Interfaces entre Filosofia e Sociedade João Gilberto Engelmann*
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Por consenso puro de nossa razão, seguiremos o itinerário, no discurso que põe no horizonte a aporética entre Filosofia e Sociedade, e seus possíveis diálogos, por procedimentos sistemáticos, à medida que nos parece possível, no âmbito próprio especulativo. Trabalhar-se-á, em um momento primeiro cada conceito distintamente, tratando, pois, de concilia-los numa etapa posterior da exposição. Ainda, cada aspecto elencado justificar-se-á por movimentos dialéticos internos na proposição de uma unidade genérica razoável. Tanto Filosofia, quanto Sociedade, serão discutidas como complementos não estanques à formação integrada do homem filosófico/cidadão. Nessa perspectiva, dotamos tal escrita, por um apreço especial ao filósofo de Stuttgart, de elementos propriamente desenvolvidos por Hegel, por mais que nossa angariação epistemológica em relação ao autor nos seja limitada e contingente. Ou seja, os prospectos da dialética hegeliana, onde se vê a cooperação entre as partes da tese e antítese na idéia de consolidar uma síntese que represente e conserve as verdades ditas por ambas
as
partes,
serão
visíveis
ao
olhar
criterioso.
É
por
tais
movimentações do texto, que se pode perceber a interconectividade dos elementos
de
composição
da
Filosofia
e
da
Sociedade
e
suas
possibilidades e capacidade de diálogo. Para
eventuais
frustrações,
deixamos
explícito
nossa
limitação
de
conteúdo, nossa contingência epistêmica, assim como as amarras que *
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possuímos na relação estabelecida. Toda proposta de unidade entre saber teórico e práxis efetiva são práticas posteriores que se dão de maneira imediata ou mediatizadas. O seguir da exposição revela seu caráter, por conta da necessidade, puramente especulativo de elevação do tema à dimensão noética. Destarte, não se pode direcionar o processo por vieses ainda desconhecidos. Para tanto, o trabalho de escrita deste não se norteou por caminhos desconhecidos de quem está adentrando o universo mais propriamente dito da inteligibilidade. Podemos, à medida do estudo, debruçarmo-nos somente frente àquilo o qual somos sabedores, por mais que este saber, ainda, seja relativo e deficiente. Ainda, a discussão proposta para tal escrito tomará a Filosofia como dimensão da subjetividade; a Sociedade como o âmbito objetivo e, assim, uma síntese entre ambas –interface- na perspectiva dialética indicada. Para além disso, perceberemos a Filosofia como a oportunidade do racional e como pressuposto da práxis. Consoante a isso, a Sociedade passará a ser vista como o terreno da formação cultural, justaposto à dimensão do trabalho. Ao que se chegará, na interface de ambas, é o caráter intersubjetivo que tal conseqüência comporta, assim como a sua característica de possível realidade. Para firmação de tais propósitos, direcionemo-nos à compilação de tal ementa. Filosofia: a dimensão da subjetividade De
imediato,
no
vislumbre
de
tal
expositivo,
remetemo-nos
a
pensamentos que configuram a atividade filosófica na dimensão do inteligível, do racional, do puro noético. De tudo isso, a ciência filosófica já acumula críticas por tal interpretação de seus procedimentos. A ela predica-se, arbitrariamente, uma acusação de que são, os filósofos em geral, artífices de uma saber puramente formal onde a conciliação para com a prática dá-se deficiente ou nula. Mais precisamente o senso comum (não que queiramos depreciar o já depreciado bom senso) formula críticas que desenham a atitude filosófica como a âmbito puro subjetivo. Para tais,
o ato de especulação da Filosofia não possui, frente à onda do utilitarismo vigente, questão melhor abordada posteriormente, o pragmatismo que o espírito da sociedade atual atribuiu à vida. Para tanto, é bom reiterar pequenas distorções quanto ao sentido verdadeiro que a subjetividade nos exige. Na Filosofia criam-se determinadas contingências, oportunas ao processo evolutivo do pensamento, que são suprassumidas num estágio mais próprio e condizente com a História, realidade onde a filosofia se desenvolve.
Assim,
o
período
Moderno,
nesta
suprassunção
das
contingências gregas e medievais, configura-se como passagem do Teocentrismo ao Antropocentrismo, da Ontologia à Epistemologia e, o mais propriamente interessante, da objetividade para a subjetividade. Justaposta
aos
processos
teocêntricos,
a
racionalidade
moderna
suprassume em sua dialética interna o cosmocentrismo, visão grega de legitimação do cosmos. Ao passo desta movimentação paradigmática, há a simultânea passagem do ser ao pensamento. A reflexibilidade inteligível ganha o terreno propício que não suprime o se, mas o remete ao pensar. Há, em desdobramentos posteriores da filosofia moderna, uma separação e depois união do ser e do pensar. Por hora, só admite-se a mudança que focaliza a discussão no pensamento.1 filosófica que alcançou
É, pois, a Modernidade a etapa
a dimensão mais fortemente humana
dos
processos do conhecimento. É nela que se problematiza a pergunta pelo ser humano. Surge aí, uma antropologia como o equilíbrio entre os dizeres metafísicos, razão universal, e éticos, ou terreno da vontade livre; é, pois, a partir de tais desdobramentos que este equilíbrio antropológico pensa o ser humano no processo dialético de natureza{N}, sujeito{S} e forma {F}.
Na filosofia kantiana assimila-se por suas obras, um caráter separatista entre ser e pensar. Para Kant, o ser é enquanto pensamento distinto de seus momentos sensíveis. Fenômeno e Nûmeno distinguem duas faces de um mesmo Homem. Já em Hegel ser e pensar são novamente conjugados e postos um em relação imanente um ao outro. 1
Detendo-nos
mais
explicitamente
à
dimensão
da
forma,
neste
“dialogismo” interno, vislumbra-se a prédica filosófica como exteriorização desta forma. O homem passa a integrar-se e perceber-se natureza e sujeito nesse movimento convergente que desemboca na síntese de seu pensamento expresso na forma. É a forma a dimensão onde a inteligibilidade é grafada no recôncavo mais longínquo do ser do Homem. É nessa esfera que afloram os desdobramentos subjetivos que passam a ser
pensados
em
vista
dos
demais
indivíduos
subjetivos
que
a
racionalidade comporta. Ou seja, todo esse itinerário de perceber-se subjetivo, empreendido pela Modernidade, só passa a significar uma verdadeira atitude de reconhecimento do Homem à medida que não o torna individualista. O cultivo da racionalidade requer, como condição de validade, a conservação da subjetividade própria em função das demais subjetividades próprias. É essa aproximação de consciências livres e percebidas subjetivas que se torna possível pensar uma corporação organizada que viva bem, neste paradoxo do sobreviver mal. Requer-se, portanto, como condição de validação da subjetividade como positiva, terse em mente essa exigência de interconexão entre os nexos do âmbito social. Ainda,
todo
o
procedimento
epistemológico
identifica-se
tendo
no
horizonte do pensamento o sujeito, o objeto e a relação. Ou seja, estanques, a Psicologia, a Ontologia e a Lógica não conseguem unificar com
propriedade
todo
o
movimento
do
Homem
em
busca
do
conhecimento. È necessário que estes estágios estejam conexos em vista da formação integral do ser humano. E remetendo-nos ao campo psicológico, no vislumbre do sujeito, perceberemos, auxiliados pela filosofia contemporânea, a insuficiência de pensarmos um sujeito singular, distinto, do qual, unicamente, parte todo movimento de relações estabelecidas como o objeto. Voltamos, pois, à questão da subjetividade e necessidade de uma intersubjetividade. Parece necessário o surgimento de um sujeito 2 que, a partir do diálogo estabelecido com o sujeito 1, possa
compreender
a
leva
sistemática
latente
no
processo
do
conhecimento. Reitera-se, aqui, a vital e imprescindível conexão das subjetividades. Assim, o caráter subjetivo da Filosofia passa a ser encarado legitimamente como conseqüência positiva da valorização do ser humano. É a filosofia o espaço onde se volve o olhar na direção mais importante do Homem: a felicidade consigo mesmo e com o ser-outro, angariado justamente por essa relação entre realidade objetiva, a sociedade em geral, e sua realidade interna, ou a subjetividade. O saber filosófico como pressuposto da práxis A crítica acima citada em relação à Filosofia ganha, neste momento, um corpo mais robusto na discussão filosófica. Tendendo mais propriamente às questões relacionadas à dimensão teorética da ciência filosófica, perceberemos seu caráter, percebido pelas ciências externas, além do senso comum, mais compacto no tocar da especulação. É a Filosofia o terreno dos pensamentos, das idéias, dos discursos que, ao longo da tradição filosófica, ganharam distintas conceituações. Desde as prédicas sofistas até o uso concreto da filosofia de Marx, é que se percebe as contingências históricas que delineiam as múltiplas interpretações da situação filosófica. A Filosofia em si seguiu um processo linear cronológico que não abarcou um engessamento dos pensamentos originários do contexto pré-filosófico. Resultado disso, foram inúmeras filosofias que sulcaram na História posições e teses merecidamente consideráveis, tendo ou não relação à prática. No entanto, toda ação, começando por uma abordagem propedêutica da Filosofia, requer os raciocínios dispostos no âmbito filosófico. É por intermédio de tais raciocínios, que todo e qualquer parecer coerente precisa dotar-se da lógica filosófica. A objetividade só torna-se razoável à medida que uma teoria lhe precedeu. Os desdobramentos imaginativos são condições para a posterior exteriorização da idéia. Ou seja, esta idéia só encontra sua razão de ser no mundo sensível à medida que existiu
preliminarmente no pensamento, âmbito filosófico. É, pois, a teoria uma organização da idéia e é a idéia o próprio pensamento.2 Fazendo, pois, um giro em torno da nossa sociedade constituída, perceberemos explicitamente o cunho propriamente tecnicista que a ação do sujeito adquiriu. O pensamento praxiológico perde, em dias de “louvável” utilitarismo, para outra dimensão da ação, aquela que se percebe intimamente ligada ao objeto. O contexto sulcado por inúmeros fatores, entre eles a política econômica neoliberal, direciona o olhar humano para um aperfeiçoamento do objeto, e este em seu caráter monetário. A relação passa a ser estabelecida unicamente de sujeito para objeto, contrária à proposição sujeito/sujeito, como imagina a práxis. Todo vislumbre que se faz do ser humano (sujeito), tem no horizonte da observação um fim último que é sua produção enquanto força de trabalho ( objeto).3 Chegamos, pois, a uma pergunta norteadora de todo nosso discurso: o que tem a ver a Filosofia com a ação propriamente dita? Ora, é a Filosofia o sentimento da inutilidade, na observação de Eduardo Prado de Mendonça (MENDONÇA, 1984, cap.VI). Segundo o autor, a Filosofia tem um fim em si mesmo, ou seja, sua finalidade última é estabelecer em si mesma a dimensão da utilidade. Deste ponto de vista, a Filosofia é simplesmente inútil. No entanto, o saber filosófico está muito além de tão trivial constatação. O ethos filosófico é muito mais que apropriar-se da Cabe-nos, aqui, pequena ressalva: caso a racionalidade que atinge o momento destas palavras gera em si o especulado dissenso de que se fala, e no qual a constituição da natureza do pensamento é perpassada pela idéia fixa no teor filosófico de determinado autor, e o qual, ainda, contraria o almejado consenso que identifica a tarefa da Filosofia de propor-se como característica e libertadora, ainda assim mantenho o propósito inicial de apenas direcionar-me pelo sabido, jamais pela alvura do dever-ser do conhecimento.Ora, a suscetibilidade da razão ao externo, e ainda mais no âmbito filosófico, é evidente pela exposição e imposição dos “quem?” e dos “como?” da tradição filosófica. Quantos às críticas de que tão pobre ensaio direciona-se numa perspectiva demasiada hegelina, afirmo-lhes não o ser, pelo simples fato de não ser um sabedor razoável da Filosofia de Hegel. O que se sabe é, por sua vez, contingente e excessivamente pouco, caso admita-se a contrariedade desta expressão. 3 Nesta altura, o ser tomado como objeto pressupõe as relações de trabalho estabelecidas na economia neoliberal. 2
tradição e da história e atribuir-se um fim em si mesmo. É para além disso, perceber-se racional e estabelecer tal faculdade no cuidado e exercício da práxis cotidiana. Ter me mente a proposição filosófica é imbuir-se de um espírito de eterna interrogação sem cair-se num relativismo supremo ou em estado de descrença. Não é a Filosofia o divagar sobre o absurdo. Pelo contrário, é perceber o absurdo nas suas mais diversas e sutis formas em que este se configura nas civilizações atuais. Para o pensamento filosófico, em uma análise contextual atual, o absurdo são as demasiadas incongruências entre os sujeitos. É irracional à Filosofia, e/ou não só à ela,
conceber uma sociedade deliberadamente
cáustica no âmbito da desigualdade, onde as formulações econômicas estabelecem paradigmas comportamentais a serem seguidos. Nosso contexto está marcado pela aparente impossibilidade de se manter relações intersubjetivas de sujeitos livres. E isso por dois motivos. Este porque a dimensão da subjetividade, como outrora salientado, perde espaço para a onda utilitarista que pensa o Homem pelo caráter objetivo de sua produção; aquele, ocorre pelo simples fato de não possuirmos, em meio a falaciosos discursos de direito e liberdade, sujeitos plenamente livres. E mais, tal liberdade, longe de um puro desejo arbitrário, só pode ser implementada à medida que a consciência dos singulares se veja responsável pela mudança de determinadas ideologias. Porém, num contexto de supressão da reflexibilidade, tal reconhecimento vê-se quase que impossibilitado de efetivação. Para tal situação, é que a Filosofia apresenta-se como ajuda imediata. Longe de uma pensamento reducionista de salvação, a reflexão filosófica, este voltar-se para si mesmo, propõe-se como formulação teórica de uma posterior prática. Não podemos dotar-nos da ingenuidade típicas das massas, e ter a ação como resultado da causalidade. Todo o processo da práxis deve ser engendrado numa dimensão filosófica do pensar a ação, para que não se caia numa ofensiva infortuna que desmerecerá o sentido da
luta.
É
a
partir
da
idealização
das
causas,
procedimentos
e
conseqüências é que se pode estabelecer um fundamento sólido e promissor para uma transformação social. Assim, a Filosofia percebe-se muito além de pura crítica à práxis social humana. Constitui-se, além disso, como precessora e orientadora da efetivação do momento objetivo da razão e das ações coerentes que, a partir disso, fazem-se possíveis. Sociedade: a dimensão da objetividade Não dizemos, por tal proposição, que é a Sociedade o unívoco terreno onde, soberanamente, reina a objetividade. Esta objetividade é aqui entendida como a manifestação ou exteriorização se um ser que, em estágio primeiro, era subjetividade pura. É sim, a idéia manifestando-se no âmbito objetivo da Natureza. A racionalidade que nos foi merecida traz consigo a latente contradição de não vigorar eternamente como idéia pura. Traz dentro se si o desejo de determinar-se frente ao campo objetivo.
É,
econômicas,
pois,
a
Sociedade,
religiosas,
etc.,
a
em
suas
conseqüência
organizações de
uma
políticas,
negação
da
imediatidade da natureza.4 É tal negação manifesta que faz com que o Homem crie sua própria natureza, ou seja, delineie sua própria cultura em função de uma espacialização do tempo. Para tanto, a Sociedade apresenta-se como o terreno fundamental da formação cultural.
A
objetivação dos ideais da racionalidade atribui a essa sociedade o caráter de campo específico de sua atuação. A Sociedade como é organizada traduz a manifestação da própria racionalidade como processo necessário de firmação do Homem enquanto exterior. Porém, o desdobramento da filosofia
criadora
da
cultura
não
se
configura
como
negação
ou
sobreposição da História, assim como única razão de justificação da mesma. História e cultura são sujeitas do movimento dialético que em si A explicação que identifica esta negação da Natureza aqui não é entendida por sob os aspectos da destruição sofrida por esta natureza. Tal negação é, pois, apenas o afastamento racional das imposições naturais e criação da cultura histórica humana. 4
as
conserva.
Esta
filosofia
estabelece
a
união
que
as
norteiam,
identificadas como constitutivas, à fundamentação do ser humano. No entanto, sendo a Sociedade a tábula rasa onde o Homem traça sua cultura, esta deve representar fidedignamente a idealização cultural humana. Porém: a Sociedade, tal e qual se apresenta, denuncia a pobreza do empreendimento cultural humano ou não traduz corretamente tais ideais? Valendo-nos da literatura, vemos em José André da Costa: Na História da Humanidade, percebe-se o desejo do ser humano de participar, de decidir, de assumir-se. Revela-se sua insatisfação que aponta para a necessidade de participação, tornando-se construtor de si mesmo, do mundo, da História, da cultura. Sem participação, o Homem seria fruto do ambiente, determinado, sem liberdade e incapaz se ser e de se construir humanamente (COSTA, 2006, p.50)
A partir do que nos diz o autor, aparecem-nos mais questionamentos: se na História da Humanidade fica evidente a necessidade de participar, decidir e assumir-se, por parte do Homem, como explicar o descaso, a passividade ou a normose5 instaurada no seio da sociedade atual? Não queremos, pois, direcionarmo-nos por posições pessimistas ou fatalistas, até porque muitos resistimos à depredação do senso crítico constitutivo do Homem, assim como aquela dimensão do participar, decidir, assumir-se. No entanto, há todo um contingente que não participa, decide, e muito menos se percebe responsável pelo processo de constituição de uma sociedade. As relações para com o todo da sociedade limitam-se ao âmbito econômico numa fluente troca de informações, no auxílio da cultura imagética, que suprimem de imediato a prática dialógica. Porém, a atitude contemplativa de tal situação não deve contentar-se em suas
constatações.
Entramos
novamente
no
universo
filosófico
do
Normose é aqui entendida como sinônimo da expressão, estabelecida por COSTA, “patologia da normalidade”, expressão esta que transpassa o universo social e traduz a atitude passiva de determinados indivíduos da sociedade. 5
reconhecer-se sujeito. Deparamo-nos com o apelo da Filosofia na constituição de um ser humano que mereça o duplo termo aristotélico: zoon logikón. Manter-se alheio à situação paupérrima do uso degradante de nossa razão é contentar-se com a “animalidade”, contentar-se com um unívoco zoon que carrega sobre os ombros a carga da irracionalidade. Portanto,
a
Sociedade
como
dimensão
de
objetivação
de
nossa
racionalidade carece de um exercício maior de tal faculdade.
Caso
mensurarmos nossa capacidade racional de criação da cultura pela medida com que estamos tratando as contingências sociais que, mal ou bem, criamos, perceberemos a insuficiência do uso de tal razão. Não é a Sociedade uma constituição imaginativa ou irreal que se delineia pela causalidade; é, pelo contrário, a tradução de nossa práxis, em alguns casos poiésis6 no tratar das capacidades reflexivas.
A Sociedade como
terreno da formação cultural, política, econômica, etc., é o prospecto real de nossos acertos e erros na auto-constituição enquanto históricos racionais. Sociedade como dimensão do trabalho Em Hegel lê-se: A mediação que, para a carência particularizada, prepara e obtêm um meio adequado também particularizado é o trabalho. Por meio dos mais diferentes procedimentos, especifica a matéria que a Natureza imediatamente proporciona para os diversos fins. Essa elaboração confere ao meio o seu valor e sua utilidade; no consumo, o que o Homem encontra são, sobretudo, produtos humanos, e o que utiliza são esforços humanos.(HEGEL, 1997,P.176)
Existe toda uma leva de relações que podem ser estabelecidas entre práxis e poiésis. Neste caso, ambas não são identificadas como sinônimos. A relação praxiológica vigora na significação do movimento do sujeito para o sujeito; já a poiésis, é a dimensão em que os intrincados no movimento são o sujeito e o objeto. 6
Neste trecho de sua Filosofia do Direito, Hegel estabelece um de seus pareceres sobre o trabalho: o trabalho como negação e transformação do dado imediato natural na constituição de produtos humanos, afastados da natureza, e produzidos por força também humana. Ou seja, o conceito de trabalho só possui inteligibilidade no meio humano, através dos processos de concepção, transformação e uso. Sucintamente, em Hegel o trabalho assume o papel principal de garantia da liberdade e justiça no Estado. É o meio pelo qual o Homem nega a Natureza e percebe-se livre. No entanto, o próprio trabalho estabelece em sua dialética interna diferentes concepções. Na diferenciação estabelecida por Hannah Arendt7, por exemplo, ficam evidentes as distinções que o trabalho adquire ao longo do processo constitutivo das sociedades. São porém, partes consoantes do conceito de trabalho e que não devem ser pensadas separadamente. Possuem em si o caráter da coerência consigo mesmo sem desprenderem-se da universalidade que compreende o conceito, que em si é universal. São eles o labor, o trabalho e a ação. No labor, o Homem enquanto Natureza, ou relação simbiótica com esta, efetiva sua dimensão bio-fisiológica. O espaço natural, que ainda não é de transformação, lhe é como que sua casa (oikia) e representa o suprimento de suas necessidades puramente animais, ou seja, é este processo a esfera doméstica de garantia ou preservação da vida sensível em seus estágios fisiológicos. Partindo imediatamente para a dimensão do trabalho, vista nossa brevidade, percebemos aqui a racionalidade do afastamento da Natureza. Há, pois, a suprassunção da fase de vitalidade constituindo-se, agora, um espaço para a produção que se artificializa no fazer do Homem. A mera produtividade
subsistencial
é
transpassada
por
atividades
que
estabelecem meios e fins no comportamento do fazer humano e que resulta na perfeição e permanência da produção afastada da Natureza.
Não há aqui, uma disposição mais compacta das concepções de Arendt. Logicamente, o pensamento da filósofa em rtelação ao tema vai muito além de tão esporádicos e pobres tópicos. 7
O resultado último que deve comportar esse movimento de suprassunção, no
conceber
arendiano,
é
a
práxis,
a
ação
do
sujeito
homem
suprassumido no desenvolver histórico de suas sociedades. É este o espaço da relação dos sujeitos, na segurança de uma subjetividade garantida, sem a mediação das coisas, ou seja, é o terreno fértil das relações políticas. Agora, a coisificação artificial da Natureza é apenas pressuposto exterior da intersubjetividade dos processos humanos, condição para o pensamento encontrar-se no âmbito do espírito absoluto, numa diálogo mais hegeliano. Instaura-se, aqui, a dinâmica relacional que possibilita a interação com o outro. Para o momento efêmero que este ensaio comporta, percebemos, minusculamente, aspectos de trabalho em duas concepções. Seria necessário, para um fim mais próprio e verdadeiro, dedicarmos parte maior da escrita no discurso sobre o trabalho, tendo em vista o caráter por este assumido nas sociedades pós-modernas da onda capitalista neoliberal. Porém, contentamo-nos com tal brevidade e reiteramos: é a Sociedade a esfera onde todas as relações, incluindo as trabalhistas, são estabelecidas com infinitas intencionalidades no processo de autoformação do Homem. Interfaces entre Filosofia e Sociedade Discursamos brevemente, no exposto acima, sobre o caráter subjetivo da Filosofia, num sentido de positivação do termo, e também da dimensão objetiva da Sociedade. Esclareçamos: não é a Filosofia o campo da pura subjetividade; tampouco é a Sociedade a objetividade pura onde suprimese as subjetividades em função do material. Por mais que na sociedade ocorram procedimentos de tal forma objetivos, o conceito de Sociedade compreende-se
como
terreno
das
relações
entre
sujeito/sujeito,
sujeito/objeto. Portanto, não são, Filosofia e Sociedade, momentos estanques de racionalidades distintas; são antes, momentos dialogáveis das dimensões do Homem.
Propomo-nos, agora, a salvar uma possível síntese que aplique a Filosofia no âmbito da Sociedade e vice e versa. Não raramente, a conciliação entre a Filosofia e Sociedade é desistida a medida que se compreendem como dimensões absurdamente distintas da realidade humana. Nisso, a realidade objetiva da Sociedade não comporta dentro de si a extremada subjetividade e abstração sugerida pelo pensamento filosófico. Aqui, resume-se
a
problemática
que
dificulta
uma
interconexão
mais
propriamente explícita entre Filosofia e Sociedade. No entanto, a dimensão teorética e praxiológica da Filosofia, em tempos tecnicistas, parece ir contra a onda objetiva e poiética das sociedades capitalistas, na expressiva coisificação neoliberal. Talvez aqui resida a razão primeira desta falta de conciliação entre a teoria e a prática filosófica com as situações da Sociedade. As ideologias intrincadas e sutilmente dispostas na Sociedade travam no ser humano o pensamento reflexivo, condição para o contingente filosófico. Tal síntese entre ambas vê-se dificultada pelo discurso da produção fluitiva sulcado nas subjetividades que, a partir deste processo perdem gradativamente sua condição de subjetivas. Resume-se nisso, a impossibilidade de síntese entre Sociedade e Filosofia. Ao homem objeto de produção, a Filosofia é caracterizada como inútil não por ter um fim em si mesmo, na dita concepção de Eduardo Prado de Mendonça, mas por ser percebida como desnecessária diante de uma Sociedade que não dispõe de tempo para refletir. No entanto, apesar do contexto percebido, ainda assim a Filosofia, pertinentemente, apresenta-se disposta a tal conciliação. E nela esta abertura necessária onde os contextos e as realidades são abstraídas no pensamento, no cultivo de uma racionalidade crítica e interrogadora. O dever-ser da Filosofia é o eterno questionar-se diante das contingências que se lhe apresentam. A Filosofia, uma vez conjugada à Sociedade, tornará esta, sem apresentar-se numa perspectiva reducionista salvadora, o meio onde as atitudes a ações passam primeiramente pelo crivo da razão crítica. Possibilita-se aí, uma Sociedade racional crítica capaz de voltar-se sobre si mesmo e perceber-se insuficiente. Será esta a condição
ao processo evolutivo na perspectiva da formação integral do ser humano. Isso porque, a Sociedade que vigora não se apresenta como estágio perfeito de uma organização que já foi pior. Possui ainda contingências e, talvez sempre as possuirá. No entanto, não com um contentare-se ingênuo que atingiremos uma melhor significação para nós mesmos dentro da Sociedade. É antes, com uma interação entre o ser filosófico e o ser da Sociedade que no fundo são os mesmo sujeitos de seu próprio processo de formação. A intersubjetividade no pensamento unificado da síntese. Uma vez estabelecida a unidade de uma Sociedade filosófica no tocar das relações, cria-se, de imediato, o terreno propício da intersubjetividade. É, pois, a partir da conciliação das esferas interconexas que surge o espaço de aproximação e diálogo das subjetividades, já libertas do individualismo. No entanto, é necessário que as subjetividades livres se percebam livres em vista das demais consciências libertas. Destarte, a subjetividade só é realmente livre à medida que reconhece e é reconhecida pelas demais. Não se pensa uma singularidade livre e exclusiva de seu contorno. Ser indivíduo livre requer, necessariamente, demais singularidades livres para a possibilidade da plena e real liberdade. Assim, sou livre a medida que me percebo livre e reconheço no outro a minha e a sua liberdade. Portanto, citar a intersubjetividade é ter em mente essa relação permanente de conhecimento e reconhecimento. As sociedades, em si, só são livres à medida que conferem às outras e aos seus próprios indivíduos a consciência da liberdade. Em vista disso, toda nação organizada politicamente não pode prescindir do caráter de reconhecimento de si própria, das demais e dos indivíduos que a compõe. É essa, a condição pura e simples de uma Sociedade livre. E é nessa perspectiva que se deve lançar olhar por sobre nossas sociedades e questionar, no uso filosófico, a parcela de liberdade verdadeira que se está atribuindo a si mesma e aos seus constituintes.
Uma razão de verdadeira síntese entre as esferas subjetivas e objetivas exige um pensamento para além da imediatidade do recôncavo singular. Ser subjetivo e objetivo requer flexibilizar a razão na compreensão do todo da Sociedade, que inclui desde as subjetividades intrincadas no processo, até a cultura formada pela união de trais subjetividades. Unificar o pensamento numa síntese, que não é o absoluto imutável, mas nova condição à dialética, é representar a universalidade do mundo na particularidade da Sociedade primando, ainda, pelas singularidades que trazem,
dentro
de
si,
a
compreensão
desse
universal.
Ou
seja,
universalidade, particularidade e singularidade são momentos próprios que trazem em seu bojo uma dimensão também própria sem perder a dimensão do todo. É conjugar em si o amplo sem perder de vista sua perspectiva de autonomia. Finalizar este processo, não significa esgotar o tema que pensa uma interface entre Filosofia e Sociedade. A temática requer muito mais que estas paupérrimas conclusões a que chegamos. Pensar a Filosofia conectada à Sociedade exige um movimento de superação e suprassunção dos estágios ainda defectivos na constituição da liberdade em vista de si próprio e do meio criado. O todo da Filosofia compreende o todo da Sociedade. Para tanto, bastaria organizar uma sociedade de tal sorte constituída a também compreender em seu todo o todo próprio da Filosofia. Essa unificação é que legitima a teoria filosófica em função da práxis, ação da e na Sociedade.
BIBLIOGRAFIA COSTA, José André; Sabor, saber, sabedoria:reflexões sobre temas do cotidiano. Passo Fundo: IFIBE, 2006 HEGEL, Gerg W. Friedrich; Princípios da filosofia do direito. Trad. Norberto de Paula Lima. São Paulo: Ícone, 1997.
__________Fenomenologia do espírito Trad. Paulo Menezes 6ª edição. Petrópolis-RJ: Vozes, 2001. MENDONÇA, Eduardo Prado; O mundo precisa de filosofia 7ª ed. Rio de Janeiro: Agir, 1984. ARENDT, Hannah; O que é Política? Rio de Janeiro: Bertrant, 2002.