Imagina sem fim.
Não combinamos nenhuma hora, mas ele apareceu na altura que previ, de manhã. Vinha limpo com um casaco escuro que usava quando o conheci pela primeira vez. Eu soube que era ele quando ouvi alguém descer o caminho de terá deformado nas ultimas chuvas. Não, eu não o esperava. Simplesmente, como nunca espero ninguém, estava à porta de casa confrontado com a estranha luz do sol dessa amanhã. Sem qualquer motivo aparente, hoje dei pela manhã quando habitualmente me distancio dos períodos vagarosos dos dias, sai de casa e fiquei porque ali me apeteceu ficar, isto é, sabia que ele vinha, só não o esperei. Eu já ouvia os passos perto de mim e, sem lhes prestar demasiada atenção relembrei tudo. Ele chegou e cumprimentamo-nos cautelosamente. Eu não tinha nada a dizer, nunca digo nem pergunto nada aos meus clientes ou vendedores. Evito sempre as palavras que iludem, e neste negócio e importante nunca perder o porte. A camisa branca que trazia tornou-se luminosa quando se expôs daquela forma intrigada para a luz. Eu sentia-me cada vez mais envolvido naquela situação e concentrava-me nele. Mas estranho, que medo tenho dele! Mas desarmo-me perante esse medo. Apertei as mãos quando me apercebi disto e quebrei a distância quando lhe perguntei: «Quer vê-las?» Ele, firme, respondeu afirmativamente. E quando lhe pedi que esperasse, quis também pedir-lhe que entrasse, e só não o fiz, não só por nunca ter convidado os clientes para minha casa, mas também por não querer perturbar o rosto iluminado, que era a imagem mais nítida que eu construíra dele. Quando voltei ele estava sentado na soleira da porta. Coma cabeça levantada e sorriu para mim com os olhos negros. E não para as minhas mãos onde as trazia. Levantou-se e veio ter comigo a meio caminho em dois passos breves. Eu abri o lenço num banco de pedra e mostrei-as. Ele olhou-os e fixou a prateada. Perguntou se podia pegar nela, e sem o meu consentimento, com a mão toda ergueu-a para pegar-lhe. Olhou o sol e disparou. Eu fiquei completamente absorvido naquele estalido metálico e frio. Ele olhou-a repetidamente como se quisesse fundi-la com a mão, e acabou olhando para mim. Eu sentei-me junto ao lenço aberto e encostei-me à parede de casa, que quase não senti por estar ainda pouco aquecida.
Revivi o dia em que ele me pediu para vê-las, lá em baixo, na estúpida vila. Tinha sido a primeira vez que falávamos, embora já nos tivéssemos cumprimentado antes, no café onde por vezes já. Eu acabara de cruzar o pequeno jardim, quando antes de atravessar, o vi do outro lado da rua, andando como se quisesse confluir para o meu caminho. Quando atravessei senti que o deveria esperar. Foi quando ele quase estremecendo mas evitando que me apercebesse disso me perguntou se podia vê-las. Eu nem sequer me preocupei como soubera ele. Fosse outro, eu ter-me-ia exaltado com a falta de discrição, mas só me dei conta destes pensamentos, quando ele desaparecera daquela breve encontro onde pude ainda ficar com a sensação, que a minha vida começaria a mudar aí. Sem contudo saber que direcção tomar.