Animação da leitura1 A importância da animação da leitura Com os livros podemos organizar muitas actividades de animação da leitura que nos permitem aprofundar e enriquecer o seu conteúdo: partilhar ideias e trocar opiniões sobre o que mais gostámos ou sobre o que menos gostámos e porquê, dramatizar textos ou excertos de textos, recitar poemas ou contar lendas e histórias, construir objectos, personagens e cenários, escrever uma continuação e um fim diferentes das histórias que lemos... É sobretudo uma questão de começar, com vontade e imaginação, e de trocar experiências com os colegas e os amigos! Nesta pequena brochura apenas enunciaremos, de forma resumida, algumas actividades deste tipo que podem ser mais ou menos simplificadas e, na prática, resultar por vezes melhor ou por vezes pior do que a princípio supúnhamos. No entanto, gostaríamos de dizer, antes de tudo o mais, que para transmitir o prazer e a alegria de ler, o que é mais importante é que a pessoa ou as pessoas que o pretendem fazer, conheçam elas próprias o que é, efectivamente, a sensação de prazer e de alegria que a leitura nos permite. Leitura é diferente de animação para a leitura. Com efeito, ler é um acto individual, livre e silencioso e a animação para a leitura é um acto colectivo, orientado e festivo. As actividades de animação da leitura não criam, por si mesmas, leitores; mas podem fazer com que sejam ultrapassados medos, e podem mostrar que a leitura é mais do que os livros de estudo da escola e que o conteúdo dos livros pode ser muito divertido. Por outro lado, as actividades de animação, enquanto actos isolados, não têm, em si mesmas, grande interesse; devem sim constituir uma “atitude” permanente e integrada no quotidiano escolar. A principal regra é considerar que a leitura se adquire como um hábito que é simultaneamente um afecto e, portanto, fonte de prazer. E que é através da relação com um adulto que é um leitor afectuoso, que a leitura pode adquirir uma atracção-sedução 1 Para a elaboração desta segunda parte da presente brochura seguimos de perto os apontamentos da acção de formação Infância e sedução literária, ministrada pelo Grupo Peonza, em Lisboa, em Novembro de 1997.
irresistível. A leitura deve ainda ser considerada como uma corrida de fundo, uma maratona, que só termina no fim da vida de cada um. As actividades de animação para a leitura têm de ser criativas: não há receitas, apenas sugestões e intuições. O professor deve criar em torno dos livros um clima de acolhimento e de confiança, deve conhecer as crianças, saber o que gostam de ler e comentar as leituras que fazem; deve também ser o primeiro a dar o exemplo, ou seja, é bom que as crianças o vejam com um livro na mão.... A este clima/atitude de fundo, que deve ser simples e quotidiano, é importante associar também o desafio e o mistério: Este livro é para crianças mais velhas... Esta é a história mais misteriosa que eu já li! Este é um livro de amor e de aventuras... A animação para a leitura pode e deve ser feita em qualquer tempo e em qualquer lugar. Todas as situações podem ser boas para se falar de um livro, para se ler um livro, para se contar uma história e, sempre que uma oportunidade surgir, devemos agarrá-la. A animação da leitura não se deve restringir a actividades pontuais e específicas, deve ser permanente. Nas escolas, para além da animação da leitura propriamente dita, deve tentar-se que muitas das actividades escolares se desenvolvam em torno da Caixabiblioteca. O professor, ao criar uma atmosfera geral de promoção da leitura, deve tentar alargá-la às famílias. Pode, por exemplo, pedir aos alunos que leiam, em voz alta, livros aos mais velhos. E pedir-lhes que os cometem em família e que, os mais velhos, por sua vez, lhes contem histórias de que gostem ou que os livros lidos lhes fizeram recordar. Para envolver os pais e as famílias na promoção da leitura, temos de os ouvir e ouvir o que as crianças contam, temos de estar atentos e de recorrer à imaginação. A promoção da leitura é muitas vezes, para os professores, um terreno movediço porque queremos que seja um prazer, mas não podemos esquecer os conteúdos e os programas de ensino. As crianças e os jovens querem a leitura sobretudo pelo seu lado lúdico e de brincadeiras, e também pela liberdade que a leitura lhes permite viver. Nós queremos que as crianças e os jovens, para além da leitura das matérias escolares, vivam o prazer da leitura; mesmo dentro da escola, a leitura deve ocupar um lugar diferenciado do lugar que lhe é próprio na sala de aula, nomeadamente e neste caso, o lugar que se criar em torno da utilização da Biblioteca-caixa.
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Assim, e sempre que possível, os livros que sugerirmos às crianças e aos jovens devem ser significativos para o leitor, o que quer dizer que devem responder aos seus gostos, aos seus problemas, às suas experiências de vida. Devem tocar-lhes a sensibilidade, os sentimentos e as emoções, permitir-lhes aceder ao fantástico, a mundos mágicos e de fantasia, de aventuras e do conhecimento. Devem ajudá-los a sonhar, a imaginar, a viajar, a escaparem-se do mundo em que vivem, e ajudá-los a conhecerem-se a si próprios e a conhecer os outros e o mundo que os rodeia. O humor é um dos ingredientes-chave de toda a literatura, tanto quanto o factor surpresa, o nonsense, o disparate. Mas é necessário ter também em conta determinados aspectos de ordem literária como a correcção, a clareza, a brevidade e o vocabulário - que deve ser rico e sempre um pouco mais avançado do que o dirigido à faixa etária das crianças a que se destina. Os livros devem ainda poder encantar no sentido de falar da beleza, enquanto valor ético e estético.Os livros devem, também, contribuir para formar o nosso próprio pensamento. Devem ser plurais e transmitir todo o tipo de ideias. Devem levantar questões a que não dão resposta e que nos incentivem a construir o nosso próprio caminho. Para além destes apontamentos de ordem geral, gostaríamos ainda de chamar a atenção para alguns aspectos e alguns tipos de livros para crianças e jovens, nomeadamente os livros ilustrados e a poesia. Os livros ilustrados são muito importantes, principalmente para os mais pequenos, na medida em que não apenas tornam os livros mais atractivos, como são as ilustrações que praticamente contam toda a história. Assim, devemos explicar que as ilustrações não são uma repetição do texto ou um seu mero adorno. As ilustrações devem educar a sensibilidade e o gosto estéticos e permitir uma nova leitura do texto. Quanto à poesia, devemos ter presente que a maior parte das pessoas não gosta de poesia porque não aprendeu a ler poesia. No entanto, a poesia também contribui para educar a sensibilidade e o sentido estético e é importante ensinar os mais novos a descobrir a música das palavras e o seu ritmo, a sentir que as palavras têm som e corpo e que podem quase até tocar-se.
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Mas para sugerirmos leituras de que as crianças e os jovens gostem, o que é verdadeiramente importante é a opinião que vamos formando sobre o que vamos lendo. Desde que nos deixemos também guiar pela intuição e pelas recomendações e sugestões que nos são feitas por outros, adultos ou crianças, que leram os livros, e pela partilha de comentários sobre as leituras de que gostamos e com as quais nos sentimos identificados.
Sugestões para animação da leitura Contar contos A aplicação de técnicas de animação da leitura, devendo ser regular, pode ser diária ou pontual. A narração oral, o conto e as adivinhas, por exemplo, constituem um património da humanidade2 que remonta às origens do homem. No seu conjunto, a tradição oral encerra uma explicação do mundo, desde os fenómenos naturais até à transmissão de valores e normas de conduta, e constitui um veículo de socialização. Os contos falamnos, entre outras coisas, das pulsões mais profundas do ser humano e são referências sólidas para enfrentarmos os medos (e os monstros) reais ou imaginários com que ao longo da vida temos de nos confrontar, de modo a, assim, aprendermos a dominá-los. Nos nossos dias, com todas as alterações que a história, a família e a cidade sofreram, a memória oral colectiva corre alguns riscos de se perder. Muitos contos encontram-se esquecidos ou truncados. Para manter a vida e a força da tradição oral é necessário recuperá-la, respeitá-la e promovê-la na escola, na família, em grupos onde se contam contos. Assim, a selecção dos contos que vamos contar deve , em, primeiro lugar, basear-se no prazer, no agrado de quem os conta, não apenas de forma a preservar a componente afectiva necessária à sua transmissão, mas também de modo a que o narrador os possa dominar completamente3. Porque, para contar bem contos, tem de se gerar um clima de cumplicidade que é aferível nos olhos de quem ouve e de quem conta e propicia a atenção, o mistério, a intriga...
A leitura em voz alta
2 Algumas das constantes comuns à narração oral de todos os continentes são, por exemplo, a importância do que é artístico e o belo.
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Para criar hábitos de leitura, para iniciar à leitura, para recuperar para a leitura, para aproximar os jovens dos autores clássicos, devem fazer-se leituras em voz alta. As condições essenciais para que esta actividade resulte podem ser sistematizadas do seguinte modo: 1. A leitura deve ser gratuita e livre, sem utilização pedagógica ou didáctica, como um presente que é oferecido pelo leitor aos ouvintes; 2. A leitura deve ser feita num clima de tranquilidade, alegria e confiança; 3. A leitura exige silêncio e implica uma educação para a escuta e para a receptividade; 4. A leitura deve ser feita com correcção e com simplicidade, dando voz ao texto e não àquele que lê. Deve ser um acto de entrega, de generosidade e de carinho4. 5. É sempre preferível que o leitor leia textos que conhece e de que goste. No entanto, se a leitura em voz alta for uma actividade diária, o leitor deve diversificar as leituras de modo a que as crianças não ouçam só aquilo de que o leitor gosta. Na medida em que a leitura em voz alta revela sempre o cansaço, o aborrecimento e o desconhecimento do texto, a selecção das leituras deve conjungar o texto com o interesse dos ouvintes e com o daquele que lê. 6. A leitura em voz alta pode ter resultados imprevisíveis porque depende de factores que não podemos controlar: o ruído, palavras desconhecidas, interferências exteriores... 7. Deve oferecer-se a maior variedade possível de géneros de todos os tempos. 8. Deve graduar-se a complexidade e dificuldade dos textos e evitar-se os textos infantilizados.
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Para os mais pequenos, as histórias devem ser mais simples e referir momentos e lugares apropriados. Determinados clássicos, por exemplo, são de difícil leitura para as crianças; no entanto, se alguém lhas ler bem, essas obras tornam-se-lhes mais acessíveis. 4
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9. Pode articular-se a leitura com o comentário das ilustrações dos textos.
O Museu dos Contos O Museu dos Contos é uma das actividades de animação da leitura que foi concebida por um grupo de professores espanhol que se dedica activamente à promoção da leitura, o grupo Peonza (que, em castelhano, quer dizer pião). Depois de se contar ou de se ler uma história a crianças ou a adolescentes, constroem-se com as crianças os objectos mais significativos que a história refere. Estes objectos vão constituir uma das exposições do Museu dos Contos. Pode também construir-se uma porta especial: três paus grandes atados com palha, dois dos quais, que deverão ter a altura das crianças, se enterram no solo. É a porta mágica que dá acesso ao Museu dos Contos. Esta porta significará a entrada mágica para o mundo da fantasia e, por isso, antes de entrar todos terão de dizer umas palavras mágicas (inventadas) que lhes permitirão o acesso a este Museu do maravilhoso.O Museu dos Contos pode ser num sítio qualquer. Pode ser ao ar livre ou na própria sala de aula. Lá dentro, para além dos objectos expostos, podemos desenvolver toda uma série de actividades que devem ser pensadas tanto para as crianças ou adolescentes, como para os pais e os familiares: - assistir ao reconto da história feito pelas crianças que vão, simultaneamente, mostrando os objectos do conto; - fazer a teatralização da história; - ler e mostrar o livro de onde a história foi retirada. Antes de todos sairem do Museu dos Contos pode também pedir-se a cada visitante que deixe um testemunho, oral ou por escrito, do que ali viu e ouviu.
O caderno diário da Biblioteca-caixa
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Na Biblioteca-caixa encontra-se um caderno no qual gostaríamos que os professores responsáveis pela Biblioteca-caixa fossem anotando sugestões, dúvidas e críticas sobre o trabalho que forem desenvolvendo com esta Biblioteca. Embora gostássemos que não tivessem grandes preocupações formais com o que vão escrevendo e que o fizessem um pouco ao sabor da utilização quotidiana da Biblioteca-caixa, desde já propomos que nos digam o que, depois de um ano de trabalho, verificaram acerca de: - Quais os livros ou o tipo de livros mais lidos? - Quais as faixas etárias (crianças ou jovens ou adultos) que mais se interessaram pelos livros da Biblioteca-caixa? - A organização documental da Biblioteca-caixa e do empréstimo dos respectivos livros funcionou bem ou não; se não porquê? - Que alterações sugerem que façamos na concepção e organização de outras Bibliotecas-caixa? E, daqui a um ano, contamos com notícias vossas sobre as Bibliotecas-caixa.
Boas leituras! Bibliografia (O seu a seu dono) Grupo Peonza - Abcdario de la animación a la lectura. Madrid: Asociacón Española de Amigos del Libro Infantil y Juvenil, [1995?] Grupo Peonza - Apuntes de Literatura infantil: cómo educar en la lectura. Madrid: Alfaguara, [1993?] Grupo Peonza; IPLB - Apontamentos da acção de formação Infância e sedução literária:. Lisboa: 1997
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