamental quando o não exercício de direito fundamental esbarrava em norma não regulamentada. O Supremo Tribunal Federal atualmente está recuperando tal instrumento que a própria Corte promoveu o desuso.

123

talvez venha a legitimar a Organização das Cooperativas do Brasil como único órgão de representação geral das Cooperativas 3. Para refletir a partir dos argumentos escolhidos, sob os quais nos conduzirá a reflexão teórica, necessária se faz a recuperação da categoria trabalho, na medida em que a mesma já nasce enquanto um problema para Modernidade, já que essa nova configuração de mundo das relações, do pensamento, da política, da economia e da regulação social configura-se finalmente enquanto modelo individualista, formalista, civilizado e excludente daquilo que foge ao seu universo de alcance. Nossa proposta passa pelo resgate do Direito Sindical enquanto uma opção para construção da autonomia coletiva, de forma que suas noções e categorias para criação coletiva de direitos possam servir para as novas organizações de trabalho, em especial a organização em Cooperativas e os contratos delas decorrentes. Por fim, pretende-se chegar a conclusões capazes de apontar pistas ao desenvolvimento do Cooperativismo, especialmente o popular, no que tange a sua organização e manutenção no que se pode denominar sustentabilidade local, dentro do que se considera um dos princípios do Cooperativismo pela Aliança Cooperativista Internacional, que é o interesse pela comunidade, aliado a intercooperação, a partir da autonomia coletiva, caracterizada pelo princípio da autonomia e independência.

3

O projeto de Lei que discute uma readequação do Cooperativismo Brasileiro tem sido bastante modificado no sentido de consolidar o denominado cooperativismo empresarial, capitaneado pelo agronegócio, cooperativas ligadas a OCB e OCEPAR, Unimed e outras empresas que não compõem o cooperativismo em análise já que procuramos tratar do cooperativismo popular e não do cooperativismo tradicional, de cunho empresarial.

124

1 Categoria Trabalho: um problema para Modernidade 1.1 O trabalho na autonomia da vontade ou da autonomia liberal Na denominada Modernidade podemos afirmar que o mundo possível, para o Direito, é um mundo no qual o Estado reconhece, protege e pretende transformar todos os direitos em individuais. Segundo Carlos Frederico Marés de Souza Filho (...) a construção do Estado contemporâneo e de seu Direito foi marcada pelo individualismo jurídico ou pela transformação de um todo titular de direito em um indivíduo. Assim foi feito com as empresas, as sociedades e com o próprio Estado; criou-se a ficção de que cada um deles era uma pessoa, chamada de jurídica ou moral, individual. Assim também foi feito com os diferentes povos, criando a ficção de que cada povo indígena seria uma individualidade com direitos protegidos. Isto transformava s direitos essencialmente coletivos dos povos em direitos individuais4.

Na continuação do texto completa O Direito contemporâneo, além de individualista, é dicotômico: às pessoas – indivíduos titulares de direitos – corresponde uma coisa, o bem jurídico protegido. A legitimidade desta relação se dá por meio de um contrato – acordo entre duas pessoas. É evidente que este esquema jurídico não poderia servir aos povos indígenas da América Latina, porque, mesmo que considerasse cada povo uma individualidade de direito, os bens protegidos (os bens que os povos precisam proteger) e sua legitimidade não têm nenhuma relação com a disponibilidade individual e com a origem contratual5.

A Modernidade, nesse sentido, cria e consolida, enquanto bases estruturantes de Direito Privado, categorias jurídicas que 4 5

SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Idem 5.

125

projetam um modelo de Direito, fundador de um complexo legislativo que assentará, ao longo do séc. XIX, o marco legislativo e contratual da sociedade oitocentista. Segundo Luiz Edson Fachin, o Direito Privado e, consequentemente o Direito Civil, possui três pilares fundamentais, três categorias capazes de sintetizar o projeto moderno de Direito, assinalados como o contrato, o projeto parental e as titularidades, frutos da necessidade burguesa de afirmação de um Estado e Direito que atendesse suas necessidades de classe 6. Entretanto, o advento do séc. XX – toda conjuntura das duas grandes guerras, as revoluções operárias, os efeitos do crack da Bolsa de New York, além das mutações econômicas estruturais 7 – criam as condições objetivas materiais para a alvorada de um Direito, denominado Contemporâneo, fundado na Dignidade da Pessoa Humana, capaz de resgatar certo Humanismo, perdido nas Luzes, rica em anseio de Liberdade, mas de eficiente vocação abortiva no que tange a emancipação do Homem. Esse Direito ganha o nome de Direito Social. Atualmente o Direito, em sua complexidade, reflete preocupações do Jurista do séc. XXI, pensador que se habilita na compreensão dos denominados direitos humanos, na incidência do que se denomina sentimento constitucional 8 e no resgate da 6

FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 6. 7 Sobre o tema HOBSMAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX 1914-1991. 2ª edição. São Paulo: Cia das Letras, 2005. 8 A expressão nasce das reflexões de Karl Loewenstein e Pablo Lucas Verdú citados pelo professor Raul Machado Horta referindo-se ao sentimento manifestado pelo vínculo moral entre as instituições e os homens, sem o qual nada é sólido nem regular, de acatamento á Constituição, para assegurar sua permanência, que não se resolve exclusivamente no mundo das normas jurídicas, decorrente, além da imperatividade jurídica, da adesão á Constituição se espraiando na alma coletiva da Nação gerando formas difusas de obediência constitucional.. FACHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 3ª edição. São Paulo: Método, 2008.

126

autonomia coletiva9, expressões anteriormente independentes das faces do Direito Internacional, Direito Público e Direito Privado, que já não se podem ser demarcadas com precisão já que o que se denominou ramos do Direito, aproxima-se muito mais de uma separação didática para compreensão do fenômeno jurídico do que sua factibilidade na práxis jurídica. Mas no limiar da Modernidade o Direito representou o que seus teóricos denominaram a morte do sagrado, dando origem ao que se pode entender por reificação ou sacralização do econômico. O ponto de partida dessa afirmação é a Renascença e as reflexões dos denominados autores da transição, que por dentro dos átrios da Igreja Católica, preparam a alvorada da Modernidade. Embora a filosofia moderna tenha avançado através dos pensadores racionalistas, o humanismo de contestação (representado por teóricos, dentre outros, Willian de Ockham, Erasmo de Roterdã, Picco Della Mirandola e John Duns Scot) é o verdadeiro prolegômeno do moderno campo jurídico. Pode-se buscar no Mercador de Veneza a constatação da influência de Modernidade sobre a nova disposição do corpo, ou simplesmente denominar-se a nova configuração do Direito a partir do Monismo Jurídico 10, que será pormenorizadamente explicado por Max Weber. Os questionamentos da Renascença, em relação ao conceito de Direito Justo de São Tomás de Aquino, enquanto Direito 9

DEL CLARO, Maria Ângela Marques. A emergência da autonomia privada coletiva no Brasil. Ação sindical nos anos 80 do século XX, Constituição Federal de 1988 e surgimento das Centrais Sindicais. In Sindicalismo desafiado: reinvenção do ator social referencial na representação da subjetividade do trabalhador na obra de RAMOS FILHO, Wilson. Direito Coletivo do Trabalho depois da EC 45/2004. Curitiba: Gênesis, 2005. 10 No mercador de Veneza encontra-se o julgamento de um judeu de nome Shilock, que pretende o pagamento de dívida através de libras de carne humana, mas é surpreendido pela Direito Estatal que o deixa na miséria, devendo para coroa italiana bem como ao nobre que lhe afrotava diariamente com cuspes na face. Shakespeare demonstra, incidentalmente, como o Estado se apodera do monopólio do discurso jurídico.

127

Natural é a vontade divina racionalizada pelo Soberano 11 recuperam textos clássicos como a Antígona de Sófocles, subtraindo o direito que já existia antes da vontade do soberano, uma espécie de direito dos deuses. Esse choque de interesses coloca em disputa a racionalização do Justo, inaugurando o denominado convencionalismo. Pode-se afirmar que as teorizações desses pensadores prémodernos serviram de base para o pensamento moderno acerca da Filosofia e abriram as portas para o novo paradigma: o indivíduo. A partir do conceito de indivíduo – o mínimo existencial indivisível capaz de relacionar-se socialmente – toda teoria acerca do sujeito de direito será estabelecida ao longo dos séculos de consolidação da Modernidade, somando-se a construção do Estado, o denominado processo civilizatório, o advento da Razão e o surgimento do Capitalismo. O pensamento de Thomas Hobbes é fundamental para estabelecer a possibilidade de um pacto, entre os cidadãos – indivíduos – de submissão ao Soberano, resguardados os direitos relativos à reprodução da vida, ou seja, a sua segurança (preservação da vida). No Estado imaginado pelo pensador inglês a força de reproduzir e proteger a vida humana se dava na qualidade do Homem Artificial 12. Para a compreensão do individualismo ocidental no Direito, entretanto, as reflexões mais relevantes, são as de John Locke, no que tange ao limite do Soberano na atuação estatal, dado pelo conjunto de indivíduos que compunham o povo 13, 11

GOYARD-FABRE, Simone. Filosofia crítica e razão jurídica. Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo, Martins Fontes, 2006. 12 HOBBES, Thomas. Leviatã. Tradução de João Paulo Monteiro. Coimbra: Fundação Caloustre Colbenkian, 2001. 13 Problematização de John Locke em seu clássico Dois Tratados sobre Governo quando discute a questão da propriedade como direito natural já que o homem, pela modificação da terra, deixa um pouco de si mesmo, de sua vida nela, o que

128

especialmente no limite dado à invencibilidade do direito de propriedade, tão fundamental quanto o direito a vida, já que a propriedade se conquistava com o trabalho na terra, onde parte da vida se debilitava através do esforço e a recompensa se dava na modificação da propriedade, agora em simbiose ao próprio indivíduo, passava a ser parte de sua individualidade – leia-se seu direito fundamental. Convém lembrar também, no mesmo período, a própria idéia de ação egoísta de Adam Smith, princípio do individualismo utilitarista, onde caberia a cada unidade individual a realização de suas tarefas baseadas no seu interesse particular, restando a mão invisível o controle do que restava, neste caso o mercado 14. Dentre os pensadores contemporâneos, que refletem acerca do Direito e do Estado Moderno, em especial Max Weber, apontam o séc. XVIII como determinante para construção do momento em que, através de uma burocracia estatal composta por um grupo de indivíduos qualificados para exercer o serviço público, um aparato militar público e uma estrutura organizacional (assenhoreada do uso exclusivo da força) com a finalidade de cobrança de tributos, como um marco fundamental para fundação do Estado Moderno e, por conseguinte, Direito Moderno. Por caminhos teóricos que não serão objeto de nossa análise, o Estado se impõe através do modelo de Estado de Direito, em conjuntura combinada entre a necessidade de organização do Poder Político na tentativa de fuga do estado de natureza e a limitação desse poder político através da titularidade do povo no exercício de sua vontade popular (marcada pela soberania popular assinalada por John Locke, conforme afirmação anterior) onde o povo representava o conjunto de proprietários, ou seja, os possuídos da terra onde se deixou um pedaço da vida e, portanto,

lhe legitima na disposição natural sobre a mesma. 14 SMITH, Adam. Inquérito sobre a natureza e as causas da riqueza das nações. 4ª. Edição. Coimbra: Fundação Caloustre Gulbekiam, 1999.

129

tornou-se seu direito natural15. Na crítica de Karl Marx, esse Estado de Direito será a clivagem, o substrato de formação do Direito Moderno, enquanto Estado que gerencia interesses da burguesia, garantindo a reprodução das suas condições de produção, no mundo capitalista 16. Nesse sentido, portanto, o coroamento de projeto da Modernidade se dará no Direito, enquanto reprodutor e garantidor da harmonia (paz social), ou ainda, espaço de contingenciamento das demandas sociais (segundo o modelo hegeliano), agindo na consolidação dos três pilares fundamentais anteriormente considerados: a família – ou o denominado projeto parental - o contrato e a propriedade – ou ainda, na expressão de Luiz Edson Fachin – as titularidades. O projeto parental, espaço de proteção do patrimônio, reprodutor da possibilidade de manutenção do poder econômico burguês através de sua sucessão hereditária, permite a manutenção da fixação do poder político na classe a que desde o início pertence a burguesia. Importante salientar que em países como o Brasil a regulação da família passa pela realidade sócio-política nacional, advinda de uma economia agrícola, influenciada pela elite latifundiária que, embora tenha dado acesso aos seus filhos à formação jurídica européia – á época embebida pelos auspícios liberais – não aplicaram as mesmas categorias em nosso direito, deixando as conquistas dos códigos oitocentistas somente com o advento do Código de 1916. Nosso Direito Civil começa com certo atraso no que tange a proposta liberal do séc. XIX, e dispõe de um Direito de Família 15

Importantes as reflexões de RUZIK, Carlos Pianovski em texto denominado Locke e a formação da racionalidade do Estado Moderno: o individualismo proprietário entre o público e o privado in FONSECA, Ricardo Marcelo (org.) Repensando a Teoria do Estado. Belo Horizonte: Fórum, 2004. 16 MARX, Karl. 18º Brumário de Luis Bonaparte. Tradução de Paul Singer. Coleção Os pensadores. Rio de Janeiro: Editora Abril, 1976.

130

bastante conservador. Afirma Orlando Gomes Para o casamento dos menores de vinte e um anos, exige o consentimento de ambos os pais, mas discordando, prevalece a vontade paterna. O marido é o chefe da sociedade conjugal, competindo-lhe administrar os bens particulares da mulher, fixar e mudar o domicílio da família e autorizar a profissão da esposa. O Juiz pode ordenar a separação dos filhos de mãe que contrai novas núpcias, se provado que ela, ou o padrasto, não os trata convenientemente. A mãe binúba perde, quanto aos filhos do leito anterior, os direitos do pátrio poder. O direito de nomear tutor compete ao pai. Consagra-se assim a posição privilegiada do homem na sociedade conjugal17.

O Código Civil de 1916 acaba por apresentar predileção incontestável ao casamento, assim denominado enquanto única forma legítima de família dispondo, em seu art. 315, que o casamento válido só se dissolvia com a morte de uma dos cônjuges, demonstrando a indisposição da legislação brasileira para com o divórcio 18. Nosso destaque é afirmar que o Direito de Família, anterior ao Código de 1916, está calcado nas Ordenações Filipinas e no modelo por ela apresentado (de axioma medieval) o qual, mesmo com o advento do referido Código, ainda a Igreja Católica era a principal referência normativa para as relações familiares a disposição hereditária. Os institutos contemporâneos de proteção à sociedade conjugal, qual seja união estável, direitos dos filhos fora do casamento, família mono-parental, a questão dos homo-afetivos, são realidade de difícil consolidação, mesmo a partir da Constituição de 1988. O contrato, para o Direito Moderno, se apresenta enquanto autêntico garantidor da dinâmica de circulação de bens, negócios e 17

GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do código civil brasileiro. In Direito Privado (novos aspectos). Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1961, p. 87. 18 Idem 10.

131

propriedades, desde que realizadas na intermediação do mercado, ou ainda, segundo Carlos Eduardo Pianovski Ruzik instrumento de trânsito jurídico de bens e interesses formado pelos princípios resgatados do Direito Romano adaptados à realidade comercial moderna. O que significa afirmar que o Liberalismo Econômico não caminha no compasso do Liberalismo Social, muito menos no Liberalismo Político. As teorizações modernas acerca dos contratos parte da denominada autonomia da vontade, ou espaço de liberdade no qual o Estado nada dispõem, espaço de total garantia da liberdade cumprindo ainda, seu papel, quando da manutenção da referida garantia. Segundo Francisco Quintanilha Veras Neto a autonomia foi constituída inicialmente enquanto postulado de ordem liberal, através do conceito de autonomia da vontade utilizada enquanto ideologia liberal que formatou importantes conceitos de mercado de trabalho capitalista, como o da autonomia individual, explícito no âmbito da contratação de bens jurídicos como mercadoria, inclusive força de trabalho submetida ao mecanismo de subsunção formal e material da força de trabalho e da garantia da apropriação privada da mais-valia social pela sua formalização jurídica 19.

Entretanto, por dentro do modelo liberal, nasce a percepção da necessidade, ainda que sob a forma de discurso, da proteção de direitos para além da liberdade e igualdade, uma espécie de agir positivo, na tentativa de aproximação da efetivação de direitos. A primeira vez que esta idéia emerge pode situar-se no projeto de Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1793, de Robespierre, assente a preocupação de reelaborar o 19

VERAS NETO, Francisco Quintanilha. Autonomia Coletiva na Economia Solidária in Revista do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Rio Grande – FURG, Vol. 11, Ano 2005. Rio Grande: FURG, 2005, p.289.

132

conceito de liberdade tornando-o indissociável do de fraternidade, numa perspectiva social e não meramente individualista. Isto é, o Estado aparece como agente direto do interesse coletivo com a obrigação de fornecer diretamente aos cidadãos meios de satisfação de necessidades e como orientador das atuações privadas no sentido da solidariedade, da fraternidade e da salvaguardas de direitos fundamentais. Estava assim esboçado o primeiro núcleo daquilo que são atualmente os direitos sociais. A história da sua elaboração doutrinária coincide, em grande parte, com a história dos dois últimos séculos da luta dos homens pela sua emancipação e pela garantia de seus direitos. Nesse momento, segundo os estudos de Ana Prata, o Direito Administrativo aparece enquanto primeiro locus para que a regulação das relações capital trabalho encontrasse guarida dentro do ordenamento jurídico, ou ainda, para que o Estado depositasse a demanda decorrente das relações do trabalho, sustentado por autores como Leon Deguit 20. A legislação tão somente englobaria as sociedades comerciais, para além do individuo e do Estado. O Direito Francês da segunda metade do séc. XIX colocaria o Estado como agente do interesse coletivo. Segundo a mencionada autora caberia ao Estado, em primeiro lugar, a incumbência de promover as condições materiais de acesso dos pobres, tarefa que esse, e tão somente esse, deve se desincumbir. 1.2 O capitalismo social ou da fase intervencionista do capitalismo O próximo período do capitalismo é marcado pela necessidade de adaptação do Estado e do Mercado que geraram consequentemente adaptações ao próprio capitalismo, momento 20

PRATA, Ana. Constituição e Autonomia Privada.

133

em que a autonomia da vontade cede lugar à denominada autonomia privada, ou seja, a intervenção da Lei sob os contratos no sentido de garantir a igualdade de condições ou de contratar, conforme realidades que surge ao longo da prática contratual – leia-se comercial – no capitalismo. Nesse momento, surge à necessidade de adaptação do Direito Administrativo como uma espécie de deslocamento para o Direito denominado Operário, que ganha autonomia tornando-se Direito do Trabalho, ligado ao Estado (no Brasil inclusive porque o Tribunal do Trabalho surge de uma atividade estatal exercida eminentemente pelo Ministério do Trabalho), mas que aos poucos, em toda a América Latina, ganha caráter especial, inclusive com uma Justiça Especializada, a denominada Justiça do Trabalho. Nos estudos de Ana Prata, recuperando a proposta de Direito Público de Leon Deguit, o Direito Social deveria estar contido nas competências das políticas públicas de Estado, ou seja, o Direito do Trabalho era um problema de Estado, regulado pelo mesmo e não um problema de Direito Subjetivo, ou ainda, uma questão de Direito Privado. Tal herança genética (qual seja a origem da seara para resolução de demandas laborais junto ao Estado) foi menos discutida em nossa teoria acerca da formação do Direito do Trabalho uma vez que no Brasil, a maior parte dos autores, sempre sustentou sua gênese nas políticas populistas interventoras da década de 40 e não nos problemas que começam no lugar do Direito em que os conflitos entre capital e trabalho se resolvem. Entretanto, convém salientar que no primeiro manual de Direito do Trabalho, ainda denominado Direito Operário, datado de 1905, da lavra do Prof. Evaristo de Morais, o lugar do Direito Operário seria dentro do próprio Código Civil. Mas tal empreendimento foi rechaçado pelos civilistas da época e não se manteve no Código de lavra do então autor, o jurista Clóvis Beviláqüa em 1916, sobrando o Direito do Trabalho para regulação do Estado. A Consolidação das Leis do Trabalho de 1943 regulou tão 134

somente uma única espécie de trabalho, a condição de emprego ou a expressão econômica do assalariamento, deixando de lado as demais relações de trabalho que encontravam lugar, quando consideradas autônomas, aí sim no Código Civil tais como a empreitada ou a prestação de serviços. Assim, os problemas posteriores do mundo do trabalho, especialmente nos tempos que se seguiram aos anos dourados e primeiras crises do capital, fundaram relações de subemprego, trabalho precário, informalidade, associativismo, cooperação, dentre outros, fazendo com que diversos empreendimentos na tentativa de formalização de todas as expressões de trabalho não possibilitasse sua organização aliada à proteção social. Nesse sentido a Constituição Federal de 1988 acabou por regular o Direito do Trabalho na intenção de observar o direito ao trabalho, mas curvou-se aos limites do modelo retrógrado e corporativista das legislações da década de 40 e 50. Todavia, o modelo de Direito Sindical estabelecido concentrou determinada possibilidade no que tange a denominada autonomia coletiva, oportunizando a organização coletiva, ainda que nos limites de dois instrumentos normativos próprios, quais sejam os já denominados instrumentos normativos Acordo Coletivo de Trabalho e Convenção Coletiva de Trabalho, vez que o denominado Contrato Coletivo não vingou no ordenamento brasileiro. 2 A adequação jurídica da realidade social a partir da normatização principiológica A partir das conquistas decorrentes da Constituição Federal de 1988, no Direito como um todo, aparece uma necessidade de adequar a ordem jurídica a uma noção principiológica baseada na contemporânea doutrina da Teoria do Direito Liberal (Herbert Hart, Robert Alexy, Karl Larenz e especialmente Ronald Dworkin) e nas adaptações nos estudos da Ordem Constitucional Ocidental, especialmente na contribuição de Joaquim José Gomes Canotilho. 135

Para Canotilho, em análise que faz no seu Direito Constitucional e Teoria da Constituição, os princípios, a partir de Ronald Dworkin são standards de exigência da Justiça ou, segundo Karl Larenz, standards de proximidade da idéia de direito. Aponta ainda, a demoninação de Robert Alexy enquanto mandatos de otimização baseados nas exigências da Justiça 21. Celso Antonio Bandeira de Mello dispõe princípios enquanto mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido humano. Segundo a análise de Tarso Fernando Genro, a partir da obra de Américo Plá Rodrigues, esse novo ramo do Direito se constitui a partir de uma série de princípios, que representam a necessidade de novas realidades que envolveriam a tarefa indigesta ao capital, de regular as relações que nascem da tensão – imanente tensão – oriunda acima de tudo de relações de proprietários e despossuídos, indivíduos proprietários de capital e indivíduos proprietários de mão-de-obra. Além disso, cria-se uma política pública, que ainda configura-se aquela desenvolvida no modelo fascista do governo Mussolini, que dispunha de um enquadramento sindical, no qual, as atividades da Indústria e Comércio, estavam pré-definidas dentro de um quadro limitado onde a organização dos trabalhadores só é possível nas categorias que a própria Consolidação das Leis do Trabalho permitia. O eminente autor uruguaio dispõe que princípios que se consolidam no Direito do Trabalho emergem do denominado princípio protetivo, desdobrado em 3 sub-princípios: in dubio pro operario, norma mais favorável e condição mais benéfica e mais 21

CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.

136

cinco outros importantes pilares do juslaboralismo: irrenunciabilidade de direitos, continuidade da relação de emprego, primazia da realidade, razoabilidade e boa-fé 22. Sergio Pinto Martins também classifica os princípios a partir dos estudos do autor uruguaio, porém destaca que os princípios da razoabilidade e boa-fé não são exclusivos do Direito do Trabalho, mas da Teoria do Direito como um todo, encontrados em qualquer ramo autônomo 23. Tal afirmação sofre a correção oportuna de José Afonso Dallegrave Neto destacando que na classificação de Américo Plá Rodrigues a existência do princípio da boa-fé tem sentido diverso dos demais ramos do Direito uma vez que as relações entre capital e trabalho tendem a ser tensas, qualquer ato de má-fé afetaria a negociação coletiva e perderia o sentido o máximo esforço para que as relações oriundas da negociação salarial fossem ao menos harmônicas. O princípio protetor ou protetivo traduz a própria essência tutelar do Direito do Trabalho buscando a mínima nivelação, no plano jurídico, que é concretamente negada pela realidade social, pela predominância de uma situação histórica que é fundamentalmente adversa do trabalhador. Suas regras são in dubio pro operario, norma mais favorável e condição mais benéfica. A regra do in dubio pro operario ou pro misero cacarterizase pela aplicação em questões que se tem dúvida, do melhor direito em benefício do trabalhador, o que faz com que o empregador não possa nunca deixar dúvidas em relação às condições de trabalho que divergem daquela que apresentada pelo denominado hipossuficiente, sendo daquele a prova da certeza. A regra da norma mais favorável acaba por inverter a hierarquia tradicional das fontes formais. Quando uma norma é 22

GENRO, Tarso Fernando. Direito Individual do Trabalho. São Paulo: LTr, 1985, p. 17. 23 MARTINS, Sergio Pinto. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2005, p. 96.

137

mais favorável ao trabalhador do que outra, em suas condições materiais, aplica-se a mais favorável. Quando a Lei ou Convenção Coletiva de Trabalho prevê vantagem ao trabalhador em relação à Lei, ou mesmo ao mínimo previsto na Constituição Federal, vale a condição mais favorável. A regra da condição mais benéfica destaca que as condições mais benéficas ao trabalhador adquiridas ao longo do contrato de trabalho, se aderem ao mesmo, de forma que devem sempre permanecer em vigor. O trabalhador, por exemplo, não pode ter redução salarial. O princípio da irrenunciabilidade adverte que os direitos alcançados pelos trabalhadores, nas melhorias das condições de trabalho, não podem ser renunciados nem mesmo por eles. Esta prerrogativa entende que a vontade do trabalhador está sujeita ao vício de consentimento devido a situação inferior em relação ao empregador. Portanto, ocorre a presunção de vício. Sendo assim, o direito obtido é irrenunciável. O princípio da continuidade caracteriza que, por ser o contrato de trabalho de interesse público, já que o próprio emprego é de interesse público no país, este princípio visa à manutenção do contrato de trabalho em vigência. Por isso, a norma prevê o pagamento de multa quando da quebra do mesmo, por parte do empregador. O princípio do Contrato Realidade e princípio da verdade real traduzem que, no Direito do Trabalho, são válidas as relações que se travam entre as partes e não as formalidades documentais. Tarso Genro prevê ainda, enquanto relevante ponto de reflexão do presente trabalho, o princípio da autodeterminação coletiva, que extingue a autonomia individual oriunda do Direito Civil, caracterizada na primeira parte da presente reflexão, e faz nascer uma autonomia do individuo trabalhador dentro de sua classe, envolvido no conflito de sua associação sindicalprofissional. Nesse sentido, do processo do Trabalho dois princípios merecem resgate no esteio de nossa argumentação: o princípio da 138

sentença normativa decorrente do poder normativo da Justiça do Trabalho e o princípio da coletivização das ações individuais. O princípio da Sentença Normativa se dá na possibilidade do Juiz criar direitos, agir, segundo Carnelutti, no instrumento normativo com corpo de sentença e alma de lei. Já no princípio da coletivização das ações individuais o objetivo é eliminar a ocorrência de inúmeras ações individuais idênticas. Assim sendo, no processo do trabalho o legislador permite que o sindicato postule em juízo em nome da categoria que representa. Esse conjunto de princípios revela a face do Direito do Trabalho, um problema para lógica individualista moderna já que, para apaziguar o conflito decorrente da demanda dos trabalhadores uma série de pressupostos que confrontam com a lógica formalindividual, mas que são condenados a conviver, no Estado Social e Democrático Brasileiro, mas que, diversamente do que alguns autores podem afirmar, não de forma pacífica, mas em inúmeras vezes, conflituosa e violenta já que durante todo o tempo o direito individual, se impõe a realidade social coletiva. Poderia se denominar, a lógica formal-individual do Direito Moderno de fetiche da coletividade, ou a adequação do coletivo a lógica individual, ainda que coletiva por detrás do uno. 3 Alguns contornos do Direito Coletivo do Trabalho no Brasil segundo o direito positivo. O Direito Coletivo do Trabalho no Brasil aparece historicamente, segundo afirmações de Marcio Túlio Vianna quando o chão de fábrica acaba por unir os trabalhadores em agrupamentos nos espaços de produção, nas grandes fábricas, nos grandes galpões de exaustivo labor. Essa dura realidade originou o Direito Sindical. O Direito Sindical Tradicional criou o Dissídio Coletivo de trabalho enquanto um processo coletivo julgado pelos Tribunais para estabelecer condições de trabalho aplicáveis às pessoas 139

envolvidas ou para interpretar determinada norma jurídica. No dissídio coletivo são criadas novas condições de trabalho para categoria, entretanto, ainda na lógica do direito individual como veremos no final da exposição. Nos dissídios individuais, o objeto é a aplicação dos direitos individuais do trabalhador. Os sujeitos nos dissídios coletivos são indeterminados, pois na maioria das vezes alcançam a categoria. Nos dissídios individuais, há empregado, de um lado, e empregador de outro, diferente dos dissídios coletivos onde o que está em jogo é o interesse da categoria como um todo. Os dissídios coletivos podem ser divididos em econômicos e jurídicos. Nos dissídios econômicos ou de interesse os trabalhadores reivindicam novas e melhores condições de trabalho. Objetiva-se a criação, modificação ou extinção de determinadas condições de trabalho. Nos dissídios jurídicos, ou de direito, o litígio ocorre na aplicação ou interpretação de determinada norma jurídica a cuja finalidade é apenas declarar o sentido da norma jurídica já existente ou interpretá-la, como no caso da declaração de abusividade de greve. A sentença, no dissídio coletivo de natureza econômica, tem natureza constitutiva ao criar as novas regras para categoria enquanto que no dissídio coletivo de direito, sua natureza jurídica será meramente declaratória. O dissídio coletivo é uma ação de competência originária dos Tribunais Regionais do Trabalho. Os Tribunais Regionais do Trabalho serão competentes para conciliação e julgamento dos dissídios coletivos instaurados na região de sua jurisdição. Se o dissídio coletivo for de âmbito nacional ou envolver um território de mais de um Tribunal, será competente o TST. A competência para julgamento dos dissídios coletivos é da Seção de Dissídios Coletivos conforme o art. 2º da Lei 7.701/88. Os limites do poder normativo estão na Constituição e na Lei estabelecendo o § 2º do inc. IV do art. 114 da Constituição, que a Justiça do Trabalho, ao estabelecer normas e condições de 140

trabalho, deve respeitar as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho. Esta, quando julga o dissídio coletivo, emite uma norma chamada de sentença normativa. Segundo Carnelutti, conforme já mencionado, a sentença normativa tem alma de lei em corpo de sentença, sendo sua natureza jurídica de ato jurisdicional, pois depende de provocação do Poder Judiciário, não se tratando de ato legislativo, pois não é emitida pelo Poder Legislativo. Uma das conseqüências funestas para autonomia coletiva, a partir da Ementa Constitucional 45/2004 foi à inclusão, nos dispositivos constitucionais da condição, para que a parte ajuíze o dissídio coletivo, além da tentativa de negociação coletiva ou a arbitragem, que já existiam anteriormente, da necessidade de assinatura de termo de comum acordo (§ 2º, inc. IV do art. 114 da CF/88) tratando-se, portanto, de condição da ação do dissídio coletivo. Além disso, dispõe o art. 859 da CLT que a representação dos sindicatos para instauração da instância fica subordinada à aprovação de assembléia da qual participem os associados interessados na solução do dissídio coletivo, em primeira convocação, por maioria de 2/3 dos membros, ou, em segunda convocação, por 2/3 dos presentes. O TST entende que o art. 859 da CLT está em vigor conforme sua Súmula 177. Existindo convenção, acordo ou sentença normativa em vigor, o dissídio coletivo deverá ser instaurado dentro de 60 dias anteriores ao respectivo termo final, para que o novo pacto coletivo tenha vigência no dia imediato a este termo (§ 3º do art. 616 da CLT). Aquele que ingressa com o dissídio coletivo é chamado suscitante. Suscitado é aquele contra o qual foi ajuizado o dissídio coletivo. Tendo o dissídio sido instaurado pelo Ministério Público do Trabalho (suscitante) as demais partes serão suscitadas. O dissídio coletivo terá de ser instaurado mediante petição escrita, dirigida ao Presidente do Tribunal (art. 856 da CLT). A petição inicial terá tantas vias quanto forem os suscitados (art. 858 da CLT), mais uma. 141

Na petição inicial, serão designados e qualificados os suscitantes e os suscitados e a natureza do estabelecimento ou serviço (art. 858, alínea “a” da CLT). Devem-se informar, também, os motivos do dissídio e as bases para conciliação (art. 858, alínea “b” da CLT). As partes deverão apresentar, fundamentalmente, suas propostas finais, que serão objeto de conciliação ou deliberação do Tribunal. O sindicato deverá comprovar que está autorizado a instaurar o dissídio coletivo pela assembléia geral, bem como que foram frustradas as tentativas de conciliação e arbitragem e juntada de termo de comum acordo. Devem-se, também, apresentar a convenção, ou o acordo, ou a sentença normativa que estava em vigor, ou, ainda, o laudo arbitral, acaso existente. Quando o dissídio for instaurado em razão de greve, a petição inicial deverá ser instruída com a comprovação dos requisitos legais para o exercício desse direito (Lei 7.783/89), principalmente se foi atendido o aviso prévio de greve, requerendo-se a declaração de abusividade do movimento paredista, se for o caso. As cláusulas constantes do dissídio coletivo poderão ser: (a) econômicas, que são as que dizem respeito a reajuste de salários, aumentos reais, de produtividade, piso salarial; (b) sociais, atinentes a garantia de emprego, condições de trabalho menos gravosas à saúde, sendo, portanto, vantagens indiretas; (c) sindicais, que tratam de relação entre as empresas e o sindicato, como as cláusulas que instituem representantes sindicais na empresa, as que prevêem descontos assistenciais, etc. A alínea c do inciso II do art. 2º da Lei 7.701/88 permitiu ao TST expedir precedentes normativos, a respeito dos precedentes jurisprudenciais em dissídio coletivo, que acabam sendo cláusulas mais comuns no processo coletivo, devendo as cláusulas estabelecidas pelas partes adaptar-se a tais regras. No dissídio coletivo, é vedada a estipulação ou fixação de cláusula de reajuste ou correção salarial automática vinculada a 142

índice de preços. Nas revisões salariais na data-base anual, serão deduzidas as antecipações concedidas no período anterior a revisão. Qualquer concessão de aumento salarial a título de produtividade deverá estar amparada em indicadores objetivos. A Justiça do Trabalho não tem competência para julgar dissídios coletivos de funcionários públicos e quando o Estado quando vai conceder reajustes salariais a seus servidores deve primeiro ater-se ao princípio da estrita legalidade, que norteia a Administração Pública. Os militares se mantém sem o direito de ajuizamento de dissídio coletivo, pois estão excluídos da sindicalização e da greve (art. 142, § 3º, IV, da Constituição Federal). Os empregados de empresa pública, sociedades de economia mista ou outras entidades públicas que explorem atividade econômica poderão ajuizar dissídio coletivo na Justiça do Trabalho, como ocorre com o Banco do Brasil, Petrobrás, pois estão sujeitos ao regime celetista, sendo titulares dos direitos sociais regulados pela Constituição Federal. O cumprimento do dissídio coletivo será feito por intermédio de ação de cumprimento, perante a Vara do Trabalho, pois a sentença normativa não é suscetível de execução, mas de cumprimento; a referida ação deverá ser instruída com a certidão da decisão coletiva. Apesar de no Parágrafo único do art. 872 da CLT estar escrita a palavra salário, deve-se entender que a ação de cumprimento estende-se a quaisquer outras condições de trabalho, que forem previstas na sentença normativa e não cumpridas espontaneamente pelo empregador. Não é necessário o trânsito em julgado da decisão normativa para ajuizar-se a ação de cumprimento (enunciado 246 do TST). A ação de cumprimento tanto poderá ser proposta pelo empregado como pelo sindicato. Este pode ajuizar a ação independentemente da outorga de poderes dos substituídos. A legitimidade do sindicato para propor ação de cumprimento estende-se também à observância de acordo ou de 143

convenção coletiva de trabalho (Em. 286 do TST). Nas ações de cumprimento, os empregados poderão fazer-se representar pelo sindicato da sua categoria (art. 843 da CLT). Na defesa, é vedado discutir matéria de fato e de direito já apreciada na sentença normativa (Parágrafo único do art. 872 da CLT) e se houver necessidade, será feita instrução processual, sendo ouvidas as partes, testemunhas e até determinada perícia para apurar as diferenças cabíveis. Assim, ainda se estabelece, ante ao direito positivo o procedimento de dissídio coletivo no Brasil. 4. Das conquistas e condicionamentos institucionais da autonomia coletiva no Direito Brasileiro Segundo Flávio Antonello Benites o estudo de Direito Coletivo do Trabalho no Brasil está necessariamente condicionado pela existência de dois modelos jurídicos inconciliáveis. De um lado a Consolidação das Leis do Trabalho, em seu modelo corporativista e autoritário de regulação; de outro, uma Constituição Democrática que infelizmente acabou reforçando as vigas mestras do modelo anterior. O contraditório modelo sindical traçado no art. 8° da Lei Maior é, em si mesmo, um limite ao exercício da liberdade sindical que pretende assegurar. Afirma o autor acerca da autonomia coletiva A manifesta incompatibilidade entre esse direito fundamental e a unicidade sindical, a contribuição sindical compulsória, o enquandramento obrigatório por categorias profissionais e a noção de base territorial, todos esses mecanismos impostos por lei, é pressuposto do exame proposto a seguir. Não menos importante, ainda do ponto de vista das restrições impostas por nosso sistema jurídico ao exercício da autonomia coletiva, o chamado poder normativo da Justiça do Trabalho, autêntica arbitragem pública obrigatória, é outro elemento oriundo do corporativismo autoritário elevado à esfera constitucional.

Segundo Eder Dion de Paula Costa, em sua tese de 144

doutoramento datada de 2004, o trabalho portuário no Brasil contribuiu para as conquistas do direito constitucional do trabalho, ao mesmo tempo em que limitou o seu potencial emancipatório na medida em que é um marco da organização sindical brasileira, principalmente porque inicia-se pelos trabalhadores na estiva do Rio de Janeiro do início do séc. XX, Bacia de Campos, quando recém libertos os escravos passaram a ocupar espaços no trabalho portuário e conseguem, depois de muita luta e trabalho para reconhecimento, as primeiras organizações associativas criando um modelo de sindicato onde a mão de obra passa a ser organizada e disponibilizada a partir de um interesse da própria categoria, representada por ela através do seus organismos de trabalho, ou seja, o sindicato dos trabalhadores nos Portos, verdadeiro intermediador da mão-de-obra na estiva 24.

Para esse autor, foi na Organização Coletiva do Trabalho Portuário que nasce, no Brasil, em especial no Rio de Janeiro, em Campos, as primeiras organizações sindicais, já no séc. XIX, a partir dos negros fugidos que se aglomeraram em torna ao cais, realizando tarefas da estiva e, pela primeira vez, organizando o trabalho em organismos que mais tarde foram reconhecidos como sindicatos que criaram um modelo de intermendiação de mão-deobra, que por muito tempo garantiu o trabalho e a profissão dos trabalhadores no Porto. Não se pode negar pela história dos Portos Brasileiros que foram os sindicatos dos trabalhadores portuários que organizaram a respectiva prestação de serviços, na condição de trabalho avulso no Brasil e assim mantiveram a referida categoria que até hoje não foi substituído por mão-de-obra oriunda das Empresas denominadas Órgão de Gestão de Mão-de-Obra. Embora a Lei 8.630/93, denominada “Lei de Modernização dos Portos” tenha criado o Órgão de Gestão de Mão-de-Obra, a 24

COSTA, Eder Dion de Paula. O trabalho portuário avulso na modernização dos portos. Tese para obtenção do título de doutor em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Paraná. Curitiba: UFPR, 2004.

145

Constituição de 1988 já tinha igualado o direitos dos trabalhadores portuários aos demais direitos protegidos pelo seu art. 7°, e ainda, a nova Lei, manteve a lista dos filiados na entidade sindical, únicos alocáveis para prestação de serviços. Somente com a proposta de constitucionalizar o direito ao trabalho, corroborando com a proposta da Organização Internacional do Trabalho, quando tal direito passou ao status de direito fundamental, no sentido de positivação de direito humano – conforme proposta de Robert Alexy 25 – acontece à recepção constitucional da regulação do direito ao trabalho e tal preservação serve ao Direito Cooperativo na medida em que o trabalho em Cooperativas pode também vir a ser organização a partir de um Direito Coletivo, direcionado para os organismos cooperativos de forma e configuração jurídicas ainda em aberto (já que atualmente não existem associações de cooperativas). O Cooperativismo se funda na propagação de sete princípios fundamentais, quais sejam a gestão democrática, adesão livre e voluntária, independência econômica, autonomia financeira, educação para o cooperativismo, o interesse pela comunidade e intercooperação. Percebe-se que no Cooperativismo Popular (conjunto de Cooperativas formadas essencialmente por trabalhadores, oriundas do Movimento Social de trabalhadores) os empreendimentos organizam-se em Redes, devido à fluidez do mecanismo de organização social, que possibilita a capilaridade e mobilidade necessária para a organização, já que as firmas, na atual fase de organização do capital, utilizam o sistema de redes para se organizar, desagrupar e reagrupar com maior rapidez. Para a presente reflexão, mais do que os demais princípios acima elencados interessa-nos especial atenção ao interesse pela comunidade e a intercooperação, para afirmação das realidades 25

Na obra, traduzida pelo Prof. Luis Afonso Heck direito fundamental é o direito denominado humano positivado pela Constituição Federal de um Estado Nacional.

146

locais, desenvolvimentos das comunidades em que vivem os trabalhadores cooperados e formação de uma rede de comercialização de produtos oriundos de uma nova ética do trabalho, que garanta a democratização dos resultados do trabalho. O interesse pela comunidade deve estar aliado à autonomia coletiva, pois ninguém é livre ou autônomo quando não percebe o verdadeiro significado das palavras aqui construídas, eivadas do conteúdo e significação de seu verdadeiro sentido. Autonomia Coletiva é interessar-se pelo desenvolvimento de sua comunidade, pois significa a garantia de aprimorar o trabalho em prol do desenvolvimento social dos próprios trabalhadores fazendo com que, inclusive no que tange a nova condição do trabalhador e da forma como se reconhece no mundo, ele possa melhor servir-se da vida. A educação para o cooperativismo garante ao trabalhador a educação para melhor inserção no trabalho, na ação, na conquista de sua dignidade, no reconhecimento enquanto cidadão, qual seja, componente de uma comunidade em que todos têm acesso ao respeito. Os trabalhadores que se educam, no melhor sentido do termo, não somente com o conhecimento tradicional, mas o popular (reconhecimento enquanto detentor de conhecimento no sentido acadêmico do termo), participam do espaço de civilidade, fazendo parte da formação da esfera pública porque se sentem dentro dela, ou seja, se sentem inseridos. Conclusões A organização dos trabalhadores, em decorrência das modificações do mundo do trabalho no séc. XXI, também mudou assim como a organização e divisão do trabalho, a partir das adaptações do capital, apresentou novas organicidades em diferentes organizações. Entretanto, a percepção de ambas passa a ser a chave do novo mundo do trabalho. Há muito as pistas se apresentam, mas cabe ao pesquisador, ao intelectual, desvendá-las. 147

Fernanda de Oliveira Santos e Eloíza Mara da Silva 26 escrevem a respeito das inovações da Economia Popular Solidária, dos empreendimentos populares que, embora se reconheça o seu espaço de organização incipiente em relação ao espaço de organicidade e socialização do capital, mas são lacunas do modelo atual. Concordamos com a afirmação das autoras por acreditar que nas lacunas encontramos os sinais dos tempos futuros. Uma das inovações organizacionais das últimas décadas do séc. XX e primeiras no séc. XXI é a organização em Rede, decorrente de uma nova divisão do trabalho. Segundo Abili Lazaro Castro de Lima, a globalização econômica produz uma nova divisão do trabalho, a denominada divisão internacional, que gera uma exclusão estrutural, para além dos limites dos direitos garantidos pelas estruturas estatais. Vejamos Quando analisamos a globalização econômica, vimos que ela produziu uma nova divisão internacional do trabalho, caracterizada pelo processo de produção sendo realizado em vários países. Este novo processo, que engendra o desemprego, a diminuição progressiva de salários e das condições de trabalho e a perda das garantias sociais, segundo a leitura de Milton Santos gerou um tipo de peculiar pobreza, por ele denominada “pobreza estrutural” orquestrada pelas empresas transnacionais e instituições internacionais, globalizando-se por todo mundo e propagando a exclusão social. 27

Entretanto, independente da questão da exclusão, a nova organização se dá sob a forma de rede. No texto o império do 26

SANTOS, Fernanda de Oliveira e SILVA, Eloíza Mara da. A legitimidade da economia solidária: os eixos principiológicos dos grupos populares para legalidade do Estado Democrático de Direito Brasileiro – princípios da economia solidária. Artigo publicado na Revista “Estudos de Direito Cooperativo e Cidadania” do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Paraná. Curitiba: UFPR, 2007. 27 LIMA, Abili Lázaro Castro de. Globalização econômica, política e direito: as mazelas causadas no plano político jurídico. Porto Alegre: Fabris, 2002, p.291292.

148

sentido François Dosse traz a idéia de rede para o campo das ciências sociais As redes são ao mesmo tempo reais como natureza, narradas como discurso, coletivas como a sociedade. Ao contrário do seu sentido usual, a utilização do termo redes em antropologia das ciências corresponde à vontade de manipular uma noção qie permita evitar toda a visão compartimentada da sociedade. Ela se diferencia assim da idéia de campo, subcampo, instituições que pressupõem conjuntos homogêneos definidos por tipos de ações, regras de jogos particulares.

Também define nosso autor que a segunda característica dessas redes é a confusão que implica entre humanos e não-humanos, sujeitos e objetos. São redes sócio-técnicas que envolvem “fluxo de instrumentos, competências, literatura, dinheiro, que alimentam e sustentam laboratórios, empresas ou administrações. As redes assim são marcadas por uma forte heterogeneidade. Levá-las em consideração permite insistir sobre a importância daquilo que parecia até então exterior à ciência.

Mas, se existem as Redes nas empresas, também aparece, no campo das Ciências Sociais, uma proposta de organização que acaba sendo utilizada pelo cooperativismo popular que, de certa forma, combate no campo da organização do trabalho fundamentando a formação e organização do movimento social no formato de redes, tais como prevê François Dosse. Se, por um lado, o Direito Coletivo do Trabalho, em especial a parte denominada Direito Sindical, encontram na seletividade nacional um modelo complexo – um ramo do Direito em que alguns instrumentos normativos, ainda que limitados pela capacidade adquirida pelo consenso constitucional (partindo do pressuposto que a Constituição de 1988 foi o limite possível da Democracia Brasileira) que aportou na realidade os limites de nossa capacidade democrática, desde a manutenção do modelo celetista, composição do Supremo Tribunal Federal e julgados desse Tribunal de ação limitada na possibilidade da constituição de 149

novos direitos na exploração do potencial emancipatório da Constituição Federal de 1988 – de outro não tira a capacidade criadora do Direito Coletivo, seja na esfera da negociação seja na criatividade do Poder Judiciário. Uma nova realidade: no meio do processo de organização capitalista, que salvaguarda nossa reflexão aparece a contemporânea crise do modelo do sistema financeiro. Nos últimos quatro meses não ouvimos as análises dos intelectuais neoclássicos, neoliberais ou neomarginais (uma denominação mais apropriada aos economistas que criticam as políticas de bem estar a partir de Bretton Woods, que se aproximam muito mais do marginalismo do que do liberalismo clássico). Os intelectuais da economia estão retomando Keynes e nunca na história da Alemanha o capital de Marx teve suas edições tão esgotadas (motivo que representa deleite para nossa satisfação teórica e política – um sentimento de alívio de quem não estava o tempo todo enganado!). Ainda, na construção da Economia Popular Solidária, o processo de organização dos empreendimentos populares carrega a esperança de construção da intervenção social, que acaba por construir a consciência do trabalhador: a certeza que na solidariedade se afirma a vida se afasta o egoísmo, se ajusta a igualdade. A felicidade está muito mais próxima do coletivo do que do individual porque uma casa, um barco, um frigorífico, uma sala de aula, construída pelas mãos dos trabalhadores, para ser a casa em eles vão morar, o barco em que eles vão pescar, o frigorífico em que serão beneficiados os peixes que eles próprios vão comercializar e mesmo a escola em que seus filhos vão estudar garantem a liberdade para sua comunidade. O interesse pela comunidade é a garantia da autonomia e da liberdade, a efetivação da sua identidade. É o que ocorre de mais importante na constituição dos sujeitos coletivos. É preciso afirmar que no processo de formação, de 150

construção do sujeito, de recuperação da auto-estima e valorização pessoa humana é que ocorre a afirmação, e a partir dela a construção da autonomia. Pensar as conseqüências dos modelos sociais, o futuro do capitalismo, a viabilidade dos empreendimentos solidários sem esquecer dos processos de formação e enraizamento dos valores humanos e acima de tudo do resgate da dignidade dos homens (processos em que se valorizar a dignificação da vida comunitária, tal e qual ela significa para cada um de seus membros ou sujeitos) isso sim pode ser denominado horizonte socialista. Porque o socialismo não é um futuro igualitário, um destino emancipatório, uma cruzada pela utopia: o socialismo é a plena felicidade na compreensão de limite de sua dimensão para permitir a felicidade do outro. É ser feliz por permitir a felicidade plena; ser feliz somente na felicidade de todos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENITES, Flávio Antonello. Autonomia Coletiva e Estado Democrático de Direito in Revista Democracia e Mundo do Trabalho, Ano 1, número 1, Jan-Jun/2005. Porto Alegre: Democracia e Mundo do Trabalho, 2005. CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Teoria do Estado e da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003. COSTA, Eder Dion de Paula. O trabalho portuário avulso na modernização dos portos. Tese para obtenção do título de doutor em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Paraná. Curitiba: UFPR, 2004. GEDIEL, José Antonio. Caminhos do Cooperativismo. Curitiba: Universidade Federal do Parná, 2001. GENRO, Tarso Fernando. Direito Individual do Trabalho. São Paulo: Ltr, 1985. GOMES, Orlando. Direito Privado (novos aspectos). Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1961. IRTI, Natalino. Codice Civile e Società Política. Roma: Laterza, 1995. LIMA, Abili Lázaro Castro de. Globalização econômica, política e direito: as mazelas causadas no plano político jurídico. Porto Alegre: Fabris, 2002. OPUSZKA, Paulo Ricardo. Elementos do Direito Moderno para compreensão da organização coletiva de trabalhadores. Dissertação para obtenção do título de mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Paraná. Curitiba:

151

UFPR, 2006. OPUSZKA, Paulo Ricardo. Cooperativismo: uma leitura a partir das experiências utópicas ao atual modelo empresarial in Revista Raízes Jurídicas do Curso de Direito e da Pós-Graduação da Universidade Positivo. Vol. 3, N. 2, Julho-Dezembro de 2007. OPUSZKA, Paulo Ricardo e CARBONERA, Silvana Maria (org.). Direito Moderno e Contemporâneo: perspectivas críticas. Pelotas: Editora Delfos, 2008. PRATA, Anna. A tutela constitucional da Autonomia Privada. Coimbra: Almedina, 1998. RODRIGUEZ, Américo Plá. Los princípios Del Derecho Del Trabajo. Montevideo: Biblioteca Jurídica, 1975. SANTOS, Fernanda de Oliveira e SILVA, Eloíza Mara da. A legitimidade da economia solidária: os eixos principiológicos dos grupos populares para legalidade do Estado Democrático de Direito Brasileiro – princípios da economia solidária. Artigo publicado na Revista “Estudos de Direito Cooperativo e Cidadania” do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Paraná. Curitiba: UFPR, 2007. SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Multiculturalismo e direitos coletivos in SANTOS, Boaventura de Souza. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. VERAS NETO, Francisco Quintanilha. Autonomia Coletiva na Economia Solidária in Revista do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Rio Grande – FURG, Vol. 11, Ano 2005. Rio Grande: Universidade Federal de Rio Grande – FURG, 2005.

152

A (IN)SUSTENTABILIDADE LOCAL NO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO DA LAGUNA DOS PATOS: O CASO DA PESCA ARTESANAL Maicon Dourado Bravo 1

Introdução A massificação e a vulgarização do termo globalização têm levado a um empobrecimento de sua complexidade e todas as implicações a que ele conduz. As promessas de uma globalização que permitiria o livre trânsito de sujeitos e ideias, da aldeia global onde as alteridades encontrar-se-iam em posições equivalentes e trocariam experiências, da formação de um mundo plural, mostraram-se, para não dizer falaciosas, efêmeras, virtuais, resumidas a um aparelho de TV que cada vez mais uniformiza os diferentes, cada vez mais massifica os sujeitos conforme seus padrões hegemônicos estereotipados. A essa interpretação vulgar de globalização opõe-se uma outra, crítica, consciente da contraparte do global, o local, que nessa relação torna-se espoliada e rejeitada, barrada, clandestina na contemporaneidade. A inserção nesse mundo globalizado, no entanto, desponta como pré-requisito para o derradeiro desenvolvimento dos subdesenvolvidos – ou “em desenvolvimento”, termo que toma como em andamento o processo de globalização homogeneizante. No mundo ocidental, pior do que ser explorado, é não ser 1

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental/FURG – [email protected]

153

explorado, é permanecer aparte de todo o processo promovido pela “globalização”. O não explorado é o rejeitado, é o vagabundo, o preso ao local ou o aprisionado, e em tempos contemporâneos perder a mobilidade é estar atrelado aos rejeitos, pois os proveitos já foram abduzidos. Trazida com promessas de desenvolvimento, nada claras e nem um pouco precisas, a globalização teve um incremento de sua presença na Laguna dos Patos por volta da década de 1940, com as firmas de salga e pescados, mas foi durante a década de 1970, que alcançou seus ápices com as políticas públicas para desenvolvimento da atividade pesqueira no país. O Decreto-Lei 221 de 28 de fevereiro de 1967 concedeu incentivos e isenções fiscais à pesca, o que acabou superdimensionando a capacidade de extração e ocasionou a sobrepesca, com impactos sentidos até hoje, três décadas após o frenesi pesqueiro empresarial-capitalista. As relações de exploração da natureza e dos seres humanos dadas nesse contexto contrariaram as propostas de desenvolvimento da pesca – ou não, caso se considere desenvolvimento como des-envolvimento das populações dos seus locais, o que então poderia ser considerado um sucesso significativo 2 – e o surto industrial pesqueiro das décadas de 197080 foi-se junto com os cardumes extintos pela inexistência de limites à exploração da natureza. Em meio a isso, a globalização mostra seu lado pouco louvável, seu desapego ao espaço e aos valores a que presta reverência. Na primeira etapa de desenvolvimento da reflexão, far-se-á um esforço para compreender o termo globalização e suas implicações socioambientais. Num segundo momento, pensar-se-á o dito “des-envolvimento” da pesca e as políticas públicas que favoreceram sua disposição. Por fim, tentando um cruzamento 2

Carlos Walter Porto-Gonçalves trata o termo “desenvolvimento” como “desenvolvimento”, ou uma estratégia de “[...] subverter o modo como cada povo mantém suas relações de homens (e mulheres) entre si e desses com a natureza” (2006, p. 81).

154

entre o termo globalização e as práticas de industrialização da pesca na Laguna dos Patos pensar-se-á a globalização do local, suas consequências e vistas a uma sustentabilidade da atividade pesqueira. 1 Do conceito de Globalização A compreensão e análise do processo de globalização da Laguna dos Patos exige uma reflexão sobre o termo “globalização”. Para isso, dois autores apresentam-se como fundamentais: Zygmunt Bauman e Carlos Walter Porto-Gonçalves. O conceito é manipulado de diversas formas, principalmente pela mídia, maquiado para parecer universal e universalizável, um mundo, uma humanidade. A própria ideia de universalização, de acordo com Bauman, [...] foi cunhada com a maré montante dos recursos das potências modernas e das ambições intelectuais modernas. [...] Declarava a intenção de tornar semelhantes as condições de vida de todos, em toda parte, e, portanto, as oportunidades de vida para todo mundo; talvez mesmo torná-las iguais” (1999, p. 67).

Essa proposta enseja o rompimento de barreiras locais e nacionais, fabricando e vendendo sonhos de personagens globais, cenários globais, alegando ser essa derrubada de fronteiras um processo relacionado à própria dinâmica da natureza, e a oportunidade de todos poderem transitar livremente conforme quiserem, uma conquista nunca antes imaginada. Entretanto, essa liberdade de movimento existe apenas, universalizada, no espaço efêmero dos televisores, aproximando reinterpretações alienantes de um mundo global enquanto que os locais estão eternamente presos ao seu espaço limitado, quando conseguem conquistar seu espaço digno. A globalização em sua atual fase, ou a globalização neoliberal, conseguiu, como em nenhuma outra fase anterior –

155

colonialista, imperialista ou fossilista fordista – embora partes do mesmo processo, operar uma compressão do espaço-tempo fantástica. As comunicações entre pontos geograficamente distantes são instantâneas, ignorando completamente o percurso físico que a mensagem deveria percorrer desde seu remetente até seu destinatário. Isso, por um lado, oportuniza um amplo alcance na capacidade de troca de experiências entre sujeitos em pontos distantes no globo, tornando a comunicação quase instantânea. Por outro lado, o acesso a locais distantes, a mobilidade que ignora restrições físicas e a operação sob valores regidos pela acumulação capitalista tornam a existência concreta nos locais que atraem a atenção dos “investidores” bastante insuportável, pois que, sendo global, o capital não mais se vê responsável pelos locais onde se instala provisoriamente para explorar suas atividades produtivas. A mobilidade adquirida por ‘pessoas que investem – aquelas com capital, com o dinheiro necessário para investir – significa uma nova desconexão do poder face a obrigações, com efeito uma desconexão sem precedentes na sua radical incondicionalidade: obrigações com os empregados, mas também com os jovens e fracos, com as gerações futuras e com a autorreprodução das condições gerais de vida; em suma, liberdade face ao dever de contribuir para a vida cotidiana e a perpetuação da comunidade (BAUMAN, 1999, p. 16).

A dialética da globalização prevê a inexistência de barreiras para os globais, bem-vindos e bem-recebidos onde quer que vão; e um adensamento das barreiras para os locais, que estão aprisionados em lugares que podem, cedo ou tarde, ser saqueados pelo capital e jogados de lado como rejeitados (BAUMAN, 1999, p. 85-110). Esse processo tem início, de acordo com Porto-Gonçalves, já nos séculos XV-XVI, com o Colonialismo e a implantação da moderno-colonialidade. A difusão da exploração da natureza e de outras etnias não-europeias pelos europeus estabeleceu as bases para a conformação de um mundo não diverso mas desigual. “[...] A modernidade europeia inventou a colonialidade e a racialidade 156

(base da escravidão moderna) e, assim, essa tríade – modernidadecolonialidade-racialidade – continua atravessando, até hoje, as práticas sociais e de poder” (2006, p. 25). A segunda fase, o Capitalismo Fossilista e o Imperialismo, tem início no século XVIII, estendendo-se ao início do século XX e aos dias de hoje. É marcado pelo início da utilização do carvão como fonte de energia, “armazenada numa pequena unidade de matéria”. Assim, “[...] a indústria, com a máquina a vapor, não tem mais que estar junto ao local onde é produzida a matéria- prima, sobretudo quando a máquina a vapor é adaptada aos transportes (ferrovias e navegação oceânica)” (PORTO-GONÇALVES, p. 28). Sem as restrições relativas de espaço para a produção em massa de mercadorias, sendo a própria energia transformada em mercadoria, o capital começa a se desamarrar do local, começa a se tornar ainda mais global em sua atividade produtiva. [...] Tudo passa a ser removido e movido pelo mundo, submetido pela lógica da produção de mercadorias sob o comando dos grandes monopólios industriais financiados pelos grandes bancos, dividindo territorialmente em áreas de influência entre os diversos imperialismos nacionais (PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 31).

A terceira fase, que vai de 1930 aos anos de 1960-70 e até hoje, categorizada como Capitalismo de Estado Fossilista Fordista, é marcada pelas pretensões de universalização do estilo de vida consumista proposto pelo polo dominante europeu e norteamericano, que “em nenhum momento considera a natureza em seus cálculos, tanto como supridora de matérias-primas, como absorvedora de rejeitos” (PORTO-GONÇALVES, p. 33). Para além do fordismo, após a Segunda Guerra Mundial, o estado ganha importância no planejamento do desenvolvimento econômico por meio de instituições governamentais. A quarta fase, mais atual, chamada de Globalização Neoliberal, recebe destaque pelos usos e manipulações exercidos sobre as preocupações ecológicas que foram originadas e

157

originaram reciprocamente esta fase. A manutenção e o acesso a territórios passou a representar uma larga zona de interesse para o capital e para o seu desenvolvimento sustentável, explorando racionalmente para explorar sempre. No entanto, não se considera a tendência ao ilimitado que a acumulação de capital promove, e sob sua égide nenhum desenvolvimento consegue ser sustentável. Ao bradar desenvolvimento sustentável deixa-se de perguntar: sustentar o quê? para quê? para quem? por quanto tempo? Questões cruciais para preservar ou transformar a atual situação limite a que chegamos (consultar PORTO-GONÇALVES, p. 40-2, e o conceito de Pegada Ecológica). A globalização, ou a globalização capitalista, tem suas várias fases atualizadas na contemporaneidade, sendo que o Colonialismo e o Imperialismo mostram-se como nunca atuantes nos padrões dominados das relações de poder mundiais. Presos numa localidade que lhes priva a saída, mas permite a entrada de agentes a mando dos capitais extraterritoriais, os locais sofrem uma globalização concreta e imaterial: despojados de seu acesso aos locais públicos, de acesso à voz nas decisões diretamente ligadas às suas vidas, eles também são despojados de seus saberes e fazeres, de sua cultura, sendo globalizados, transportados para um ambiente virtual produzido pelas elites globais onde se cultua seus valores e relega ao status de cafonice tudo o que é local. Despregando dessa forma os sujeitos, a globalização transforma a todos em criaturas sem lenço nem documento, para além das identidades fragmentadas da contemporaneidade. Para justificar e legitimar seu discurso e seus valores, a globalização faz uso do discurso científico e da técnica como panaceia de todos os problemas humanos, inclusive os ecológicos. Sempre haverá uma solução técnica capaz de minimizar, não eliminar, os problemas. A discussão política, econômica e social passa ao largo do epicentro do desafio ambiental contemporâneo, e o capital justifica-se e à sua exploração por meio de um jeito, senão certo, então melhor, de fazer as coisas – às custas dos locais (naturezas e pessoas). 158

Como outra ferramenta para sua hegemonia, a globalização utiliza a proposta do desenvolvimento e sua difusão como forma de acessar todos os lugares. Transformado em desejo na sociedade de consumo, o desenvolvimento segue seu caminho sem fim até não poder mais ser suportado pelo local, pois quando não mais puder explorar os locais e os do local, retira-se e parte para campos mais verdes. Desenvolvimento, nesse sentido, soa como dominação da natureza e os fins a que almeja esse termo nebuloso são distorcidos e incertos, uma vez que a produção nada produz, quando muito extrai, e a riqueza é promovida às custas da miséria alheia. Proveitos e rejeitos são divididos desigualmente, sendo que poucos ficam com os proveitos e muitos ficam com os rejeitos, polarizados. O ideal de globalização do progresso segue a agenda da globalização capitalista e esse modelo é definitivamente insustentável. Quando se sabe que 20% dos habitantes mais ricos do planeta consomem cerca de 80% das matérias-primas e energia produzidas anualmente, nos vemos diante de um modelo limite. Afinal, seriam necessários cinco planetas para oferecermos a todos os habitantes da Terra o atual estilo de vida vivido pelos ricos dos países ricos e pelos ricos dos países pobres que, em boa parte, é pretendido por aqueles que não partilham esse estilo de vida (PORTO-GONÇALVES, p. 71).

Ao colonizar as mentes, a globalização capitalista tem meio caminho andado para colonizar os territórios. Ao aproximar-se e ser desejado o capital, vislumbra, com sua lógica de acumulação intensiva e a curto prazo, a natureza enquanto recurso, contabiliza os gastos, e nesses cálculos passa a desconsiderar os impactos de suas ações, no máximo transformando suas agressões em cifras a serem repassadas no valor de suas mercadorias. Ao enfrentar interlocutores mais interessados e menos comprometidos com seus valores, que não apressam estudos de impacto ambiental para não atrapalhar os cronogramas dos investidores ou que impõem condições e contrapartidas, o capital simplesmente se retira, 159

procurando outras paragens e maior flexibilidade. Flexibilidade do lado da procura significa liberdade de ir aonde os pastos são verdes, deixando o lixo espalhado em volta do último acampamento para os moradores locais limparem; acima de tudo, significa liberdade de desprezar todas as considerações que “não fazem sentido economicamente”. O que no entanto parece flexibilidade do lado da procura vem a ser para todos aqueles jogando no lado da oferta um destino duro, cruel, inexpugnável: os empregos surgem e somem assim que aparecem, são fragmentados e eliminados sem aviso prévio, como as mudanças nas regras do jogo de contratação e demissão – e pouco podem fazer os empregados ou os que buscam emprego para parar essa gangorra (BAUMAN, 1999, p. 113).

Sabe-se que o maior domínio técnico não significa isenção de problemas ou incapacidades, pois a técnica mais sofisticada só garante uma extração mais sofisticada, não a criação do elemento. Ademais, toda técnica está submetida a uma intencionalidade, e numa sociedade cuja acumulação sem limites é legítima, a técnica proporciona a maior exploração do meio no menor tempo possível. E nesse sentido a dimensão do efeito de uma técnica limitada e de baixo impacto difere bruscamente do efeito de uma outra técnica massiva e instantânea. “[...] A técnica traz em seu uso a intenção em estado prático: por meio da técnica, meios e fins tornam-se praticamente concretos. [...] Uma crítica à técnica é, sempre, uma crítica às intenções nela implicadas. [...] Toda técnica, sendo meio, está a serviço de um fim” (PORTO-GONÇALVES, p. 79). Por isso a política entra como mediadora da relação da sociedade com o ambiente, impondo limites às ações do capital que visa ao infinito, mas não limites definidos pelos próprios representantes do capital, em acordos de compadres e corporativismo, manipulação de percepções e valores, tais como a promoção de um consumismo irracional como condição de cidadania, a projeção das atenções para um espaço efêmero midiático e a adoção de usos e costumes apregoados pelas classes dominantes; limites definidos de forma democrática por meio da

160

inclusão dos diversos protagonistas no espaço de decisão de suas próprias vidas, seus próprios destinos, democratizar a democracia. Porém, seguindo o sentido inverso, a Laguna foi globalizada. 2 O Desenvolvimento da Pesca, ou o Empresarial-Capitalista sobre o Artesanal A atividade pesqueira sempre foi uma constante no município de São José do Norte, às margens da Laguna dos Patos, caracterizando-se sua piscosidade como um dos fortes motivos para a disposição geográfica da cidade. De fato, a abundância das safras de peixes e camarão foi destaque para a região desde as décadas de 1940-50. Manchetes em jornais da época registram tal momento histórico, anunciando os “55 milhões” que “foram pagos às parelhas de pesca em São José do Norte” (Diário de Notícias, 08/01/1954), “Industrializados 405 mil quilos de bagre em São José do Norte” (Diário de Notícias, 24/10/1952), “Abundante safra de camarão” (Diário Popular, 20/03/1957), “800 mil quilos de peixes foram pescados em São José do Norte” (Folha da Tarde, 21/01/1958). Termos como “recorde” são recorrentes durante esse período nos jornais. Durante a década de 1950, também, Heinrich Bunse faz uma descrição da atividade pesqueira no município, distinguindo a pesca no oceano e a pesca na Laguna dos Patos, ambas com características de pequena produção mercantil pesqueira, ou pesca artesanal, conforme definição de Diegues (1983). Na Laguna existem [...] certos peixes, como a tainha, peixes migratórios que, em determinadas épocas do ano empreendem a ‘corrida do peixe’, saindo em cardumes imensos da Lagoa dos Patos, através da Barra do Rio Grande, para o mar, empreendendo a corrida ao longo do litoral rumo ao norte (BUNSE, 1981, p. 85).

Esse aspecto da pesca é confirmado pelo sr. Hugo, velho homem que esteve diretamente ligado às atividades industriais pesqueiras em São José do Norte desde a década de 1940, onde as 161

parelhas aguardavam a captura dos peixes enquanto saíam da laguna após desovar, assegurando sua reprodução. Pontuando Capivaras, Passinho, Praia do Norte, Cocuruto e Barra, as parelhas dispunham-se nessa ordem, de norte a sul pelo interior da laguna para capturar o peixe, sendo que, mesmo depois de sua saída pela barra, o mesmo cardume ainda seria pescado no oceano pelo arrasto de praia. Um ritmo pautado pela temporalidade da natureza era predominante, e mesmo se tendo oscilações na pesca, essas eram sazonais e alheias, em grande parte, às atividades do ser humano. Tal submissão aos ritmos da natureza, no entanto, foi interpretada como “atraso”, como falta de desenvolvimento, e em finais da década de 1960 gestaram-se políticas públicas para [...] ampliar a produção nacional de pescado e o parque industrial processador desse produto. A política de incentivo à produção pesqueira iniciou-se em 1967 com a promulgação do Decreto-Lei 221. Este decreto incluiu esta atividade entre as relacionadas com o desenvolvimento do país (FINCO & ABDALLAH, p. 172).

Através de incentivos fiscais e financiamento das atividades voltadas para a exploração da pesca, promoveu-se uma potencialização da captura de pescado em todo o país. Abdallah e Bacha apresentam números significativos dessa atividade, sendo que entre 1960, produzidas 281.512 toneladas de pescado, e 1967 – ano de implementação do Decreto-Lei 221 – houve um aumento de pouco mais de 50%, 429.422 toneladas para o último ano. Entre 1967 e 1974, houve um aumento de 90% na produção, 815.720 toneladas, sendo que só o município de Rio Grande foi responsável por 9% dessa produção, ou seja, 73.852 toneladas, 88% do total produzido no Rio Grande do Sul (FINCO & ABDALLAH). São José do Norte esteve intimamente ligado a esse processo, e Wyse identifica, no Período de Consolidação e Auge da atividade industrial no município (2000, p.42-9), cinco indústrias que se instalaram na cidade entre os anos de 1971 e 1983 e tinham como atividade principal o processo do pescado. Dessas, três eram 162

de proprietários locais, trabalhavam com o pescado seco e salgado, e empregavam 375 trabalhadores permanentes e temporários; as outras duas, filiais de empresas com sede em São Paulo e Rio de Janeiro, dispunham dos benefícios do Decreto-Lei 221/67, produziam pescado congelado e filé de peixe, e empregavam 860 trabalhadores. A produção de pescado no município de Rio Grande alcançou seu ápice entre os anos de 1973-4, com 93.679 toneladas de pescado (FINCO & ABDALLAH), e a partir desse ano entrou num ritmo de oscilações decrescente. Muito embora a Superintendência para o Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE)3, coordenadora das atividades pesqueiras no país, tenha surgido “[...] num contexto de proteção dos recursos naturais renováveis e de desenvolvimento das atividades voltadas à exploração dos recursos naturais renováveis” (ABDALLAH, 1998, p. 44), sua função fiscalizadora foi bastante limitada e pouco atuante. Devido principalmente à falta de reflexões sobre os impactos que tal política e tal ampliação da exploração teriam, deu-se início a um processo que se tornaria a nêmese da pesca na laguna, a sobrepesca. O problema da sobrepesca foi ressaltado por muitos autores que estudam o recurso pesqueiro no país, para os quais, o governo não considerou as potencialidades pesqueiras do litoral brasileiro ao lançar a política de incentivos fiscais à pesca (iniciada com o Decreto-Lei 221/67) (ABDALLAH & BACHA, 1999, p. 13).

As políticas públicas que se propunham a “administrar a exploração” e a “promover o desenvolvimento” (ABDALLAH, 1998) mostraram-se deficientes em longo prazo, sendo incapazes de impedir a superexploração do ambiente ao ponto da impraticabilidade das atividades. Dentro desse contexto, os pescadores artesanais foram os maiores prejudicados, uma vez que 3

A SUDEPE fora extinta por meio da Lei nº 7.735, de 22 de fevereiro de 1989, sendo substituída em suas atribuições e competências pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (IBAMA).

163

foram em sua maioria privados do apoio do Decreto-Lei 221/67 (DIEGUES, 1983). A pesca artesanal, para além do uso de técnicas rudimentares ou avançadas em suas atividades, pode ser rapidamente caracterizada por: a) utilização de mão de obra para além da família; b) atividade pesqueira é principal fonte de renda e os padrões de distribuição, em partes, são menos igualitários que os da pesca de subsistência, diferenciando proprietários e camaradas; c) exige conhecimentos específicos; d) a propriedade dos meios e instrumentos de trabalho têm papel importante; e) avanço tecnológico com a embarcação motorizada, redes de náilon, novos processos de conservação e transporte; f) firmas ganham terreno sobre o atravessador (DIEGUES, 1983). Por outro lado, a pesca empresarial-capitalista apresenta: a) a propriedade dos instrumentos por uma empresa capitalista; b) todas as funções são remuneradas em salário; c) o poder de decisão sobre a pesca escapa às mãos do pescador; d) descaracterização do saber fazer do mestre em detrimento de equipamentos técnicos; e) escala da produção implementada por grandes barcos e ampla infraestrutura de terra; f) a atividade é voltada à produção de mercadoria. A organização, as metas e o alcance do impacto do pescador artesanal foram sobremaneira afetados pelo surgimento, exploração/desgaste e evasão das indústrias pesqueiras. Se seus saberes e fazeres garantiam-se reproduzidos com a hegemonia da pesca artesanal e sua submissão aos ritmos produtivos naturais, com a introdução de outros modos de produção e outros valores estimulados e promovidos pelo estado e a imposição dos ritmos do capital, o pescador artesanal começou a se ver privado de acesso aos mercados consumidores. “[...] Os pescadores artesanais por não possuírem tempo disponível para a venda do pescado e nem meios de conservarem o produto para futura comercialização, foram extremamente prejudicados” (FINCO & ABDALLAH, p. 183). Mesmo podendo vender sua produção às indústrias, as pressões foram feitas em sentido de uma adaptação às novas 164

formas de organização da produção e a absorção de mão de obra, basta destacar que para a maior produção de pescado do município de Rio Grande entre os anos 1973-4, das 93.679 toneladas, 67.639 provieram da pesca industrial e apenas 26.040, 28% do total, da pesca artesanal (FINCO & ABDALLAH). Estes números servem para indicar, também, a capacidade de exploração a que a pesca empresarial-capitalista pode submeter à natureza. Diante de tamanha adversidade, a pesca artesanal acabou sucumbindo às pressões exercidas pela pesca empresarialcapitalista, e apesar de nenhuma das duas formas terem desaparecido, nada lembra os Períodos de Organização Industrial, ápice da pesca artesanal, e Consolidação e Auge, representativo da pesca empresarial-capitalista 4. 3 O Processo de Globalização da Laguna O modelo de globalização que promove, por um lado, a dissolução das barreiras entre os lugares, tornando acessível a poucos escolhidos os muitos lugares; e por outro lado adensa as fronteiras para a massa de locais, que se veem privados da tão cara mobilidade, alcançou já pela década de 1940 a Laguna dos Patos. As diferentes propostas e iniciativas para promover o desenvolvimento local na maioria das vezes se mostraram limitadas, parecendo muito mais propostas de “des-envolvimento” dos sujeitos locais do local. Por meio da categorização proposta por Wyse (2000), pode-se acompanhar os diferentes períodos de desenvolvimento da atividade industrial no município de São José do Norte, associando-os ao processo de globalização da Laguna dos Patos. O primeiro período, de Organização Industrial, que compreende 1940-65, é marcado pela hegemonia do pescador 4

Wyse (2000) categoriza três períodos da atividade industrial na cidade de São José do Norte, sendo eles: a) Período de Organização Industrial, 1940-65; b) Consolidação e Auge, 1965-85; c) Término das Atividades, 1985-95.

165

artesanal e das firmas comerciais, que beneficiavam e distribuíam o produto pescado. Os destinos principais das mercadorias eram Rio de Janeiro, São Paulo e a Região Nordeste do país. Pode-se notar o desvínculo que há entre os produtores e os consumidores do pescado, e diante da dita abundância, característica nos noticiários locais da época, a produção de excedente deveria ser fantástica, proporcionando uma acumulação significativa por parte dos proprietários das firmas. O que mais caracteriza o momento, no entanto, é sua inserção na terceira fase da globalização, sugerida por PortoGonçalves, ou o Capitalismo de Estado Fossilista Fordista. A não percepção da existência de limites autoimpostos pela natureza à sua exploração, nublada pela limitação das atividades extratoras, seja pela técnica, seja pela organização social do trabalho, criou a falsa realidade de infinitude da exploração da natureza. A abundância alcançada dentro de um determinado contexto, muito mais definido pelos ritmos da natureza do que pelo domínio dela pelo homem, criou uma expectativa de eternidade daquela situação. Entre 1932 e 1962 [...] as regulamentações voltadas para o ordenamento pesqueiro (no sentido de estabelecer regras de acesso aos recursos pesqueiros) não foram relevantes. [...] Nesse período, a atenção estava voltada antes para a promoção do desenvolvimento e organização do sistema agroindustrial do pescado no Brasil, uma vez que não se destacava a questão da sustentabilidade do recurso pesqueiro no processo de captura do mesmo, dado que o volume capturado não era ameaçador à reprodução biológica dos cardumes (ABDALLAH, 1998, p. 44).

A introdução de novos modos de organização da produção, oportunizada pelos incentivos governamentais, sob essa perspectiva de recursos ilimitados a serem explorados pode ter representado papel significante na sobrepesca da laguna. De fato, a abundância de peixes na laguna e os ótimos resultados conseguidos na pesca durante o período de organização das atividades industriais no município, atraíram a atenção do capital extraterritorial para a 166

região, que acabou por inserir suas lógicas e organizações de trabalho no local. Mais do que em qualquer outro momento, o Período de Consolidação e Auge da atividade industrial em São José do Norte representou o processo de globalização na laguna. A ampliação da produção conseguida através de políticas públicas federais “abriu” de modo significativo a laguna aos interesses globais. Mais do que transportar os produtos para serem consumidos em outros locais, desvinculados do local de produção, agora os investidores também eram extraterritoriais, e o objetivo último da produção, o lucro, também escoava do local para outros pontos do país, no caso Rio de Janeiro e São Paulo. O aporte do capital nas atividades locais, tido como desenvolvimento, sempre procurando pela flexibilidade, foi muito bem-recebido, sustentado com promessas de bem-aventurança e riqueza para a região. O que não foi considerado pelos investidores globais e pelo estado, contudo, foram os limites para o exercício das atividades extrativas do pescado na laguna. [...] O recurso pesqueiro por ser de propriedade comum e de livre acesso, tem uma tendência a ser sobre-explotado, e a fiscalização tem fracassado em evitar a sobrepesca, já que não existe um engajamento efetivo dos setores envolvidos na atividade pesqueira: pescadores, armadores, indústrias, agências estatais, etc. (FINCO & ABDALLAH, p. 181).

O terceiro período, de Término das Atividades (1985-95), marca a falência da pesca empresarial-capitalista no município e a evasão do capital para outras regiões do país (DIEGUES, 1983). Numa amostra bastante clara da separação e disposição dos proveitos e dos rejeitos, a laguna em si é rejeitada após alcançar seu limite de exploração e não ser mais capaz de sustentar a atividade pesqueira em nível intensivo como se fez durante a década de 1970. O capital sem fronteiras debanda para lugares mais atrativos, deixando aos sujeitos locais imobilizados uma laguna estéril, que nada lembra a situação quando chegaram. Entra em cena, por fim, o conceito de desenvolvimento sustentável, promovido por uma globalização neoliberal, que lida 167

com preocupações ambientais e com a reprodução de seu sistema. Medidas como “[...] limitar a pesca por ‘tempo’ determinado, controlar as licenças de pesca, estabelecer taxas pelo produto pescado, bem como determinar cotas de capturas como forma de impor uma exploração racional do recurso pesqueiro” (FINCO & ABDALLAH, p. 181), são tomadas a fim de gerenciar a disponibilidade dos cardumes para a exploração. No entanto, o conceito de sustentabilidade exige complementos. Leila da Costa Ferreira define sustentabilidade como o ato de [...] sustentar algo, ao longo do tempo, [...] para que aquilo que se sustenta tenha condições de permanecer perene, reconhecível e cumprindo as mesmas funções indefinidamente, sem que produza qualquer tipo de reação desconhecida, mantendo-se estável ao longo do tempo (In FERRARO JÚNIOR, 2005, p. 315).

Também José Silva Quintas indica que [...] sustentabilidade vincula-se ao real e à lógica das práticas humanas. Assim, se constitui historicizada e socialmente construída, tendo raízes em questões como: sustentabilidade do que, para quem, quando, onde, por que, por quanto tempo. Isso significa que os atores sociais movemse, em seus discursos e práticas, buscando legitimá-los, ou sendo por outros(as) deslegitimados, de modo a prevalecerem aqueles(as) que vão construir autoridade para falar em sustentabilidade e, assim, discriminar, em seu nome, aquelas práticas que são sustentáveis ou não (In LAYRARGUES, 2004, p. 121).

Ao responder o que se quer sustentar, se estabelece um ponto-chave na compreensão da manutenção das relações sociais e de poder. Sabe-se que os valores capitalistas financeiros desconexos da espacialidade não podem levar em conta os limites naturais às suas explorações: a acumulação tende ao infinito, e é isso que os investidores globais almejam no final das contas. O desvínculo entre os centros de decisão e os locais de produção e de consumo oportunizado pela globalização, promoveram a 168

desconsideração da sustentabilidade do local e dos habitantes do local como de responsabilidade do agente explorador. Polarizando os proveitos de um lado e os rejeitos de outro, extraídos de sua materialidade concreta, a globalização criou uma sociedade calcada na desconexão, na displicência e no abuso, por regra insustentável. As pessoas que consumiram os filés de peixe da Laguna dos Patos nas regiões Sudeste e Nordeste não tinham como imaginar que seu deleite custou a morte da Laguna. Então sustentabilidade e capitalismo são, em todos os sentidos, incompatíveis, pois seus valores de consumismo e produção de riqueza abstrata escapam da materialidade limitada que a sustentabilidade exige. A discussão sobre a construção da sustentabilidade no tempo presente está vinculada à quantidade de bens ambientais que é extraída da natureza para a satisfação das necessidades das presentes gerações, sem que se inviabilize as gerações futuras. Significa também entender o que são necessidades humanas e como elas podem ser satisfeitas de maneira sustentável (QUINTAS In LAYRARGUES, 2004, p. 122).

O processo de globalização da Laguna dos Patos foi um exemplo claro das propostas insustentáveis do modelo capitalista de exploração da natureza a longo e até médio prazo. Considerações Finais O processo de globalização da Laguna dos Patos está em curso desde os anos de 1940 – mesmo antes, se considerar o papel da laguna enquanto meio para consolidar a hegemonia colonial portuguesa e as estratégias imperiais brasileiras: o porto de Rio Grande há muito tempo desempenha papel fundamental de conexão com o mundo globalizado. Mas é apenas a partir do segundo quarto do século XX, que o capital vê na região uma oportunidade para reproduzir e espalhar-se. A década de 1960 representou um alargamento e aprofundamento da exploração da laguna. Amparada por políticas 169

públicas de estado desenvolvimentista e fiscalização ineficiente, limites nublados para a exploração da natureza, a globalização triunfou sobre o local, transformando o mais rápido que podia natureza em mercadoria, ignorando completamente o impacto de suas atividades sobre a região. O resultado foi um esgotamento da piscosidade da laguna e um processo de rejeição do local uma vez que já “não fazia sentido economicamente” permanecer aqui. Como bem coloca Jeremy Seabrook apud Zygmunt Bauman, “a pobreza não pode ser ‘curada’, pois não é um sintoma da doença do capitalismo. Bem ao contrário: é evidência de sua saúde e robustez, do seu ímpeto para a acumulação e esforço sempre maiores...” (1999, p. 87). A Laguna dos Patos representou por determinado tempo o sucesso capitalista na região, a promessa de boa vida e riqueza para os do local. No entanto, não passou de uma vítima, uma hecatombe para o sustento do capital, que logo em seguida se deslocou, voraz, para outras regiões. Se ao vencedor cabem as batatas, aos perdedores resta permanecer no local e tentar organizar o que restou, a despeito de todo incontável dano sofrido, ambiental e humano. A experiência vivida, no entanto, não pode ser espoliada, e esse triste episódio deve servir como um alerta sobre a ausência de travas ao capital, sobre a submissão do trabalho diante do capital e sobre as dúbias propostas de uma aldeia global. Apenas através da consciência cidadã, para além de uma cidadania composta de direitos e deveres, que insira o protagonista no seu local como responsável por sua manutenção, cidadania que se queira crítica, transformadora e emancipatória, pode-se pensar em sustentabilidade. Sujeitos que compreendam o real como não definido nem definitivo, que tenham consciência de sua maleabilidade e seus limites e que percebam a autonomia que detêm, são sujeitos preparados para um enfrentamento digno do desafio ambiental contemporâneo, e definitivamente um dos caminhos para a formação desse sujeito, não o único, mas como outros primordial, é a educação, que também se queira crítica, transformadora e emancipatória. 170

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABDALLAH, P.R. Atividade pesqueira no Brasil: política e evolução. 137f., 1998. Tese. (doutorado em Economia Aplicada) – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, USP, Piracicaba, 1998. ABDALLAH, Patrízia Raggi; BACHA, Carlos José Caetano. Evolução da atividade pesqueira no Brasil: 1960-1994. Teoria e Evidência Econômica. Passo Fundo, n. 13, p. 924, 1999. BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 144p, 1999. BUNSE, Heinrich A.W. São José do Norte: aspectos linguístico-etnográficos do antigo município. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto/Instituto Estadual do Livro, 134p, 1981. DIEGUES, A.C.S. Pescadores, camponeses e trabalhadores do mar. São Paulo: Ática, 1983. FERREIRA, Leila da Costa. Sustentabilidade: uma abordagem histórica da sustentabilidade. In: FERRARO JÚNIOR, Luiz Antonio. Encontros e caminhos: formação de educadores(as) ambientais e coletivos educadores. Brasília: MMA, Diretoria de Educação Ambiental, 2005, p. 315-321. FINCO, Marcus Vinícius Alves & ABDALLAH, Patrízia Raggi. Análise da atividade pesqueira no município de Rio Grande e sua inserção no modelo de educação ambiental. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental. Rio Grande, I Congresso de Educação Ambiental na Área do PRÓ-Mar-de-Dentro. p. 172-198, 2001. http://www.remea.furg.br/mea/remea/congress/artigos/comunicacao17.pdf, acessado em 08/03/2009 PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A globalização da natureza e a natureza da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 431 p, 2006. QUINTAS, José Silva. Educação no processo de gestão ambiental: uma proposta de educação ambiental transformadora e emancipatória. In: LAYRARGUES, Philippe Pomier (coord.). Identidades da educação ambiental brasileira. Brasília: MMA, 2004, p. 113-140. WYSE, Rosângela de Fátima Coelho. A atividade industrial no município de São José do Norte no período de 1940-1995. Rio Grande: FURG, 69p, 2000.

171

172

NATUREZA DA/NA CRISE DOS PARADIGMAS NO SÉCULO XXI Denise Gamio Dias Claudia Battestin Carlos R S Machado

Introdução O Ocidente passou por muitas modificações nos paradigmas de cada época, fazendo com que esses fossem repensados, reavaliados e modificados. Mas, quando dizemos Ocidente estamos falando de que região/território afinal, e em que época? Neste momento, estaremos nos referindo ao Ocidente tradicional, o qual foi em época remota – a civilização grega, a romana, o feudalismo europeu, e depois a Europa e as Colônias, passando pelo “mundo livre” do capitalismo no período da “guerra fria”. Podemos, vagamente, identificar como sendo este lado, aquele banhado pelo Atlântico (Américas, África e Europa Ocidental), mas, também, parte do Pacífico, àquela que rodeia as Américas. Portanto, quando falamos do mundo e da humanidade estaremos nos referindo a esta parte ou porção de humanos em suas relações com a natureza. A relação dos humanos entre si e com a natureza, incluindo aí a compreensão e o conteúdo das mesmas, compondo uma tripla relação complexa em processos de mudanças através dos tempos históricos. Essa é a base, o ponto de partida e de chegada do debate dos paradigmas que destacaremos. Na parte inicial, faremos com a ajuda de Carlos Walter Porto-Gonçalves, a construção de um mapa mental macro visando 173

representar o período histórico do qual estaremos nos referindo, nos debates paradigmáticos das partes seguintes com Boaventura de Sousa Santos, Immanuel Wallerstein, Aníbal Quijano e outros. 1 O Cenário de fundo no debate dos paradigmas O cenário de fundo da discussão dos paradigmas no Ocidente, pelo menos neste texto introdutório, são os últimos 500 anos, seja nos processos de emergência do atual sistema hegemônico de pensamento, bem como sua relação com as demais bases que formam a tripla relação referida. Diz Porto-Gonçalves (2006) que passamos por diversos momentos da chamada globalização. O primeiro momento seria aquele que precederia esse mundo moderno (antes do século XVIII), que se torna referência aos demais espaços territoriais do mundo, e que fala por sua vez o inglês, o francês e o alemão. Nesse, acreditar-se-ia que o progresso da humanidade deve se ancorar em um saber técnico-científico, saber esse tomado como superior. São esses valores que têm comandado nossas práticas, inclusive as educativas. Foi nesse período que se configurou o sistema-mundo, conforme Wallerstein, e que em outras palavras foi a efetivação do capitalismo enquanto sistema hegemônico em todo mundo (Ocidente). A modernidade ibero-americana, a partir dos “descobrimentos”, constituiu as bases das relações, das colonizações e das explorações, destruições e do etnocídio a “ferro e fogo”, diria Marx, dos tempos atuais nesta parte do globo. Deixar escapar essa história pregressa e os processos que nos conformam, e que estão subjacentes ao contraditório mundo que vivemos, bem como as explicações dessas, é contar apenas parte da história. Além disso, os momentos não são cronológicos e separados, articulam-se no ontem e no hoje, e na medida em que, não articulamos o primeiro momento com o segundo e o atual, em suas múltiplas relações, ficamos com uma visão parcial do nosso sistema-mundo. E isso nos leva a reproduzi-lo enquanto concepção 174

fragmentada (por parte), lineares em sua sequência e subsumida à visão hegemônica do segundo momento e das concepções a ele subjacente sobre os demais. É preciso descolonizar o pensamento, e neste pensarmo-nos como parte de um todo, e que, esta parte (a América Latina), emergiu enquanto subalterna e explorada pelo centro, a Europa e agora os EUA (DUSSEL, 1991). E que, este centro produziu-se como sendo o todo, o universal, o destino que deveríamos seguir enquanto nação, país ou povo em suas concepções hegemônicas de pensar e de viver (WALLERSTEIN, 2006; WALTER-PORTO, 2006). O segundo momento ou movimento será aquele a partir do século XVIII, que diferente do anterior que era regido por Deus, que era quem autorizava o que quer que seja; que desvendava através das escrituras e de seus asseclas o conhecimento dos mistérios da natureza e “catequizava os bárbaros” (diga-se domínio e subjugação dos povos conquistados). Neste momento, será a ciência (os saberes humanos) que ao justificar compreensão das coisas e de seu funcionamento autorizaria a sua exploração e usufruto a bel prazer (dominação). Eis a síntese do imaginário que sai da segunda moderno-colonialidade: o homem está autorizado a dominar a natureza, posto que conheça objetivamente os seus mistérios por meio do método científico (WALTER-PORTO, 2006, p 20). Em decorrência dessa concepção, e da aceitação desses fundamentos paradigmáticos que não se faz nos céus, mas bem aqui na terra, cada vez mais as relações mundanas, cotidianas, são mediadas por relações na qual a quantidade (o número, a exatidão, a lei, o que pode ser provado, a razão, o cérebro) impõe-se sobre a qualidade (a subjetividade, o acaso, a sensibilidade, o coração, a vida). O lucro (dinheiro) mediará, enquanto representante supremo desta concepção, as relações dos homens e mulheres entre si e com a natureza (WALTER-PORTO, 2006 p. 21). Processo esse que se ampliará a todos os espaços na medida em que o sistema socioeconômico-político que o subjaz, o capitalismo, mundializase e ocupa todos os espaços. Até mesmo o tempo é reduzido a 175

dinheiro e sua riqueza esvai-se, quando reduzido a uma abstração matemática (HARVEY, 2001). Por fim, o terceiro movimento da globalização, será aquele no qual passamos a viver, nos últimos 30/40 anos, o aparente paradoxo de ver o ambiente entrar definitivamente na agenda política e nos meios de comunicação e, ao mesmo tempo, assistimos a um processo de devastação jamais visto (PORTO, 2006, p. 26). De um lado, nunca se devastou tanto o planeta como no período em que se falou em salvá-lo, reconhecido como auge, a Rio-92 1. No entanto, os encaminhamentos dados depois de então, não avançaram muito na problematização dos fundamentos ou das raízes da própria crise que é o próprio sistema capitalista em que vivemos. E nesta de que os limites da relação da racionalidade eurocêntrica e sua tecnociência, como parte das suas relações sociais de poder, com a natureza e com outras matrizes de racionalidade começam a ser atingidos como assinala o aquecimento global, a gripe aviária, o mal da vaca louca, a AIDS, entre outros (WALTER-PORTO, 2006, p. 26). Daí a necessidade de descolonizar o pensamento e, principalmente, se abrir para as múltiplas matrizes de racionalidade que o mundo comporta e que a ideologia do progresso e do desenvolvimento impede de dialogar por negá-los na sua outridade. Nesse sentido, os marcos do pensamento eurocêntico negam a outridade tanto do outro absoluto – natureza – como dos outros povos com suas distintas matrizes de racionalidade, de Boaventura dos Santos, 2002 (WALTER-PORTO, 2006, p. 24).

Diante disso, diríamos que há em meio a esse contraditório turbilhão, e de crise do paradigma hegemônico, alternativas sendo construídas. Emerge pensamentos subalternos pós-moderno, pós1

A II Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano, realizada em 1992 no Rio de Janeiro, teve como principal tema a discussão sobre o desenvolvimento sustentável e sobre como reverter o atual processo de degradação ambiental.

176

colonial, pós-tradicional, forjado pelos movimentos sociais com diversos nomes (socioambientalismo, ecologismo dos pobres, ecologismo de sobrevivência, ecologismo feminista, racismo ambiental, justiça ambiental, racionalidade ambiental, PORTO, 2006, p. 26), que são pontos de partida de um paradigma emergente. Diferentemente de um ambientalismo de matriz eurocêntrica que se desenvolveu com base no mito moderno da natureza intocada, na feliz caracterização crítica de A. C. Diegues (2004), há esse outro ambientalismo que emana do pensamento subalterno e que parte da criatividade cultural e da produtividade biológica primária em busca de uma racionalidade ambiental (Leff, 2006). São pensamentos e ações com, e não contra, a natureza/meio ambiente, que retira sua força do conhecimento do lugar (pensamento local), e de sua relação com o meio ambiente, mas sem pretensão de universalização/generalização. Entretanto, como tudo que é humano, é universalizável, esses podem perder seu caráter alternativo se perderem seu vínculo com o “real” e serem “canibalizados” pelos “poderes”, pelo sistema, pela ordem e, assim, servirem para o domínio e a subserviência, e não enquanto meio de mudança e transformação permanente. O universal abstrato é a colonialidade do poder através de um saber colonizador, que quer nos fazer crer que há um conhecimento superior e, por isso, naturalmente, deve se impor sobre tudo e todos. Eis o desafio que se apresenta aos educadores e às nossas sociedades, sobretudo para os setores subalternos. Assim como o desenvolvimento expandiu-se em nome de superar o subdesenvolvimento, vemos o mesmo no campo ambiental, onde o des-envolvimento é recuperado enquanto ecodesenvolvimento ou desenvolvimento sustentável, enfim, sempre alternativas de desenvolvimento e não alternativas ao desenvolvimento. É de outras racionalidades que carecemos, que Enrique Leff (2006) vem, apropriadamente, chamando racionalidade ambiental, o que requer uma ética da autoridade por meio de uma política da 177

diferença na igualdade e de uma política de igualdade na diferença (WALTER-PORTO, 2006, p. 27). Portanto, o modelo de desenvolvimento da sociedade moderna, que tem sido claramente esgotado por ser insustentável ambientalmente, tanto na sua dimensão biológica, como social e justificado paradigmaticamente, ainda persiste enquanto hegemônico nas perspectivas majoritárias. No entanto, subjaz e articula-se a esta crise ambiental a própria crise de um modelo de sociedade e de seus paradigmas, modelo que nos apresenta um caminho único a seguir. Assim, estamos vivendo uma crise civilizatória, na qual a compreensão e a ação prevalecem hoje em muitas partes do mundo, e são intermediadas pelos paradigmas construídos historicamente pela sociedade moderna e que estabelecem essa relação de contradição/destruição entre os indivíduos em sociedade e dessa com a natureza. Por essa relação da vida moderna com o mundo, e que vem sendo crescentemente intensificada ao longo dos últimos 500 anos, é que temos uma crise ambiental que põe em risco a existência de todas as esferas de vida como um todo. Nesse sentido, com Wallersntein (2001) diríamos que é a própria crise do sistema-mundo constituído nesse período, que se encontra agravando a crise. Vivemos numa “bifurcação” na qual o que fizermos hoje poderá definir o nosso futuro e o da humanidade. Conforme nos diz Pablo Gonzalez Casanova (2006). O ecossistema terrestre está ameaçado de morte a menos que se dê 'a bifurcação' do sistema capitalista. Mas este pode derivar na granja global de animais auspiciada pelas mentes enfermas do Pentágono, ou em uma revolução democrática em boa parte violenta e, sobretudo, política que conduza a humanidade a um socialismo democrático com uma nova civilização do pluralismo, da libertação, da representação, da participação, do poder, da produção e do consumo (Subcomandante Marcos, In CASANOVA, 2006, p. 193).

Outros autores caracterizam esse momento como uma “sociedade de risco”, em que os riscos a serem enfrentados pela 178

coletividade humana não são mais os fenômenos naturais, e sim os riscos produzidos por essa própria sociedade. Segundo Guimarães (2006), se essa crise ambiental é construção histórica, ela pode também ser historicamente des-construída, bem como as relações que a subjazem e das concepções que a explicam para nada mudar. Na sequência, a partir do resgate do debate sobre a crise sistêmica do capitalismo, da discussão dos paradigmas (no agir e no pensar e do pensar e do agir) e da necessidade da produção de um pensar e agir humano alternativo (SANTOS, 2006; WALLERSTEIN, 2006), GULBENKIAN, 1996; QUIJANO, 2000; CASANOVA, 2006) introduzimos o tema natureza: a natureza da crise dos paradigmas e a natureza no debate da crise dos paradigmas. Esses autores inserem o tema da Natureza como fundamental ao pensar e à produção do "outro mundo possível" dos Fóruns Sociais Mundiais. No entanto, mais do que inserir a Natureza, ela deve ser incorporada como componente das relações sociais, seja das classes e grupos sociais entre si, bem como, deste como grupo ou indivíduos com a mesma, bem como o resultado dessas relações (CASTRO HERRERA, 1994, O,CONNOR, 2007). Isto porque, é pela transformação da natureza física pelas classes e grupos sociais que se produzem as coisas, bens, cidades, sociedades e o próprio conhecimento, portanto, uma natureza produzida (MACHADO, et. Alli, 2008) enquanto totalidade aberta e em permanente mudança e transformação. 2 A Natureza da crise e a natureza no debate da crise dos paradigmas 2.1 Boaventura de Sousa Santos Destacamos de Santos, inicialmente, o debate que propõe de estarmos vivendo a crise do sistema de pensamento hegemônico (e de vida, diríamos) e a emergência de elementos de um Paradigma Emergente. Na edição brasileira, diz Boaventura (2006, p. 9):

179

Ponho em causa a teoria representacional da verdade e a primazia das explicações causais e defendo que todo o conhecimento científico é socialmente construído, que o seu rigor tem limites inultrapassáveis e que a sua objetividade não implica a sua neutralidade. Descrevo a crise do paradigma dominante e identifico os traços principais do que designo como paradigma emergente, em que atribuo às ciências sociais antipositivistas uma nova centralidade, e defendo que a ciência, em geral, depois de ter rompido com o senso comum, deve transformar-se num novo e mais esclarecido senso comum (SANTOS, 2006, p. 9).

Parte, então, da ideia de necessitarmos de reflexões "cada vez mais aprofundadas sobre os limites do rigor científico", como se constituiu nos últimos 200 anos (com o Paradigma Hegemônico), mas também, decorrente dos "perigos cada vez mais verossímeis da catástrofe ecológica e da guerra nuclear" (SANTOS, 2006, p.14)2 .Isto porque, diz que "temos que perguntar pelo papel de todo o conhecimento científico acumulado no enriquecimento ou empobrecimento prático das nossas vidas, ou seja, pelo contributo positivo ou negativo da ciência pela nossa felicidade", diante do "fim de um ciclo de hegemonia de certa ordem científica" (SANTOS, 2006, p. 18-19). A ordem científica constituída enquanto Paradigma Dominante, global e com certa racionalidade pretendeu-se único e como o mais verdadeiro por 2

Talvez, depois de mais de 20 anos desta manifestação de Santos, seja com as notícias sobre o aquecimento climático, seja com o possível ataque nuclear eminente de Israel ou dos EUA sobre o Irã, cada vez mais nos aproximamos de uma eventual catástrofe, se as “coisas” não mudarem significativamente! Na Crítica à Razão Indolente (SANTOS, 2000, v. i) Santos ao se referir à necessidade de superação do atual sistema, dá um exemplo relacionado a incompatibilidade do sistema capitalista com a natureza, a vida e o planeta: de que o padrão de vida americano, modelo e exemplo, aos demais países e classes sociais mundiais, é impossível de ser reproduzido e generalizado ao mundo. Cada família americana, em média tem dois automóveis, dentre outros aspectos da vida consumista americana. Imaginemos, se cada chinês, em média tivesse dois automóveis; e os indianos, etc; os gases despendidos na atmosfera tornariam a vida impossível. Portanto, o sistema capitalista baseado no consumo e lucro não é generalizável a todos os habitantes do planeta, pois coloca em risco a própria vida no/do planeta.

180

meados do século XIX: Sendo em modelo global, a nova racionalidade científica é também um modelo totalitário, na medida em que nega o caráter racional e todas as formas de conhecimento que se não pautarem pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas (Idem, p. 21).

Se por um lado, desenvolveu-se enquanto método pela exclusão de outras formas de pensar, enquanto conteúdo impôs-se a partir de distinções "fundamentais, entre conhecimento científico e conhecimento do senso comum, por um lado, e entre natureza e pessoa humana, por outro" (p. 24). No caso da Natureza, ela seria tão-só extensão e movimento; é passiva eterna e reversível, mecanismo cujos elementos se podem demonstrar e depois relacionar sob formas de leis; não tem qualquer outra qualidade ou dignidade que nos impeça de desvendar os seus mistérios, desvendamento que não é contemplativo, mas antes activo, já que visa conhecer a natureza para dominar e controlar (SANTOS, 2006, p. 25).

Em decorrência disso, Santos apresenta quatro teses ao debate alternativo. A primeira propõe que "todo o conhecimento científico-natural é científico-social", à qual incide diretamente na separação do homem da natureza. Mas, para tanto, deveríamos para além de introduzir a "consciência no acto de conhecimento, nós temos hoje de introduzi-la no próprio objecto do conhecimento, sabendo que, com isso, a distinção sujeito/objecto sofrerá uma transformação radical" (SANTOS, 2006, p. 62). Neste caso, diz que: A concepção humanística das ciências sociais enquanto agente catalisador da progressiva fusão das ciências naturais e ciências sociais colocam a pessoa, enquanto ator e sujeito do mundo, no centro do conhecimento, mas, ao contrário das humanidades tradicionais, coloca o que hoje designamos por natureza no centro da pessoa. Não há natureza humana porque toda natureza é humana (SANTOS, 2006, p. 71-72).

181

A relação dos humanos entre si e com a natureza, e, portanto, no "espírito" da primeira tese de Santos, mas também nos autores resenhados neste texto, é interessante e útil ao pensar alternativo. E neste caso, em contraposição à ideia de sistema, de estruturas, de um funcionamento de ordem e do mundo como separado dos humanos e da natureza, e não tendo com eles relação ou articulação como o positivismo e outras formas de pensar hegemônicas devem ser problematizadas. No entanto, seria necessário relevar a existência, enquanto construção histórica (portanto, das sociedades) ao longo dos tempos e espaços diferenciados, perspectivas diferentes sobre a natureza humana e a Natureza exterior. Neste caso, carecemos de estudos e debates mais aprofundados. 3 Adiante aprofundaremos o tema, e apresentaremos algumas contribuições nesse aspecto. A segunda tese de Santos diz que "Todo o conhecimento é local e total", pois de um lado, é um "conhecimento sobre as condições de possibilidades [...] da acção humana projectada no mundo a partir de um espaço-tempo local; por outro, tem como "horizonte a totalidade universal", a partir da reconstituição de "projetos cognitivos locais, salientando-lhes a exemplaridade" (SANTOS, 2006, p. 76-77). A terceira tese diz que "todo o conhecimento é autoconhecimento", ou seja: A ciência não descobre, cria, e o acto criativo protagonista por cada cientista e pela comunidade científica no seu conjunto tem de se conhecer intimamente antes que conheça o que com ele se conhece do real. Os pressupostos metafísicos, os sistemas de crenças, os juízos de valor não estão antes nem depois da explicação científica da natureza ou da sociedade. São parte integrante dessa mesma explicação (SANTOS, 2006, p. 83). 3

Por exemplo, se no pensamento ocidental, a partir do paradigma tradicional constitui-se a ideia de separação e de superioridade dos homens sobre a natureza e demais seres vivos; no extremo oriente, a ideia de união e articulação dos humanos com a natureza exterior (e também interior) faz parte das inúmeras correntes filosóficas e de formas de pensar e viver.

182

Finalmente, a quarta tese é de que "todo o conhecimento científico visa se constituir em senso comum", pois é desse último que orientamos nossas ações e damos sentido à nossa vida (SANTOS, 2006, p. 88). Mas, também que não devemos esquecer que "o conhecimento do senso comum tende a ser um conhecimento mistificado e mistificador [...] conservador", por outro lado, tem uma "dimensão utópica e libertadora", ao fazer "coincidir causa e intenção", de estar assentado na "ação e no princípio da criatividade da responsabilidade individual”, dentre outras (Ibidem, p. 89). Nesta tese, há outro aspecto a ser problematizado. Henri Lefebvre (1973, 1991) já havia mostrado que o sistema capitalista, a partir das informações que se processaram a partir dos anos 50 do século passado, o mesmo estava incidindo sobre o cotidiano, produzindo e re-produzindo relações sociais no espaço a partir de sua lógica de funcionamento. Por outro lado, veremos com Quijano (2000) e Casanova (2006) adiante, que o sistema capitalista incide sobre todos os aspectos do viver, sejam as relações diárias como as concepções e formas de produzir e consumir. Portanto, devemos avançar na problematização de como se produz e re-produz no cotidiano (vivido e concebido) o sistema e de como esse se articula enquanto formas de pensar e de agir. E, assim, pensar e produzir pensares e agires alternativos em todos os espaços (sociais, no pensamento/conhecimento e na relação desses com a natureza física e os demais seres vivos). 2.2 O Relatório Gulbenkian Immanuel Wallerstein, 4 diante da transição e da crise pela qual estamos passando, e dos argumentos acima referidos por Santos com os quais ele também concorda, pois se manifestou em diversas publicações e pesquisas, propôs a Fundação Calouste Gulbenkian, em 1993, "liderar o labor intelectual de um grupo 4

Director do Centro Fernand Braudel.

183

internacional de estudiosos distintos - seis da área das ciências sociais, dois das ciências da natureza e dois das humanas - com vista a uma reflexão sobre o estado actual das ciências sociais e o seu futuro". 5 O relatório foi dividido em três partes, sendo a primeira uma re-construção histórica das ciências sociais, do século XVIII até 1945, passando em revista "os grandes debates" neste campo, e período, para finalmente, levantar a questão (e responder): "Que tipo de ciências sociais cabe-nos, hoje, construir?” Na primeira parte do Relatório, destaca-se que a partir do século XVIII, portanto com a constituição do sistema capitalista no mundo, diríamos, "A ciência passaria a ser definida como a busca de leis universais da natureza que se mantivessem verdadeiras para lá das barreiras de espaço e tempo” (GULBENKIAN, 1996, p.17) e para a qual, a ideia de "progresso passou a ser a palavra de ordem - dotada agora deste recém-adquirido sentido de infinitude, e reforçada pelas conquistas materiais de tecnologia" (idem, p.18). No mesmo sentido, as ideias de leis, da quantificação, etc. que ia se constituindo servia (melhor) casava-se com o Estado capitalista emergente, já que este necessitava de "um conhecimento mais exacto sobre o qual pudesse basear suas decisões", fazendo com que surgissem "novas categorias de conhecimento já no século XVIII" (p. 22). Mas também, do ponto de vista político (do establiscment) "o conceito de leis deterministas afigurava-se mais útil às tentativas de controle tecnocrático dos movimentos [...] apostados na mudança" (Idem, p. 27). As consequências foram que, "em toda a parte a ciência (física) passa a ser colocada num pedestal e, em muitos países, a 5

Calestous Juma, secretário-geral da Convenção sobre a Biodiversidade da ONU (Quênia); Dominique Lecourt (Filósofo, Universidade de Paris 7, França); Evilyn Fox Keller (Física, EUA, MIT); Ilya Prigogine (química, Bélgica, Prêmio Nobel de Química 1977); Jürgen Kocka (História, Universidade Livre de Berlim, Alemanha); Kinhide Mushakoji (Ciências Políticas, Universidade de Meiji Gakuin, Japão); Michel-Rolph Trouillot (Antropologia, Haiti, Universidade Johns Hopkins, EUA); Peter Taylor (Geografia, Reino Unido).

184

filosofia ser relegada para um canto ainda mais escuro do sistema universitário" (Ibidem, p. 27). A ciência foi proclamada como sendo a descoberta da realidade objetiva através do recurso a um método que nos permitia sair para fora da mente, ao passo que aos filósofos se não reconhecia mais do que a faculdade de cogitar e de escrever sobre suas cogitações (GULBENKIAN, 1996, p. 27).

No entanto, se "ainda por volta de 1945, as ciências sociais distinguiam-se claramente, por um lado, das ciências naturais - que estudavam os sistemas não-humanos -, e, por outro, das humanidades - que tomavam para seu objeto de estudo a produção cultural, mental e espiritual das sociedades humanas 'civilizadas' (Idem, p. 53), tal realidade começa a ser questionada, e a mudar". Tal mudança teria sido provocada por três acontecimentos que vieram a afetar profundamente a estrutura das ciências sociais montadas ao longo dos últimos 100 anos: a "mudança verificada na estrutura política mundial", ou seja, pela emergência dos EUA como potência mundial, mas também pela da URSS; o aumento da população e da produção nos 25 anos seguintes, o que também, poderia ser associado à expansão do sistema universitário e, consequentemente, a multiplicação dos cientistas sociais (Ibidem, p. 55-56). Depois de argumentar, sobre esses três aspectos, o Relatório afirma três mudanças: "o da validade das distinções no interior das ciências sociais"; "o da maior ou menor estreiteza do legado que estas nos deixaram"; "o da utilidade e realidade da distinção entre 'duas culturas" (p. 58-59). Do apresentado, é feito um "apelo no sentido de um 'reencantamento do mundo'" (Prigogine e Stengers) e do "desmantelamento das fronteiras artificiais entre os seres humanos e a natureza, ao reconhecimento de que ambos fazem parte de um universo único, enformado pela flecha do tempo", visando com isso liberar "mais ainda o pensamento humano" (GULBENKIAN, 1996, p. 107-108). Tal

185

apelo vai em sentido contrário ao 'desencantamento do mundo', proposto por Max Weber no início do século passado, visando um "conhecimento objetivo, liberto de sabedorias ou ideologias reveladas e/ou aceitas" (p. 107). Mas, não se pretende com isso retroceder à situação de então, mas ir além. Isto porque, àquele, ao tentar libertar o cientista desembocou numa postura de neutralidade, influenciado pelos positivistas (Idem, p.108). Um segundo aspecto é de saber reintroduzir os factores tempo e espaço por forma a fazer deles variáveis constitutivas internas das nossas análises e não meras realidades físicas imutáveis onde o universo social existe. Se considerarmos que os conceitos de tempo e espaço são variáveis socialmente construídas, que o mundo - e o investigar - utilizam para agir sobre a realidade social e para interpretar, somos confrontados com a necessidade de desenvolver uma metodologia que nos permita colocar essas construções sociais no centro das nossas análises, mas de modo a que não sejam vistas nem usadas como fenômenos arbitrários (GULBENKIAN, 1996, p. 108-109).

Portanto, repõe-se novamente aqui, a questão do tempo e do espaço, referida por Santos, mas também a ideia de que são, também, conceitos construídos socialmente (diríamos construídos e re-construídos espacial e historicamente de forma permanente). Um terceiro aspecto seria o de como "ultrapassar as divisões artificiais erigidas no século XIX entre os domínios supostamente autônomos do político, do econômico e do social (ou do cultural, ou do sociocultural)” (Idem, p.109). Tal divisão, que existe em "várias dimensões de maior relevo" digna de análise e debate, como a "distinção entre seres humanos e natureza"; do Estado como "única baliza" em que se desenvolve a ação social; da tensão entre universal e singular e "o tipo de objetividade que seja plausível à luz das premissas sempre mutáveis da ciência" (Ibidem, p.110), também devem ser problematizadas. Dessas divisões, destacamos aquela relacionada à natureza, pois: 186

As ciências têm vindo a evoluir no sentido de um respeito cada vez maior pela natureza. Ao mesmo tempo, as ciências naturais têm evoluído no sentido de encarar o universo como algo de instável e imprevisível, concebendo-o, assim, como uma realidade activa e não como um automaton submetido ao domínio dos seres humanos que de alguma forma se situam fora da natureza (GULBENKIAN, 1996, p. 111).

Portanto, "o facto de o conhecimento ser socialmente construído também que é socialmente possível haver um conhecimento mais válido", mas para isso, devemos reconhecer que isso "em nada contradiz o conceito de objetividade. Pelo contrário, defendemos que a reestruturação das ciências sociais de que aqui falamos é capaz de aumentar essa possibilidade, desde que se tomem em consideração as críticas feitas à prática do passado e que se erijam estruturas mais autenticamente pluralistas e universais" (GULBENKIAN, 1996, p.130). 2.3 Aníbal Quijano Numa perspectiva mais radical, Aníbal Quijano (2000) discutindo o poder e a colonialidade como "elementos constitutivos y específicos del patrón mundial del poder capitalista", diz que os mesmos fundam-se na imposição de uma classificação racial/étnica da população do mundo, visando assim, operar "como piedra angular de dicho patrón de poder y opera em cada um de los planos, âmbitos y dimensiones, materiales e subjetiva, de la existencia social cotidiana y a escala societal" (p. 243). Diz ainda que, se origina e mundializa a partir de América, ou seja, há mais ou menos 500 anos. Neste sentido, a associação deste poder imposto num processo histórico longo (500 anos) e associado ao sistema capitalista, coloca-nos a complexidade, e profundidade, de tal poder ao "operar" em todos os âmbitos do vivido, das concepções e relações humanas entre si e com a Natureza e, em consequência, questões ao pensar e agir na produção de alternativas em todos esses aspectos.

187

Desde el siglo XVII, en los principales centros hegemónicos de ese patrón mundial del poder, en esa centuria no por acaso en Holanda (Descartes, Spinoza) e Inglaterra (Locke, Newton), desde ese universo intersubjetivo fue elaborado y formalizado un modo de producir conocimiento que daba cuenta de las necesidades cognitivas del capitalismo: la medición, la cuantificación, la externalización (u objetivación) de lo cognoscible respecto del conocedor, para el control de las relaciones de las gentes con la naturaleza y entre aquellas respecto de ésta, en especial la propiedad de los recursos de producción. Dentro de esa misma orientación fueran también, ya formalmente, naturalizadas las experiencias, identidades y relaciones históricas de la colonialidade y de la distribución geocultural del poder capitalista mundial (QUIJANO, 2000, p. 343).

Diz Quijano (2000, p. 344-345) que foi somente depois da II Guerra Mundial que tais questões começam a ser elaboradas criticamente. Assim, pensar o poder em escala societal, na atualidade, é pensá-lo como um: espaço e uma malha de ralações sociais de exploração/dominação/conflito articuladas, basicamente, em função e em torno da disputa pelo controle dos seguintes âmbitos da existência social: 1) o trabalho e seus produtos; 2) em dependência do anterior, a "natureza" e seus recursos de produção; 3) o sexo, seus produtos e a reprodução da espécie; 4) a subjetividade e seus produtos, materiais e intersubjetivos, incluindo o conhecimento; 5) a autoridade e seus instrumentos, de coerção em particular, para assegurar a reprodução desse padrão de ralações sociais e regular suas mudanças (tradução CM, QUIJANO, 2000, p. 345).

Tais aspectos, de um pensar e agir alternativo e, portanto, antissistêmico, ao que se constituiu nos últimos 500 anos, exige-nos considerar que tanto a perspectiva hegemônica como a perspectiva contestatória "el materialismo histórico" encontram-se em crise nas últimas décadas (Quijano, 2000, p. 345). O núcleo da crise estaria na ideia de único, que poderia ser associada à ideia de um "sistema", ou seja, da existência de uma "estrutura configurada por elementos historicamente homogêneos" (idem, p. 346) e de que "as relações

188

entre os componentes de uma estrutura societal são dadas, ahistóricas, ou seja, são produto da atuação de algum agente anterior à história das relações entre as gentes" (ibidem, p. 346). Por fim, e relacionando mais precisamente ao debate em foco, diz Aníbal Quijano, que a ideia de classificação, bem como de classe (depois social) foi “introduzida nos estudos sobre a” "natureza" antes que sobre a "sociedade" (p. 364). Para o mesmo autor, ainda, (p. 365) é óbvia a vinculação da ideia eurocêntrica das classes sociais com a ideia de estrutura como uma ordem dada na sociedade e de processo como algo que tem lugar numa estrutura, ilumina com clareza a persistência nelas de todas as marcas 'cognitivas' de sua origem naturalista e através delas, de sua duradoura impressão sobre a perspectiva eurocêntrica no conhecimento histórico-social. Considerações finais Urge a necessidade de ampliarmos nossos referenciais, incorporando em nossas reflexões e ações, uma perspectiva histórica que considere que as classes são diversificadas em seus processos de constituição coletiva e em seu interior das individualidades, bem como da relação dessas com a natureza externa (natureza física) bem como interna (a natureza humana). (MACHADO, et Alli, 2008). Mas, e ainda, de que o sistema constituído nos últimos 500/200 anos projetou nas múltiplas relações e espaços concepções e práticas que se traduzem no cotidiano de cada um e de todos em conformidade a seus objetivos mais profundos. Para tanto, é indispensável o conhecimento acerca da complexidade do ambiente e das relações socioeconômicas do local/na cidade em que estamos inseridos, bem como dos fundamentos paradigmáticos que justificam e/ou explicam tal relação. E tais fundamentos podem contribuir para manter/justificar ou explicar sem ir à raiz das causas da destruição ambiental e humana; ou ao contrário, construir bases teóricas e 189

práticas a fim de reinventar novas formas de produzir e permitindo novas relações com a natureza, que ultrapassem a relação de domínio e exploração, mas que se desenvolvam relações de cooperação e inter-relação, que se fundamente num paradigma ecológico diverso do paradigma mecanicista. O paradigma “ecológico” emerge, portanto, neste contexto histórico em que se evidencia a insustentabilidade do nosso modo de vida, contesta e questiona os paradigmas, os conhecimentos que legitimaram o desenvolvimento social e econômico da sociedade capitalista na qual tudo se torna mercadoria. Mas, também se contrapõe aos princípios do racionalismo cartesiano, de fragmentação, objetividade, linearidade e estabilidade; científico ou positivo, o concreto que pode ser quantificado, analisado e provado, entre outros. A crise dos paradigmas é necessária para a evolução da história, porém devemos atentar para que não se tornem pragmáticos – verdades – que servem para a dominação e exploração de uns humanos sobre outros e sobre a (s) natureza (s). Se, conforme Capra (1982), a própria essência da consciência ecológica é a essência da sabedoria sistêmica, quanto mais estudarmos os problemas atuais, mais perceberemos o quanto a visão mecanicista está presente em nosso meio. Somos herdeiros do cartesianismo, e isso tem gerado muitas necessidades supérfluas e patológicas acerca do que é necessário para viver, criando estilos de vida que não são compatíveis com a realidade vigente, resultante de um processo histórico longo de construção dos atuais paradigmas, como argumentamos. A consciência ecológica aponta para a busca de um novo relacionamento com os ecossistemas naturais a fim de que ultrapassemos a perspectiva individualista, antropocêntrica e utilitária, a fim de propagar a necessidade de pensar o meio ambiente como um meio viável de se viver, através da construção de um novo paradigma – ecológico. Finalmente, com este trabalho temos a pretensão de propor um “debate” da necessidade de problematizar a própria natureza dos paradigmas em sua relação com o sistema atual, e, portanto, da 190

relação desse com o ambiente/natureza de um lado, e de outro, problematizar o lugar da natureza/meio ambiente na discussão dos paradigmas. Evidenciamos ao longo do trabalho contribuições positivas de diferentes autores de como devemos incorporar criticamente tais aspectos no debate, e esperamos contribuir neste campo e na construção/produção de alternativas de superação do atual sistema (social e paradigmático) em que vivemos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1982. CASANOVA, Pablo Gonzalez. As Novas Ciências e as Humanidades: da academia à política. São Paulo: Boitempo, 2006. CASTRO HERRERA, Guillermo. Los Trabajos de ajustes y combate. La Habana: Casa de Las Américas, 1994 [Premio Casa de Lãs Américas). DIEGUES, Antônio C. O mito da natureza intocada. 5ª ed. São Paulo: HUCITEC/NUPAUB/USP, 2004. DUSSEL (1993), Enrique. Europa, modernidade y eurocentrism. La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas Latinoamericanas. Edgard Lander (org.). HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. Petrópolis: Loyola, 1991. LEFF, Enrique. Racionalidade Ambiental. Editora Civilização Brasileira, 2006. LEFEBVRE, Henri. Re-produção das relações de produção. Porto, editora Scorpião, 1973. MACHADO, Carlos RS; COSTA, Eder Dion; VÉRAS-NETO, Quintanilha; SOLER, Antônio. Aspectos emergentes para/da cidade sustentável: a natureza, a educação, a justiça e a economia popular e solidária. Cuba, 2008. [Trabalho apresentado no Congresso Internacional de Educação UNIVERSIDADE 2008]. O,CONNOR, James. ?História Ambiental: qué és? In: Revista Caminos. La Habana: Revista Teológica, 2007. PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. Educação, meio ambiente e globalização. V Congreso Iberoamericano de Educación Ambiental, 2006. QUIJANO, Aníbal. Colonialidad del Poder y Classificación Social. Journal of World-

191

Systemas Resaerch, VI, 2, Summer/Fall 2000, 342-386. (in: http://jwsr.ucr.edu, Acesso janeiro de 2007). SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 4a ed. São Paulo: Cortez editora, 2006. SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 3ª Ed. São Paulo: Cortez, 2006. PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. WALLERSTEIN, Imammanuel. Uma política de esquerda para o século XXI? Ou teoria e práxis novamente. In: (Org.) LOUREIRO, I.; LEITE, J. C.: CEVASCO, M. E. O Espírito de Porto Alegre. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

192

LO ESTÉTICO EN LA NATURALEZA HUMANA Pablo René Estevez …la belleza tendrá que manifestarse como una condición necesaria de la humanidad. J. C. Friedrich Schiller

1 Lo estético como expresión de la sensibilidad humana Lo estético hereda su numen semántico del término de origen griego “Aisthesis”, que significa la “cosa” o “fenómeno” que tiene relación con la percepción sensible. Así, por ejemplo, El Pequeño Larousse Ilustrado (1968, p. 439) se refiere a la ciencia Estética como “Teoría de la sensibilidad”. Sin embargo, aclara que es la “ciencia que trata de la belleza y de los sentimientos que hacen nacer lo bello en nosotros”. Así, pues, esta definición revela una reducción del sentido inicial de lo estético, generalizado entre los griegos, al restringir su dominio a la esfera de los objetos y fenómenos catalogados, específicamente, como bellos. En contraposición, resulta ilustrativa (por la amplitud del dominio de lo estético) la siguiente definición de Rosental y Iudin: Lo estético constituye la encarnación objetivamente sensible de aquellos aspectos de las relaciones sociales objetivas (incluyendo el dominio de las fuerzas y fenómenos de la naturaleza) que facilitan o no facilitan el desenvolvimiento armónico del individuo, su libre actividad creadora dirigida a la producción de lo bello, a la realización de lo elevado y de lo heroico, a la lucha contra lo feo y lo bajo. Lo estético incluye, asimismo, un aspecto subjetivo: el goce del hombre por la manifestación libre de sus aptitudes y fuerzas creadoras, así como por la belleza de los productos obtenidos en virtud de la actividad creadora

193

de los seres humanos en todas las esferas de la vida social y personal (en el trabajo, en las relaciones sociales, en la vida cotidiana, en la cultura). La expresión más plena y generalizada de lo estético se da en el arte... (1981, p. 156).

Esta definición rebasa los marcos de lo puramente bello para proyectarse al mundo de lo sensible y a las potencialidades creadoras del hombre, que alcanzan una expresión cimera en el arte. En función de ello, lo estético es considerado como la categoría fundamental de la ciencia Estética, que ha dejado de ser, por esa razón, la “ciencia de lo bello”: definición que capitaneó prácticamente todo su desarrollo en la etapa premarxista. Con la aparición del Marxismo se crearon premisas favorables para la investigación (y por tanto, para la definición científica) del objeto de la Estética, y con ello, para el desarrollo de la teoría de la Educación Estética: un difícil camino a transitar en medio de las conmociones epistemológicas dejadas por la posmodernidad y de los avatares de una praxis, como la estética, plagada de incertidumbre y amenazas provenientes de un modo de vida (capitalista) que promueve el anestesiamiento del hombre y la degeneración estética del medio que lo circunda. De acuerdo con lo anterior, el gusto estético porta un carácter clasista y se define, tentativamente, como la capacidad de adecuada valoración (de lo estético) de acuerdo con el ideal individual que, por lo general, se corresponde con el ideal estético de la clase o grupo social políticamente dominante. En el Diccionario de Filosofía, de Nicola Abbagnano, el “gusto” se define como “el criterio o canon para juzgar los objetos del sentimiento”. Y ello se explica de la siguiente manera: Solo en el siglo XVIII se reconoció el sentimiento como facultad en sí, distinta de la facultad teórica y de la práctica, la noción de G. [“gusto”]. Se determinó en el mismo período como la facultad del criterio del juicio estético y, con este sentido, ha quedado la palabra en el uso corriente. En su significado más general, el G. es definido por Vauvenargues como “la disposición a juzgar rectamente los objetos del sentimiento” (1972, p. 598).

194

La formación del gusto estético en el individuo tiene que ver, además, con la capacidad de apreciación del arte: el denominado “gusto artístico”. En realidad, existe una interrelación dialéctica entre lo artístico y lo estético: lo estético opera en toda la realidad circundante y es, por su esencia, universal; mientras que lo artístico es solo una parte de ese universo. Por esa razón, la educación estética promueve la aprehensión y reproducción de los valores estéticos en todas las actividades humanas, mientras que la educación artística promueve la formación de necesidades e intereses que compulsan al individuo al disfrute y creación, específicamente, de los valores artísticos. Y en ese sentido, el objeto de la educación estética es mucho más amplio que el objeto de la educación artística y, por tanto, no deben confundirse como ocurre con frecuencia en el trabajo docente-educativo en las escuelas. La educación artística opera, muchas veces, como un procedimiento específico de la educación estética. Ello ocurre siempre que el receptor de la obra de arte establece una relación de simpatía con el portador de los valores artísticos o cuando, en virtud de la maestría de la obra, se identifica plenamente con sus personajes y comienza a modelar su comportamiento a partir de los nuevos códigos (éticos y estéticos) incorporados. De esa forma, se produce un “salto cualitativo” a nivel de la sensibilidad del receptor: esto es, el cúmulo de emociones estéticas del evento artístico-comunicacional se transforma en una acción cualitativamente superior, que lo compulsa a una actividad estéticamente significativa y que compromete, integralmente, múltiples estructuras de su personalidad. Lo artístico, en este sentido, opera como un catalizador de lo estético. Aunque su dominio es más reducido, la naturaleza estética del arte hace que se potencialice su poder educativo integral sobre la personalidad, llegando a constituir así el medio fundamental de la educación estética. Los valores artísticos, pues, promueven en el individuo elevados sentimientos que condicionan su actitud hacia el mundo natural y social, expresando la esencia 195

estética de su naturaleza y su singularidad como el fruto más acabado del proceso de desarrollo natural y social en el planeta Tierra. Finalmente, el gusto artístico “condensa” el nivel de sensibilidad alcanzado por el individuo en una infinita gama de experiencias estéticas. De la riqueza de esas experiencias dependerá, en gran medida, el desarrollo de su conciencia estética y, por ende, la calidad de sus propios juicios estéticos: lo cual permite aseverar que la educación artística debiera orientarse hacia la formación estética del hombre y no solo hacia el desarrollo de la capacidad de percepción y disfrute del arte; ya que sin eso no es posible formar un gusto estético elevado ni, a la postre, el desarrollo integral de la personalidad. 2 Lo bello como expresión sensible de lo estético Lo bello se emplea, frecuentemente, como sinónimo de lo estético, y se define como la categoría fundamental de la ciencia Estética. Este criterio se recoge, por ejemplo, en el Diccionario Abreviado de Estética redactado por Mijail F. Ovsiannikov (1983, p. 121). De ahí, la usual definición de la Estética como “ciencia de lo bello”. Sin embargo, los fenómenos que forman parte del objeto de estudio de la Estética rebasan lo meramente bello. Si lo estético, en su sentido primogénito, se refiere a la percepción de un objeto o fenómeno estéticamente significativos (quiere decir, que operan en la esfera de la sensibilidad y que son aprehendidos por nuestros sentidos estéticos), no es difícil consentir en que su dominio abarca aspectos de la realidad que no tienen, necesariamente, una connotación bella implícita. Lo estético se manifiesta, pues, en toda la rica actividad práctico-espiritual del hombre y está determinado por las condiciones concretas de su desarrollo histórico-natural; mientras que lo bello lo hace solo en determinadas parcelas y, por lo tanto, abarca un dominio mucho menor. 196

Fenómenos catalogados habitualmente como “feos” pueden dar la medida de la diferencia entre lo bello y lo estético. Lo feo se manifiesta como antípoda de lo bello; es, por su esencia, opuesto a lo bello. Sin embargo, la apreciación de lo feo en un objeto o fenómeno puede ser la base de un juicio estético. Lo bello es, por tanto, solo una categoría (si bien importante) de la Estética. Pero lo cómico, lo trágico, lo sublime, lo bajo y lo feo también lo son, y participan, por ende, de la esencia de lo estético. En general, la relación entre lo bello y lo estético puede establecerse de la siguiente forma: todo fenómeno bello es, por su esencia, estético; pero no todo fenómeno estético es, por su esencia, necesariamente bello (Sánchez Vázquez, 1991). Desentrañar la esencia de lo bello no es tarea fácil debido a la pluralidad de sentidos que este asume en la historia del pensamiento estético. Por otra parte, el carácter dinámico de la vida social entraña el permanente “reajuste” de los valores y de los conceptos que el hombre se hace de las cosas, de acuerdo con la significación que éstas van alcanzando en el transcurso de su aprehensión en las más diversas actividades de la sociedad humana. En la esfera de la aprehensión estética de la realidad, los cambios son tan dinámicos y contradictorios que en otras esferas de la vida social. De este modo, resulta comprensible que persistan diferencias entre el criterio de lo bello de un materialista y el criterio de un idealista, así como debe existir entre un esquimal y un maorí. Incluso, se presentan diferencias en la intelección de lo bello dentro de las propias concepciones materialistas e idealistas del mundo, como han de haberlas entre los propios esquimales y maoríes: reflejándose aquí el desarrollo (contradictorio) del pensamiento estético-filosófico del hombre como un reflejo de su actividad práctico-transformadora sobre la naturaleza y su propia constitución como un sujeto activo. En general, cuando hablamos de la belleza de un objeto o de un fenómeno, nos referimos a la aprehensión de cualidades que valoramos, primordialmente, de acuerdo con sus rasgos exteriores 197

(sin profundizar en su esencia). Se trata, básicamente, de la belleza que encontramos en el color de una tela, en unos ojos y en los pétalos de una flor. Sin embargo, cuando nos referimos a lo bello lo hacemos a partir de una relación esencial entre los elementos de su estructura interna y externa (forma interna y forma externa); de sus propiedades, etcétera. Y en este nivel, pueden ser relevantes (volviendo al ejemplo de marras) la textura de la tela; la belleza “interior” de una muchacha y el perfume de la flor. Si la belleza es, esencialmente, un producto del contacto directo con el objeto, lo bello, por el contrario, es el producto de una reflexión acerca de su belleza. Es decir, una abstracción, un constructo. De esa manera, resulta arriesgado ofrecer una respuesta absoluta a la pregunta: “¿qué es lo bello en la vida?”; pues los objetos y fenómenos no son estáticos, sino que cambian con las condiciones naturales y sociales donde están insertados, y de la misma forma que cambian los sujetos de la valoración estética (los hombres) y el propio concepto de lo bello. Por tanto, la intelección de lo bello depende de la época; de la organización política reinante; de la condición social del sujeto, y del desarrollo cultural y estético alcanzado por la sociedad en su conjunto. Muchos adornos de uso entre tribus del ecuador africano o de la región amazónica (como incisiones en la piel, anillas de metal, embadurnamientos y otros), según revela Jorge Plejánov, son repudiados o, por lo menos, vistos como cosa de “salvajes” por miembros de la sociedad “civilizada”, a pesar de la similitud de algunos de los procedimientos utilizados por el denominado body art y de la amplia gama de accesorios y mutilaciones del cuerpo que, en calidad de “adornos”, proliferan en la sociedad moderna: evidenciando, ante todo, el carácter histórico-concreto e ideológico de los conceptos estéticos. En la medida en que se desarrolla la sociedad, se enriquece su reflejo espiritual; se hace más complejo su sistema de valores y, como consecuencia, cambia el gusto (estético) de los individuos y su concepto de lo bello. Sin embargo, el cambio en la aprehensión de lo estético entraña (por su fundamento dialéctico) la 198

permanencia de cierto substrato que explica, por ejemplo, la vigencia de los valores estéticos de los monumentos de la Antigüedad y la aceptación universal de cánones de belleza a veces disímiles entre sí: el hecho de que asimilemos el arte grecolatino, el románico, el neoclásico, el romántico y el realista; o que aceptemos que un vietnamita aprecie más la belleza de los pómulos salientes y los ojos sesgados que un brasileño o que un africano aprecie más la belleza de los labios gruesos y el pelo ensortijado, digamos, que un blanco europeo; lo cual podríamos hacer extensivo a los adornos y a la moda. Por lo general, esto es así, y demuestra que el concepto de lo bello está mediado por factores geográficos, etnográficos, históricos y sociales. Lo que suele ser bello para un individuo o una determinada colectividad, pues, no necesariamente tiene que serlo para otro individuo o colectividad. Aquí influyen el ambiente natural; las condiciones socio-económicas y culturales; las tradiciones y hasta los factores puramente coyunturales: como la propaganda, con una gran influencia, por ejemplo, en la sucesión de las modas. No obstante, siempre existirá cierto consenso en cuanto a lo que es bonito o feo, y esto dependerá, en gran medida, de la capacidad de apreciación estética alcanzada por los miembros de la sociedad en cuestión: esto es, del nivel de desarrollo de su conciencia estética; ya que un ojo no entrenado no podrá encontrar belleza en una pintura o en un paisaje, de la misma manera que un oído no entrenado no la encontrará en una sinfonía o en el arrullo de las pencas de una palma real. Y en ello estriba, precisamente, la importancia de la educación estética; que debe ayudar al hombre a hacerse bello a sí mismo y hacer bello a todo lo que lo rodea: en lo que veía Anatoli Lunacharski, el gran esteta de la Revolución de Octubre, su tarea principal. 3 Cultivar la belleza como expresión superior de la naturaleza humana Era frecuente ver a Vasili A. Sujomlinski, director de 199

escuela en la región de Kirovogrado, recorrer con sus alumnos las estepas y detenerse a observar un pájaro, una especie rara de planta o los pétalos de una flor. Amante de la naturaleza y de la belleza de sus formas sencillas, no veía mejor modo de educar a los niños, que estimulándoles el desarrollo de la capacidad de apreciación estética en relación con los objetos naturales. Pues, según su criterio: La educación emocional y estética comienza con el desarrollo de las sensaciones y de las percepciones. Tanto como requiere la educación de la maestría en el trabajo de prolongados ejercicios de la mano, que desarrollan la inteligencia y las capacidades intelectuales, requiere la cultura espiritual, moral, emocional y estética, de prolongados ejercicios de los órganos de los sentidos. Y antes que todo, de la vista y el oído (1971, pp. 247-248).

Observar los paisajes naturales en su constante mutación; apreciar los matices de sus colores; palpar los tiernos brotes de las semillas: tal era la clave de los procedimientos pedagógicos de Sujomlinski. Es decir, educar para la vida a través de lo bello. Si enseñamos al niño a cultivar la flor; a percibir la belleza de sus colores y la fragancia de sus pétalos, según el eminente pedagogo, no es de esperar de ese niño acciones deleznables, la traición o el mal. Pues el cultivo de su sensibilidad estética lo compulsará a establecer relaciones estéticas y, en fin, a regir sus actos de acuerdo con las “leyes de la belleza” en el entorno natural y social. La personalidad estéticamente desarrollada será portadora, además, de elevadas motivaciones éticas en su comportamiento ciudadano. No es compatible la coexistencia de una elevada cultura estética y un sistema de valores morales que se sitúe por debajo de las exigencias éticas de la sociedad. Ser estéticamente desarrollado entraña, pues, una coherencia entre “el pensar”, “el sentir” y “el hacer” del individuo. No es coherente quien, habiendo desarrollado cierto sentido de la belleza, no luche porque ella impere en su entorno natural y social o quien, siendo capaz de apreciar la belleza del paisaje, de la flora y de la fauna, no sienta 200

un profundo amor y respeto por la naturaleza. La vida, como es conocido, es mucho más rica y multifacética que la teoría que la refleja. Y por eso la metodología de educar para la vida a través de lo bello debe partir de la propia vida, y no de la teoría pura. Sin embargo, no podemos olvidar que la capacidad de percepción estética del hombre no se desarrolla espontáneamente con el simple acto de vivir. Ella debe ser estimulada y, en un sentido estricto, educada. De ahí, el insustituible papel de la educación estética para la formación de una conciencia estética elevada en todos los miembros de la sociedad: un reto solo al alcance de pocos proyectos sociopolíticos en el mundo neoliberal actual, donde la educación estética no constituye una prioridad del mercado. 4 Vivir de acuerdo con las leyes de la belleza Solamente el hombre es capaz de establecer relaciones estéticas en su convivencia social, y eso lo diferencia del resto de los animales. Por eso, Marx escribió al respecto: El animal forma cosas de acuerdo al nivel y necesidades de la especie a que pertenece, en tanto el hombre sabe producir de acuerdo al nivel de todas las especies, y sabe aplicar en todas partes el nivel inherente al objeto. Por consiguiente el hombre también forma cosas de acuerdo a las leyes de lo bello (1965, p. 78).

Si los animales poseyeran un sentido de la belleza, como pensaba Darwin, tendría que ser necesariamente de carácter instintivo; pues no poseen conciencia como tal y, por lo tanto, no pueden regir su vida de acuerdo con leyes que actúan por encima de su psiquis. 1 Solo el hombre es capaz de actuar de acuerdo con un sentido estético, aunque a veces su comportamiento sea 1

Los etólogos han llegado a reconocer solo determinados niveles de preconciencia en algunos primates y otros animales de las especies más avanzadas biológicamente.

201

instintivo y primitivo, seguramente, por no haber sido educado para ello. Vivir de acuerdo con las leyes de la belleza entraña vivir en armonía con el otro (o la otra) y con las normas de la sociedad a la que se pertenece (claro, siempre que no contradigan su naturaleza humana, como acontece en la sociedad capitalista contemporánea, al convertir al hombre en lobo de su semejante). Es decir, se trata de alcanzar un estilo de vida culto en el seno familiar y en la comunidad; de correlacionar la palabra con la acción individual o social. Para lo cual, la sociedad requiere desarrollar un modelo educativo con una orientación integral, que capacite al individuo para valorar y comprender, en toda su complejidad y extensión, el medio natural y social que lo rodea: para “leer el mundo”, como quería Paulo Freire, o para “orientarse en el mundo de los valores”, como pedía Antonio Gramsci. En fin, cultivar la sensibilidad para que el hombre sea capaz de percibir la variada belleza de los objetos y fenómenos y pueda establecer una comunicación con ellos a través del sutilísimo tamiz de los sentimientos, y, finalmente, intervenir con eficacia en el proceso de modelación de la sociedad y contribuir a su perfeccionamiento estético. No resulta ocioso insistir aquí en que no todas las condiciones sociales posibilitan el desarrollo armonioso de la personalidad. Y así lo constató Marx, cuando escribió: El sentido circunscrito a las necesidades prácticas groseras tiene solo un sentido restringido. Para el hombre que perece de hambre, no es la forma humana del alimento la que existe, sino solo su ser abstracto como alimento; bien pudiera estar allí en su más grosera forma, y sería imposible decir si su actividad alimenticia difiere de la de otros animales. El hombre abrumado de preocupaciones, urgido, no tiene sentidos para la más hermosa obra de teatro; el traficante de minerales solo ve el valor mercantil pero no la belleza y naturaleza única del mineral; no posee sentido mineralógico. Así, la objetivación de la esencia humana, tanto en su aspecto práctico como teórico, es necesaria para que se forme el sentido humano del hombre, al igual que para crear el sentido humano correspondiente a toda la riqueza de la sustancia humana y natural (1965, p. 1140).

202

Ante esto, cabe preguntar: ¿será posible la “objetivación” de la esencia humana para decenas de millones de personas, que viven por debajo del umbral de la pobreza en decenas de países eufemísticamente denominados “en vías de desarrollo”, y aún en muchos de los países “desarrollados”? ¿Podrán cultivar el sentido de la belleza, los niños desamparados que deambulan por las grandes urbes de América Latina? Claramente, no es posible. Únicamente la supresión de toda forma de explotación, la redistribución de la riqueza y el imperio de la justicia, crearán las condiciones sociales favorables para que se manifieste lo estético en la condición humana y el hombre pueda regir su vida por un patrón estético: un proceso multifacético que compromete a toda la sociedad y que exige instaurar un sistema de educación orientado a la formación integral de la personalidad. La única vía para que el hombre pueda regir su vida por las leyes de la belleza y pueda terminar el proyecto (inconcluso) de su naturaleza humana. BIBLIOGRAFÍA ABBAGNANO, N. Diccionario de filosofía. La Habana: Instituto Cubano del Libro, 1972. ESTÉVEZ, Pablo R. Los colores del arco iris. La Habana: Ed. Pueblo y Educación, 2008. GRAMSCI, A. Socialismo y cultura (antología). La Habana: Ed. Ciencias Sociales, 1973. MARX, C. Manuscritos económicos y filosóficos de 1844. La Habana: Editora Política, 1965. OVSIANNIKOV, M. (org.). Diccionario breve de Estética. Moscú: Ed. Prosvieshenie, 1983. (En ruso). PEQUEÑO LAROUSSE ILUSTRADO. La Habana: Instituto Cubano del Libro, 1968. ROSENTAL, M., IUDIN, P. Diccionario Filosófico. La Habana: Editora Política, 1981. SÁNCHEZ VÁZQUEZ, A. “La dimensión estética de lo feo”. Revista de Artes Plásticas, UNAM. México D. F., marzo de 1991. SCHILLER, F. La educación estética del hombre. La Habana : Ed. Arte y Literatura, 1984. SUJOMLINSKI, V. El nacimiento del ciudadano. Moscú: Ed. Joven Guardia, 1971. (En ruso).

203

204

AS TRÊS NATUREZAS E A NATUREZA DAS TRÊS Carlos RS Machado * Fabiana Dendena Daiane Gautério

Introdução A natureza humana em sua relação com a natureza física e social foi discutida por Karl Marx desde suas primeiras obras. A natureza humana emerge da natureza física e transforma-a pelo trabalho produzindo obras, cidades, novas relações sociais e a própria história dos humanos. No entanto, ao desenvolver-se tal processo, os humanos estão se produzindo e re-produzindo em sua interioridade, subjetividade e aspectos mais profundos de seu ser. Portanto, poderíamos identificar três naturezas neste processo: a Natureza física, a Terra da e na qual as demais emergiram; a Natureza humana que emerge da primeira, e ao agir enquanto individualidade e coletividade transformam-na; e, por fim, as obras e produtos da ação humana sobre àquela. No entanto, esta natureza teria uma dupla especificidade. De um lado, enquanto produtos ou obras exteriores aos humanos, e de outro, aspectos internos a seu ser, enquanto subjetividade, “psique”, emoções, valores mais arraigados e profundos. Afirmamos, então que, há evidências nas obras de Karl Marx que podem servir de ponto de partida à produção de uma relação não destrutiva da natureza, por parte dos humanos, *

Carlos R S Machado – [email protected]; Fabiana Dendena [email protected]; Daiane Gautério- [email protected].

-

205

diferente da relação tradicional que se desenvolve nas sociedades capitalistas, à qual sintetizamos acima, e que desenvolveremos neste trabalho. Mas, não devemos ter a ideia de que Marx e Engels disseram tudo sobre o tema no século XIX. Tal concepção seria antidialética, pois pressuporia que a realidade, dos últimos 50 anos, nas quais as questões ambientais e ecológicas vieram à tona enquanto tema candente, já teria sido “visionado” por estes dois autores. Ou, em outras palavras, Marx e Engels já teriam escrito tudo sobre tudo. A perspectiva dos autores deste trabalho é outra. O capitalismo constituído depois de mais de 100 anos de Marx transformou-se, e aprofundou-se em inúmeros aspectos e tendências daquelas constatadas por Karl Marx. Mas, novas questões surgiram e cabe a nós ao investigá-las, buscar referenciais mais aprofundados (ou aprofundá-los) teoricamente, e contribuir para que na prática possamos produzir a superação do atual sistema, e das relações entre os humanos e com a natureza dele decorrentes, e a produção do “outro mundo possível” também nesses aspectos. Neste trabalho, primeiro apresentamos evidências em obras de Marx sobre tais questões, visando constituir as bases teóricas ao debate da/na natureza. Depois, três pesquisas que utilizando desse debate/referencial exemplificam a pertinência das reflexões, e contribuições para nossas utopias. O tema é potencialmente significativo como referencial teórico-crítico à educação para uma cidade e sociedade sustentável ao “outro mundo possível” propugnada pelos Fóruns Sociais Mundiais. 1 A Natureza nas obras de Karl Marx Nos Manuscritos econômico-filosóficos (MARX, 2004), podemos encontrar referências à natureza como a “inorgânica”, o “mundo exterior sensível”, o “mundo externo”, a “matéria do trabalho”, “meio de trabalho” e “meio de vida”, “objeto de trabalho” e “meio de subsistência do trabalhador”. Neste momento seria algo, um meio, objeto, o mundo exterior ao homem. 206

O trabalhador nada pode criar sem a natureza, sem o mundo exterior sensível (sinnliche). Ela é a matéria na qual o seu trabalho se efetiva, na qual [o trabalho] é ativo, [e] a partir da qual e por meio da qual [o trabalho] produz. Mas como a natureza oferece o meio de vida, no sentido de que o trabalho não pode viver sem objetos nos quais se exerça, assim também oferece, por outro lado, o meio de vida no sentido mais estrito, isto é, o meio de subsistência física do trabalhador mesmo (MARX, 2004, p. 178)

No capitalismo, quanto mais “o trabalhador apropria-se do mundo externo, da natureza sensível, por meio do seu trabalho, tanto mais ele se priva dos meios de vida” (MARX, 2004, p. 178). No núcleo filosófico da questão, que tal processo de “se apropriar” da natureza é também de produção da separação dele (homem) da natureza. E tal processo desenvolve-se em “duplo sentido: primeiro, que sempre mais o mundo exterior sensível deixa de ser um objeto pertencente ao seu trabalho, um meio de vida do seu trabalho; segundo, que [o mundo exterior sensível] cessa, cada vez mais, de ser meio de vida no sentido imediato, meio para a subsistência física do trabalhador” (Idem, p. 178). Sobre tal processo caracterizado como “estranhamento”, diz Marx: 1) A relação do trabalhador com o produto do trabalho como objeto estranho e poderoso sobre ele. Essa relação é ao mesmo tempo a relação com o mundo exterior sensível, com os objetos da natureza como um mundo alheio que se lhe defronta hostilmente. 2) A relação do trabalho com o ato da produção no interior do trabalho. Essa relação é a relação do trabalhador com a sua própria atividade como uma [atividade] estranha não pertencente a ele, a atividade como miséria, a força como impotência, a procriação como castração. A energia espiritual e física própria do trabalhador, a sua vida pessoal – pois o que é vida senão atividade – como uma atividade voltada contra ele mesmo, independente dele, não pertencente a ele”. [...] [Haveria ainda], [XXIV] “uma terceira determinação do trabalho estranhado a extrair das duas vistas até aqui. O homem é um ser genérico (Gattungswesen), não somente quando pratica e teoricamente faz do gênero, tanto do seu próprio quanto do restante das coisas, o seu objeto, mas também – e isto é somente uma outra expressão da mesma coisa – quando se relaciona consigo mesmo como [com] o gênero vivo, presente, quando

207

se relaciona consigo mesmo como [com] um ser universal, [e] por isso livre (MARX, 2004, p. 180).

Portanto, Marx relaciona a transformação da natureza através do trabalho pelos humanos, depois foca o homem na relação “com o produto do trabalho como algo estranho e poderoso sobre ele”; da relação “do trabalhador com a própria atividade”, e diríamos na própria atividade e no processo em que essa se desenvolve; e por fim, da “relação do homem consigo mesmo” enquanto ser genérico ou gênero humano como um ser universal, livre. Nas Formações Econômicas Pré-Capitalistas (MARX, 1991), a natureza, mais precisamente a terra é a “base das comunidades” que as influencia e no processo de constituição das respectivas comunidades/hordas, o primeiro passo é a “apropriação das condições objetivas de vida bem como da atividade que a produz”: a terra “é o grande laboratório”. As relações do homem com a terra são ingênuas: eles se consideram como seus proprietários comunais, ou seja membros de uma comunidade que se produz e reproduz pelo trabalho vivo. Somente na medida em que o indivíduo for membro de uma comunidade como esta – literal e figuradamente – é que se considerará um proprietário ou possessor. Na realidade, a apropriação pelo processo de trabalho dá-se sob estas pré-condições que não são produto do trabalho, mas parecem ser seus pressupostos naturais ou divinos.” (MARX, 1991, p. 66-67)

No processo histórico analisado, desde a Europa, destacamos diversos processos e possibilidades de desenvolvimento dessas sociedades, bem como de suas relações com as condições naturais. No entanto, nessa diversidade “a concentração na cidade proporciona à comunidade como tal a existência econômica” e a “manifestação da comunidade como associação” seguida de uma “união, enquanto Estado” é algo mais do que uma “multiplicidade de casas separadas” (MARX, 1991, p. 75). A cidade seria algo produzido, algo externo à natureza única e comum da comunidade, passa a existir independente das 208

assembleias e caracterizar-se-ia por algo de natureza diferente, enquanto produção humana. Seria de outra natureza, uma segunda natureza (diria Lefebvre, 1991, 1973), resultante do trabalho, da produção e como obra humana produzida. Mas, a sociedade e/ou a cidade para manter-se e permanecer enquanto tal, ou seja, manter determinadas relações sociais entres seus habitantes e desses com a natureza física e com àquela produzida por eles através do trabalho e da produção em sentido amplo, deve se reproduzir de forma permanente. Parece óbvio que os poderes instituídos, no caso, o Estado e as autoridades, as instituições e leis, articulam-se e visam a manutenção e a reprodução das respectivas relações estabelecidas em conformidade ao sistema vigente em cada local, momento histórico e sistema social e político. Mas, as autoridades e as classes através dessas ou do Estado têm que “convencer” as maiorias (bem, como a cada indivíduo) de que “as relações sociais” sejam “aceitas como dadas”, e, portanto, de serem reproduzidas como tais. 1.1 A natureza do/no Capitalismo No Manifesto Comunista (MARX, 1997), as referências à natureza vinculam-se ao desenvolvimento do capitalismo e à luta de classes. A burguesia submeteu o campo à dominação da cidade. Criou cidades enormes, aumentou num grau elevado o número da população urbana face à rural, e deste modo arrancou uma parte significativa da população à idiotia [idiotismus] da vida rural. Assim como tornou dependente o campo da cidade, [tornou dependentes] os países bárbaros e semibárbaros dos civilizados, os povos agrícolas dos povos burgueses, do Oriente ao Ocidente” (MARX, 1997, p. 40).

Tal classe centralizou e potencializou os meios de produção, aglomerou populações, centralizou todos estes recursos e meios em poucas mãos, além de unificá-los. 209

A burguesia suprime cada vez mais a dispersão dos meios de produção, da propriedade e da população. Aglomerou a população, centralizou os meios de produção e concentrou a propriedade privada em poucas mãos. A consequência necessária disto foi a centralização política. Províncias independentes, quase somente aliadas, com interesses, leis, governos e direitos alfandegários diversos, foram comprimidas numa nação, num governo, numa lei, num interesse nacional de classe, numa linha aduaneira (Idem, 1997, p. 41).

A burguesia evidenciou as potencialidades do trabalho social humano, criando forças produtivas massivas pela “subjugação das forças da Natureza, maquinaria, aplicação da química à indústria e à lavoura, navegação a vapor, caminhos de ferro, telégrafos elétricos, arroteamento de continentes inteiros, navegabilidade dos rios, populações inteiras feitas saltar do chão”, em função de seus interesses de lucro e apropriando-se da riqueza produzida de forma privada.(pág. 41). No Capital, no capítulo V, intitulado o Processo de Trabalho, desenvolvido nos processos produzidos nas empresas, Marx diz que o “trabalho é antes de tudo um processo entre a natureza e o homem”, no qual “realiza, regula e controla” mediante sua ação, seu intercâmbio de matérias com a natureza (MARX, 1986, p.139). Mas, destaca: “Y a la par que de ese modo actúa sobre la naturaleza exterior a él y la transforma, transforma su propia naturaleza, desarrollando las potencias que dormitan en él y sometiendo el juego de sus fuerzas a su propia disciplina” (MARX, 1986, p. 139). No capítulo VII, a jornada de trabalho no capitalismo, aparece como limitadora da criação na/pela relação do trabalhador com a natureza e as obras produzidas em sua atividade. en primer lugar, [...] el obrero no es, desde que nace hasta que muere, más que fuerza de trabajo; por tanto, todo su tiempo disponible es, por obra de la naturaleza y por obra del derecho, tiempo de trabajo y pertenece, como es lógico, al capital para su incrementación” (MARX, 1986, p. 220-221).

210

A produção capitalista começa “alli donde un capital individual emplea simultáneamente un número relativamente grande de obreros es decir, allí donde el proceso de trabajo presenta un radio extenso de acción, lanzando al mercado productos en una escala cuantitativa relativamente grande” (MARX, 1986, p. 278). No processo de constituição da manufatura e do artesanato Marx diz que: la manufactura brota de la combinación de diversos ofícios independientes, que mantienen su independencia y su aislamiento hasta el instante en que se convierten en otras tantas operaciones parciales y entrelazadas del proceso de producción de una misma mercancía. De outra parte, la manufactura brota de la cooperación de artesanos afines, atomizando su oficio individual en las diversas operaciones que lo integran y aislando éstas y haciéndolas independientes hasta el instante en que cada una de ellas se convierte en función exclusiva y específica de un obrero” (Ídem, p. 294).

Se “nos detenerlos a analizar de cerca y en detalle este proceso, vemos ante todo que el obrero, reducido a ejecutar de por vida la misma sencilla operación, acaba por ver convertido todo su organismo en órgano automático y limitado de esa operación, lo cual hace que necesite, para ejecutarla...[...] (Ídem, p.294). E a “La repetición constante de las mismas operaciones concretas y la concentración de la mente en ellas enseñan, según demuestra la experiencia, a conseguir el efecto útil perseguido con el mínimo desgaste de fuerzas” (Ibiden, p. 295). No entanto, o que se estaria produzindo seria uma natureza limitada e/ou limitadora das potencialidades humanas (interna) ao/no trabalhador em/a da divisão do trabalho. La división del trabajo dentro de la sociedad, con la conseguirte adscripción de los individuos a determinadas órbitas profesionales, se desarrolla, al igual que la división del trabajo dentro de la manufactura, arrancando de puntos de partida contrapuestos. Dentro de la familia, 1 y 1

Engels adenda en la 3ª ed. “en un principio, no fue la família la que se

211

más tarde, al desarrollarse ésta, dentro de la tribu, surge una división natural del trabajo, basada en las diferencias de edades y de sexo, es decir, en causas puramente fisiológicas, que, al dilatarse la comunidad, al crecer la población y, sobre todo, al surgir los conflictos entre diversas tribus, con la sumisión de unas por otras, va extendiéndose su radio de acción (Marx, 1986, p. 306-307).

O homem, assim, passa a vida executando atividades e operações simples, não tendo possibilidades de disciplinar e desenvolver sua inteligência, em consequência, “va convierténdose poco a poco y en general en una criatura increíblemente estúpida e ignorante” (Idem, p. 317). Fato percebido pelos capitalistas e seus ideólogos, os quais para evitarem a completa degeneração do povo propõe a instrução popular: “A. Smith recomienda la instrucción popular organizada por el Estado, aunque en dosis prudentemente homoepáticas” (Ibidem, p. 317). A emergência do capitalismo e seu desenvolvimento posterior não decorreu de um processo da Natureza, ou seja, foram os humanos em sua história e com/através da relação deles com àquela que o produziram. Na agricultura, ao expandir-se rompem e destroem as antigas relações. En la órbita de la agricultura es donde la gran industria tiene una eficacia más revolucionaria, puesto que destruye el reducto de la sociedad antigua, el “campesino”, sustituyéndolo por el obrero asalariado. De este modo, las necesidades de transformación y los antagonismos del campo se nivelan con los de la ciudad. La explotación rutinaria e irracional es sustituida por la aplicación tecnológica y consciente de la ciencia. La ruptura del primitivo vínculo familiar entre la agricultura y la manufactura, que rodeaba las manifestaciones incipientes de ambas, se consuma con el régimen capitalista de producción. (MARX, 1986, p. 454)

desarrolló para formar la tribu, sino que, por el contrario, ésta constitye la forma primitiva y natural de las asociaciones humanas basadas en los vínculos de sangre, de la que luego, al disolverse, surgen las múltiples formas de família” (MARX, 1986, p. 3006-307, nota 26).

212

Se por um lado tal sistema desenvolve todas as potencialidades das forças sociais e humanas nunca imaginadas criando novos bens e riquezas; de outro, Al crecer de un modo incesante el predominio de la población urbana, aglutinada por ella en grandes centros, la producción capitalista acumula, de una parte, la fuerza histórica motriz de la sociedad, mientras que de otra parte perturba el metabolismo entre el hombre y la tierra; es decir, el retorno a la tierra de los elementos de esta consumidos por el hombre en forma de alimento y de vestido, que constituye la condición natural eterna sobre que descansa la fecundidad permanente del suelo. Al mismo tiempo, destruye la salud física de los obreros (MARX, 1986, p. 454).

No capítulo em que Marx discute o processo pregresso de constituição do capitalismo evidencia que – a própria propriedade privada – um bastião dos ideológicos e justificadores desse sistema é decorrente da negação da própria propriedade. Foi a propriedade privada dos meios de produção pelos trabalhadores que constituiu as bases da pequena indústria, à qual é uma “condición necesaria para el desarrollo de la producción social y de la libre individualidad del propio trabajador” (MARX, 1986, p. 698). O Capitalismo destrói essas condições, acaba com essas propriedades. […] la transformación de los medios de producción individuales y desperdigados en medios sociales y concentrados de producción, y, por tanto, de la propiedad raquítica de muchos en propiedad gigantesca de pocos, o lo que es lo mismo, la expropiación que priva a la gran masa del pueblo de la tierra y de los medios de vida e instrumentos de trabajo, esta espantosa y difícil expropiación de la masa del pueblo, forman la prehistoria del capital” (MARX, 1986, p. 698).

No circuito produtivo do capital: “la propiedad privada sobre el suelo, y, por tanto, la expropiación de la tierra de manos del producto directo – es decir, la propiedad privada de unos, que implica la no propiedad de otros sobre la tierra – constituye la base del modo capitalista de producción” (p. 819). Mas, também consequências tenebrosas: 213

La gran industria y la gran agricultura explotada industrialmente actúan de un modo conjunto y forman una unidad. Si bien en un principio se separan por el hecho de que la primera devasta e arruina más bien la fuerza de trabajo y, por tanto, la fuerza natural del hombre y la segunda más directamente la fuerza natural de la tierra, más tarde tienden cada vez más a darse la mano, pues el sistema industrial acaba robando también las energías de los trabajadores del campo, a la par que la industria y el comercio suministran a la agricultura los medios para el agotamiento de la tierra (MARX, 1986, p. 820).

Engels, no ensaio O papel do trabalho na transformação do macaco em homem já havia alertado para as consequências dessas ações dos humanos. Todos os modos de produção que existiam até o presente só procuravam o efeito útil do trabalho em sua forma mais direta e imediata. Não faziam o menor caso das consequências remotas, que só surgem mais tarde e cujos efeitos se manifestam unicamente graças a um processo de repetição e acumulação gradual. A primitiva propriedade comunal da terra correspondia, por um lado, a um estádio de desenvolvimento dos homens no qual seu horizonte era limitado, em geral, as coisas mais imediatas, e pressupunha, por outro lado, certo excedente de terras livres, que oferecia determinada margem para neutralizar os possíveis resultados adversos dessa economia primitiva. Ao se esgotar o excedente de terras livres, começou a decadência da propriedade comunal. Todas as formas mais elevadas de produção que vieram depois conduziram à divisão da população em classes diferentes e, portanto, no antagonismo entra as classes dominantes e as classes oprimidas (ENGELS, 2004, In Antunes, p. 32).

Nas críticas ao texto do programa do partido socialdemocrata alemão, em relação à natureza, questiona a afirmação de que o trabalho é a única fonte de riqueza, de toda a riqueza. 2 Marx contesta tal afirmação diferenciando valores de uso e de valores de troca. 2

Diz o texto: “O trabalho é a fonte de toda riqueza e de toda a cultura e, como o trabalho produtivo só é possível na sociedade e pela sociedade, o seu produto pertence integralmente, por igual direito, a todos os membros da sociedade”.

214

O trabalho não é fonte de toda riqueza. A natureza é a fonte dos valores de uso (os valores de uso são, de fato, a riqueza real!) tanto quanto o trabalho, trabalho que é expressão de uma força natural, a força de trabalho do homem. Esta frase repisada encontra-se em todos os manuais e só é verdadeira se for subentendido que o trabalho é anterior, e é executado com todos os instrumentos e procedimentos que o acompanham. [...] Só enquanto o homem se coloca, desde o início, como proprietário em relação à natureza, a fonte primeira de todos os meios e objetos de trabalho, e a trata como se ela (a natureza) lhe pertencesse, é que o seu trabalho se converte em fonte de valores de uso e, portanto, em fonte de riqueza (MARX, 1975, p. 10).

A educação aparece nas proposições do programa, na proposição de uma educação popular igual para todos a cargo do Estado, contestado igualmente por Marx. Em primeiro lugar, através de perguntas como se “as clases altas sean obligadas por la fuerza a conformarse con la modesta educación pública” nas quais estão os filhos dos operários e campesinos; em segundo: Eso de ‘educación popular a cargo del Estado’ es absolutamente inadmisible. !Una cosa es determinar, por medio de una ley general, los recursos de las escuelas públicas, las condiciones de capacidad de personal docente, las materias de enseñanza, etc., y velar por el cumplimiento de estas prescripciones legales mediante inspectores del Estado, [...] y otra cosa, completamente distinta, es nombrar el estado educador del pueblo! Lejos de esto lo que hay que hacer es substraer la escuela a toda influencia por parte del Gobierno y de la Iglesia. [...] el Estado el que necesita recibir del pueblo una educación muy severa. (MARX, 1975, p. 31).

2 A Natureza de/em três pesquisas em Educação Ambiental Nesta parte apresentamos a natureza de/em pesquisas que partem de Marx enquanto referência teórica 3. 3

A Pesquisa de Carlos RS Machado, de Fabiana Dendena e Daiane Gautério no PPGEA/FURG.

215

2.1 A Educação e a Natureza na/da Cidade 4 A pesquisa parte das contribuições de Henri Lefebvre sobre a cidade para evidenciar em suas obras sobre a educação e a natureza. Disso diríamos que, a cidade é o local no qual as pessoas vivem e relacionam-se em/com determinado ambiente natural e social. Nela se produz e re-produz a vida como um todo. Cada qual tem uma história, tradições e culturas constituídas através dos tempos que lhes dão "um charme particular". Mas ela é obra dos cidadãos, daqueles que agem, mas também daqueles que nela apenas habitam. Na cidade desenvolve-se um processo educativo que produz esta "base" através das atividades de ensino (nas redes de ensino e escolas) como também, no espaço mais amplo como produção de hegemonia, de consenso, etc., também através das relações sociais no cotidiano e no vivido. Há uma tripla relação neste processo educativo: A primeira da educação que se desenvolve (enquanto educação e o ensino) através do conteúdo da política educacional (como policy) e sua relação com os cidadãos (como politics), ou seja, relações de poder e de produção da dominação e da hegemonia da cidade sobre seus habitantes. A segunda das relações da coletividade (que não é única, mas diversas) com o meio ambiente/natureza e neste de cada natureza humana consigo, com os outros e com a natureza. A terceira decorreria destas abstrações relacionais com o vivido de cada um de nós e de todos coletivamente. Portanto, pensar a natureza da cidade capitalista e nela essa tripla relação da educação que se desenvolve (em seu interior) como resultante das ações humanas em sociedade e em determinado contexto social e natural é pertinente à produção do “outro mundo possível”. Buscando avançar nessa reflexão fez-se necessário, e útil, as contribuições de Marx das três naturezas. No desenvolvimento desta pesquisa, atualmente em sua ETAPA III, 4

Pesquisa em desenvolvimento por Carlos RS Machado com apoio financeiro do CNPq (PIBIC/FURG (2007-2008).

216

avançamos nos seguintes aspectos: concluímos a pesquisa das/nas obras de Lefebvre sobre a cidade, a natureza e a educação (Etapa I), e avançamos para o estudo da cidade do Rio Grande, e das relações de intercâmbio com cidades cubanas (Santa Clara e Cienfuegos), das quais produzimos com a primeira uma proposta de intercâmbio, e propostas de pesquisa, de aprofundamento do estudo de caso (ETAPA III), da cidade do Rio Grande e de Santa Clara, para os anos de 2009-2011. Neste contexto, a dissertação de Daiane Gautério, é um exemplo. Outro é a monografia de Diego Cipriano sobre a História Ambiental da Cidade do Rio Grande (2009). 2.2 A inclusão e a exclusão nas políticas e nas legislações da educação ambiental e da educação especial5 A pesquisa realizada por Fabiana Dendena parte de questionamentos e reflexões da autora em seu processo constituinte como educadora ambiental. Ou seja, é da própria natureza da pesquisadora, enquanto vivência cotidiana e acadêmica que o ambiente e a educação ambiental tornem-se relevantes como foco de sua pesquisa. Reflexões e comprometimento ampliados no mestrado, ao visar, então, refletir sobre a natureza da inclusão e da exclusão nas políticas educacionais de Educação Ambiental e de Educação Especial desenvolvidas numa sociedade capitalista – como a brasileira do fim da ditadura até o presente. Depois de constituir “um pano de fundo” histórico e da sociedade do período descrevendo a trajetória das duas temáticas no campo educacional (a educação ambiental e a educação especial) avança para a análise documental e legal que lhes dão substância institucional. No caso, analisa documentos oficiais, como as políticas públicas nacionais e a legislação educacional brasileira, produzida ao findar a ditadura militar (1988), a nova Constituição Federal e o recente documento, 5

Projeto de pesquisa desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da FURG.

217

ainda em produção, das Diretrizes Educacionais da Educação Ambiental, dentre outras. Seus questionamentos incidem sobre a naturalização e normalização das injustiças às quais apontam para o conformismo de que “nada mais há por fazer” e, portanto, de adaptação e aceitação das relações sociais da sociedade capitalista. Sendo assim, a pesquisadora ao problematizar a Educação Especial e a Educação Ambiental numa perspectiva inclusiva, a partir da evidência da natureza das mesmas no sistema vigente, busca uma “nova” percepção social, em que igualdade e diferença não sejam entendidas como homogeneização e desigualdade, seja entre os humanos (natureza humana), bem como desses com a Natureza (física, exterior) e, ainda mais, com a natureza criada. Nesse aspecto, problematiza a própria natureza das normas e regras que induzem para perspectivas homogeneizadoras e justificadoras das desigualdades, bem como a não aceitabilidade das diferenças e diversidades humanas. Enfim, as reflexões e a pesquisa inserem-se no esforço de produção, nesse campo e com essas relações, de aspectos ao “outro mundo possível” com uma “democracia sem fim” (SANTOS 1998), na qual todos estejam incluídos, sejam as pessoas com alguma “necessidade especial”, bem como a “natureza” na vida e na sociedade humana, para além das perspectivas tradicionais que subordinam ambos a uma pretensa normalidade enquanto padrão enquadrador dos diferentes de forma pejorativa. Portanto, sonha e pensa uma sociedade inclusiva, seja da natureza, bem como dos indivíduos como horizonte de suas reflexões. A pesquisa e as reflexões de Fabiana Dendena foram concluídas em 2008, e defendidas em sua dissertação de mestrado na Universidade Federal do Rio Grande, em seu programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental.

218

2.3 A educação e a natureza nas políticas da cidade A dissertação de Daiane Gautério 6 sobre a Educação Ambiental do município de Rio Grande entende as políticas “públicas” como produto do trabalho humano (natureza produzida), a partir da idealização pelo coletivo, ou por alguns em benefício do coletivo, que se transforma em prática na medida em que estes assumem espaços de governo e implementam ações em decorrência de suas propostas, programas e leis que instituem. A análise das políticas pode assim, evidenciar as utopias, concepções e objetivos mais de fundo dos implementadores das políticas. Parte do pressuposto de que o homem, enquanto natureza humana,ocupa seu papel social transformando seu trabalho ou atividade em produto da coletividade. O homem não cria somente o produto, ou o resultante material fruto do trabalho braçal, mas também o que concebe, a ideia precursora, a utopia (realizável). Assim, concebe e vive de forma intensa e também subjetiva, produzindo e reproduzindo-se continuamente enquanto natureza humana e social. Atualmente vivemos em uma época de transformação, tanto nos estudos teóricos, que envolvem os problemas ambientais, quanto em relação às ações e tentativas de mudanças comportamentais, ligadas a eles. Divergem das concepções biologicistas e comportamentalistas, ao dizer que, a natureza é parte do homem e, assim, passível de ser usada conforme como desejado; de outra, ao enfatizarem a necessidade de mudanças individuais e coletivas nos hábitos cotidianos, tais como a reciclagem, a diminuição do uso da água, consumo controlado, etc., como alternativas à não-destruição do meio ambiente. A perspectiva transformadora, utilizada pela pesquisadora, parte de uma visão mais complexa, pois relaciona a natureza (ou as naturezas) com os desafios políticos, sociais, culturais, econômicos 6

Dissertação O concebido e o vivido nas políticas de Educação Ambiental no município de Rio Grande – PPGEA/FURG.

219

e ecológicos, aos quais estamos diretamente envolvidos. Em sua utopia está a emancipação do sujeito, que se quer crítico e comprometido com as questões sociais/ambientais nas quais está imerso. Loureiro diz que “o projeto de emancipação humana necessita estar associado ao projeto de defesa da natureza”, um não existindo sem o outro. Tal dissociação ou fragmentação implica na reprodução do modelo capitalista vigente. Concretamente, seu projeto de pesquisa investiga as concepções político-pedagógico-ambientais das secretarias (SEMA e SMEC) e suas inter-relações em documentos fundamentais da cidade do Rio Grande constituídos pelos gestores municipais das duas últimas gestões à frente da cidade (2000-2004; 2005-2008). Considerações Finais Em primeiro lugar, podemos afirmar que há indícios da discussão de Karl Marx sobre a Natureza. Mostramos que, em seus primeiros textos, ele evidencia uma relação dos humanos com a natureza física, da qual aqueles “saíram” a partir das atividades e processos que os diferenciaram dos animais. O texto de Engels utilizado exemplifica tal questão. No entanto, o trabalho de transformação da matéria pelos humanos em bens e coisas úteis tem como consequência a própria transformação desses neste processo. Mas, a criação humana é mais do que objetivos materiais, coisas e bens, pois a produção humana é também simbólica, envolvendo afetividade, a linguagem, as próprias relações sociais, além das cidades, dos sistemas sociais, etc. Neste sentido, afirmamos, então, a existência de três naturezas, conforme a produção de Karl Marx, às quais se articulam dialética e contraditoriamente em cada contexto e realidade social, bem como pela relação que as classes sociais estabelecem. Além disso, devemos considerar os processos históricos que levaram à institucionalização de determinadas relações e concepções da/com a natureza em cada realidade. Em segundo lugar, como já vínhamos argumentando nas 220

partes anteriores, tal perspectiva é bastante sugestiva para pesquisas sobre a temática da educação ambiental. Com a pesquisa de Carlos RS Machado, por exemplo, evidenciamos a utilidade do referencial no estudo da cidade capitalista, portanto, da natureza da cidade, e nessa da educação enquanto processo político permeado de contradições e pelos interesses das classes e grupos sociais em conflito. Fabiana Dendena mostra-nos a nuance da articulação da exclusão com a inclusão no capitalismo. Foca, no entanto, como as políticas educacionais especiais e ambientais, como campos de estudos tradicionalmente “excluídos” incorporam-se ao campo educacional, portanto, são incluídas e nesse processo alteram-se em seus pressupostos transformadores. Por fim, Daiane Gautério utiliza o referencial para evidenciar a natureza da/nas políticas públicas de uma gestão municipal que está à frente da cidade do Rio Grande há 8 anos. Busca perceber, dessa forma, as potencialidades e contradições dessas políticas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, Ricardo (org.). A Dialética do Trabalho – escritos de Marx e Engels. São Paulo: Expressão Popular, 2004. DENDENA, Fabiana. A inclusão e a exclusão nas políticas educacionais e nas legislações da educação ambiental e da educação especial em uma perspectiva transformadora. PPGEA/FURG, 2007. GAUTÉRIO, Daiane. O concebido e o vivido nas políticas de Educação Ambiental no município de Rio Grande. PPGEA/FURG, 2007. LEFEBVRE, Henri. A cidade do capital. Brasil: DP&A editora, 1999. [La pensée marxiste et la ville, França, 1975]. _____. A natureza e o controle da natureza. Introdução à Modernidade. Brasil:Editora Paz e Terra S.A., 1969. [França, 1962]. _____. A re-produção das relações de produção. Porto: Publicações Escorpião, 1973. [França, 1973, 1a parte de La survie du capitalisme]. LOWY, Michael. Ecologia e Socialismo. São Paulo: Cortez, 2005. MACHADO, Carlos RS. Contribuições acerca das políticas públicas e o Paradigma Emergente. ECCOS - REVISTA Científica, São paulo, v. 8, n. I, p. 213-232, jan./jun. 2006.

221

MARX, Karl. El Capital. La Habana (Cuba): Editorial de Ciências Sociales, 1986. (Tomo I e Tomo II). MARX, Karl. Formações Econômicas Pré-Capitalistas. 6ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1991. MARX, Karl e ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. 3ª ed. Lisboa: Edições Avante,1997. MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. In. ANTUNES, Ricardo (org.). A Dialética do Trabalho – escritos de Marx e Engels. São Paulo: Expressão Popular, 2004. SANTOS, Boaventura de Sousa. Reinventar a Democracia. Lisboa: Gadiva/Fundação Mário Soares, 1998.

EDITORA E GRÁFICA DA FURG Rua Luís Lorea, 261 www.vetorialnet.com.br/~editfurg/ [email protected]

222