Linguagem Inclusiva

  • November 2019
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Linguagem inclusiva – coletânea de textos (1) A discriminação à mulher está presa à tirania das palavras e imagens - por Vera Vieira (2) Tabela de Recomendações para a Utilização de uma Linguagem Inclusiva (3 Uma linguagem inclusiva - por Beatriz Cannabrava (4) O Mundo no masculino e no Feminino: Plural dos Gêneros – por Valéria Pandjiarjian (5) A = 0 Campanha por uma Educação não Discriminatória na América Latina: 21 de junho – por Moema L. Viezzer

(1) A discriminação à mulher está presa à tirania das palavras e imagens por Vera Vieira (*) Quando se diz "A salvação do planeta está nas mãos dos homens", ao invés de " A salvação do planeta está nas mãos da humanidade", reflete-se a posição que o homem vem ocupando na história, reforçando-se seu papel hierárquico e as relações de poder e dominação masculina na sociedade.

Ao longo dos tempos, tem ficado bastante evidenciado o papel da linguagem sexista no reforço dos estereótipos machistas que contribuem sobremaneira para o desequilíbrio das relações sociais entre homens e mulheres, caracterizadas pelo binômio dominação/subordinação. Ao nascermos, nosso sexo é definido pela natureza. Já o comportamento diferenciado tem a influência direta da formação e educação que recebemos no meio social, historicamente marcadas pela subordinação da mulher ao homem. Trata-se de um fenômeno cultural que se arrasta ao longo de milênios e que deve ser mudado.

As pessoas são educadas e formadas tanto pelas escolas, como pela família, Igreja, meios de comunicação de massa, leis do Estado, etc., que são responsáveis pela clara definição dos papéis desiguais da mulher e do homem, com conseqüências dramáticas na sociedade. Bastam somente alguns dados para essa comprovação: alto índice de violência doméstica sofrida pela mulher (com um número assustador de mortes), independente de raça, cor, etnia, classe social ou escolaridade; a média salarial baixa, mesmo com maior formação; pouca ocupação de cargos de liderança e número elevado de mulheres chefes de família, entre outros.

É fundamental estarmos conscientes da relação da linguagem com o conhecimento e a cultura. É somente depois da fase da aquisição da linguagem que a pessoa atinge o campo da

abstração. O pensamento conceitual é inconcebível sem a linguagem, em conseqüência do processo complexo da educação social. O ser humano não só aprende a falar, mas a pensar. Enquanto ponto de partida social do pensamento individual, a linguagem é a mediadora entre o que é social, dado – portanto, ditatorial -, e o que é individual, criador, no pensamento de cada pessoa. A linguagem não só constitui o ponto de partida social e a base do pensamento individual, mas influencia também o nível de abstração e de generalização desse pensamento. Ela influencia o nosso modo de percepção da realidade. A experiência individual implica em esquemas e estereótipos de origem social. O estereótipo vem à tona na relação emocional do ser humano com o mundo. Por ser um processo não consciente, exerce sua ação com força tanto maior quanto mais se identifica em um todo unitário como conceito dentro da consciência humana. Este é o segredo da famosa ‘tirania das palavras’.

A linguagem enquanto discurso não constitui um universo de signos que serve apenas como instrumento de comunicação ou suporte de pensamento. É interação e um modo de produção social. Não é neutra, nem inocente, na medida em que está engajada numa intencionalidade, e nem natural, por isso o lugar privilegiado de manifestação da ideologia. Mitos da identidade masculina e feminina O consenso social e histórico na construção da imagem e mitos da identidade masculina e feminina, desde os primórdios, é fator preponderante na continuidade do ‘poder do macho’. Não obstante as pressões para se alterar suas estruturas, seu enraizamento é extremamente profundo, exigindo uma incidência maior de ações educativas. Mas, qual seria exatamente a diferenciação entre os termos mito, símbolo, arquétipo, esquema? Gilbert Durand, ao explicar a palavra mito, consegue incorporar e diferenciar as demais. De forma sintética, mito pode ser definido como um sistema formado por esquemas, arquétipos e símbolos, compondo-se em narrativa: “(...) No prolongamento dos esquemas, arquétipos e simples símbolos podemos considerar o mito. Não tomaremos este termo na concepção restrita que lhe dão os etnólogos, que fazem dele apenas o reverso representativo de um ato ritual. Entenderemos por mito um sistema dinâmico de símbolos, arquétipos e esquemas, sistema dinâmico que, sob o impulso de um esquema tende a compor-se em narrativa. O mito é já um esboço de racionalização, dado que utiliza o fio do discurso, no qual os símbolos se resolvem em palavras e os arquétipos em idéias. O mito explica um esquema ou um grupo de esquemas. Do mesmo modo que o arquétipo promovia a idéia e que o símbolo engendrava o nome, podemos dizer que o mito promove a doutrina religiosa, o sistema filosófico ou, como bem viu Bréhier, a narrativa histórica e lendária. É o que ensina de maneira brilhante a obra de Platão, na qual o pensamento racional parece constantemente emergir de um sonho mítico e algumas vezes ter saudades dele. Verificaremos, de resto, que a organização dinâmica do mito correspondente muitas vezes à organização estática a que chamamos de ‘constelação de imagens’. O método de convergência evidencia o mesmo isomorfismo na constelação e no mito.”[1] Paulo Freire reconhece a própria linguagem machista Ao publicar, em 1992, A pedagogia da esperança - um reencontro com a Pedagogia do oprimido, Paulo Freire faz, com muita humildade, uma análise do volume imenso de cartas que recebeu, em Genebra, com críticas de mulheres norte-americanas, depois do lançamento do livro, em sua primeira edição no início de 1971. Eram tempos de exílio, em função do longo regime militar brasileiro, e a primeira edição foi publicada em inglês. “(...) É que, diziam elas, com suas palavras, discutindo a opressão, a libertação, criticando, com justa indignação, as estruturas opressoras, eu usava, porém, uma linguagem machista, portanto discriminatória, em que não havia lugar para as mulheres. (...) Em certo momento de minhas tentativas, puramente ideológicas, de justificar a mim mesmo, a linguagem machista que usava, percebi a mentira ou a ocultação da verdade que havia na afirmação: ‘Quando falo homem, a mulher está incluída’. E por que os homens não se acham incluídos quando dizemos: ‘As mulheres estão decididas a mudar o mundo’? (...) A discriminação da mulher,

expressada e feita pelo discurso machista e encarnada em práticas concretas é uma forma colonial de tratá-la, incompatível, portanto, com qualquer posição progressista, de mulher ou de homem, pouco importa. (...) A recusa à ideologia machista, que implica necessariamente a recriação da linguagem, faz parte do sonho possível em favor da mudança do mundo. (...) Não é puro idealismo, acrescente-se, não esperar que o mundo mude radicalmente para que se vá mudando a linguagem. Mudar a linguagem faz parte do processo de mudar o mundo. A relação entre linguagem-pensamento-mundo é uma relação dialética, processual, contraditória.”[2] As conclusões a que chegou Paulo Freire remetem a Bakhtin, que se aprofundou na relação da linguagem e da cultura, considerada enquanto relação de causa e efeito, isto é bilateral: trata-se da influência da cultura sobre a linguagem, como da ação da linguagem sobre o desenvolvimento da cultura: “(...) A consciência adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado no curso de suas relações sociais. (...) As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. (...) A fórmula estereotipada adapta-se, em qualquer lugar, ao canal de interação social que lhe é reservado, refletindo ideologicamente o tipo, a estrutura, os objetivos e a composição social do grupo.”[3] Durante o desenvolvimento de um projeto da Rede Mulher de Educação, intitulado Gênero e Educação para os Meios, a etapa denominada ‘diagnóstico dos meios’ apresentou exercícios críticos por parte das participantes, apontando, com bastante regularidade, a presença de linguagem sexista, como os exemplos abaixo destacados: •

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As chamadas são feitas sempre no masculino, mesmo quando os programas suscitam ou têm a participação de ouvintes, e essas, em sua grande maioria, são mulheres. Isto é feito tanto por locutores masculinos, como pelas poucas locutoras femininas. (Programa ‘Pop de Chapa Cruz’ - FM-101,1 - Cuiabá/MT, monitorado por Madalena R. Santos). As fotos de mulheres predominam na coluna social. As de mulheres negras, só aparecem no caderno policial. (Jornal ‘Vale dos Sinos’, de São Leopoldo/RS, monitorado por Clair Ribeiro Ziebell) São comuns as imagens de mulheres donas-de-casa ou infratoras. (Jornal Nacional, da TV Globo, monitorado por Denise Gomide) É um escândalo! Tem muita gente que se espelha nas novelas... Nunca aparece a família das empregadas domésticas. As mulheres casadas estão sempre cozinhando e lavando; os homens, solicitando comida e cerveja. (Telenovela ‘Laços de Família”, da Rede Globo, monitorada por Sandra Monteiro, de São Miguel do Tocantins) O filho é sempre da mulher; o homem não precisa ter responsabilidade - ou ele é condenado pelo auditório, ou é aplaudido por causa da ‘lei de Gérson’, no sentido de levar vantagem em tudo. (Programa do Ratinho, da SBT, monitorado por Thereza Ferraz, de Santos/SP)

A linguagem - escrita e imagética -, carregada de estereótipos, há tempos vem merecendo ênfase nas ações do movimento feminista, como bandeira fundamental para o avanço da luta, tanto que, a partir de 1991, a REPEM (Rede de Educação Popular entre Mulheres da América Latina e Caribe) passou a designar o dia 21 de junho, com uma série de atividades, como a data “Por uma educação sem discriminação”.

Vamos romper com a linguagem sexista, em busca de um mundo com igualdade entre mulheres e homens! Quando se quebra com a linguagem, quebra-se também com padrões comportamentais.

(*) Vera Vieira, coordenadora-Executiva da Rede Mulher,é jornalista, com especialização em Gestão de Processos Comunicacionais e mestra em Comunicação /Educação pela USP/ECA.

(2) TABELA DE RECOMENDAÇÕES PARA A UTILIZAÇÃO DE UMA LINGUAGEM INCLUSIVA USUAL Os direitos do homem O corpo do homem; a inteligência do homem Museu do homem O homem primitivo Homem/mês, homem/hora Camera-man Aeromoça Língua materna Reunião de pais na escola Os professores; os jovens; os meninos Os negros Os brasileiros José e a senhorita Maria Os eleitores Os descendentes Os assessores; os coordenadores; os diretores Afeminado Aquele que fala Cada aluno deverá ler um texto Precisa-se de estagiário Nas ilustrações didáticas e nos livros escolares, a mulher aparece, em geral, exercendo atividades no lar; o homem, no escritório, na oficina, etc.

ALTERNATIVA Os direitos humanos O corpo humano; a inteligência humana Museu da humanidade Os seres humanos primitivos Trabalho/mês, trabalho/hora Operador ou operadora de câmera Atendente de vôo Língua de origem ou originária Reunião de pais e mães na escola O professorado; a juventude; as crianças A raça negra O povo brasileiro José e Maria O eleitorado A descendência A assessoria; a coordenação; a direção Delicado, suave, meigo Quem fala Deverá ser lido um texto Estágio disponível Dar visibilidade às mulheres que trabalham fora de casa. Destacar a importância do trabalho no lar – tanto para as mulheres, como para os homens. Apresentar mulher e homem em todos os tipos de trabalho e funções profissionais. Observar que as mulheres desempenham papéis sociais e políticos em todos os níveis, com igual competência, autoridade e espírito de iniciativa que seus colegas homens.

(3) Uma linguagem inclusiva por Beatriz Cannabrava (educadora, fundadora e atual presidenta da Rede Mulher de Educação)

O uso de uma linguagem inclusiva no que se refere à questão de gênero é um exercício que exige uma permanente atenção. Falamos uma língua viva, portanto, em evolução constante. Já não se justifica dizer que a gramática exige o uso do masculino quando nos referimos a homens e mulheres. Vamos tentar não ocultar o feminino por trás do masculino?

Há várias maneiras de fazer isso. Podemos utilizar o símbolo @ como uma "soma" de a + o, tal como vem sendo feito por diversas publicações feministas para englobar o masculino e o feminino, como o Jornal Fêmea, do CFEMEA (Centro Feminista de Estudos e Assessoria). Em sua edição mais recente, de n° 123, por exemplo, encontramos na última página uma frase que bem caracteriza essa opção: "... @s empregad@s e trabalhador@s avuls@s que não têm carteira assinada..."

Outra alternativa é repetir as palavras no masculino e feminino, quando queremos abranger os dois gêneros. Por exemplo: Trabalhadoras e trabalhadores devem lutar pelos seus direitos na reforma da previdência .

E temos também a rica possibilidade de usar os coletivos que são uma excelente opção para designar um conjunto de pessoas no qual há homens e mulheres: o professorado, em lugar de os professores; a população, em lugar dos povoadores, etc.

Vejamos algumas possibilidades: Em vez de...

Podemos usar...

Os homens Os médicos Os idosos Os jovens Os eleitores Os descendentes Os assessores Os coordenadores Os diretores Os chefes

Os seres humanos O corpo médico As pessoas idosas A juventude O eleitorado A descendência A assessoria A coordenação A diretoria A chefia

Existem ainda outros recursos, como no exemplo citado na publicação “Nombra em femenino y en masculino” editada pelo Instituto de la Mujer de España, relacionada ao uso diário que cada vez mais pessoas fazem dos seus cartões magnéticos bancários: Em vez de: Recomenda-se aos usuários dos cartões que os utilizem adequadamente, podemos dizer: Recomendamos que utilizem seus cartões adequadamente.

4) O MUNDO NO MASCULINO E NO FEMININO: PLURAL DOS GÊNEROS Valéria Pandjiarjian(*) O mar. A terra. O sol. A Lua. O dia. A noite. O rio. A rua. O ninho. A ave. O trinco. A chave. O pinho. A porta. O passo. A poça. O tropeço. A régua. O compasso. A preguiça. O amor. A amizade. O anseio. A justiça. O fim. A verdade. O meio. A promessa. O perdão. A idéia. O sentido. A sensação. O desejo. A paixão. O ventre. A vida. O sexo. A via. O beco. A morte. O vento. A calmaria. O seco. A inundação. O real. A fantasia. O poema. A poesia. O verbo. A aventura. O texto. A textura. O normal. A loucura. O ciúme. A coisa. O cume. A cura. O fio. A tensão. O calor. A cara. O coração. A tara. O beijo. A goiabada. O queijo. A fome. O pão. A pátria. O chão. A língua. O gosto. A cor. O sabor. A sede. O resto. A rede. O sal. A mistura. O açúcar. A doçura. O leite. A vaca. O fel. A abelha. O mel. A amargura. O corpo. A figura. O corte. A ruptura. O pintor. A pintura. O método. A ciência. O objeto. A obra. O sujeito. A arte. O quadro. A moldura. O pedaço. A parte. O todo. A estrutura. A serpente. O veneno. A maçã. O pai. A mãe. O amanhã. A semente. O conceito. A concepção. O peito. A gente. O parto. A história. O futuro. A memória. O só. A solidão. O indivíduo. A multidão. O ser. A pessoa. O macho. A fêmea. O poder. A submissão. Menina. Menino. Homem. Mulher. A superfície. O profundo. Masculino e feminino no mundo.... Mais que um jogo de palavras e sentidos. Mais que a diferença entre artigos definidos e indefinidos, substantivos, adjetivos, nomes e pronomes. Mais do que conjugações verbais. Concordâncias, no singular e nos plurais. No singular, podemos ser feminino ou masculino. No plural homogêneo, também, podemos ser feminino ou masculino. Mas, de acordo com as regras de gramática da língua portuguesa, no plural heterogêneo “somos”, necessariamente, masculino, ao menos na linguagem. Vale dizer, um único “masculino” no meio de muitos “femininos” é suficiente para que o plural dos gêneros seja masculino. Até pouco tempo, ainda, homem era o único termo genericamente utilizado para se referir à espécie humana - homem ou mulher – animal racional, macho ou fêmea. Assim, referir-se aos homens era também “naturalmente” referirse à humanidade. A princípio, perceber as variações da linguagem no masculino e no feminino pode parecer bobagem, coisa sem sentido. Mas pode deixar de sê-lo, na medida em que nos damos conta do quanto as sutilezas da linguagem acabam sendo incorporadas não só em nossa forma de expressão e comunicação, mas na visão de mundo que construímos, influenciando também nossas atitudes frente aos outros e, em última instância, frente a nós mesmos(as).

Isso porque a linguagem é uma forma de representação da realidade, e nesse sentido, não é um dado da natureza, é construção cultural, que revela os sentidos e valores que atribuímos às coisas e às pessoas. Assim, é que a concepção de mundo prevalecente foi, “naturalmente”, sendo moldada, de alguma forma, também através da linguagem, pelo padrão masculino, associado ao homem, e não à pessoa humana. Através do que se foi determinando como masculino, foi-se definindo também o feminino no mundo. A verdade, é que vivemos conjugando masculino e feminino bem mais além do que na linguagem. Infinitas combinações na arte, na poesia, na natureza, no dia a dia. Como qualificar masculino e feminino? Antônimos e sinônimos; antagônicos e complementares; diferentes e iguais. Mas, se na linguagem o plural dos gêneros é masculino, na vida assim não é....na gramática da vida, o plural dos gêneros é sempre, e ao mesmo tempo, masculino e feminino (*) Valéria Pandjiarjian é advogada, Coordenadora da Área de Violência do Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher e integrante do CLADEM Brasil

(5) A = 0 Campanha por uma Educação não Discriminatória na América Latina: 21 de junho Moema L. Viezzer Socióloga e educadora, fundadora da Rede Mulher de Educação cofundadora da REPEM- Rede de Educação Popular entre Mulheres da América Latina e do Caribe No alfabeto é assim: “A = O”. Duas letras diferentes, iguais em importância. Na vida dos seres humanos, naturalmente deveria também ser assim: iguais em direitos humanos e respeitados em suas diferenças de homens e mulheres. Entretanto, o rio da história da humanidade não seguiu esse ”curso natural” das coisas. Ao longo de milênios, a divisão sexual do trabalho e os papéis sociais atribuídos a homens e mulheres fizeram o gênero masculino sobrepor-se ao gênero feminino em relações sociais baseadas no binômio dominação/subordinação cristalizaram-se em todas as esferas da vida humana. O mundo mudou. Nos últimos anos, a presença feminina em funções cada vez mais diferenciadas no mercado de trabalho, na política, na administração, entre outros, trouxe a necessidade de traduzir para o vocabulário o que vem sendo vivido. O movimento de mulheres foi pioneiro ao identificar as concepções estereotipadas das características e papéis atribuídos a mulheres e homens e aceitar a diversificação hoje existente. Reitor de universidade pode ser reitora, assim como vereador, deputado, senador, pode ser vereadora, deputada, senadora. Delegados, consultores, peritos, podem ser mulheres ou homens. Menina que nasce pode vestir branco, verde, amarelo ou até azul e é tão desejada quanto menino por ser, como ele, um novo ser humano. Menina pode brincar com carrinho, menino pode brincar de boneca... sem problema. Em casa, homens se revezam com mulheres em todas as tarefas de reprodução da vida, no cuidado das crianças e dos trabalhos do lar... com muito prazer! A vinculação da mulher ao antigo pátrio poder masculino, primeiro do pai, depois do marido, aliadas aos vários tipos de negação e invisibilidade da mulher já são vistos como estereótipos de um traço social antigo, mesmo se a prática cotidiana ainda não é generalizada.

Como o eixo cultural que fazia do homem o núcleo das relações familiares, comerciais, profissionais e intelectuais foi deslocado, o desempenho da mulher no novo status que adquiriu trouxe outras exigências, que incluem mudanças profundas em relação ao que aprendemos tradicionalmente na educação discriminatória recebida na família e depois na escola, tanto no conteúdo como na linguagem dos livros de história, geografia, ciências, gramática, redação, matemática.... chegando até o conteúdo e a linguagem dos cursos de direitos, filosofia, engenharia, arquitetura e tantos outros, de nível universitário. Como conseqüência, emergiu a necessidade de revisar a linguagem em suas diversas formulações, exemplos e imagens que contribuem para perpetuar os estereótipos sexuais. A revisão da linguagem tornou-se, assim, um novo tema de aprendizagem permanente para crianças, jovens e pessoas adultas, independentemente da formação acadêmica à qual tiveram acesso. A linguagem sexista chegou a ser objeto de estudo tratado nos mais diferentes níveis de governo, chegando ao âmbito das Nações Unidas. Na 24a. sessão da Assembléia Geral da UNESCO, foi examinada a necessidade e a conveniência de se eliminar dos registros escritos e dos discursos orais “todas as formas discriminatórias de linguagem” em relação à mulher. Juntamente com outras questões relativas ao novo status que a mulher adquiriu, foram trabalhadas uma série de normas e resoluções, editados manuais de estilo e de redação e implantadas regras diversas em relação à questão. A UNESCO publicou, inclusive, uma série de Diretrizes para uma Linguagem Não-sexista. Um tema planetário de educação permanente Mas a linguagem sexista é fruto de uma prática social sexista, pautada pela educação sexista recebida na família, na escola, nas igrejas, no ambiente de trabalho e de lazer ou através dos meios de comunicação. A forma como um povo se expressa através de sua linguagem no sentido amplo da palavra, revela a qual é sua visão do mundo, quais são os valores e sentimentos que norteiam a dinâmica de sua organização social e psicológica. Neste sentido, mudar a linguagem sexista significa aceitar o desafio de romper com sistemas de educação e práticas sexistas para criar nova consciência e novas atitudes e formas de relações entre homens e mulheres.Este tema, trazido pelo maior movimento social mundial do século XX - o movimento de mulheres -, entrou na pauta de várias conferências mundiais do último quarto do século XX, quando as mulheres emergiram no cenário internacional. O evento mais significativo foi, sem dúvida alguma, a IV Conferência Mundial sobre a Mulher realizada em 1995 em Beijing, na China, que contou com a presença de 184 países e mais de 40 mil mulheres, culminando um processo de intensa mobilização dos movimentos de mulheres em nível mundial. No Brasil, mais de 800 grupos participaram do processo preparatório.

O resultado maior desta conferência foi a Plataforma Mundial de Ação orientada para proteger os direitos humanos das mulheres respeitando suas características individuais de raça, etnia, idade, condição física, social, estado civil e cultura. O governo brasileiro também assinou sem reservas a Plataforma com o elenco de propostas que os governos de todo o mundo devem implementar nas seguintes áreas: pobreza, educação, saúde, violência, direitos humanos, meio ambiente, comunicação, exercício do poder e participação política. Por incrível que possa parecer, alguns representantes de governos fundamentalistas presentes à Conferência tiveram dificuldade de assinar os parágrafo onde se afirma que “os direitos das mulheres são direitos humanos”. É um dado que revela o tamanho e o alcance desta questão ainda pendente em nível planetário e deixa clara a necessidade de esforços especiais para mudar as mentalidades de centenas de milhões de pessoas que ainda são

formadas de acordo com valores, crenças, leis e costumes que discriminaram o sexo feminino durante milênios. O capítulo da Plataforma sobre Educação aponta algumas destas questões a serem resolvidas: · · · · · ·

Assegurar a igualdade de acesso à educação para as mulheres de todas as idades; Erradicar o analfabetismo, assegurando o acesso universal das meninas ao ensino primário e secundário antes do ano 2015; Aumentar o acesso das mulheres à formação profissional e criar programas educativos para mulheres desempregadas; Velar para que as instituições educacionais respeitem os direitos das mulheres e meninas à liberdade de consciência e religião; Promover uma educação não discriminatória, eliminando toda e qualquer disposição legal que estabeleça diferenças por qualquer forma de discriminação; Elaborar currículos e livros didáticos livres de estereótipos para todos os níveis de ensino, inclusive para a formação de pessoal docente.

Por sua vez a UNESCO, na V Conferencia de Educação de Jovens e Adultos realizada em Hamburgo no ano de 2000, foi muito insistente na necessidade de rever totalmente nossos padrões mentais, desenvolvendo novas atitudes e adquirindo novas habilidades para um convívio harmonioso entre mulheres e homens convivendo em sociedade. A revisão da linguagem é ali incluída em sua expressão mais ampla, de representação social que, ao ser diferente nas pessoas jovens e adultas, repercutirá, naturalmente na educação das crianças. Em Campanha por uma linguagem e uma educação não sexista Desde 1991, a Rede Latino-americana de Educação Popular entre Mulheres – REPEM - realiza, cada ano, uma Campanha Educação Não-Sexista com data marcada: 21 de junho. Nesse dia, nos vários paises do continente, centenas de milhares de textos, poemas, letras de canções, desenhos, peças de teatro, concursos, programas de rádio e TV, publicações, seminários, etc. expressam na maior diversidade de aproximações, que “A=0”. Além das escolas e universidades, a Campanha busca chegar às empresas, órgãos públicos, organizações da sociedade civil, onde a redação de comunicados e documentos, pronunciamentos e palestras, publicações e materiais educativos, pode expressar nova postura frente à mesma questão: “A=O”.

Definitivamente, o reconhecimento da igualdade de direitos humanos de homens e mulheres na sua diversidade de condição humana passa também por uma linguagem não sexista. Naturalmente, ela só acontece quando igualmente se modifica a prática das pessoas que decidem incluir em suas vidas a “aprendizagem permanente da partilha do poder, do saber, do prazer e do bem querer entre mulheres e homens convivendo em sociedades que se fundamentam na igualdade, equidade e reciprocidade. Porque A=0 .” Educação não-sexista e não discriminatória é educação inclusiva.

A partir de 1998, a REPEm mudou o título da campanha. De educação não-sexista passou a educação não discriminatória. Esta mudança veio como evolução normal dos acontecimentos e do envolvimento da REPEM com as grandes campanhas anti-racistas. É normal que assim seja. Porque a mulher, discriminada por ser mulher, vive a discriminação de gênero de formas diferenciadas a partir de sua condição de classe, de raça e etnia ou de idade. Desta forma, a Campanha de educação nã-sexista e não discriminatória é, em última instância uma campanha de educação inclusiva de todos os seres humanos - mulheres e homens - nos vários ciclos da vida.

No Brasil, a Rede Mulher de Educação está promovendo esta campanha por iniciativa e participação de suas sócias-educadoras. Junte-se a nós: [email protected]. www.redemulher.org.br. Em Toledo: MVConsultoria de educação e gênero para projetos sócio ambientais : [email protected]

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