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Cole!rffo Estudos Dirigida por J. GUinsburg ConseIho Editorial: Anatol Rosenfeld (1912-1973). Anita Novinsky. Ar
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Equipe de realiza!rRo - Tradu~ao: J. Teixeira Coelho Netto; Revisao: Mary Amazonas Leite de Barros; Produ!rao: Llicio GomesMachado; Capa: Moyses Baumstem.
Louis Hjel~slev
PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DALINGUAGEM
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© 1961 by the Regents of the University of WISCOnsin
Direitos em lingua portuguesa reservados EDITORA PERSPECITVA SA.
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Av. Brigadeiro Luis AnWnio, 3025 Telefone: 288-8388 . '01401 ._. Sio Paulo - Jb'aSil 1975
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7. 8. 9. 10. ll. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19.
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Estudo da Linguagem e Teoria da Linguagem Teoria da Linguagem e Humanismo . . Teoria da Linguagem e Empirismo Teoria da Linguagem e Indu~ao Teoria da Linguagem e Realidade Objetivo da Teoria da Linguagem . Perspectivas d-a Teoria da Linguagem .. o Sistema de Defini~es . Principio da Ananse . '0 • • • • o· Forma da AD.8lise Fun~oes - ' ' . Signos e Figuras Expressao e Conteudo .. Invariantes e Variantes ... o .. ., tie Es . quema e U so L. tngmscos Variantes no Esquema Lingiiistico .....•. Fun~o e Soma ....:....................;................... Sincretismo: . . .- . . .-~- . ~ . -.. . . . CataIise 0
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Grandezas da Amilise Linguagem e Nao-Linguagem Semi6ticas Conotativas de Metassemi6ticas Perspectiva Final Registro Alfabetico dos Termos Definidos Defini~oes . Indice Geral 11
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A edi~ao brasileira dos Prolegomenos a uma teoria da linguagem representa, no campo da Ciencia em geral e no dos estudos lingUfsticos, em particular, urn empreendimento de alta relevancia. Alem do carater revolucionario contido no seu corpo de doutrina, essa obra e, talvez, 0 melhoI exemplo de que possamos dispor, a esta altura do seculo:XX, de uma sistematiza~ao cientlfica cujo rigor atinge as raizes do poetico. Dai a oportunidade da presente tradu~ao, no momento em que come~am a surgir - nem sempre muito bem orientados - trabalhos de maior folego dentro desse domfniono pais. Nao importa que, na opiniao de muitos, a tradu~ao venha corn atraso; 0 que inlporta e que ela se publica neste momento em que se faz mais necessaria. Jamais sera suficientemente salientada a complexidade dos Prolegomenos. A presente tradu~ao nao implica,pois, uma vulgariza~ao das id6ias de Hjelmslev junto a um grande publico, roas possibilita aos· especialistas e aos estudantes universitarios da area de Ciencias Humanas estabelecer urn. debate roais amplo. em tomo dos princfpios fundamentaisda Glossematica. .
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criador dessa teoria lingilistica, Louis Hjelmslev, nasceu em 1899 na cidade de Copenhague em cuja universidade realizou estudos de Filologia Comparativa, vindo, posteriormente, a aperfei~arseus conhecimentos lingiifsticosem diversas universidades europeias. Em 1931 fundou0 Cfrculo LingUlstico de Copenhague e em 1939,
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
com a colabora~o de Viggo Bq6ndal, criOll as Acta Linguistica (AL ) , orgao em que publicou vanos· artigos e editoriais. Nos seus primeiros trabalhos e marcante a influencia dos formalistas russos, de Sapir e, sobretudo, de Saussure, inspirador primeiro de algumas das ideias centrais da Glossematica, teoria que, junto corn Uldall, ja vinha desenvolvendo desde 1931. Os resultados desse trabalho aparecem em 1943 na obra Omkring sprogteoriens grundlaeggelse, que agora surge em portugues .corn 0 titulo de Prolegomenos a uma teoria da linguagem. Em 1937, Hjelmslev assume as fun~oes de titular da Cadeira de Lingiiistica Comparada da Universidade de Copenhague e nessa mesma cidade veio a falecer em 1965. A bibliografia das publica~oes de HjeImslev pode· ser datada a partir de 1922. Ela demonstra que seu Autor possuia uma gama de preocupa~5es extremamente variada, cornose comprova em numerosos· amgos e ensaios publicados no decorrer de tOOta e seis anos.· Mas a sua contribui~ao principal para a constitui~ao da modema ciencia semi6tica se deve aos Prolegomenos, cuja Ieitura convem seja compleIrientada corn a coletanea de ensaios que. 0 . proprio Hjelmslev organizou, dando-lhe 0 titulo de Ensaios. Lingilisticos. A Glossematica, na. medida em que a lingua e concebida como uma combinatoria, atribui, como acertadamente reconhece Oswald Ducrot, urn valO! central a certas proprie.. dades fonnais das rela~6es que constituem essa combinat6ria. Tal pressuposto levou Hjelmslev ao entendimento da Lin.. ·giiistica coma uma. especie de algebra, dentro da qual contam, para a defini~ao de estrutura, as rela~es formais entre os elementos enao a materialidade dos elementos relacionados. A concordancia desse postulado corn a afirma~ao saussuriana de que "a lingua e uma forma, nao uma substancia", nao e casual; pode-se mesmo defmir a Glossematica, de modo generalizante, como uma reformula~o coerentizadora das principais dicotomias da teoria lingiifstica elaborada por Saussure. Um exemplo frisante disso e dado pela reelabora~ao .que Hjelmslev faz do modelo do signa proposto por Saussure, ao explicitar os pIanos do significante e do significado em quatro estratos, dois. de substancia e dois de forma. Na Glossematica, 0 signa se instituicomo uma fun~o contraida entre dois funtivos fonnais, 0 do plana da expressao e 0 do pIano do conteudo. Desse POnta de vista, as unidades da lingua nao sac nem os sons nem os signi- . ficados, que sao em si meras substancias extralingiiisticas,· mas, sim, os relata que os fonnalizam semioticamente. Tal concep~aoe a melhor dernonstra~o do acerto da intuil;ao
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PREFACIO
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saussuriana aeerea da natureza da lingua como uma forma, nao uma substancia; HjeImslev se enearregou de levar ate as Ultimas conseqiiencias esse postulado basico, responsaveI, sem duvida, pela rigorosa organicidade da sua doutrina. A reformula~ao glossematiea, porem, nao se· fez sem conseqiiencias ja que eIa culminou num modelo de lingua que se afasta num ponto crucial do modelo saussuriano. Assim., enquanto para Saussure, a langue era urn. sistema de signos. para HjelmsIev, a lingua e urn sistema de figuras (naosignos), que, ao se combinarem, produzem signos. Disso tude deeorrem duas conseqiiencias basicas: de um lado, estudo das rela~6es que instauram essa combi"nat6ria se transfonna no proprio objeto imediato da Lingiifstica; de outro, essa visao funcional inclui a existencia de mecanismos subjacentes dinanncos. No estruturalismo chlssico, cujo mentor cS 0 autor do Curso de Linguistica Geral, o modelo do signa pode gerar, como de fato tem gerado, a no~ao erronea do signo como uma entidade fechada, pre-construlda, e estatica. 0 modelo glossematico, em contraposi~ao, concebe essa entidade como uma unidade de configura9iio; em virtude disso, a forma do conteudo de um signo e indiferente as dimensoes do pIano da expressao que 0 manifesta. :£ verdade que esse mesmo entendimento basico do signa era 0 de Saussure tal .coma se pode" ver nos papeis ultimamente publicados, principalmente os qnegiram em tome do problema dos anagramas; mas cS verdade,· tambern, que, ao que· saibamos; semeIhantes ideias sac 0 fruto de uma medita~aosobre textos, sintomaticamente" poeticos, Ievada a· cabo no espa~o de varios anos, nao se podendo afinnar com exatidao que elas estivessem suficientemente amadurecidas a epoca· da gesta~ao do Curso de LingUIstica Geral. A medida que se tomem melhor conhecidos os meditos dispersos de Saussure, estarnos firmementeconvencidos de que acabara por se impor a necessidade derevisao da imagemde urn Saussure pioneiro da lingiifstica frasal para que se reconhe~" nele, ao lado e alem: disso, a imagem de urn. Saussure pioneiro da lingllistica transfrasal _. essa mo falada quao mal com,preendida lingilistica textual de nossos dias, cujos fundamentos repousam precisamente nessa dinamicidade inerente a n~6 das rela~es funcionais assentadas pela Glossematica. o particular interesse que 0 estudo do texto, como nive] lingilistico superior a frase, suscita em nossos dias estriba no modelo relacional do signa fotmulado pela Glossematica, mas nio na dire~ao do modelo do signo semdntico ~ ja intufdo pelos fonnalistas russos aa estudar a linguagem literaria e a linguagem einematograflca. Ao conceber 0 sentido coma substAncia semantica, a Glossematica descartava, na
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PROLEGOMENOS AUMA TEORIA DA LINGUAGEM
primeira etapa da suaformaliza~ao, representada pelos Prolegomenos, a possibilidade da eonstru~ao de urn modelo do signo semantico, que so se insinuani em estudos posteriores do mesmo Hjelmslev, numa etapa em que ele se da conta de que a substancia pode ser incluida no ambito da Lingiiistiea como algo semiotieamente formaIizavel. Nesse instante, precisamente, nasce a reivindica~ao de uma semantiea estrutural, reivindica9ao essa que eonstitui 0 . titulo de urn. de seus mais notaveis ensaios "Pour une semantique structurale", de 1957. A esta altura do seculo pode-se aquilatar melhor da importancia dos Prolegomenos, de Hjelmslev, quando 0 focaIizamos, assim, na sua eondi~ao de mediador entre 0 pioneirismo genial de Saussure e 0 estruturalismo vanguardista de Greimas; os tres formam como que uma tradi9ao pautada em referencias mutuas. Sao Paulo, maio de 1975, ana do d6cimo aniversario da morte de Louis Hjelmslev. Eduardo Peiiuela Cafiizal Edward Lopes
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1. Estudo da Linguagem e Teoria daLinguagem
A linguagem - a fala humana - e uma inesgotavel riqueza de mUltiplos valores. A linguagem e inseparavel dohomem e segue-o em todos os seus atos. A linguagem e <> instrumento gra~as ao qual 0 homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emo~5es, seus esfor~os, sua vontade e seus at08, 0 instrumento gra~as ao qual ele influeneia e e influeneiado, a base Ultima e mais profunda da sociedade humana. Mas e tambem 0 reeurso Ultimo e indispensavel do homem, seu rerugio nas horas solitlirias em que 0 esp1rlto luta corn a existencia, e quando 0 conflito se resolve no monologo do poeta e na medita~ao do pensador. Antes mesmo doprimeiro despertar denossa consciencia, as palavras ja ressoavam a nossa volta, pronras para envolver os primeiros germes fnigeis de nosso pensamenta e a nos aeompanhar inseparavelmente atraves da vida; desde as mais humildes ocupa~6es da vida quotidiana aos momentosmais sublimes e mais intimas dos quais a vida de todos os .dias retira, gra~as as lembran~as enearnadas pela linguagem, for~ e calor. A linguagem nao e urn simples acompanhante, mas sim urn fio profundamente tecido oa trama do pensamento; para 0 individuo, ela e o tesouro damemoria e a consciencia.vigilante· transmitida de pai para fI1ho. Para 0 bem e para 0 mal, a fala e a marea da persanalidade, da terra natal e da na~aa, a titulo de nobreza da humanidade. 0 desenvolvimento da linguagem esta tan inextricavelmente ligadoaa dapersonalidade de cadaindividuo, da terra natal,da iJ.a~ao, da humanidade, da propria vida, que e passivel indagar-se se ela nao passa
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIADA LINGUAGEM
de urn simples refLexo ou se ela nao e tudo isso: a propria fontedo desenvolvimento dessas coisas. :B por isso que a linguagem cativou 0 homem enquanto objeto de deslumbramento e de descri~ao, na poesia e na ciencia. A ciencia foi levada aver na linguagem seqiiencias de sons e de movimentos expressivos, suscetiveis de uma descri~ao exata, ffsica e fisio16gica, e cuja disposi~ao forma signos que traduzem os fatos da consciencia. Procurou-se, atraves de interpreta~6es psicologicase logicas, reconhecer nesses. signos as flutua~6es da psique e a constfulcia do pensamento: as primeiras na evolu~ao e na vida caprichosa da Ilngua; a segunda, em seus pr6prios signos, ,dentre os quais distinguiu-se a palavra e a frase, imagens concretas do conceito e do juizo. A linguagem, como sistema de signos, devia fornecer a chave do sistema conceitual e a da natureza psfquica do homem. A linguagem, coma institui9ao social supra-individual, devia contribuir para a caracteriza~o da na~ao; a linguagem, corn suas flutua~oes e sua evolu~ao, ,devia abrir caminho ao conhecimento do estilo da personaIidade e ao conhecimento das longfnquas vicissitudes das gera90es desaparecidas. A Iinguagem ganhava assim uma posi~ao-chave que iria abrir perspectivas em muitas dire90es. Assim considerada, e mesmo quando e objeto da ciencia, a linguagem deixa de ser urn fim em si mesma e toma-se urn meio: meio de urn conhecimento cujo objeto principal reside fora da propria linguagem, ainda que seja o· Unico caminho para chegar ate esse conhecimento, e que se inspira em fatos estranhos a este. Ela se toma, entao, 0 meio de urn. conhecimento transcendental - no sentido pr6prio, etimo16gico do termo - e DaD 0 fim de urn conhecimento imanente. :B assim que a descri~ao ffsica e fisiologica dos sons da Iinguagem corre 0 risco de cair no ffsico e no fisio16gico puros,e que a descri~ao psico16gica e 16gica dos signos .- isto e, das paIavras e das frases - reduz-se facilmente a uma psicologia~ uma J6gica e uma 6ntologia'puras~ perdendo de vista, corn jsso, seu ponto de partida lingiHstico. A hist6ria 0 confirma. E ainda quenao fosse esse 0 caso, os fenomenos ffsicos, fisio16gicos, psico16gicos e 16gicos. enquanto tais nao constituem a propria linguagem, mas .sim _ apenas aspectos aela exteriores, fragmentarios, .escolhidos como objetos de estudo nao tanto porque interessam a linguagem quanta porque abrern dominios aos quaisesta permite chegar. Encontra-se a mesma atitude quando, ba- . seando-se em tais descri95es, a pesquisa lingii~sticaatribui-se como objeto a compreensao da sociedade humana e a reconstitui~ao das rela~oes pr6-hist6ricas entre pavos e na~pes.
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ESTUDO DA LINGUAGEM E TEORIA DA LlNGUAGEM
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Isto e dito nao para diminuir 0 valor de tais pontos de, vista nern de tais ernpreendimentos, rnas sim corn Q objetivo de chamar a aten9ao para urn perigo, 0 perigo que consiste em apressar-se demasiado na dire9ao do objetivo fixado pela pesquisa e, corn isso, negligenciar a propria linguagem, que e 0 meio de atingir esse objetivo. Na realidade, 0 perigo reside no fato de que a .linguagem quer ser ignorada: e seu destino natural 0 de ser um meio e nao urn fim, e e s6 artificiaImente que a pesquisa pede ser dirigida para 0 pr6prio meio do conhecimento.- Isso e vaIido na vida quotidiana, onde normalmente a linguagem nao atravessa -0 umbra! da consciencia; mas isto e iguaImente verdadeiro na pesquisa cientffica. Ha ja algum tempo se compreendeu que, ao Iado da filologia, que deseja encontrar no estudo da lingua e dos textos 0 meio de atingir uma consciencia literaria e historica, ha Iugar para uma Iingiifstica que se constitua no proprio objetivo desse estudo. Mas, do projeto a sua realiza9ao 0 caminho era bem longo. Mais' uma vez, a linguagem deveria desapontar seus admiradores cientfficos, pais a historia e a compara9ao genetica das lfnguas, que se tomaram 0 objeto essencial da lingiiistica tradicional, nao se atribuiam nem par objetivo nem por resuItado 0 conhecimento da natureza da linguagem, a qual naopassava de urn meio para chegar-se ao estudo das sociedades e aD estudo dos contatos entre os povos nas epocas hist6rica e pre-historica. Mas, aqui tambem 0 que se tem e filologia. Sem duvida acredita-se, quando se trata da tecnica intema de compara9ao das Iinguas, estar lidando corn a propria lingua, mas isto e ilusao. Nao e a pr6pria lingua, mas seus disiecta membra, que nao permitem apreender a totalidade que e a Ifngua; urn tal metodo alcan9'a as contribui90eS fisicas e fisio16gicas, psico16gicas e 16gicas, socio16gicas e hist6ricas da lingua, mas nao a pr6pria lingua. A fim de construir uma' lingiiistica deve-se proceder de outro modo. Esta nao deve ser nem uma simples ciencia auxiliar, nem uma ciencia derivada. Essa lingilistica deve procurar apreender a linguagem nao como um conglomerado 'de fatos nao lingiifsticos (fisicos, fisio16gicos, psico16gicos, 16gicos, socioI6gicos) ,mas sim como urn todo que se basta a si mesmo, uma estrutura sui generis. :a s6 deste modo que a linguaenqllanto tal podera ser submetida a urn tratamento cientfficoe deixar de nos mistificar ac escapar a nossa observa9ao. A importancia deste modo deproceder sera avaliada a longo praza nas repercussoes que obtiver sobre os diversos pontos de vista transcendentais, sabre as ftlologias e sobre a assim chamada lingillstica tradicional. Os resultados desta nova lingiHstica permitiriam, entre outros, estabelecer
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
uma base homogenea de comparac;ao das linguas ao fazer desaparecer 0 particularismo na criagao dos conceitos (particularismo este que e 0 principal escolho da filologia) e . apenas esta base e que tomara passivel uma lingliistica genetica racional. Quer se identifique a estrutura da linguagem corn a da existencia ou que se veja nela apenas urn reflexo desta, mais ou rnenos deformado, a curtoprazo e atraves de sua contribuigao a epistemologia geral que a lingiiistica revelara, de modo inconteste, sua importancia. o trabalho preliminar de uma tal lingiiistica consiste em construir uma teoria da linguagern que formule e descubra as prernissas dessa Iinguagem, que indique seus metodos e fixe seus caminhos. o presente estudo constitui os prolegomenos de uma tal teoria. o estudo da Iinguagem, corn seus objetivos multiplos e essencialmente transcendentais, tern muitos adeptos. A teoria dalinguagem que se quer exclusivamente imanente, pe10 contrmo, quase nao os tern. A respeito desta colocagao, nao se deve confundir teoria da linguagem corn filosofia da linguagem. Como qualquer outra discipIina cientffica, 0 estudo da linguagem conheceu, no decorrer de sua hist6ria, tentativas fiIos6ficas que procuravam justificar seus metodos de pesquisa; 0 interesse atribuido, nestes ultimos anos, aos fundamentos da ciencia e tal que certas escolas de lingiiistica transcendental acreditam mesrno ter encontrado os sistemas de axiomas sabre os quais se baseia esse estudo 1 • Todavia, e extremarnente raro que essas especula<;oes da filosofia da linguagem atinjam uma tal precisao e que sejamefetuadas· numa esca]a arnpla, de modo sistematico, por pesquisadores que tenham urn conhecimento suficiente da lingliistica eda epistemologia. Na maior parte do tempo,tais especu]agoes sac subjetivas, e e por isso que nenhuma delas, salvo talvez quando de uma moda passageira, cODseguiu reunir a s"Ua volta urn grande Dlimero de defensores. Portanto, e impossivel tra~ar 0 desenvolvimento da teoria da linguagern e escrever suahist6ria: falta...Jhe acontinuidade. Por causadisso, todo esforc;o no senlido deAormularnmateoriada linguagem viu-se desa.creditadoe ·.cOnsiderado como uma _va filosofia, um diletantismo matizado de apriorismo. Essa condena~ao, _alias, parece justificada .pois, nesse dominio, diletahtismoeapriorismotem prevalecido a tal ponto que e muitas vezes dificil, do exterior, distinguir 0 verdadeiro do falso. 0 presente 1. BLOOMFIELD, Leonard. "A set of postulates for the science of language" (Language n, 1926, pp. 153-164). BWLER, Karl. Sprachtheorie, Iena, 1934. Idem, "Die Axiomatik der Sprachwissenchaften" (Kantatudien XXXVIII, 1933, pp. 19-90).
ESTUDO DA LINGUAGEM E TEORIA DA LINGUAGEM
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estudo gostaria de contribuir para que se reconhecesse que tais caracteristicas DaO sac necessariamente inerentes a toda tentativa de lan9ar as bases de uma teoria da linguagem. Sera mais facil chegar a ela se houver urn esfor90 por esque-" cer 0 passado e de fazer tabula Tasa de tudo aquilo que nada fomeceu de positivo e que pudesse ser utilizado. Em grande parte nos apoiaremos no material recolhido pela pesquisa IingiHstica anterior, material este que, reinterpretado, constituini 0 essencial da teoria da linguagem. Aderimos explicitamente ao passado em certos pontos a respeito dos quais sabemos que outros conseguiram resultados positivos antes de nos.. Urn timeo te6rico merece ser citado como pioneiro indiseutfvel: 0 sui~o Ferdinand de Saussure 2. Urn trabalho muito importante, preparatorio da teoria da linguagern aqui exposta, foi realizado em colabora~ao eom alguns rnembros do Circulo Lingtiistieo de Copenhague, particularmente corn H. J. Uldall, entre 1934 e 1939. Algumas diseussoes na Sociedade de Filosofia e de Psicologia de Copenhague, hem como muitas trocas de pontos de vista eom J~rgen J~rgensen e Edgar Tranekjaer Rasrnussen, foram-nos extremamente preciosas no desenvolvimento de nossa teoria. No entanto, 0 autor declara-se 0 tinieo responsavel poresta obra.
2. SAUSSURE, Ferdinarid de. Cout's de linguistique generale. Bally le AIb. Sechehaye, 1916; 2. ed. 1922, 3. ed. 1931, 1949.
Paris, Ch.
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2. Teoria da Linguagem e Humanismo
Uma teoria que proeUIa a estrutura espeeffiea da linguagem eom a ajuda de urn sistema de premissas exc1usivamente formais deve necessariamente, ao mesmo tempo em que leva em eonta asflutua~6es e as mudan~as da fala, recusar atribuir a .tais mudan~s um papel preponderante; deve procurar uma constancia que nao esteja enraizada numa "realidade" extralingUfstica; uma constancia que fa~a com que toda lingua seja linguagem, seja qual for a lfngua, e que uma determinada lingua permane~a identica a si mesma atraves de suas manifesta~6es mais diversas; uma constancia que, uma vez encontrada e descrita, se deixe projetar sobre a "realidade" ambiente seja qual for a natureza desta (flsica, fisio16gica, psico16gi:ca, 16gica, ontol6gica) de modo que esta . l'realidade" se ordene aD redor do centrode referencia que e a linguagem, nao mais como um conglomerado, mas soo, como urn todo organizado que tern a estrutura lingilistica como princfpio dominante. A proeura de uma tal constanciaconcentrica e global sechocara inevitavelmente corn uma certa tradi~ao humanista que, sob diversas formas, ate agora predominou na lingilistica. Em sua forma extremada, esta tradi9ao nega a priori a existencia da constancia ea legitimidade e sua proeura. Esta . tradi9ao quer que os fenomenos· humanos, .contrariamente aDs fenomenos da natureza, sejam singulares, individuais, nao podendo portanto nem ser submetidos, coma os danatureza, a metodosexatos, nem ser generalizados. Por conseguinte, urn outra metodo. deveria ser aplicado ao
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIADA LINGUAGEM
domfnio das disciplinas humanas ; SO se poderia utilizar a descri~ao, 0 que seria aproximar-se mais da poesia do que da ciencia, e, de qualquer forma, seria necessario Iimitar-se a uma apresenta~ao discursiva dos fenomenos sem· nunca os interpretar de modo sistematico. Esta tese foi erigida em doutrina no domfnio da historia, e parece ser a base da hist6rla em sua forma tradicional. Do mesmo modo a Iiteratura e as artes, domfnios eminentemente humanistas, so produziram descri~es diacronicas e na maior parte do tempo subtrafram-se a amilise sistematica. Em certos dominios, e verdade, pode-se distinguir uma tendencia para a sistematiza~ao; mas tanto a hist6ria quanto as ciencias humanas em seu conjunto parecem estar ainda longe de reconhecer a Iegitimidade e a possibilidade de urn metodo cientifico. Em todo caso, parece legitimo propor a priori a hip6tese de que a todo processo corresponde urn sistema que permite analisa-Io e descreve-Io atraves de um numero restrito de premissas. Deve ser possiveI considerar todo processo como composto por um numero Iimitado de elementos que constantemente reaparecem em novas combinac;5es. Baseando-se na an31ise do processo, deveria ser possivel reagrupar esses elementos em classes, sendo cada cIasse definida pela homogeneidade de suas possibiIidades combinatorias, e a partir dessa cIassificac;ao preliminar deveria ser igualmente possfvelestabeIecer urn c8.lculo geraI exaustivo das combinac;6es possfveis. Assim entendida, a hist6ria superaria o. estadio primitivo da simples descric;ao e se constituiria em ciencia sistematica, exata, generalizadora: sua teoria permitiria predizer todos os eventos possfveis (isto e, todas as combina<;6es posslveis de elementos) e as condic;5es de realizac;ao de tais eventos. Parece inconteshivel que enquanto as ciencias humanas .nao assumirem uma tal teoria como hip6tese de trabalho negligenciaraoa mais importante de suas tarefas, que e a de procurar constituir 0 humanismo em objeto de ciencia. Deveriaser compreendido que se deve, na descri~ao dos fenomenos humanos,· escolher entre poetica e ciencia; ou, melhor, entre apenas 0 tratamento poetico de urn lado e, do outro, a atitude poetica e a atitude cientffica compreendidas como duas formas coordenadas de descri~ao; deveria ser entendido tambem que, nesse ponto, a escolha depende de uma verificac;ao da tese sobre a existencia do sistema que subentende 0 processo. A priori, a linguagem parece ser urn domfnio no qual a verifica~ao dessa tese poderia dar resultados positivos. Uma descri~ao puramente discursiva dos eventos lingiilsticos
TEORIA DA LINGUAGEM E HUMANISMO
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tern poucas possibilidades de despertar grande interesse; e deste modo sempre se sentiu a necessidade de urn ponto de vista suplementar e sistematizador: corn efeito, atraves do processo tal como ele se realiza no texto, procura-se urn. sistema fonoI6gico, urn sistema semantico e um sistema gramatical. Mas a lingilistica, cultivada ate agora pelos fil61ogos hurnanistas que se determinarn objetivos transcendentais e que repudiarn qualquer sistematica, nern. expIicitou a.s premissas nem procurou urn princfpio homogeneo de amiIise, e corn isto a lingilistica permaneceu irnprecisa e subjetiva, sub~e~da pela estetica e peIa rnetaffsica, para nao mencionar os inumeros casos em que eIa se entrincheirou numa simples descri~ao aned6tica. o objetivo da teoria da Iinguagern e verificar a tese da existencia de urn sistema subjacente ao processo, e a tese de uma constancia que subentende as f1utua~es, e aplicar esse sistema a urn objeto que parece prestar-se a isso de modo particular. Os argumentos que se poderiam adiantar contra semelhante tentativa do dominio do humano, invocando que a vida espiritual do homem e os fenomenos que a constituem nao poderiam ser objeto de uma anaIise cientffica sem que se mate· essa vida e que, por conseguinte, o proprio objeto da anaIise se subtraia a observa~ao, sac apenas argumentos aprioristicos que .nao podem desviar a ciencia de seu empreendimento. Se este fracassar -.- nao no detalhe de sua execu~ao, mas em seu proprio priricfpio - asobj~es humanistas serao entao legitimas, e os objetos humanos. daf por diante so poderao ser submetidos a urn. tratamento subjetivo e estetico. Em compensa~ao, se essa experiencia for bem sucedida, de modo que seu princfpio se mostre aplicaveI, as obje~oes cairao por si niesmas, e tentativas al13.logas deverao ser entaD efetuadas em outras ciencias· humanas.
3. Teoria da Linguagem e Empirismo
Uma teoria, para ser a mais simples possfvel, s6 deve elaborar a partir das premissas que sejam necessariamente exigidas por seu objeto. Alem do mais, para permanecer fiel a seu objetivo, ela deve, em suas aplica~es, conduzir a resultados· conformes aos "dados da experiencia", reais ou que assim se presumam. Essa e uma exigencia metodo16gica com a qual toda teoria se ve confrontada, e cujo sentido cabe a epistemologia pesquisar. Nao pretendemos, aqui, abordar esse problema. Cremos satisfazer as exigencias acima esbo~adas a respeito do assbn chamado empirismo ao adotar esse princfpio, que prima sobre todos os outros e pelo qual a teoria da linguagem ja se distingue nitidamente de todos os empreendimentos da filosofia da Iinguagem: Adescri~ao deve ser MO cantraditoria~ e~iva e
fao simples quanta possivel. Aexigencia da Mo contradi~iio· prevalece sobre a da ·descrifao exaustiva~ e· a exig2ncia
do descrifao exaustiva prevalece sabre:a, exig2ncia de sim. plicidade.
Assumimos 0 risco ·de denominar esseprincfpio de princtpio do empirismo, mas estamos preparadospara abandonar esse termo se a epistemologia, examinando-o, considera.-Io impr6prio. Trata-se apenas de uma .questio de terminologia que nao afeta em nada a manuten~o do principio..
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4. Teoria da Linguagem e Indut;ao
A assen;ao de nossoprincfpio do empmsmo nao nos toma, de modo algum, escravos do metodo· indutivo, se se entender por isso a exigencia de uma passagem gradual do particular para 0 geral, ou de urn objeto limitado para outro que 0 seja menos. Encontramo-nos novamente diante de termos cuja anilise e detenninac;ao cabem a epistemologia, mas que, mais tarde, teremos ocasiao de utilizarnum sentido mais precise do queaquele que aqui Ihes podemos atiibuir. Ha, ainda aqui, urn. problema termino16gi.co que teremos de resolver corn a colaborac;ao daepistemologia. Mas, porenquanto, trata-se apenasde detenninar nossa posic;aofrente a lingilistica anterior. Esta se caracteriza tipicamente pela elaborac;ao de uma hierarquia de conceitos que vai dos sons- particularesao fonema (c1asse de sons), dos fonemas particularesas eategorias de fonemas, dos diversosseniidosa significac;iio geral ou fundamental e, enfim, as categorias deSignifica~es. Tern-se ohabito, na lingiilstiea, de nestecaso falarem indUfiio. :£posslvel defini-la . em poueas palavras eomo a passagem do componente para a classe e nao da classe para 0 eomponente: :a urn movimento que sintetiza ao inves de analisar, que generaliza ao inves de especificar. A experienc1a poe em evidencia os inconvenientes de urn tal metodo. Este eonduz inevitavelmente a extrac;ao de coneeitos hipostasiados como sendo reais. Esse realismo (no sentido medieval do termo) nao fomeee uma base utilizavel para a compara~ao, dadoque os eonceitos assim
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PROLEGOMENOS· A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
obtidos nao tern valor geral eso se aplicam a urn determinado estagio de uma dada lingua. .A terminologia tradicional cornpleta mostra 0 fracasso desse realisrno: as classifica~6es da gramatica indutiva, tais coma "genitivo", "perfeito", "subjuntivo", "passivo" etc., sac exernplos notaveis desse fato. Nenhum desses termos, em sua acep~ao corrente, e suscetivel de uma defini9ao geral. Genitivo, perfeito, subjuntivo e passivo abarcam fenomenos inteiramente diferentes em duas linguas como, por exemplo, latim e 0 grego. Todos os conceitos da lingiiistiea tradicional, sem exce~ao alguma, estao neste mesmo easo. A indu~ao, neste campo, nao leva das flutua96es a eonstaneia, mas apenas das flutua~6es ao acidental. Em Ultima anaIise, principio de o metodo indutivo entra em conflito eom empirisrno que formulamos: ele nao permite que se realize uma descri~ao nao contraditoria e simples. Se se pretende partir dos dados supostos da experiencia, e exatamente 0 procedimento inverso que se imp5e. Se e possive! falar em dados (colocamos essa frase no condicional por raz6es epistemo16gicas) , esses dados sao, para 0 ·lingilista, 0 texto em sua totalidade absoluta e nao analisada. 0 unico procedimento possivel para isolar 0 sistema que esse texto subentende e urna amilise que considera 0 texto coma uma classe analisavel em componentes; estes componentes sao, par sua vez, considerados coma classes analisaveis em componentes, e assim por diante ate a exaustao das possibiIidades de ancilise. :e possivel definir rapidamente esse procedimento como sendo uma passagem da classe ao cornponente, e nao como no procedimento contrmo. E urn movimento que analisa e espec~ica e nao urn movirnento que sintetiza e generaliza, 0 contrano do empreendimento indutivo tal como 0 conhece a lingiiistica tradicional. A lingilistica contemporanea, que ilustra essa oposi93.0, designou esse procedimento, e outros que lhe sac ,mais ou menos anaIogos, com 0 termo dedu9iio. Sabe-se, por experiencia, .que· esse termo choea os epistem6logos, mas mesmo assim 0 conservamos na esperancra de provar, posteriormente, que esta contradi~ao terminol6gica nada tern de insuperavel.
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5. Teoria da Linguagem e Realidade
Corn a terminologia que escolhemos pudemos caracterizar 0 metodo da teoria da linguagem como sendo necessariamente empfrico e dedutivo, e desse modo pudemos lan~ar luz sobrea questao fundamental das rela~6es entre a teoria da Iinguagem e aquilo a que se denomina "os dados da experiencia". No entanto, resta ainda esc1arecer esta mesma questao a partir de urn outro ponto de vista, isto e, resta procurar 0 sentido unilateral ou recfproco das influencias pOsslveis entre a teoria e seu objeto (ou seus objetos). Formulando 0 problema de urn modo simplista, tendencioso e voluntariamente ingenuo: cS 0 objeto que determina e afeta a teoria ou e a teoria que determina e afeta seu objeto? Mais uma vez temos de recusar 0 problemapuramente epistemol6gico em seu conjunto; ater-nos-ernos aqui ao unico aspecto sob 0 qual ele se nos coloca. Sabemos muito bem que 0 termo teona, mal empregado e desacreditado, pode ser compreendido de· diversas maneiras. Entre outras coisas, pode designar um sistema de hip6teses. Neste sentido, freqiientemente utilizado. em nossos dias, e fora de duvida que a rela~ao de influencia entre a teoria e seu objeto cS unilateral: cS 0 objeto que afeta e determin,a teoria, e nao 0 inverso. A hip6tese, depois de confrontada com 0 objeto, Pede revelar-se verdadeira ou ·falsa.. Ja deveria ser evidente que,de n08s,1 parte, empregamos a termo teorm num sentida diferente. Dais fatores tern, aqui, igual· importancia:
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
1. A teoria, em si mesma, nao d~pende da experiencia. Em si mesma, nada ha que indica que tera ou nao apliea~oes relaeionadas corn os dados da experieneia. Em si mesma, ela nao impliea nenhum postulado de existencia. Ela eonstitui aquilo que se denominou de sistema dedutivo puro, no sentido em que e a teoria, e ela apenas, que, a partir das premissas por ela enunciadas, permite 0 ealculo das possibilidades que resultam destas premissas. 2. 0 tearieo sabe, por experiencia, que eertas premissas enunciadas na teoria preenchem as eondi90es neeessarias para que esta se aplique a certos dados da experiencia. Estas premissas sac tao gerais quanto possivel e podem ser, assim, aplicaveis a urn grande numero de dados da ." . expenencIa. A fim de caraeterizar estes dois fatores, diremos que a teoria, no primeiro easo, e arbitraria, e no segundo, adeqUada (ou conforme a seu objetivo). Pareee necessario . ineorporar estes dois fatores na elabora~ao de toda teoria. Todavia, daquilo que foi exposto decorre que os dados da experieneia TIunea podem confirmar ou contrariar a validade da propria teoria, mas sim, apenas, sua aplicabilidade. A teoria permite que se deduzam teoremas que devem ter todos a forma da implicaC;ao (no sentido 16gico desse .termo ) ou poder serem transpostos para uma forma condicional dessa relaC;ao. Urn tal teorema enuncia simplesmente que, se uma. condic;ao for preenchida, pode-se concluir pela verdade da proposiC;ao. A aplicaC;ao· da· teoria mostrara se a condiC;ao e preenchida no easo considerado. A teoriae os teoremas que dela sac deduzidos permitem, por sua vez, .el~borar hip6teses (entre as quais, as leis) cuja validade, eontrariamente a da teoria, depende exclusivamente de sua verifica~ao. Os termos axioma e postulado. nao foram aqui mencionados. Deixamos para a epistemologia 0 trabalho de decidirse nossa teoriaexige que proposi~oes desse tipo estejam na base das premissas que explicitamente enunciamos. As premissas da teoria da linguagem remontam tan longe que tais axiomas pressupostos teriamuma tal generaUdade que nenhum deles poderia ser especffico a teoria da linguagem . em oposiyao a outras teorias. :e que nosso objetivo e justamenteo de remontar tan longe quanto possiveI na dire9ao dos principios fundamentais, sem corn iS80 ultrapassar aquilo que nos pareee diretamente utilizavel para a teoria da linguagem. Esta atitude nos obriga a invadir 0 dominio da epistemologia, tal como 0 fizemos nos
TEORIA DA LINGUAGEM E REALIDADE
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panigrafos anteriores. Isto na convicC;ao de que nenhuma teoria cientffica pode ser elaborada sem uma colaborac;ao ativa com a epistemologia. A teoria da linguagem, portanto, define assim soberanamente seu objeto ao estabelecer suas premissas atraves de urn procedimento simultaneamente arbitnirio e adequado. A teoria consiste num caIculo cujas premissas sac em numero tan restrito e sac Hio gerais quanto possivel e que, na medida em que tais premissas sao espedficas a tal teoria, nao parecem ser de natureza axiomatica. Este caIculo permite prever possibilidades, mas de modo algum se pronuncia a respeito da realizaC;ao destas. Deste ponto de vista, se relacionarmos a teoria da linguagem com a realidade, a resposta a questao que consiste em saber se 0 objeto determina e afeta a teoria, ou se e ° contrano, e dupla: em virtude de seu can~.ter arbitr3rio, a teoria e a-realista; em virtude de seu caniter adequado, ela e realista (atribuindo a este termo seu sentido modemo e nao, coma mais acima, seu sentido medieval).
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6.0bjetivo da Teoria da Linguagem
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:£ passivel dizer, portanto, que um]l teoria - no sentidoem que entendemos esse termo - tem por objetivo elaborar urn procedimento por meio do qual se possa descrever, nio contraditoriamente e exaustivamente, objetos dados de uma suposta natureza. Uma tal descri~io permite aquilo que se tem por habito denominar reconhecimentoou compreensio do objeto em questao; do mesmo modo podemos dizer, sem corrermos 0 risco de errar ou de sermos obscuros, que a teoria tem por objetivo indicar urn metodo de reconhecimento ou de compreensio de urn. dado objeto. Deste modo, a teoria nao pode limitar-se a dar-nos meios de reconbecer urn determinado objeto; eIa deve, alem dis~o, ser concebida de modo a permitir a identifica~o de todos os objetosconcebfveis da mesma suposta" natureza que 0 objeto dado.Uma teoria deve ser geraI, no sentido em queela deve pOr a nossa disposi~ao urn. instrumental que nos permita reconhecer nao apenas urn dado objeto ou objetos ja submetidos a nossa experiencia como tambem tOO0808 objeto8 posslveis da mesma natureza supo8ta. Armamo-nos corn a teoriapara nos: depararmosnaoapenas corn todas as eventualidades jaconhecidas, ma8 corn qualquereventualidade. A" tepria da linguagem se interessa peIo texto, e seu objetivo ~.". indicar umprocedimento que" permita 0 reconhecimento . de urn" dado texto por meio de uma descri~ao nao contradit6ria" e exaustiva do mesmo. Masela deve tambem mostrar como e posslveI, do mesmo modo, reco-
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
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nhecer qualquer outro texto da mesma natureza suposta, fomecendo-nos instrumentos utiIizaveis para tais textos. Exigimos da teoria da linguagem, por exemplo, que ela pennita descrever nao contraditoriamente e exaustiva. mente nao apenas todos os textos dinamarqueses existentes come tambem todos os textos dinamarqueses possiveis e concebiveis - mesmo os textos de amanha, mesmo aqueIes que pertencem a urn futuro nao definido - na medida em que forem da mesma suposta natureza dos textos ate aqui considerados. A teoria da linguagem satisfaz esta exigencia ao basear-se nos textos dinamarqueses que existem; a extensao e a quantidade destes sao tais que esta teoria, de fato, tern de contentar-se com uma sele¥Ro desses textos. Ora, gral;as a nossos instrumentos te6ricos, essa simples selel;ao de textos permite constituir urn fundo de conhecimentas que por sua vez podeni ser aplicado a outros textos. Estes conhecimentos dizem respeito, naturalmente, aos processos ou textos de que foram extraidos; mas nao reside . nesse panto. seu interesse unico e essencial: tais conhecimentos dizem respeito tambem ao sistema ou lingua a partir da qual se elabora a estrutura de todos os textos de uma mesma suposta natureza, e que nos permite construir novas textos. Gra~as aos conhecimentos lingliisticos assim obtidos, poderemos elaborar, para uma mesma lingua, todos os textos concebiveis ou teoricamente posslveis. Todavia, nao basta que a teoria da linguagem permita descrever e elaborar todos os textos possiveis de uma dada lingua; e necessario ainda que, sabre a base" dos conhecimentos que a teoria da Iinguagem em geral contem, .essa teoria possa fazer a mesma coisaem relal;ao a.todos os textos de quaIquer outra Hngua. Ainda uma vez 0 te6rieo .da Iinguagem s6 pode satisfazer essa exigencia se tomar por ponto de partida uma sele~ao restrita de textos que pertellcem a diferentes Ifnguas. Percorrer todos os textos existentese, naturaImente, humanamente impossiveI, e sena deresto inutil uma vez que a teoria tambem deve ser vaIida para textos que ainda· nao estao reaIizados. 0 lingilista, como quaIquer outro· te6rieo, deve portanto ter a preeaul;ao de prever todas as possibilidades· concebfveis, incIuindo-se aqui aqueles .que· san ainda deseonhecidas e as que nao estao realizadas. Deve admiti-Ias na teoria de tal modo . que esta se apIique a textos e a Iinguas que ele ainda nao eneontrou, e dos quais talvezalguns nunta- se realizem. Somente deste modo e que ele pode estabelecer uma teoria da Iinguagem cuja aplicabilidade sejacerta. Essa e a razao pela quale necessario -assegurar a aplieabilidade da teoria, e cada aplica~ao necessariamente a pressup6e. Mas e da maior importancia nao eonfundir a
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OBJETIVO DA TEORIA DA LINGUAGEM
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teoria corn suas aplica~5es ou corn 0 metodo pnitico de apIica~ao. A teoria conduzira a urn. procedimento, mas urn "procedirnento de descoberta" (pratico) DaO sera exposte nesta obra que, em termos estritos, nao apresenta a teoria sob uma forma sistematiea, mas apenas seus prolegomenos. Em virtude de sua adequa9ao, a teoria da linguagem realiza urn trabalho empmco; em virtude de seu carater arbitnirio, realiza urn trabalho de caIculo. Baseando-se em certos fatos da experiencia - necessariamente limitados, embora seja uti! que sejam taG variados quanto possiveI o tearico empreende, num campo preciso, 0 caIeulo de todas as possibilidades. Ele baliza arbitrariamente esse campo isolando propriedades comuns a todos os objetos a respeito dos quais se esta de acordo em denomina-Ios de lfnguas, a fim de, em seguida, generalizar essas propriedades e estabelece-Ias par defini~ao. A partir desse momento ele decidiu - de urn modo arbitnirio mas adequado quais sao os objetos aos quais a teoria pode ser aplicada e quais aqueles aos quais ele nao 0 pode ser. Todos os objetos assim definidos sac entao submetidos a urn caIculo geraI que preve todos os casos conceblveis. Esse caIculo, deduzido a partir da defini9aO apresentada._ e independentemente de qualquer referencia a experiencia, fomeee instrumental que permite descrever ou reconhecer urn dado texto e a lingua sobre a qual ele esta elaborado. A teoria da linguagern nao pode ser nem verificada, nern confirmada, nem invalidada atraves do recurso aos textos e as Hnguas de que trata. Ela so admite urn controle: a nao-contradi9ao e a exaustividade do caIculo. Se 0 caleulo permite estabelecer diversos procedimentos possiveis que conduzem todos a uma descri9ao nao contradit6ria e exaustiva de urn texto e de uma lingua quaisquer, deve-se escolher entre esses procedimentosaquele que permitir a descri~ao mais simples. Se varios procedimentos permitem descri90es cujosresultados tern. 0 mesmo grau de simpIicidade, deve-se escolher aquele que toma 0 caminho mais simples. Chamaremos esse principio, que. e deduzido de nosso princfpio de empirismo, de principio de simplici-
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Eo unico principio que permite afirmar que tal solu9ao nao contradit6riae exaustiva e correta e que tal outra nao 0 e. };: considerada correta aquela que melhor satisfaz o principio de simplicidade. Portanto, e passivel decidir sabre 0 valor da teoria da linguagem e de suas aplica~oes verificando se 0 resultado obtido, na medida em que responde as exigencias da
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
e da exaustividade, e ao mesmo tempo 0 mais simples possIve!. Assim, e apenas em rela~ao ao "principio de empirismo" que eIa enunciou que a teoria da linguagem deve ser julgada. Segue-se que e possIveI imaginar vanas teorias da linguagem que se aproximam do ideal formulado nesse principio. Apenas uma deIas deve ser a teoria definitiva, e toda teoria da Iinguagem apresentada sob uma forma concreta aspira a ser exatamente isso. Ora, a teoria da linguagem, coma disciplina, nao se define par sua realiza~ao· concreta; deste modo, e igualmente possivel e desejaveI Ye-la progredir atraves da elaboracao de novas reaIizac6es concretas que se aproximam cada vez mais de seu principio fundamental. Nos prolegomenos a teoria, 0 que nos interessa e 0 lado realista desta teoria, a melhor maneira de satisfazer a exigencia da apIicabilidade. Para isso, sera necessaria isolar os tra~os constitutivos de toda estrutura lingillstica e examinar as conseqUencias 16gicas do estabelecimento destes em d~fini~es. nao-contradi~ao
7. Perspectivas da Teoria da Linguagem
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Evitando a atitude transcendental que prevaleceu ate aqui, a teoria da Iinguagern procura urn conhecimento imanente da lingua enquanto estrutura especffica que se baseia apenas em si mesmo (cf. Cap. 1). Procurando uma constancia no proprio interior da lingua e DaO fora dela (cf. Cap. 2), a teoria precede inicialmente a uma limita~o necessaria, mas apenas· nas provisorias, de seu objeto. Limitac;ao que nao consiste nunca em suprimir nem mesmo um Unico dos fatores essenciais desta totaIidade global que e a linguagem. Trata-se apenas de dividir os problemas e de partir do simples para chegar ao complexo, como 0 exigem a segunda e a terceira regras de Descartes. N ossa Iimitac;ao resulta simplesmente da necessidade de separar antes de comparar e do princfpio inevitavel da amllise (cf. Cap. 4). A limitac;ao pode ser considerada justificada se mais tarde permitir uma ampliaC;ao da perspectiva atraves de uma projec;ao da estrutura descoberta sobre os fenomenos que lhe sac vizinhos,' de modo tal que sejam explicados de maneira satisfatoria a luz da propria estrutura; e se, apos a anaIise, a totalidade global da linguagem, sua vida e sua realidade, podem de novo ser consideradas sinteticarnente, nao mais como urn· conglomerado acidental de fata rnas coma urn todo organizado ao redor de urn principio diretor, e na medida em que se chega a esse ponto que a teoria pode ser considerada satisfat6ria. A prova disso consiste em investigar em que medida a teoria corresponde a exigencia
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
da descri~ao exaustiva, conforme nosso princfpio de empirismo. Essa prova deve ser feita extraindo-se todas as consequencias gerais do principio estrutural que se escolheu. E segundo esse principio que a teoria permite a amplia~ao das perspectivas. A forma que isto assumini in concreto dependera do tipo de objetos que de infcio decidirmos considerar. Escolheremos partir das premissas da lingiiistica tradicional, e construiremos inicialmente nossa teoria a partir da llngua falada dita natural, e apenas dela. A partir desta primeira perspectiva, os clrculos irao se ampliando ate que as ultimas consequencias sejam extraldas. A perspectiva sera ampliada vanas vezes, atraves do que aqueles aspectos excluidos da primeira considera~ao sac novamente introduzidos e assumem seu lugar num novo conjunto.
8.0 Sistema de Definicoes . .
A teoria da linguagem, cuja tarefa principal e expIicitar - remontando 0 mais longe possivel - as premissas cientificas da lingiiistica, estabelece, corn essa finalidade, um sistema de defini~6es. :£ necessaria exigir da teoria que ela evite tanto quanto passIvel toda metafisica, isto e, que o numero dessas premissas implicitas deve ser reduzido ao minima. Portanto, os conceitos que ela emprega devem ser definidos, e as defini~6es propostas devem, por sua vez, tanto quanto possivel, repousar sobre conceitos definidos. Na pratica, isso equivale a dizer que e preciso levar as defini~6es Hio longe quanto possivel, e introduzir por toda parte definicr6es preliminares antes das que as pressup6em. ~ uti! atribuir as defini~oes que pressupoem outras defini~oes, e a partir das quais outras defini~oes sac pressupostas, urn carater ao mesmo tempo exp]fcito e rigorosamente formal. Elas se distinguem das definicroes realistas que a lingillstica ate agora procurou formular· na medida em que ela se interessou por esse empreendiniento. Nao se trata, de modo algum, nas definir;oes formais da teoria, de esgotar a compreensao da natureza dos objetos, nem mesrno de precisar sua extensao, mas apenas .dedetermina-los corn relar;ao· a outros objetos igualmente:.definidos ou pressupostos enquanto conceitos fundamentais. Alem das definir;oes formais, as vezes e necessario, em razao do procedimento de descrir;ao, introduzir, no decorrer da descri~ao, defini~oes operacionais que representarn urn papel apenas provis6rio. .Trata-se, de· Urn Jado, de
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
definigao que, num eshldio mais avangado, se transformadio em definig6es formais e, de outro lado, de defini~6es puramente operacionais cujos conceitos definidos nao estarao no sistema de definic;6es formais. Este modo de proceder atraves de definic;6es extensivas parece dever contribuir para libertar a teoria da linguagem de axiomas especfficos (cf. Cap. 5). Parece-nos que, em toda ciencia, a introduc;ao de uma estrategia apropriada de definic;oes permite restringir 0 numero de axiomas e as vezes mesmo reduzi-Io a zero. Uma tendencia seria para eliminar as premissas Imp1.fcitas conduz a substituir os postulados seja par definic;6es, seja por proposic;6es condicionais colocadas teoricamente que fazem desaparecer os postulados enquanta tais. Parece que, na maioria dos casos, os postulados puramente existenciais podem ser substitufdos par teoremas na forma de condic;6es.
9. Principio da Analise
Partindo do texto como dado e procurando indicar 0 caminho para uma descri~ao nao contradit6ria e exaustiva deste texto atraves de uma ananse - uma passagem dedutiva de classe para componente e componente de componente (cf. Caps. 4 e 6) - e necessario que os niveis mais profundos do sistema de defini~es da teoria da linguagem (cf. Cap. 8) tratem do principio desta amilise, determinando sua natureza e os conceitos que dela participam. :a exatamente esses primeiros niveis do sistema de defini~6es que abordaremos quando come~armos a refletir sabre a pracedimento que a teoria da linguagem devera escalher para levar a cabo sua tarefa. Como a escolha de uma base de amilise depende de sua adequa~ao (em rela~ao as tres exigencias contidas no principio de empirismo), esta esealha variara .conforme os textos. Portanto, nao pode ser fixada como universal, mas apenas por urn calculo geral que leva em considera~ao todas as possibiIidades concebiveis. 0 pr6prio principio da . amilise, no qual e apenas no qualestamos interessados no momento, apresenta, pelo contnlrio, aquilo que e universal. Mas este deve ser conforme .as exigencias .do principio deempirismo, e no easo e a exigencia de exaustividade que apresenta 0 maior interessepratico. Deve-se proceder de modo tal que 0 resultado da amilise seja exaustivo (no sentido mais ample do termo) , e que nao "introduzamos de "inicio ummetodo que nos impe~a de registrar osfatores que, atraves de uma ontra anaIise, seriam postos em evidencia
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PROLEG~MENOS
A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
coma pertencentes ao objeto~ que constitui a materia da lingilistica. Em suma, 0 princfpio da anaIise deve ser adequado. Segundo 0 reaIismo ingenuo, a anaIise provavelmente deveria reduzir-se a decupagem de urn dado objeto em partes, portanto em novos objetos, a seguir divididos estes em partes, portanto ainda em novos objetos,e assim por diante. Mas, mesmo neste caso, 0 realismo ingenuo teria de eseolher entre varias decupagens posslveis. Sera reeonhecido, portanto, sem dificuldades, que no fundo 0 essencial nao e dividfr um objeto em partes, mas sim adaptar a anaIise de modo que ela seja eonforme as dependeneias mutuas que existem entre essas partes, permitindo-nos prestar eontas dessas dependeneias de modo satisfat6rio. Esse e 0 unico modo de assegurar a adequac;ao desta analise e dela fazer, segundo a teoria metaffsica do conhecimento, um reflexo da "natureza" do objeto e de suas partes. As conseqiiencias dessa constatac;3.o sac essenciais para que se compreenda 0 principio de anaIise: tanto quanto suas partes, 0 objeto examinado so existe em virtude desses relacionamentos ou dessas dependencias; a totalidade do objeto examinado e apenas a soma dessas dependeneias, e cada uma· de suas partes define-se apenas pelos relacionamentos que existem 1) entre ela e outras partes coordenadas, 2) entre a totalidaqe e as partes do grau seguinte, 3) entre 0 eonjunto dos relacionamentos e das dependencias e essas partes. Os "objetos" do realismo ingenuo reduzem-se, enUio, a pontos de intersecgao desses feixes de relacionamentos; issosignifica que apenas eles permitem uma descric;ao dos objetos que nao podem ser cientificamente definidos eeompreendidos a nao ser desse modo. Os relacionamentos ou as dependencias que 0 realismo ingenue considera secundarios e como pressupostos dos objetos tor.Q.am-se, para nos, esseneiais: sac a condi~ao necessaria para que existam pontos de intersecc;3.o. o reconhecimento de fato de que uma totalidade nao seeompoe de objetos,mas sim de dependencias, e que nao e sua substancia mas sim os relacionamentos intemos e extemosque tern. umaexistenciacientffica nao e novo, par certo. No entanto, em lingiilstica parece ser. Postular objetos como sendo outra cois~ que nao termosde relacionamentos e introduzir um axioma superfIuo e umahiptStese metafisica do qual a lingiilstica tenl de se libertar. E fato que pesquisas lingliisticas recentes estao a ponto de reconhecer certos fatas que com a eondi~ao de serem estudados a fundo, deveriam eonduzir logicamente a esta concep~ao. Desde Ferdinand deSaussure, freqiientemente
PRINCIPIO DA ANALYSE
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tern-se sustentado que existia entre certos fatos de uma lingua uma interdependencia tal que uma lingua dada nao pode apresentarum desses fatos sem apresentar tamb6m o outro. Esta id6ia e justa, sem dtivida nenhuma, ainda que frequentemente tenha sido levada longe demais e explorada de modo abusivo. Tudo parece indicar que Saussure reconhece a prioridade das dependencias na lingua. Por toda parte ele procura relacionamentos, e afirma que a lingua e forma, e nao substancia. Neste ponto de nosso estudo devemos evitar cair Dum drcUIo vicioso.. Se se pretende, por exempIo, que 0 substantivoe 0 adjetivo, ou a vogal e a consoante, pressupoem-se mutuamente, de modo que uma lingua nao pode ter substantivos sem ter tambem adjetivos e reciprocamente, e que ela nao pode ter .vogais .sem ter tambem consoantes e reciprocamente - proposic;5es que, de nossa parte, acreditamos poder afirmar coma teoremas - essas proposic;6es poderao ser verdadeiras ou falsas segundo as defmic;oes adotadas para os conceitos de substantivo, adjetivo, vogal e consoante. Assim, encontramO-nos aqui num terreno diffcil; ma~. estas dificuIdades sac agravadas peIo fato de que os casos' de dependencias mutuas,ou interdependencias, aos quais nos ativemos ate aqui, extraem sua existencia do sistema da lingua e nao de seu processo (cf. Cap. 2), e eexatamente esse tipo de dependencias e nao outros que procuramos. Alem das interdependencias, e necessario prever dependencias unilaterais em que urn dos termos pressupoe 0 outra, mas nao 0 contfClrio, e ainda dependencias mais frouxas onde os dais termos naa se pressupoem mutuamente, POdendo nao obstante figurar juntos (no processo ou no sistema) por oposiC;ao a termosque sac incompativeis e que se excluem mutuamente. A partir do momento em que se admite a existencia dessas diversas possibilidades, impoe-se a exigencia de uma !terminologia adequada. Adotaremos provisoriamente termos operacionais para as possibilidades aqui consideradas. As dependencias recfprocas,em que os dois termos se pressupoem mutuamente,serao, para. no's, interdependencias. As dependencias unilaterais, em que urn dos termos pressupoe ooutro, mas nao 0 contrario, serao chamadas determiMfoes. Finalmente, as dependencias mais frouxas, em que os dois termos estao num reIacionamento reciproco sem que urn pressuponha 0 outro, serao chamadas constela~oes.
A partirdaqui, podemos distinguir as tres especies de dependenciasconforme entrem num processo ou?~ sistema.Denominaremos solidariedade a interdependencla
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
entre termos num processo, e complementaridade 1 a dependencia entre termos num sistema. A determina~ao entre termos num processo sera chamada selet;iio, e entre termos num sistema, especificat;iio. As constela~6es serao denominadas combinat;oes num processo e autonomias num sistema.
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E uti! dispor assim de tres jogos de termos, 0 primeiro para 0 processo, 0 segundo para 0 sistema e 0 terceiro valendo indiferentemente para 0 processo e 0 sistema. Corn efeito, ha casos em que urn mesmo conjunto de termos pode ser considerado tanto coma processo quanto como sistema unicamente em virtude do ponto de vista que se adotar. A teoria e urn exemplo: pode-se· considerar a hierarquia das defini96es coma urn processo em que e enunciada, escrita ou lida uma defini9ao, depois uma outra e assim· par diante, ou entao como UID sistema que potencialmente subentende urn processo possivel. Ha determina~ao entre as defini~5es uma vez que aquelas que devem preceder outras sao pressupostas pelas que as seguem, rnas que a recfproca nao e verdadeira. Se a hierarquia das defini~6es e vista como urn processo, ha selec;ao entre as defini~5es; se, pelo contrario, econsiderada como um 8i8tema, entre elas ha especifica9ao. . Vma vez que aquilo por que nos interessamos no momento e aamilise de urn texto, e 0 processo queretera nossa aten~ao, e nao 0 sistema. E faci1 encontrar solidariedades nos textos de uma dada lingua. Deste modo, nas Iinguas que melhor conhecemos, muito freqiientemente ha solidaiiedade entre .os morfemas de diversas categorias no interior de uma mesma"forma gramatical" 2, de modo que urn morfema de uma categoria se ve all sempre acompanhado por urn morfema da outra categoria, e reciprocamente. 0 substantivo Iatino semprecomporta urn. morfema de. caso e um morfema· de nUmero, e urn nunca. e encontrado semooutro. Os .casos de sele~ao, entretanto, sao mais notaveis. Alguns SaD conhecidos, ha rnuito tempo, sob 0 nome de recc;ao, ainda que este conceito continue mal definido. Pode haver selec;ao entre uma preposi~ao e seu objeto: assim, entre sine e 0 ablativo, corn sine pressupondo a existencia de urn ablativo no texto, enquanto que 0 inverso nao e verdadeiro. Em outros casos ha com- . . binac;ao, tal como, em latim, entre ab e 0 ablativo, que tern uma coexistencia possIvel rnas nao necessaria. Esta possibilidade de coexistencia os distingue, por exemplo, de ad 1. Os _ relacionamentos entre substantivo e. adjetivo e entre vogal e consoante sao, portanto, exemplos de complementaridade. 2. 0 termo morfema restringe"se nesteJivro aQ uso no sentido de elemento~ inflexionais considerados como elementcS" do conteudo.
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PRINctPIO DA ANA-USE
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e do ablativo, que se excluem mutuamente. Se a coexistencia de ab e do ablativo nao e necessaria, e porque ab pode tambem funcionar como prefixo de verba. De urn ponto de vista diferente, que tem urn carater universal e flaO particular a urna dada lingua, pode haver uma solidariedade entre uma preposi~ao e seu objeto no sentido de que 0 objeto de uma preposi~ao nao pode existir sem a preposi~ao, nem esta (como sine) sem 0 objeto. A lingilistica tradicional so tratou tais dependencias de modo sistematico na medida em que elas existiam entre duas ou mais palavras e nao no interior de urna unica palavra. Esta atitude esta relacionada corn a divisao da gramatica em morfologia e em sintaxe, divisao esta cuja necessidade a lingiiIstica sustenton desde a Antiguidade. Concordando, em rela~ao a este ponto, corn certas tendencias recentes, logo nos veremos levados a abandonar essa tese por ser inadequada. Se se levar esta tese a seu ponto limite - 0 que foi feito algumas vezes - a morfologia so se prestaria a uma descri~aa do sistema e a sintaxe apenas a descri~ao do processo. Nao e inuti1levar esta distin~ao ate sua conseqiiencia logica, pois isto poe em evidencia 0 paradoxo: se esse fosse 0 caso, logicamente so se poderia registrar as dependencias que dependem do processo na sintaxe, e DaO logologia, isto e, entre as palavras de urna mesma frase, mas nao no interior de uma unica palavra e nem entre suas partes. Ye-se de oode provem 0 interesse exclusivo atribuido aos fenomenos de rec~ao. No entanto, nao ha necessidade de renunciar a todas as concep~oes tradicionais para ver que existr., no interior da palavra, dependencias anaIogas as que as paIavras contraem entre si na frase, dependencias suscetfveis de urna anaIise e de uma descri~ao da mesma natureza. A estrutura de urna lingua pode ser tal que urn mesino radical pede aparecer corn e sem sufixo de deriva~ao. Ha, entao, sele~ao entre 0 sufixo e 0 radical. Deum ponto de vista mais universal ou mais geral, ha sem.pre sele~o neste caso, uma vez que urn sufixo pressupoe necessariamente urn radical e . nao 0 contrano.Mesmo osconceitos· da Iingiifstica tradicionalexigem em Ultima ~n;llise. urna defini~ao baseada na sele~ao, defini~ao do mesmo tipo daquela que pennite distinguir· entre proposi~aoprincipal e ptoposi~ao subordinada. Ja demos urn exemplo disso ao mostrar· que no interior da desinencia da palavra e entre seus componentes encontram;'se igualmente dependenciasda mesma natureza. :B evidente que, nas condi~6es estruturais dadas, a solidariedade entre os motfemas nominais pode ser substituida por urna sele~ao ou por uma combina~o. Urn substantivo, por exemplo, pede apresentar ou nao um morfema de_ compara-
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
<;ao, 0 que significa que os morfemas de compara~o nao sao solidarios dos rnorfemas casuais como 0 sao os morfemas de numero, mas pressup6em unilateralmente sua coexistencia. Ai ha, portanto, sele~ao. Vma combina~ao aparece quando, ao inves de considerar, como no exemplo anterior, cada paradigma de morfema (0 dos casos e 0 dos numeros) como uma totalidade, considera-se cada caso e cada numero separadamente: entre urn caso particular, por exemplo 0 acusativo, e urn numero particular, por exemplo 0 plural, existe combina~ao. S6 ha solidariedade entre os paradigmas tomados em seu conjunto. Pade-se decompor a silaba segundo 0 rnesrno principio. Em certas condi90es estruturais (realizadas em inurneras linguas conhecidas), pode-se dividir a sllaba em uma parte central (vogal ou consoante sonora), e uma parte marginal (consoante ou consoante nao-sonora) gra~as ao fato de que uma parte marginal pressup6e a coexistencia textual de uma parte central, e nao 0 contrario. Esse ainda e urn caso de sele9ao. Esse principio esta de fato presente na defini9ao das vogais e . das consoantes que, ja caida em desuso nos tratados eruditos, sobrevive ainda mais ou menos no ensino primano e remonta, sem duvida, a Antiguidade. Dever-se-ia, portanto, considerar coma certo que um texto e uma qualquer de suas partes sao analisaveis em partes definidas par dependencias desta natureza. O. principio daanaIise consistira, por conseguinte, no reconhecimento dessas dependencias: as partes definidas pela anaIise so .devem serconsideradas coma pontos de intersec~ao dos feixes dos relacionamentos. Portanto, nao se pode empreender a analise antes que essas dependencias sejam descritasem seus tipos principais, uma vez que a base da analise deve serescolhida, em cada caso particular, conforme os relacionamentospertinentes, e s6 se pode proceder a esta decisaocom a condi~ao de saber quais sac os relacionamentos a serem descritos a fim de que a descri9iio seja exaustiva. . c
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10. Forma daAnalise
A amUise consiste, portanto, efetivamente, no registro de certas dependencias ou· certos relacionamentos entre termos que, conforme 0 usa consagrado, chamaremos de partes·do texto, e que existem exatameilte em virtude desses relacionamentos e unicamente em virtude deles. 0 fate de serem esses termos denominados partes, e de 0 procedimento todo ser chamado de amilise se deve ao fato de que tambem ha relacionamentos entreesses termos e a totalidade {isto e, 0 texto} na qual se diz que eles entram, relacionamentos estes que a anilise deve igualm.~nteregis trar. 0 fator particular que caracteriza a dependencia entre a· totalidade e· as partes, que a diferencia de umadependencia entre a totalidade e outras totalidades e que faz corn .que os objetosdescobertos (as partes) possam ser consideradoscomo interiores e nao exteriores a totalidade (isto e, o texto) parece ser a. homogeneidade da dependencia: tadas as partes coordenadas resultam apenas da .anaIise de uma totalidade que depende dessa totalidade de urn modo homogeneo. Esta homogeneidade caracteriza tambem a dependencia entre as partes; analisando, por exemplo, urn texto emproposi90es, das quais se distinguem duas especies (definidas por uma dependencia especffica recfproca), a principal e a subordinada, sempre nos veremos - corn a condi9aO de nao levar adiante a anaIise - na presenc;a da mesma dependencia entre aprincipale a subordinada, sejam quais forem as proposi90es consideradas; 0 mesmo acontece quanto ao relacionamento entre urn tema e seu sufixo de
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
deriva<;ao, entre a parte central e a parte marginal de uma sflaba, e quanto a todos os outros casos. Utilizaremos este criterio a fim de estabelecer e conservar uma defini<;ao metodologica unlvoca da anaIise. A ana!ise, em sua defini<;ao formal, sera portanto a descric;ao de urn objeto atraves das dependencias homogeneas de outros objetos em rela<;ao ao primeiro e das dependencias entre eles reciprocamente. Denominar-se-a classe 0 objeto submetido a anaIise, e componentes dessa classe os objetos que sac registrados por uma unica analise como dependendo uns dos· outros e da classe de modo homogeneo. Nesta primeira amostra restrita do sistema de defini<;5es adotado pela teoria, a defini<;ao do cornponente pressup6e a da classe, e a defini<;ao da cIasse pressupoe a da anaIise. A definic;ao da analise pressupoe apenas termos ou conceitos que nao sao, eles, definidos no sistema de definic;6es especffico da teoria, e que colocamos como indefiniveis: descrirQo, objeto, dependencia, homogeneidade. Denominar-se-a de hierarquia uma classe de classes, e sabemos que teremos de distinguir entre duas especies de hierarquias: os processos e os sistemas. Poderernos nos aproximar do usa habitual adotando designac;6es especiais para cIasse ecompanente, conforme forem extraidos de um processo ou de urn sistema. Num. processo Iingilistico 1, as classes serao _denominadas cadeias e os cornponentes partes 2. Num sistema IingiHstico, as classes sedio denominadas paradigmas e os componentes membros. Correspondendo. a distin<;ao entre partes .e membros, e quando for litilespecificar, poderemos chamar de divisao a amilise de .um processo de articulariio a amilise de urn sistema. A primeira tarefa da anaIise, portanto, consiste em efetuar uma divisao do processo. 0 texto e uma cadeia e todas as partes (proposic;5es, palavras, sllabas etc.) tambem sao cadeias, corn exce~ao das· partes irredutiveis que nao podem ser submetidas a anaIise. A exigencia de exaustividade impede que se fique apenas numa simples divisao do texto; rnas as partes que ela disceme deverao ser, por sua vez, divididas, e assim par diante ate 0 esgotamento da divisao. Definimos a anaIise de tal modo que nada indica, na definiC;ao, se ela e simples ou continuada; uma amilise (e, portanto, tambem uma divisao) assim definida pode conter uma, duas, ou varias anaIises; 0 conceito de anaIise (ou de divisao) e urn "conceito-sanfona". Alem do mais, pode-se agora con1., Na forma Ultima. e mais geral, dessas duas defini9i5es. a palavra lingUfS'Uca sera substituida por semiDtica. Para a distin~ao entre uma lingua e uma semi6tica, ver. Cap. 21. 2. On elos.
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FORMA DA ANALISE
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siderar que a descri~ao do objeto dado (i8to e, 0 texto) nao se esgota corn uma divisao continuada mesmo qUE levada a cabo, a partir de uma tinica base de amilise, mas que se pode ampliar a descri~ao, isto e, registrar novas dependencias atraves de novas divisoes efetuadas a partir de outras bases de anaIise. Falaremos entao em complexo de analises~ ou complexo de divisaes~ isto e, de classe de analises (ou divisoes) de uma unica e mesma classe (ou cadeia) . A amilise exaustiva do texto teni entao a forma de urn procedimento que se compoe de uma divisao continuada ou de urn complexo de divisoes no qual cada opera~ao consistini em uma simples divisao minima. Cada opera~ao que este procedimento comporta pressuponi as opera<;oes anteriores e sera pressuposta pelas opera<;6es seguintes. 0 mesmo acontecera se 0 procedimento adotado for urn complexo de divis5es: cada divisao levada ate 0 fim e pressuposta por outras divisoes, e/ou pressup6e, por sua vez, outras divisoes. Entre os cornponentes do procedimento ha detenninac;ao, de tal modo que os componentes seguintes sempre pressupoem os anteriores, mas nao 0 inverso. Tal como a detennina~o entre as definic;6es (cf. Cap. 9), a determina~ao entre as operag6es pode ser considerada seja como uma selegao, seja como uma especifica~ao. Chamaremos de deduriio uma tal totalidade de procedimento, e definiremos fonnalmente a dedu~ao com!J uma amilise continuada ou urn complexo de amilises corn detennina<;aoentre as anaIises quedela participam. Vma dedu<;ao e, portanto, urn certo tipo de procedimento diferente do da indu~o. Definiremos urna oper{lfiio coma uma descriC;ao que esta de acordo corn 0 prindpio de empirismo, e urn procedimento coma uma classe de operac;6es de mutua detenninac;ao. (Tais defini<;6es fazem da operarao e do procedimento "conceitos-sanfona",talcomo a analise acima mencionada.) A partir. da!, urn procedimento pode entaD consistir ou em anaIises e ser uma dedugao ou entao, pelo contrario, consistir em sfnteses e ser ulna induriio~ Por sintese, entendemos a descrigao de objetos enquanto componentes de uma cIasse (a sfntese, como a anaIise, toma-se entaD urn "conceito-sanfona") e por indUfiio, uma sfntese continuada corn determinac;ao entre as sfnteses que dela participam. Se 0 procedimento adotado cornporta tanto a anaIise quanto a sfntese t 0 relacionamento de pressuposic;ao existente entre· elas aparecera sempre como uma detenninagao onde a sintese pressupoe a amlIise, e nao 0 contnlrio. Isto resulta naturalmente do fato de que 0 dado imediato e uma totalidade nao analisada (0 texto, cf. Cap. 4). Segue-se que urn procedimento pura-
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
mente indutivo (mas que comportaria necessariamente dedu~oes implicitas) nao poderia satisfazer a exigencia de exaustividade que participa do principio de empirisma. Portanto, ha uma justifica~ao formal do metodo dedutivo defendido no Cap. 4. De resto, nada disto impede que a hierarquia seja a seguir percorrida na dire~ao oposta, 0 que nao produzira novas resultados mas que pode fomecer urn angulo novo que as vezes sera util adotar para os mesmos resultantes. Pareceu-nos nao haver aqui razao suficiente para modificar a terminologia que esta agora a ponto de ser aceita em Iingtiistica. Os fundamentos formais de nossa terminologia e dos conceitos que propusemos poderiam muito bem se Iigar ao uso cansagrado pela epistemologia. Nossas defini~6es nada tern que contradiga ou impe~a 0 usa da palavra dedufQO no sentido de "conc1usao 16gica". Parece-nos possive! dizer que proposi~6es que decorrem de outras proposic;6es resultarn destas por anaIise 3: em cada nivel do procedimento, asproposic;oes deduzidas sao objetos que dependem uns dos outros de modo homogeneo, tal como eles dependem da proposi~ao pressuposta. ~ certo que isto e muito diferente das concepc;6es habituais da no~ao deanaIise. Mas 0 que justamente pretendemos foi, utiIizando defini~6es formais, evitar formular postulados sobre a natureza dos objetos; portanto, nada postuIarnos sabre a natureza ou a essencia da anaIise fora daquilo que esta contido em sua defini~ao. Se termo indu9ao e empregado para designar urn tipo particular de conclusao 16gica que permite a passagem de certas proposic;6es para outras que faz da indu~ao, segundo a terminologia 16gica, uma especie de dedu~ao - 0 termo ambiguo indufiio e entaD 'empregado numa acep~ao inteiramente diferente daquela que visamos. Levadoa cabo, 0 rnetodo de defini~aopoderia suprimir 0 incomodo causado por esta ambigiiidade. Ate aqui, empregamos os termos componente, parte e membro opondo-os, respectivamente, a classe, cadeia e paradigma. Mas utilizaremos componente, parte e membro apenas para designar as resultantes de uma anaIise simples (cf., acima, a defini~ao do termo componente).. Numa anaIisecontinuada, falarernos em· derivados. Portanto, uma hierarquia e uma classe corn seus derivados. Se admitimos que, num determinado momento, urn texto e anaIisado em gropos de silabas, que sao entaD analisados em sflabas, que por sua vez sao analisadas em partes de silabas, num tal casoas silabas serao derivados dos gropos de silabas, e as
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Voltaremos a este ponto no Cap. 18.
FORMA DA ANA.LISE
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partes de silabas sedio derivados dos grupos de silabas e das silabas. Por outro lado, as partes de silabas serao componentes (partes) de sfiabas porem nao gropos de sfiabas, e as silabas serao componentes (partes) dos gropos de silabas mas de nenhuma outra resultante da amilise. Traduzindo isto em defini~5es: por derivados de uma classe entenderemos seus componentes e os componentes-de-componentes no interior de uma unica e mesma deduC;ao. Acrescentemos de imediato que nos propomos a dizer que a classe compreende seus derivados e que os derivados entram na classe. Por grau dos derivados entenderemos 0 numero de classes atraves das quais eles dependem de sua classe comum mais baixa; se este numero for zero, serao derivados de primeiro grau; se 0 numero for 1, serao derivados de segundo grau, e assim por diante. No exemplo ja utilizado onde gropos de silabas sac pensados como anaIisados em silabas, e estas em partes de sfiabas, as silabas serao portanto derivados de primeiro grau dos gropos de silabas, enquanto que as partes de silabas serao derivados de primeiro grau das sflabas e derivados de segundo grau dos gropos de silabas. Derivado de primeiro grau e componente sao, portanto, termos equivalentes.
11. Funcoes .
Uma dependencia que preenche as condi~5es de uma amiIise sera denominada funfiio. Deste modo, diremos que ha fun9ao entre uma classe e seus componentes (entre uma cadeia e suaspartes, entre uma paradigma e seus membros), do mesmo modo como ha fun~ao mutua entre os componentes (partes e membros). Serao denominados funtivos de urna funeao os termos entre os quais esta existe, entendendo-se por funtivo urn objeto que tern uma fun9aO em rela9ao a outros objetos. Diz-se que um funtivo contrai sua fun~ao. Das defini~oes resulta que tambem funeoes podem ser funtivos, uma vez que pode haver funeao entre fun90es. Deste modo, existe uma funeao entre a funeao que as partes contraem entre si e a funeao contraida entre a cadeia e suas partes. Urn funtivo que nao for tambem uma fun~ao sera denominado grandeza. No caso que ja consideramos, os groPQs de silabas, as silabas e as partes das silabas serao grandezas. Adotamos aqui 0 termo funfiio num sentido que se situa a meio caminho entre seu sentido 16gico,..matematico e seu sentido etimol6gico, tendoeste Ultimo representadoum papel consideravel em todas as ciencias, incluindo-se aqui a lingiiistica. 0 sentido em que 0 t6mamos esta formalmente mais proximo do primeiro, sem corn isso ser-lhe identico. E exatamente de urn ripo assim de conceito intermedhirioque necessitamos na lingilistica. Poderemos dizer que uma grandeza no interior de urn texto ou de urn sistema tern determinadas fun~es e,com isso, aproXimarmo-nos~o emprego
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PROLEG6MENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
logico-matematico desse termo, comele exprimindo: prirneiramente, que a grandeza considerada mantem dependencias ou rela~6es corn outras grandezas, de modo que certas grandezas pressupoern outras e, segundo, que pando em causa 0 sentido etimologico do termo, esta grandeza funciona de uma determinada maneira, representa urn papel particular, ocupa urn "lugar" precise na cadeia. Num sentido, pode-se dizer que a acepyao etimologica da palavra funfiio e sua definiyao realista, que evitamos explicitar e incluir no sistema de defini~oes porque eIa sup5e premissas mais llUrnerosas .que as da definiyao formal a qual e redutiveI. Ao mesmo tempo que adotamos 0 termo tecnico jUnfiio, desejamos evitar a ambigiiidade do uso tradicional no qual ele designa tanto a relayao entre dois termos e urn ou mesmo .ambos esses termos no caso em que se diz que urn termo e "funyao" do outro. E para eliminar essa ambigiiidade que propusemos 0 termo tecnico juntivo e que tentamos evitar dizer, como normalmente se faz, que urn funtivo e "funyao" .do outro, preferindo a seguinte formulayao: urn funtivo tern uma fun~ii.o com 0 outro. A ambigiiidade que censuramos no emprego tradicional da palavra junriio e encontrada corn mais freqiiencia nos termos que, na terminologia tradicional, designam especies particulares de fun~oes, coma por exemplo .quando regime significa tanto rectio como regimen. A mesma ambigliidade ocorre corn a paIavra pressuposi~iio, que pode ser empregada 'para designar uma funyao e urn funtivo. Esta ambigiiidade dos conceitos oculta-se· atnis da defini~ao reaIista das especies de fun~oes (cf. Cap. 9) que, por isso mesmo, deve ser excluida das definiyoes formais. A palavra signi/icariio e urn outro exernplo disso: e ernpregada tanto para a designa~ao quanto para 0 proprio designado; e necessario dizer, alias, que esse termo e obscuro tambem em rela9ao a muitos outros aspectos. Podemos agora oferecer uma visao sistematica das diferentes especies de funcoes de que, prevemos, necessitaremos na teoria da Iinguagem, e ao mesrno tempo apresentar as definicoes fonnais das funyoes que ate aqui introduzimos apenas a titulo operacional. Por constante entendemos urn funtivocuja presen9a e . uma condi~ao necessaria para a presen~a do funtivo corn 0 qual tern funyao. Par variavel, pelo contrario, entendereroos urn funtivo cuja presen~a nao e uma condi9ao necessaria . para a presen~a do funtivo corn 0 qual tern funyao. Estas definiyoes baseiam-seem conceitos nao especificos e indefiniveis: presen9a, necessidade, condi~ao, bem coma nas defini~5es de funyao e funtivo.
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FUNCOES
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A partir daf, podemos definir a interdependencia como uma fungao entre duas constantes; a determina~iio, coma uma fun~ao entre uma constante e uma vari::lvel, e a constelarao coma uma fun~ao entre duas variaveis. Em certos casos, teremos necessidade de uma designac;ao comum para a interdependencia e a determina~ao, que saQ as duas especies de fun~oes das quais pelo menos urn dos funtivos e uma constante: nos as denominaremos de coesoes. Poderemos do mesmo modo ter necessidade de uma designa~ao comum para a interdependencia e a constela~ao, que possuem ambas apenas urn tipo de funtivo, corn a interdependenda ligando apenas constantes e a conste1ac;ao ligando apenas varhiveis: serao denominadas reciprocidades, termo que indica bem que, contrariamente a determinac;ao, estas duas fUDc;oes nao sao "orientadas". Em virtude desta "orientac;ao" (devida a natureza diversa dos funtivos), deve-se distinguir entre os funtivos de uma determinac;ao (selec;ao ou especificac;ao). Denominar-se-a determinada (selecionada ou especijicada) a constante, e determinante (selecionante ou especijicante) a variavel de uma determinac;ao; do funtivo cuja presenc;a e condic;ao necessaria para a presen~a do outro funtivo da determina~ao diz-se ser determinado (selecionado ou especijicado) por eIe, e do funtivo cuja presenc;a nao e uma condic;ao necessaria a presenc;a do outro funtivo diz-se "determinar (selecionar, especificar) este ultimo. Em· compensaC;ao, os funtivos que contraem uma reciprocidade podem ostentar ° mesmonome: chamaremos interdependentes (solidarios, complementares) os funtivos que contraem uma interdependencia (solidariedade, compIementaridade) e constelares (comb inados, autonomos) os funtivos que contraem uma constela~ao (combina~ao, autonomia). Dos funtivos que contraem uma reciprocidade diz-se que sac reciprocos e dos que contraem uma coesao~ coesivos. Ao formularas defini~5es de nossas tres especies de func;6es, previmos apenas oscasos em que ha dois funtivos que as contraem, e apenas dois. :E possivel prever que as fum;6es poderao ser contraidas por mais de dois funtivos, mas sempre se podenl considerar essas funC;oes multilaterais coma sendo fun~5es entre func;5es bilaterais. Vma .autra distin~ao, essenciaI para a teoria da linguabern, e a que existe entre a fun~ao He ... e", ou "conjun~ao", e a fun~ao "ou ... ou" ou "disjunc;ao". E sobre esta distin~ao que se baseia a distin~aoentre processo e sistema: no processo, no texto, encontra-se urn e. .. e, uma conjun~ao, ou uma coexistencia entre os funtivos que dela participam. No sistema, pelo contrario, existe urn ou... DU,
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
urna disjun~ao ou urna alternancia entre os funtivos que dele participam. Consideremos, por exemplo:
toa vim Intercambiando t e v, 0 e a, a e m, respectivamente, obtem-se as palavras toa, tom, tia, vim, voa, via, todas diferentes. Estas grandezas sac cadeias que entram no processe da lingua (0 texto); t e v, 0 e i, a e m, tornados dois a dois, constituem, pelo contnlrio, paradigmas que entram para 0 sistema da lingua. Em toa ha conjun~ao, coexistencia, entre t 0 e a; existe "realmente" para n6s, ao mesmo tempo, t e 0 e a. Do mesmo modo, ha coexistencia ou conjun~ao de v e i e m em vim. Mas entre t e v ha disjun<;ao, altemancia, e aquilo que "de fato" temos diante de nossos oIhos ou e t ou e m. Do mesmo modo, ha disjungao, ou altemancia, entre 0 e i, e entre a e m. Num sentido, pode-se admitir que sao as mesmas grandezas que entram no processo (texto) e no sistema lingliisticos: considerado como uma parte (derivada) da palavra toa, t entra num processo e, por conseguinte, numa conjun<;ao, enquanto que, considerado como urn membro (derivado) do paradigma
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ele entra num sistema e, portanto, numa disjun9ao. Do ponto de vista do processo, t e uma parte; do ponto de vista do sistema, e ummembro. Estes dois pontos de vista distintos permitem· reconhecer a existencia·-de dois objetos diferentes, -pois a defini~ao funcional varia de urn para outro. Mas, -unindo ou multiplicando as - duas defini~5es funcionais distintas, poderemosnos ver autbrizados a dizer queestamos lidando corn 0 "IIlesmo" t. :E nesta medida que se pode dizer que todos os funtivos da lingua entram ao mesmo tempo num processo e num sistema, que eles contraem ao mesmo tempo a relal;ao de conjunl;ao (DU de coexistencia) e a de disjun~ao (ou de altemancia). A interpreta~ao dess~s funtivos, em cada caso particular, comosendo conjuntosou disjuntos, coexistentes DU alternantes, dependerado ponto de vista que se adotar, por escolha. Em nossa teoria da linguagem - diversamente da lingtiistica tradicional, e em rea~ao consciente contra ela procuraremos utilizar uma terminologia que evite qualquer ambigiiidade. Entretanto, 0 te6rieo da linguagem se ve as vezes ernbaral;ado em materia de terminologia; e 0 que acontece aqui. Denominamos provisoriamente de conjun~ao a fun<;ao e. .. e, de acordo corn a terminologia 16gica do
FUNCOES
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termo, OU coexistencia, e denominamos de disjun~ao (sempre de acordo com a terminologia 16gica) ou de alternancia a fun~ao ou. .. ou. Mas sena totalmente inoportuno manter essas designa~oes. Com efeito, os lingiiistas entendem par conjun~iio algo inteiramente diferente,. e deveremos (nisto, seguindo a tradi~o) utilizar 0 termo da mesma maneira (para designar uma "parte do discurso", embora nao estejamos pensando em defini-la como tal). 0 emprego do termo disjun~iio teve uma ampla difusao na lingiiistica, mas apenas para designar urn tipe particular da fun~ao ou. . . OU, e adotar esse termo para todas as funl;oes ou... ou seria favorecer confus5es e enganos. Alternancia, enfim, e urn termo lingiifstico profundamente ancorado, sem duvida nenhuma impossivel de ser desenraizado e, alem do mais, e comodo para designar uma fun~ao especffica - principalmente os fenomenos chamados ablaut e umlaut - que, alias, mantem estreitas rela90es com a fun9ao ou ... ou, e da qual nao passa, na verdade, de uma forma particularmente complexa. Portanto, nao convem adotar alternancia para designar a fun~ao ou. . . ou em geral. Coexistencia nao e, evidentemente, urn termo ja utilizado, mas nao 0 recomendamos parque, entre outras razoes, um usa ja bem difundido Da lingilistica relaciona-o num certo sentido com a coexistencia entre membros de urn paradigma. Devemos, portanto, procurar outros termos e procuraremos sempre, desde que possivel, estabelecer contato corn a terminologia lingiiistica ja existente. Tomou-se pnitica bastante difundida na lingiiistica chamar de correla~iio a fun9ao que existe entre os membros de urn paradigma. Pareee, portanto, que convem adotar esse termo para a fun9ao ou. .. ou. E entre as designa90es possiveis da fun~ao e ... e, ficaremos com a palavra rela~iio, atribuindo-lhe urn. sen-. tido mais limitado do que ela tern na l6gica, onde. rel~ao .e empregada essencialmente no sentido que atribuimos a palavra fun~iio. Estefato parece-me que provoca dificuldades apenasiniciais, faceis de serem superadas. Por correl(lfiio 1, entenderemos portanto, a fun~ao ou. . . OU, e por rel~iio'2 a fun~ao e. . . e. Denominaremos os funtivos que contraem essas fun~oes, respectivamente, de correlatos e relatos. A partirdesta coloca~ao, podemosdefinir urn sistema· como uma hierarquia correlacional, e um processo como uma hierarquia relacional. Ora, como ja vimos (Cap. 2), processo e sistema SaD conceitos de uma grande generalidade, e que DaO poderiam ter seu usa restrito exc1usivamente a objetos semi6ticos. 1. Du equi'VaUncia (cf. H. J. ULDALL, "on Equivalent Relations". Traoaux du Cercle LingUistique de Copenhague V. pp. 71-76). 2. Du cone:dW.
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PROLEGOMENOS A UMA TEOR!A DA LINGUAGEM
Encontramos designa~5es comodas e tradicionais para urn processo e urn sistema semi6ticos nos termos sintagmatica e paradigmatica. Quando se trata da lingua natural falada, que e a unica a nos interessar no momento, podemos tambemutilizar termos mais simples: chamaremos aqui 0 processe de texta, e 0 sistema de llngua. -Urn processo e 0 sistema subentendido contraem uma fUD9ao mutua que, conforme 0 ponto de vista adotado, pode ser considerada COmo uma rela~ao ou como uma correla9ao. Urn exame aprofundado dessa fun9ao mostra facilmente que e uma determina~ao cujo sistema e a constante: 0 processo determina 0 sistema. Nao e essencial que, visto do exterior, o processo seja mais imediatamente perceptiveI a observa~ao, enquantoque 0 sistema deve ser antes "relacionado" corn 0 processo "descoberto" atnis dele mediante um procedimento~ e apenas por isso que 0 unico modo de conhece-Io e 0 modo indireto, a menos que eIe se apresente de imediato a partir de urn procedimento preliminar. Esta situa~ao poderia levar a pensar que 0 processo pode existir sem 0 sistema, e nao o contnirio. Mas 0 importante e que a existencia de urn sistema seja uma condi~ao necessaria para a existencia de urn processo. 0 processo so existe em virtude do sistema subjacente que 0 govem
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FUNCOES
modo necessaria e suficiente, aquilo que entendemos par realiza~ao. Se existir apenas uma lingua (sisterna), prevista coma passIvel pela teoria, mas nenhum texto (processo) correspondente, natural ou elaborado pelo te6rico a partir de urn tal sistema, pode-se afirmar a possibilidade da existencia de tais textos, mas nao se pode fazer deles 0 qbjeto de uma anilise particular. Dirernos, neste caso, que 0 texto e virtual. Mas urn texto, ainda que purarnente virtual, pressup5e urn sistema lingiHstico realizado, no sentido da defini~ao. De urn ponto de vista realista, esta situa~aa provem do fato de que urn processo tern urn carater rnais "concreto" do que urn sisterna, e urn sisterna urn carater mais "fechado" do que urn processo. Corn base na anaJ.ise detalhada das fun~5es introduzidas no Cap. 9, conc1uiremos apresentando urn quadro esquematico das especies de fun~5es que previmos 3: fun~o
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determin.~o
coesio
interdepent dencia
rela!r ao (conexao)
correlacao (equivalencia)
sele!rao
especifica!rao
solidariedade
complementaridade
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autonomia
reciprocidade constela~ao
3.
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emprego do! sfmbolos glOlsemA.ticos para as diferentes
funtl<Ses
IJ ilustrado petos seguintes exem.plos, nos quais a e b representam um termo
qualquer, " uma variavel e c uma constante: FUNCXO: a f bj RELACAO: a R b; CORRELACA,O: a. : b; DETERMINACA,O:· 1)' ou c ~ 1:'; SELECA,O: v ~ c ou c .:. " j ESPECIFICACXO: v I,;".. C ou c -I V; INTERDEPEND1tNCIA: c ~ c; SOLIDARIEDADE: C N Cj COMPLEMENTARIDADE: c "" c; CONSTELACXO: V I V; COMBINACXO: v - v; AUTONOMIA: V v. Naturalmentet 0 niunero de termo& nio se limita.a dois.
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12. Signos e Figuras
Ha uma particularidade
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a ser observada a respeito das grandezas que resultam de uma dedu~ao; diremos, provisoriamente, que uma frase pode ser composta por uma unica proposi~ao e uma proposi~ao por uma unica palavra. Esta caractenstica encontra-se nos textos mais variados. Corn o imperativo latino t, "vel !", ou a interjei~ao portuguesa ah temos uma grandeza que se pode considerar ao mesmo tempo como uma £rase, uma p(oposi~ao e uma palavra. Neste caso,encontramos tambem uma silaba que compreende uma unica parte de sflaba (uma' parte central, cf. Cap. 9). Devemos levar em conta essa possibilidade ao preparar a amllise. Para tanto, convem introduzir uma"regra de transmissao" que impedira a amilise ulterior de uma dada grandeza num estagio prematuro do procedimento e quepermitira que certas grandezas passem intatas de urn estagio para outro em dadas 'condi~s, enquanto que grandezas de mesmo grau serao submetidas a amllise. Em cada divisao particular poderemos fazer 0 inventario das grandezas que contraem as mesmas relagoes, isto e, que podem ocupar um u.nico e mesmo "lugar" na cadeia. Pode"': IDOS, por exemplo, fazer 0 inventario de todas as proposigoes que poderiam ser intercaladas no lugar de uma dada proposi~ao. Em certas condi90es, isso poderia conduzir ao inventario de todas as proposi~es principais e de todas as proposi90es subordinadas. :B possivel, do mesmo modo, proceder ao inventano de todas as palavras, de todas as sllabas e de todas as partes de sflabas que tenham determi-
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
nadas fun~6es. Em certas condi~6es, isso poderia conduzir ao inventario de tadas as partes de silabas centrais. A exigencia da exaustividade toma necessaria levantar tais inventarios; isso permitini registrar uma fun~ao de urn tipo particular entre as grandezas que podem ocupar urn uni<:1O e mesmo lugar na cadeia. Quando sac comparados os inventanos assim obtidos nos diferentes estagios da dedu9ao, e nohlvel ver que 0 DUmere deles diminui a medida que 0 procedimento de amllise avan9a. Se 0 texto e ilimitado, isto e, se for possivel acrescentar-Ihe algo constantemente, como e 0 que acontece com uma lingua viva, pode-se registrar urn numero ilimitado de frases, de proposi90es e de palavras. Cedo ou tarde, no curso da dedu9ao, encontra-se no entanto um ponto em que o numero das grandezas inventariadas e limitado, e a partir dai, em termos gerais, ele diminui. No entanto, parece certo que uma lingua tern urn nurnero limitado de sfiabas, ainda que esse numero seja relativamente elevado. Se podemos dividir as siIabas em partes centrais e rnarginais, 0 numero dos membros dessas classes sera inferior ao DUmero de silabas da lingua. Continuando a dividir as partes das silabas, chega-se as grandezas que, na terminologia atual, denomiDam-se fonemas. Em todas as llnguas, 0 nurnero destes e tao pequeno que pode ser escrito com dois algarismos; ern muitas llnguas, esse numero chega rnesmo a baixar it casa dos 20. Este· fato, constatado indutivamente em todas as linguas observadas ate aqui, esta na base da inven9ao. do alfabeto. De fato, se nao houvesse inventarios limitados, a teoria da linguagem nao poderia esperar alcanc;ar seu objetivo: tomar possivel uma descri93.0 simples e exaustiva do sistema que esta par tras do processo textual. Se no decorrer da anaIise nao fosse possivel a existencia de inventano limitado algurn, nao poderia haver descri~ao exaustiva. Do mesmo modo, quanto mais 0 inventario e· restrito no ultimo estagio da amilise, melhor se atended. a exigencia de uma descri~ao simples feita pelo principio do empirismo. ~ por isso que a teoria da linguagem atribui uma importancia tao grande a possibilidade de uma execu~ao apurada da id6ia que, desde os tempos pre-hist6ricos, presidiu a inven~ao da escrita: a . id6ia de fazer uma amilise que cenduza as grandezas de extensae minima e em menor numero possive!. . As duas observa90es precedentes, que querem, de urn lado, que uma grandeza .possa as vezes ter a mesma extensao de umagrandeza de urn outro grau (e 0 caso de n e, por outro lado, que os inventarios se tomem cada vez rnais limitados no decorrer do procedimento e que, de ilimitados no
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SIGNOS E FIGURAS
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infcio se tornern Iirnitados, assumidio sua importfmcia quando passarmos a considerar a linguagem como urn sistema de slgnas.
o fato
de que uma Iinguagem e urn sisterna de signos parece ser uma propusicao evidente e fundamental que a teoria deve levar ern consideragao desde 0 inicio. Quanto ao sentido que se deve atribuir a esta proposicao e, sobretudo, a palavra signa, e a teoria da linguagem que cabe decidir. Provisariarnente, devemos nos ater a definicao tradicional, realista e imprecisa. Ela nos diz que urn "signo" (ou, como diremos a fim de antecipar uma distin~ao terminol6gica que sera introduzida mais· tarde (Cap. 13) , a expressao de um signa) e, de infcia e acima de tudo, signa de aIguma outra coisa, particularidade que nos interessa desde logo pois parece indicar que urn "signo" se define por uma funeae. Urn "signo" funciona, designa, significa. Opondo-se a urn nao-signo, urn 4'signo" e portador de uma significa~ao . Contentar-nos-emos corn esta colocacae inicial e tentaremos, sobre esta fragil base, decidir em que medida cS verdadeira a proposieao segundo a qual uma linguagem e urn sistema de "signos". Em seus estagios iniciais, a tentativa de anaIise de urn texto parece confirmar plenamente esta· proposi~ao. Grandezas como as frases, as proposi~5es e as palavras parecem preencher a condi~ao imposta: elas veiculam urna significa~ao e, portanto, sac "signos"; os inventarios que faremos. no decorrer da anaIise nos conduzirao a urn sistema de signos que esta por tras do processo de signos. Aqui, mais uma vez, sera interessante levar a anaIise t3..o longe quanto possIvel a fim de asseguraruma descri~ao ao rnesrno tempo exaustiva e taosimples quanto passIve!. As palavras nao sac os signos ultimos, irredutlveis, da linguagem, tal como podia deixa-Io supor 0 . imenso interesse que a lingiifstica tradicional dedica a palavra. As palavras deixam-se analisar em partes que sac igualmente portadoras de significa~5es: radicais, sufixos de· deriva~ao e desinencias flexionais. Em rela~ao a este· ponto, certas linguas vao mais longe que outras. A termina~ao latina -ibus nao e decomponivel em signos de extensao mais limitada,e umsigno unico que veicula ao mesmo tempo· a significaeao do caso e ado nUmero. A . terminacao hungara do dativo plural numa palavra coma magyaroknak (de mayar, hungaro) e urn signa composto formado por urn signa -ok, que veicula a indica~ao do plural, e por um outro signo, -nak, que veicula a indica~ao do dativo. Esta anaIise nao se ve afetada de modo algum pelo fato de existirem linguas desprovidas de sufixos de deriva~ao
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e de desinencias flexionais e pelo fate de que, mesrno nas Hnguas que os possuern, possam existir palavras que cornpartern apenas urn radical. Vma vez que observamos que uma grandeza pode as vezes ser da mesma extensao de uma . grandeza de grau superior, e deve entao ser transmitida intata de opera~ao para opera~ao, este fato nao mais nos deveria incomodar. Par esta razao, a amilise tem 0 mesmo carater neste caso e nos outros; ainda aqui, ela deve ser conduzida ate 0 ponto em que se pode dizer que eIa se esgotou. Deste modo, pode-se constatar que uma palavra inglesa como in-act-iv-ate-s podem-se distinguir cinco grandezas diferenciadas, cada uma veiculando uma significa~ao, isto e, cinco signos. No momento da apresenta~ao de uma amllise assim reaIizada, anaIise que alias repousa em bases tradicionais, talvez nao seja superfluo observar que a "significa~ao" atribufda a cada uma dessas grandezas mfnimas deve ser compreendida como sendo puramente contextual. Nenhuma das .grandezas mfnimas, nem mesmo 0 radical, tern existencia "independente" tal que se lhe possa atribuir significa~5es lexicais. E, segundo 0 panto de vista fundamental que adotamos de uma anaIise continua a base das fun90es no texto, nao existemsignifica~5es reconheciveis outras que nao as significa~5es contextu~is. Toda grandeza,e par conseguinte todo signo, se define de modo relativo e nao absoluto, isto e, unicamente pelo lugar que ocupa' no contexto.· Portanto, toma-se absurdo distinguir entre as significa95es puramente contextuais e as que poderiam existir fora de todo contexto ou - no dizer dos velhos gramaticos chineses - entre palavras "vazias" e palavras "cheias". As significa~5es ditas lexicaisde certos signos sao sempre apenas significa95es contextuais artificialmente isoladas ou parafraseadas. Considerados isoladamente, signo algum tern significa~o. Toda significacao designo nasce de urn contexto, quer entendamos par isso urn contexto de situa~ao on urn contexto explicito, 0 que vem a dar no mesmo; corn efeito, Dum texto ilimitado.ou produtivo (uma lingua viva, por exemplo) , urn· contexto situacional pode sempre ser tornado expllcito. ];: necessario, assim, abster-se de acreditar que umsubstantivo esta mais carregadode sentido do que uma preposi~ao, ou que uma palavra esta mais carregada de .significa~ao do que urn sufixo de deriva~ao ou uma ter, . minacao fIexional. Conforme 0 caso, pode tratar-se nao apenas de significa9ao diferente como tambem de diferentes tipos de significa~ao; em todos os casos pode-se falar de significayao corn exatamente a mesma legitimidade relativa: o fato de que a significa~ao, em seu sentido tradicional, cS
SIGNOS E FIGURAS
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uma no~ao imprecisa que teremos de analisar mais de perto em nada muda esta situa~ao. Ainda que se leve a analise das expressoes de signos ate 0 ponto em que e possive! consideni-Ia coma esgotada, a experiencia indutiva mostra que, em todas as linguas conhecidas, chega-se a urn estagio na anaIise da expressao em que as grandezas que surgem nao mais veiculam significa!rao e, portanto, nao mais sac expressoes de signos. As silabas e os fonemas nao sac expressoes de signos, mas apenas partes das expressoes de signos. 0 fate de que uma expressao de signa, paIavra ou sufixo, pode consistir de uma {mica silaba ou urn unico fonema nao quer dizer que a silaba e 0 fonema sejam expressoes de signos. De urn certo ponto de vista, 0 s de in-act-iv-ate-s e a expressao de urn signo; de urn outro ponto de vista, e urn fonema. Os dois pontos de vista conduzern ao reconhecimento de dois objetos diferentes. Pode-se muito bem conservar a formula!rao segundo a qual a expressac de signa s compreende apenas urn unico {onema, mas isso seria coisa bem diferente do que 0 ato de identificar a expressao de signa corn 0 fonema; corn efeito, 0 fonema entra em outras combina~oes oode nao aparece como expressao de signo (por exemplo, na palavra sell). Tais considera!roes levam-nos ao abandono de uma tentativa de anilise em "signos", e somos levados a reconhecer que uma descricao que esteja de acordo como. DOSSOS principios deve analisar conteudo e expressao separadamente, cada uma destas anaIises isolando finalmente urn numero limitado de grandezas que nao sao necessariamentesuscetiveis de serem comparadas corn as grandezas do pIano oposto. A economia relativa entre os inventarios de signos e denao-signos responde inteiramente aquilo que e provavelmente a finalidade da Iinguagem. Segundo sua finalidade, uma linguagem e~ antes de mais nada, urn sistema de signos; a fim de preencher plenamente esta finalidade, ela deve ser sempre capaz de produzir novos signos, novas palavras e novas rafzes. Contudo, alem disso, e apesar dessa riqueza ilimitada, deve ser facil dernanejar, pratica de aprender e de ser utilizada,· 0 que, dada a exigencia de uma quantidade ilimitada de signos, so e realizavel se todos os signos forem formados corn a ajuda de nao-signos cujo numero e limitado e, mesmo~ extremamente reduzido. Tais nao-signos que entram comopartes de signos num sistema de signos serao denominados jiguras, denornina!rao purarnente operacional que e cOmodo introduzir. A linguagem, portanto, e tal que a partir de urn numero limitado de figuras, que podem sempre formar novos arranjos, pode construir urn nurnero ilimitado de signos. Uma lingua que nao fosse assim cons-
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
titufda nao poderia preencher sua finalidade. Portanto, temos inteira razao de pensar que encontramos na constru~ao de signos a partir de urn nurnero bem restrito de figuras urn tra~o essencial e fundamental da estrutura da linguagem. As Ifnguas naopoderiam ser descritas como simples sistemas de signos. A finalidade que Ihes atribuimos por suposi~ao faz delas, antes de mais nada, sistemas de signos; mas, conforme sua estrutura intema, elas sac sobretudo algo de diferente: sistemas de figuras que podem semr para formar signos. A definiCao da linguagem coma sistema de signos nao resiste, portanto, a uma observa~ao mais profunda. Esta defini~ao so presta contas das fun~5es extemas da linguagem, das rela~5es da lingua corn seus fatores extralingiifsticos, e nao de snas fun~es intemas.
13. Expressao e Conteudo
Ate
aqui, mantivemo-nos apegados a antiga tradi9ao segundo a qual urn signa e, antes de mais nada, signa de alguma coisa. Essa e a concep9ao corrente a qual nos conformamos, e e tambem uma concep~ao amplamente difundida em epistemologia e 16gica. No entanto, queremos demonstrar agora que, do ponto de vista lingliistico, ela e insustentavel; alias, sob este aspecto estamos de acordo corn as teorias lingiifsticas modemas. Segundo a teoria tradidonal, 0 signa e a expressiio de urn conteudo exterior ao'pr6prio signa; pelo contnirio, a teoria modema (formulada em particular por F. de Saussure e, a seguir, por Leo Weisberger 1) concebe a signa cornu um todo formado por uma expressao e urn conteudo. :e. 0·· criteria de adeq1ia~aO que deve decidir sabre a escolha entre as duas concepCOes. Para tanto, deixaremos, por ora, defalar em signos pois, nao sabendo 0 que sao, procuramos defini-Ios, afim de falar daquilo cuja existencia constatamos, isto e, a funfiio semi6tica, situada entre duas grandezas: expressiio e conteudo. :£ partindo dessa considera~ao fundamental quepoderemos decidir se· e adequado considerar afun!rao semi6tica como uma fun~ao externa ou intema da grandeza que chamamos de. signo. Adotamos os termos expressiio e conteUdo para designar os funtivos que contraem a fun~ao em questao, a fun~ao 1. WSISBERGER, Leo. Getman.ish-ro.ma~heMonat88Chrift, 1927, XV, p. 161 e s. idem, IndogeN1Ulnishe Forschungen, 1928. XXXVI. p.31O e s.; idem Mllttersprache undl Gei.stesbildung, GOttingen, 1929.
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serni6tica; esta e uma concep~ao puramente operacional e formal e, nesta ordern de ideias, nenhum outro significado e atribuido aos termos expressllo e conteudo. Sempre havera soIidariedade entre urna fun9aO e (a classe de) seus funtivos: nao se pode conceber uma fun9ao sem seus termos que nao passam, estes, de pontos extremos dessa fun~ao e, por conseguinte, inconcebfveis sem eIa. Se uma Unica e mesma grandeza contrai altemativamente diversas fun96es diferentes, e parece poder ser concebida coma selecionada por essas fun~oes,mesmo assim nao se tern ai urn uIiico funtivo mas siro varios, que se transformam em objetos diferentes segundo a fun~ao a partir da qual sac considerados. De urn outro panto de vista, isso nao impede que se possa falar de "mesma" grandeza, por exemplo quando se consideram as fun90es que dela participam (que sao contraidas por suas partes) e a estabeIecem. Se varias series de funtivos contraem uma unica e mesma fun~ao, isso quer dizer que ha soIidariedade entre a fun~ao e 0 conjunto desses funtivos; consequentemente, cada funtivo se1eciona a fun~ao.
Tambem ha solidariedade entre a fun~ao semi6tica e seus dois funtivos: expressao e conteudo. Nao podera haver fun~ao semi6tica sem a presen~a simultanea desses dais funtivos, do mesmo modo como nem uma expressao e seu conteudo e nem urn conteudo e sua expressao poderao existir sem a fun~ao semi6tica que os une. A fun~ao semi6tica e, em si mesma, uma solidariedade: expressao e conteu~o sac solidarios e um pressupoe necessariamente 0 outro. Vma expressao s6 e expressao porque e a expressao de urn conteudo, e urn conteudo s6 e conteudo porque e conteudo de uma expressao. Do mesmo modo, e impossivel existir (a menos que sejam isolados artificialmente) urn conteudo sem expressao e uma expressao sem conteudo. Se se pensa sem falar, 0 pensamento nao e urn conteudo lingliistico e nao e 0 funtivo de uma fun~ao semiotica. Se se fala sem pensar, produzindo series de sons sem que aquele que os ouve possa atribuir-Ihes um conteudo, isso sera urn abracadabra e nao uma expressao lingliistica, e tampouco sera 0 funtivo de uma fun~ao semi6tica. Evidentemente, nao se deve confundir ausencia de conteudo corn ausencia de sentido: 0 conteudo de uma expressao pode perfeitamente ser caracterizado coma desprovido de sentido de urn ponto de vista qualquer (por exemplo, 0 da 16gica normativa Oll do fisicaIismo) sem corn isso deixar de ser urn conteudo. Se se deixasse na anaIise do texto, de considerar a fun9ao semi6tica, nao se poderia delimitar os signos, e nao se
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poderia de modo algum proceder a uma descrigao exaustiva do texto - e, por conseguinte, tampouco uma descrigao empirica no sentido que aqui Ihe atribuimos - respeitando as fungoes que 0 estabelecem (cf. Cap. 9). Em suma, nao teriamos urn criterio objetivo que pudesse ser utilizado como base para a amilise. Corn 0 objetivo de precisar a natureza da fun~ao semiotica, Saussure aventurou-se a considerar a expressao e 0 conteudo, tornados separadamente, sem se ocupar corn a fune.rao semiotica. Eis ao que ele chegou: - Considerado em si mesmo, 0 pensamento e como uma nebulosa onde nada esta necessariamente delimitado. Nao ha ideias preestabelecidas, e nada se distingue antes do aparecimento cia lingua ... A substancia fonica nao e nem mais fixa nern mais rigida; nao e urn molde cujas tormas 0 pensamento deva necessariamente tomar, mas siin uma materia plastica que se divide, por sua vez, em partes distintas a fim de fornecer os significantes de que 0 pensamento necessita. Portanto, podemos representar ( ... ) a llngua ( .•. ) como uma serie de subdivis6es contiguas desenhadas simultaneamente no pIano indefinido dasl ideias confusas ( ... ) e no pIano nao menos indeterminado dos sons ( ... ); a lingua elabora suas unidades ao constituir-se entre duas' massas amorfas ( ... ) esta combinariio produz uma fornw, nao Ulna substancia 2.
Mas esta experiencia pedag6gica, .por mais feliz que seja sua formula~ao, na realidade nao tern sentido, e 0 proprio Saussure deve te-lo imaginado. Numa ciencia qu.e evita qualquer postulado nao necessario, nada autoriza que se fa9a preceder a lingua pela "substancia do conteudo" (pensamento) DU pela "substancia da expressao" (cadeia fonica) ou 0 contnirio, quer..seja numaordem temporal OU nu~.a ordem hierarquica. Se conservamos a terminologia de Saussure, temos entaD de nos dar conta - e justamente a partir de seus dados - de que a substancia depende exc1usivamente da forma e que nao se pode, em sentido algum, atribuir-Ihe uma existencia independente. Urnaexperiencia que, contrariarnente, parece justificada, .consiste em comparardiferentes linguas e dai extrair, a se~ . guir, aquiloque ha de comum em todas elas, seja qual for o numero delinguas que se esteja considerando. Se se procede a uma abstragao do princfpio de estrutura propriarnente dito, que cornporta a fun9ao semi6tica .e todas as fungoes que deja se pode deduzir - principio que, enquanto tal, e naturalmente comum a todas as linguas, mas cuja execugao e diferente em cada uma delas - descobre-se que esse fator c.omum e uma grandeza que so se define pela fun9ao que a une aa princfpio de estrutura da lingua e a todos os 2.
SAUSSURE,
F. de.
COUTS.
2. ed.• pp. 155-157.
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
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fatores que fazem corn que as linguas se distingam umas das outras. A este fator comum chamaremos sentido. Podemos ver assim que, em diferentes linguas, as cadeias, jeg ved det ikke
I do not know je ne sais pas
en tiedii naluvara
(dinamarques) (ingles) (frances) (filandes) (esquim6)
apesar de todas as diferen~as) tern urn. fator comum: 0 sentido, 0 mesmo pensamento que, assim considerado, apresenta-se provisoriarnente como uma massa amorfa, uma grandeza nao analisada, definida apenas por suas fungoes externas, istoe, por sua fun~ao contraida corn cada uma dasproposi~6es citadas. Seria possivel pensar que 0 sentido eanalisaveI a partir de varios pantos de vista, e que amilises diferentes podem faze-Io surgir como outros tantos objetos diferentes. Seria possive!, por exemplo, analisa-Io de urn ponto de vista 16gico quaIquer ou de urn panto de vista psico16gico qualquer. Percebe-se que ele deve ser analisado de urn modo particular em cada uma dessas linguas, coisa que s6 podemos compreender do seguinte modo: 0 sentido e ordenado, articulado, formado de modo diferente segundo as diferentes Iinguas: emdinamarques, tern-se inicialmente jeg ( eu) , a seguir ved (sei - presente do indicativo), a seguir urn objeto, det (0) eenfim a nega~ao, ikke; em ingles, tern-se de inicio "'eu", a seguir urn conceito verbal que nao tern existencia autonoroa na proposi~ao dinamarquesa, a seguir a .nega~ao e finalrnente 0 conceito ','saber" (roas nada que corresponda a "sei", e nenhurn objeto); . . em frances, tern-se de inicio eu seguido par uma especie de nega~ao (que, no entanto, e algo bem diferente das nega~oes dinarnarquesa e inglesa, pois nern sempre ela tern 0 sentido de nega~ao), a seguir sei e urn outro signo curiosoque e as veZeS chamado denega~ao mas que tambem pode significar "urn passo"; tal como em ingles, nao ha objeto; em finlandes, vem de inicio urn verba que significa ·'eu-nao" (ou,mais exatarnente, "nao~eu", corn 0 signo para "en" vindoern segundo lugar; nesta lingua, a nega~ao cS. urn verboque assume as marcas da pessoa e do numero: en "eu-nao", et "tu..nao", ei "ele-nao", emme "nos-nao"
EXPRESS!.O E CONTEOnO
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etc.), a seguir 0 conceito "saber" sob uma forma que pode significar 0 imperativo em outras combina~oes; aqui ainda nao ha objeto; em esquim6, tern-se "nao-sabendo-sou-eu-isso", isto e, urn verba derivado de nalo "ignorancia" com sufixos de primeira pessoa, sujeito, e de terceira pessoa, objeto 3. Vernos, portanto, que 0 sentido "nao-formado" que se pode ext~air dessas cadeias lingtiisticas assume uma forma de modo diferente em cada lingua. Cada uma dessas 11nguas estabelece suas fronteiras na "massa amorfa do pensamento" ao enfatizar valores diferentes· numa ordem diferente, coloca 0 centro de gravidade difertmtemente e dei aos centros de gravidade urn destaque diferente. £ como os graos de areia que provem de uma mesma mao e que formam desenhos diferentes, ou ainda como a nuvem no ceu que, aos olhos de Hamlet, muda de forma de minuto a minuto. Assim coma os mesmos graos de areia podem formar desenhos dessemeIhantes e a mesma nuvem pode assumir constantemente fOI'Dlas novas, do mesmo modo e o mesmo sentido que se forma ou se estrutura diferentemente em diferentes linguas. Sao apenas as fun~es da lingua, a fun~ao semi6tica e aquelas que dela decorrem, que determinam sua forma. 0 sentido se toma, a cada vez, substancia de uma nova forma e nao tern outra existencia possivel alem da de ser substancia de uma forma qualquer. . Portanto, constatamos no conteudo lingiiistico, em seu processo, uma forma especffica, a forma do conteudo, que e independente do sentido corn 0 qual ela se mantem numa relacao arbitraria e que ela transforma em substancia do conteUdo. Ve-se, semdificuldade, que isso e igualmente vaJido para 0 sistema do conteudo. Pade-se dizer que urn paradigma numa lingua e urn paradigma correspondente nurna ontra lfngua podem abranger uma mesma zona de sentido que, destacada dessas llnguas, constitui urn continuo amorfo e nan' analisavel no qual as fronteiras se colocam apenas atraves da' formacao das lil1guas. Por tra.s dosparadigmas que, nas diferentes Iinguas, sac farmados pelas designa<;oes de cores, podernos, por subtra~ao das diferen~s, isolar urn tal continuo amorfo: 0 espectro das cores no qual cada lingua estabelece arbitrariamente suas fronteiras. Enquanto que essa zona de sentido se 3. Fizemos absb'a~o do fato de que 0 mesmo sentido tambem pode, em algumas dessas linguas, assumir a forma de cadeias Hngiiisticas bastante diferentes: em franc&s je Z'ignore, emesquim6 asuk ou asukiak (derivado de aso que signifiea roais ou menos "basta!").
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forma, no todo, mais ou menos do mesmo modo nas principais linguas da Europa moderna, nao e dificil encontrar em outros Iugares forma~6es diferente. Em gales, "verde'~ e em parte gwyrdd e em parte gIas, "azul" corresponde a glas, "cinza" e ora glas, ora llwyd, "marrom" corresponde a llwyd; 0 que significa que 0 domfnio do espectro recoberto peIa paIavra portuguesa verde e, em gales, atravessado por uma linha que Ieva uma parte desse mesmo dominio para 0 dominio coberto peIo portugues azul, e que a fronteira que a lingua poI1uguesa tra~a entre verde e azul nao existe em gales; a fronteira que separa azul e cinza tambem Ihe falta, assim como aquela que, em portugues, opae cinza e marrom; em compensa<;ao, 0 dominio representado em portugues por cinza e, em gales, dividido em dois, de tal modo que a metade se relaciona corn a zona· do portugues azul e a outra metade a do marrOID. Urn quadro esquematico permite perceber de imediato a nao concordancia entre as fronteiras :
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gwyrdd verde
azul cinza
glas llwyd
marrom
Tambem 0 Iatim e 0 grego sao, neste dominio, diferentes das principais linguas europeias modemas. A gama de "dara" para "escuro" que, em varias Hnguas, se divide em tres regi6es: branco, cinza, preto, e dividida, em outras Hnguas, num numero diferente de regioes, seja pela supressac da regiao media cinza, seja, pelo contrario, por uma subdivisaa mais detalhada dessa mesma zona. Os paradigrnas dos morfernas fazem surgir uma situa~ao semelhante. A zona do numero e analisada de diferentes maneiras, conforme as linguas distingam apenas urn singular e urn plural ou conforme acrescentam a estes um dual (coma 0 grego antigo e 0 lituano) ou mesrno urn paucal, quer se trate apenas de urn trial (camo na maioria das linguas da Melanesia, em Sa1]ir, Hngua indonesia ocidental falada nas ilhas entre Mindanao e Celebes, e em certos dialetos do kuIin, lingua do suI da Australia) ou urn quadral (como na lingua micronesia das ilhas Gilbert). A zona temporal e analisada de modo diferente, de urn Jado nas linguas que (corn eXCe9aO das perifrases) tern apenas urn preterito e urn presente (coma 0 dinarnarques) e onde o presente cobre 0 dominio daquilo que e futuro em outras linguas e, de outro lado, nas linguas que estabelecem uma
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fronteira entre 0 presente e 0 futuro; a forma9ao e ainda diferente nas linguas que, (como 0 latim, grego antigo e portugues) distinguem varias formas de preterito. Esta ausencia de concordancia no interior de uma mesma zona de sentido encontra-se em toda parte. Compare-se, por exemplo, as seguintes correspondencias entre 0 .dinamarques, 0 alemao e 0 frances:
Baum
arbre
Holz
bois
trae skov Wald
jor&
Podemos disto concluir que a fun~ao semi6tica institui uma forma em urn de seus funtivos, a saber 0 conteudo, a forma do conteUdo que, do ponto de vista do sentido,e arbitraria, e explicavel apenas pela fun9Ro semi6tica de que ela e manifestamente soIidana. E neste sentido que Saussure tern razao, evidentemente, ao distinguir entre forma e substancia. Pode-se fazer a rnesma observacao a respeito do segundo funtivo da funyao semi6tica, a expressao. Tal como a zona das cores e as zonas dos morfemas se subdividem diferentemente' nas linguas uma vez que cada lingua tem seu numero de palavras para exprimir as cores, seu numero de numeros, seu numero de tempos etc., de tal modo que uma comparayao das llnguas faz surgir zonas no campo fanico, zonas que se subdividem diferentemente conforme as linguas. Pode-se pensar, par exemplo, num dominio fonetico-fisio16gico da qual se pade dar uma representa~o especial de varias dimensoes, e que se apresenta coma um connnua nao analisado mas analisavel coma, par exemplo, na base de sistema de formula '''antalfab6ticas'' de Jespersen. Numa tal zona amorfa encaixam-se arbitrariamente figuras (fenemas) em numero variavel segunda as Ifnguas, uma vez que as fronteiras se estabelecem em diferentes lugares do contInuo. E 0 que acontece como 0 continua definido pelo perfil mediano da parte superior daboca, da faringe aos hlbios; nas lfnguas que nos sao familiares, esta zona se subdivide em tres regioes: uma regHioposterior k, uma regiao media: t e uma regHio anterior p; se nos atemos as oc1usivas, vemos no entanto que 0 esquim6 e 0 Ietao distinguem duas regi6es dek cuja fronteira e diferente nessas duas linguas. o esquim6 situa-a entre uma regiiio uvular e uma regUio velar, 0 letao entre uma regiao velar e uma regiao pa-
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.
-- -' ,_ ...
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
lato-velar; inumeras Hnguas hindus distinguem duas reglOes de t, uma retraflexa e uma dental etc. Urn outra continuo evidente e fomecido pela zona vocaIica. 0 numero de vogais varia de uma lingua para autra; pois suas fronteiras sao estabelecidas de modo diverso. 0 esquimo distingue apenas uma regiao i, uma regHio u e uma regiao a; na maioria das linguas, a primeira se decompoe em uma regiao i mais estreita e uma regiao e;. a segunda em uma regiao u mais estreita e uma regiao 0; em varias linguas, cada uma dessas regi6es pede ser abrangida por uma linha que separa as vogais arredondadas (y, 0,. u, 0) das que nao 0 sac ( i, e; w, ~; estas ultimas - curiosas vogais "opacas" que sao raras na Europa - podem ser encontradas por exemplo no tamul, em va.rias linguas do Ural oriental e no rumeno); corn a mesma abertura que i e u, pode-se formar vogais medioIinguais arredondadas, coma no noruegues e em sueco ( ti) ou nao arredondadas, coma em russo (i). Gra9as a extraordinana mobilidade da lingua, as possibilidades que . a linguagem pode utilizar sao infinitamente grandes, mas permanece 0 fato caracteristico de que cada lingua coloca suas proprias fronteiras no interior dessa infinidade de possibilidades. Sendo manifestamente a mesma a situa9ao para a expressao e seu conteudo, convem ressaltar este paraleIismo pelo uso de uma mesma terminologia para a expressao e para 0 conteudo. Seria passivel assim falar de urn sentido da expressiio, e nada impede de faze-Io, embora isso seja algo contrario ao habitual. Os exemplos citados, 0 perfil mediano da parte superior da boca e 0 continua das vogais, sao assim zonas foneticas de sentido que se formam diferentemente nas linguas conforme suas fun90es especfficas, e que, enquantosubstancia da expressao, ligam-se, atraves desse fato, a sua forma da expressao. Constatamos esse fenomeno em rela~ao ao sistema de expressao, mas podemos, coma fizemos emrela9ao ao conteudo, demonstrar que 0 mesmo acontece corn 0 processo. A forma9ao especffica do sistema de uma dada lingua pro-. duz naturaImente efeitds sobre 0 processo, em virtude da simples coesao que existeentre 0 sistema e 0 processo. Por urn lado as fronteiras intemas do sistema que naocoincidem de uma lingua a· outra; por outro lado, nacadeia, as rela90es possiveis·· entre os fonemas (certas lfnguas, por exemplo as da Oceania e as africanas, nao admitem gropos consonantais; oatras linguas so conhecem certos gropos consonantais definidos, variaveis de uma lingua para outra; a posi9aodo acento e regida por leis diferentes conforme as Hnguas etc.) que fazem corn que urn sentido da expressiio nao assuma a mesma forma nas diferentes Hnguas 0 ingles
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EXPRESSA.O E CONTE'ODO
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[ba: 11In], 0 alemao [QEr1li:n], 0 dinamarques [l{1eH 1li?n], o japones [bElulinu] representam diversas form as de urn mesmo e unico sentido de expressao (0 nome da cidade de Berlim) . Evidentemente, e indiferente que 0 sentido do conteudo seja tambem 0 mesmo, como acontece aqui. Poderfamos dizer, do mesmo modo, que a pronuncia do ingles got, do alemao Gott e do dinamarques godt representam forma~es diferentes de urn mesrno sentido de expressao. Neste exemplo; 0 sentido da expressao e 0 rnesmo, mas 0 sentido do conteudo e diferente, tal coma em je ne sais pas e 1 do not know 0 sentido do conteudo e 0 mesrno, enquanto que 0 sentido da expressao e diferente. Aquele para quem 0 sistema de func;5es de uma lingua dada (sua lingua materna, por exemplo) e familiar forma nessa lingua urn sentido de conteudo ou urn sentido de expressao que ele percebeu. ~'Falar corn urn sotaque" e essencialmente formar urn sentido de expressao conforme as condi~6es funcionais sugeridas pela lingua materna do elocutor. Isto nos mostra que as duas grandezas que contraem a func;ao semiotica, a expressao e 0 conteudo, comportam-se de modo homogeneo em rela~ao a ela: e em virtude da fun~ao semi6tica, e apena~ em virtude dela, que existem esses seus dois funtivos que se pode agora designar corn precisao como sendo a forma do conteudo e a forma da expressao. Do rnesmo modo, e em razao da forma do conteudo' e da forma da expressao, e apenas em razao delas, que existem' a substancia do conteudo e a substancia da expressao, que surgem quando se projeta a forma sobre 0 sentido, tal como urn fio esticado projeta sua sombra sobre uma superffcie continua. Podemos agora voltar a nosso ponto de partida, a significa~ao mais adequada da palavra signo, a fim de ver claro na controversia que opee a lingiiistica tradicional a modema. Parece justo que um signo seja signa de algurna coisa e que essa alguma coisa resida de algum rno,do fora do proprio signo; eassim que a palavra bois (madeira, lenha, bosque) e signode urn tal objeto determinado na paisagem e, no sentido tradicional, esse objeto nao faz parte do signo. Ora, esse objeto da paisagem e uma grandeza relevante da substancia do conteudo,grandeza que, por sua denomina~ao, liga-se a uma forma do conteudo sob a qual ela se alinha corn outras grandezas da substancia do conteudo,por exernplo a materia de que e feita uma porta. 0 fato de que urn signo e signo de algurna coisa significa, portanto, que a forma do conteudo de urn signa pode compreender essa alguma coisa como substancia do
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contetido. Tal como antes sentiamos a necessidade de empregar a palavra sentido para a expressao tanto quanto para 0 contetido, tambem agora devemos, no desejo de esclarecer as coisas e a despeito da atitude consagrada cuja estreiteza de visao se toma evidente, inverter a orienta~ao do signo. Dever-se-ia assim dizer que urn signa e 0 signo de urila substancia de expressao: a seqilencia de sons [bwa] enquanto fato timco pronunciado hie et nunc, e uma gran.. deza que pertence a substancia da expressao que, em virtude apenas do signo, se liga a uma forma da expressao sob a qual e possivel reunir outras grandezas de substancia da expressao (outras pronUncias possiveis, par outrcs elocutores DU em outras ocasi6es, do mesmo signo). Por mais paradoxal que possa parecer, 0 signo e, portanto, ao mesmo tempo, signo de uma substancia de conteudo e de uma s.ubstancia da expressao. :e neste sen.. tido que se pode dizer que 0 signo e signo de alguma coisa. Por outro lado, nao ha razao alguma para decidir que 0 signa e apenas 0 signo da substancia de conteudo ou (coisa .que certamente ninguem ainda imaginou) apenas signa da substancia da expressao. 0 signa 6 uma grandeza de duas faces, uma cabe9a de Janus corn perspectiva dos dois lados, corn efeito nas duas dire~6es: ."para 0 exterior", na dire9ao da substancia da expressao, "para 0 interior", na dire~ao da substancia do conteudo. Toda terminologia e arbitrana e, portanto, nada pode impedir 0 emprego ~a palavra signa para designar mais particularmente a forma daexpressao (ou mesmo, se se quiser, a substancia da express~o, 0 que entretanto seria taG absurdo quanto inutil). Contudo, parece mais adequado utilizar a palavra signa para designar a unidadeconstituida pela forma do. conteudo e pela forma da expressao e estabelecida pela solidariedade que etenominamos de fun~ao semi6tica. Se o termo e empregado para designar .apenas a expressao ou qn.alquer uma de suas partes, a terminologia, ainda que protegida por defini~oes formais, corre 0 riseo de provocar ou de favorecer, conscientemente ou nao, 0 engano bastante difnndido segundo 0 qual urna lingua nao passa de uma nomenclatura pura e. simples,· uma reserva de etiquetas destinadas a serem atribufdas a objetos preexistentes.. Por sua natureza, a palavra signa sera sempre ligada· a id6ia de urn termo designado; e por isso que deve ser utilizada de tal maneira que a rela~ao entre 0 signa e aquilo que ele designa seja .posta em evidencia do modo mais. claro passivel e nao possa constituir-se em· objeto de simplifica~6es que a deformemo A distin9B.o· entre a expressao e 0 conteudo, e sua intera~ao na fun~ao semi6tica, sao fundamentais na estrutura
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da linguagem. Todo signo, todo sistema de signo, teda lingua enfim, abriga em si uma forma da expressao e uma forma do conteudo. :E por isso que a amilise do texto deve conduzir, desde seu primeiro estagio, a uma divisao nessas duas grandezas. A fim de ser exaustiva, a amllise deve ser realizada de tal modo que em cada estagio a divisao se fa~a em partes as mais extensas possfveis, isto 6, partes em menor nilmero possivel, quer seja no interior da cadeia em sua totalidade ou no interior de qualquer uma de suas se~6es. Se um texto compreende, por exemplo, frases e proposi~6es, pode-se mostrar que 0 numero das proposic;5es e mais elevado que ° de frases. Portanto, nao nos devemos aventurar de infcio a dividir 0 texto em proposic;6es, mas sim dividi-Io em frases, e a seguir passar para a divisao em proposi~6es. Se nos ativermos a esse principio, descobriremos que no primeiro estagio urn texto e sempre divisivel em duas partes; este numero extremamente pequeno garante-Ihe uma extensao maxima, e sao a linha da expressiio e a linha do conteudo que, atraves da fun~ao semi6tica, sao solidarias uma em relac;ao a outra. Divide-se a seguir a linha da expressao e a linha do conteudo, tomadas separadamente, levando-se necessariamente em conta sua interac;ao no interior dos signos. Do mesmo modo, a primeira articulac;ao do sistema da lingua levara a que se estabelec;am seus dois paradigmas mais amplos: a face da expressao e a face do conteudo. A fim de designar par urn mesmo termo de um lado a linha da expressao e a face da expressao e, do outro lado, a linha do conteudo e a face do conteudo, escoIhemos respectivamente os termos plana da expressao e pIano do conteUdo (escolhemos esses tennos conforme a fonnula9ao de Saussure que citamos anteriormente: "0 pIano (. .. ) das id6ias ( ... ) e ( ... ) 0 (. •. ) dos sons"). No decorrer da anaIise, este modo de proceder traz simultaneamente clareza e simplifica~ao, ao mesmo tempo em que ilumina corn uma luz ate aqui desconhecida todo 0 mecanismo da Hngua. Partindo desse ponto de vista, sera facil organizar os dommios secundarios da lingiiistica segundo urn esquema judicioso e superar de uma vez por todas a subdivisao atual da gramatica em fonetica, morfologia, sintaxe,lexicografia e semantica, subdivisao poueo satisfat6ria, c1audicante sob varios aspectos e cujos dominios em parte se sobrepaem. Vma vez realizada, a amllise mostra alem do mais que 0 pIano da expressao e 0 do conteudo podem set' descritos, exaustivamente e nao contraditoriamente, coma construidos de modo inteiramente analogo, de modo que se pode prever nos dais pIanos categorias definidas de modo inteiramente identico. 1sso s6 fara confirmar novamente a correc;ao da concep~ao segundo a. qual
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
expressao e conteudo sao grandezas da mesma ordem, iguais sob todos os aspectos. Os proprios termos pIano da expressiio e plana do conteudo e, de modo mais geral, expressiio e conteudo, . foram escolhidos conforme 0 usa corrente e sac inteiramente arbitratios. Atraves de sua definic;ao funcional e impossivel sustentar que seja legitimo chamar uma dessas grandezas de expressiio ea outra de conteudo, e nao 0 contnirio. EIas so se definem como solidarias .uma em relac;ao a outra, e nem uma nem outra podem ser definidas de modo mais exato. Considenidas em separado, so e possivel defini-las par oposic;ao· e de modo relativo, coma funtivos de uma mesma func;ao que se op6em urn ao autra.
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14. Invariantes e Variantes
Estas considera90es sobre a estrutura do signa sac indispensaveis a uma elabora~ao mais detalhada da anilise, e mais particularmente ao reconhecimento das figuras de que se compoe um signo lingiiistico (cf. Cap. 12). Em cada estadio da amllise e necessario inventariar as grandezas que contraem as rela~oes homogeneas (cf. Cap. 12). A fim de atender ao princfpio de empirismo (cf. Cap. 3), este registro do inventario deve ser exaustivo e 0 mais simples possivel; e necessaria atender a esta exigencia em cada fase, entre outras razoes porque nao se pode saber antecipadamente se uma dada fase e a ultima. Mas esta exigencia tem uma dupla importfmcia na ultima fase da amilise, pois ai se reconhecem as grandezas Ultimas que· constituem a base do sistema, e a partir das quais deve-se poder demonstrar que todas as outras grandezas da lingua sao construidas. .E: importante, nao apenas para a simplicidade do resultado da ultima opera~ao como tambem para a simplicidade dos resultados de toda aanalise,que essas grandezas basicas sejam em menor numero possive!. Formularemos esta exigencia em dois principios: 0 prindpto de economia e 0 prinC£pio de redurao, ambos deduzidos do princfpio de simplicidade (d. Cap. 6). Prindpio de economia: A descrirao e tetta contorme urn procedimento que deve ser organizado de modo tal que o resultado seja 0 mais stmples possivel, devendo deter-se a descrirao quando ela nao mats conduz a uma ulterior simplijicarao.
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
Principio de redu{:iio: Cada operGfiio do procedimento deve ser continuada ou repetida ate que a descrifiio se esgote} e deve cada fase, conduzir ao registro dos objetos cujo numero e 0 menor possivel. As grandezas inventariadas em cada fase da amilise sedio denominadas elementos. No que diz respeito a propria anMise, podemos dar uma formulafiio mais precisa do principio de reduriio: Toda analise (ou todo complexo de anaUses) na qual se registram funtivos eom uma dada fum;iio como base da analise deve ser organizada de modo tal que conduza aD registro de elementos em menor numero possivel. A fim de satisfazer a esta exigencia, deve-se dispor de urn metodo que permita, em condi90es fixadas corn exatidao, reduzir duas grandezas a uma unica grandeza Oll, como se diz mais freqiientemente, que permita identificar duas grandezas uma corn a ontra 1. Seja urn texto dividido em frases que sao divididas em proposi~oes, divididas estas, por sua vez, em palavras; se se Ievantar urn inventario em cada divisao, sempre se podera constatar que em varias partes do texto ha a "mesma" frase, a "mesma" proposi~ao, a "mesma" palavra: pode-se portanto dizer que cada frase, cada proposi~ao e cada palavra surgem em varios exemplares. Diremos que sao variantes de grandezas que sao, estas, fnvariantes. De resto, ye-Se imediatamente que as fun~6es, assim como as grandezas, tambem tern variantes, de modo que a distin~ao entre variantes e invariantes e vaIida para os funtivos em geral. Em cada faseda anaIise devemos poder inferir das variantes para as invariantes por meio de urn metodo especialmente concebido que fixe os criterios necessarios para uma talredu~ao.
Quando se trata de invariantes do grau superior do pIano da expressao, ou seja,daquilo que se denomina de fonemas da Hngua falada nas teorias ate aqui "admitidas, a lingiifstica m()derna" prestou uma certa aten~ao a esta questao e tentouelaborar urn tal metodo de redu~ao. Na maioria dos casos, ficdu-se no entanto nnma definic;ao realista e mais ou menos vaga do fonema que nao fomece criterio objetivo algum aplicclvel emcaso de duvida. Esfor~ospre1. Sob sua ultima forma, a teoria pressupOe, a respeito, uma amilise aprofundada do conceito de iilentidade lingiUstica. Isto foi tratado a: partir de vanos pontos de vista em textos recentes (por exemplo, por F. DgSAUSSURE, Coats, 2. ed., p. 150 e s., e na base da hierarquia dos tipos de Russell, por A. PENTTILA (.A.ctes du IV Congres international de linguistes, Copenhagne, 1938, p. 160 e s.) de acordo corn U. SAARNIO, Untersuchungen zur symbolischen Logik (Acta philosofica Fennica I, Helsinfors, 1935); e por PENTTILA e SAARNIO em Erkenntnis IV, 1934, p. 28 e s.). Os resultados provis6rios' que foram obtidos bastam para mostrar como e dificil chegar ao metodo atraves de definici5es fonnais, e que e mais simples consegui-Io par meio do conceito de red~iio. Portanto, epossivel aqui deixar de lado 0 problema da identidade como uma compIica!;§o supthflua.
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INVARlANTES E VARIANTES
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cisos foram feitos por duas escolas para tentar elaborar urn. metodo objetivo de redu~ao: a escola de Londres, ao redor de Daniel Jones, e a escola de fonologia oriunda do Circulo de Praga, animada pelo pranteado N. S. Trubetzkoy. Os metodos de redu~ao que elas elaboraram demonstram ao mesmo tempo uma semelhan~a caracteristica e uma diferen~a interessante. A semelhan~a consiste no fato de que nenhuma das duas escolas reconhece que a condi~ao necessaria para estabelecimento de urn inventario e uma amilise funcional do texto. 0 metodo e indutivo (cf. Cap. 4), ele considera que 0 dado e uma massa de sons que se trata de agrupar em classes de sons denominados fonemas. Em prindpio, este agrupamento deve portanto ser feito sem levar em conta os paradigmas que comp6em os sons. Por uma curiosa inconseqiiencia, as duas escolas partem, DaO obstante, de uma anaIise sumaria do inventario dos sons da lingua em categorias ao tnitar das vogais e das consoantes cada uma de urn ladomas, uma vez que vogais e consoantes nao constituem categorias definidas por fun~6es lingiiisticas, procura-se defini-las por meio de prernissas naD lingiiisticas (fisiol6gicas e fisicas). Pelo contrario, antes do come~o da opera~ao, nem a categoria das vogais nem a das consoantes e analisada ern subcategorias na base de rela~5es (ou seja, segundo seu "lugar" na silaba). Esta seme1han~a entre as duas escolas nada tern de surpreendente~ pois 0 metodo dedutivo que esbo~amos (cf. Cap. 4) ate 0 momento DaO foi praticado em lingliistica. Pelo contrario, nao e pequeno 0 interesse metodologico que provoca a diferen~a entre os procedirnentos das duas escolas.. Arnbas estao de acordo quanto aver algo de caracteristico no fato de que os fonemas, contrariamente as variantes, tern uma fun~ao distintiva: a troca de urn fonema· por outro fonema ·pode provocar uma diferen~a de conteudo (por exernplo, tal -. til), enquanto que 0 mesmo nao acontece se se troca uma variante por uma outra variante do mesmo fonema (por exernplo, duaspronuncias diferentes, uma aberta e a outra fechada, do a de tal) .. Os fonologos dePraga baseiam sua defini<;ao neste criterio, dizendo que uma oposi~ao entre fonemas e uma oposi<;ao distintiva 2. A escola de Londres segue urn outro carninho.· D. Jones ressalta,.e verdade, que os fonemas sao distintivos, roas recusa-se a!ncluireste tra~o na defini<;ao do fonema porque existem oposi<;6es de fonemas quesao
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2. Actes du. 1 Congres intemational de linguistes. Leiden, p. 33. Travaux du Cercle linguistiqu.e de Prague IV. 1931. p. 311.TRuBETZKOY, N. S. Gnmdziige del" Phonologie (Truvaux du· Cercle linguistique tU prague VII, 1939, p. 30).
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DALINGUAGEM
suscetiveis de provocar uma diferenc;a de conteudo, corn os fonemas em questao nao podendo em caso algum ser trocados numa mesma palavra, isto e. num mesmo "lugar" da cadeia; e 0 que acontece. corn h e V em ingles 3. Esta dificuldade provem do fato de que a teoria de Jones nao reconhece que os fonemas podem-se opor pelo simples fato de pertencerem a categorias diferentes (excec;ao feita a·· diferen~a entre vogais e consoantes).. Nao se considera como criterio distintivo suficiente 0 fato de que h e t/,que s6 podem ser respectivamente inicial e final numa sflaba, encontram-se, cada urn par seu lado, em oposi~ao distintiva corn outros fonemas que podem ocupar 0 mesmo "lugar" (hat - cat, sing - sit). f: par esta razao que a escola de Londres procura abstrair 0 caniter pertinente da func;ao distintiva para basear-se - pelo menos em teoria - no "Jugar" do fonema, de modo que dois sons que podem ocupar 0 mesmo "Iugar" pertencem sempre a dois fonemas diferentes 4. No entanto, e evidente que este procedimento cria novas dificuldades, uma vez que as variantes tambem podem aparecer no mesmo "Jugar" (como em tal, a fechado e a aberto). A fim de eliminar esta dificuldade, e necessario entaD introduzir ao lado do fonema 0 conceito de varifone, cujos relacionamentos corn 0 fonema nao sao mnito elaros. Como todo novo exemplar de urn fonema e necessariamente uma nova variante, cada fonema teni variantes num mesmo "lugar" : segue-se que todo fonema deve ser urn varifone. Todavia, parece que, embora isso nao esteja explicitamente expresso, nao se pode conceber que os vanfones diferem entre si a nao ser atraves de sua oposi~ao distintiva 5. A tentativa da escola de Londres de Iibertar-se da noc;ao de oposi~ao distintiva e instrutiva. Ela foi sem duvida realizada na esperanc;a de encontrar urn fundamento mais seguro na fonetica pura e a fim de evitar que corn isso se recorresse a uma analise de conteudo onde a distinc;ao entre diferenc;as e semelhan9as corre 0 risco de ser perigosa porque 0 metodo de analise esta, nesse panto, menos desenvolvido e uma vez que os criterios objetivos parecem, ai, ser mais diffceis de alcanc;ar. Visivelmente se teve a mesma sensaC;ao no Circulo de Praga, uma. vez que se pretendeu ater-se aquilo que se denominade "diferenciac;ao das significac;6es intelectuais". Mas 0 Cfrculo de Praga indubita3. }ONES, D. Travaux du Cercle linguistique de Prague IV. 1931p. 77 e s. 4. lONES, D. Le maitre phonetique. Hl29. p. 43 e s. Travaux du Cef'cle linguistique de Prague IV. p. 74 e s. 5. lONES, D. Proceedings of the International Congress of Phonetic Sciences. (Archives neef'landaises de phontftique experimentale VIII-IX, 1933). p. 23.
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velmente teve razao ao canservar a criteria distintivo como tra~o pertinente. A tentativa da Escola de Londres ilustra as dificuldades insupeniveis que nao deixam de surgir se esse tra~o e negligenciado. A afirma<;ao desse principio e 0 merito principal do Circulo de Praga ainda que, par outro lado, se deva fazer serias reservas a respeito de todos os pontos da teoria e da pra.tica daquilo que se chama de fonologia. A experiencia que se tern dos metodos de reduC;ao ja tentados parece mostrar que e necessario considerar fator distintivo como pertinente para 0 registro das invariantes e para a distinc;ao entre invariantes e variantes. Encontra-se uma diferen9'l entre invariantes no pIano da expressao quando al se encontra uma correlac;ao (por exemplo, entre a e i em tal - tU) a qual corresponde ·uma correlac;ao no pIano do conteudo. Esta rela~ao e a eonseqUencia imediata da func;ao semiotica, da solidariedade entre a forma da expressao e a forma do eonteudo. Portanto, eertas pesquisas da lingiHstica tradicional se aproximaram, nestes ultimos tempos, do reconhecimento deste fato; mas isto so foi feito em termos serios no que diz respeito as figuras do pIano da expressao. Entretanto, para a compreensao da estrutura da lingua assim como para a elaborac;ao da amllise, e extremamente importante ver que esse principio deve ser igualmente estendido a todas as outras invariantes da lingua, seja qual for 0 grau ou 0 lugar que ocupam no sistema. E v:ilido para todas as grandezas da expressao, seja qual for sua extensao, e nao apenas para as grandezas minimas; e tambem e v:ilido tanto para 0 pIano do conteudo quanto para 0 pIano da expressao. Na realidade, isto e apenas a conseqUencia logica do reconhecimento do princfpio para as figuras da expressao. Se, em vez de considerar as figuras, se consideram agora os signos - nao urn signa isolado, mas dais ou mais signos em correla~ao mutua - ver-se-a que sempre ha uma rela<;ao entre uma correla~ao da expressao e uma correla9ao do conteudo. A ausencia de urila tal rela~ao e exatamente a prova do fato de que se esta na presenc;a DaO de dais signos diferentes mas, sim, de duas variantes do mesmo 'signa. Se,trocandoduas expressoes de proposi~oes, se provoca corn isso uma troea correspondenteentre dois conteudos de· proposi<;aodiferentes, tern-se duas proposic;5es diferentes na expressiio e, nO easo contrario, em que se obtem duas variantesde proposic;5es na expressao, dais exemplares diferentesde uma e mesma expressao de uma proposi9ao; 0 mesmo acontece corn as express5es de palavras e as express5es de todos os signos, e igualmente corn
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as figuras, seja qual for sua extensao, por exemplo: as siIabas. A diferen~a entre os signos e as figuras reside, apenas, sob este ponto de vista, no fato de que quando se tratar de signos sera sempre a mesma diferen~a de conteudo que sera provocada por uma mesma diferenga de expressaa, enquanto que, para as figuras, uma mesma diferen~a de expressao podera provocar, conforme 0 caso, substitui~6es diferentes entre as grandezas do conteudo (coma por exemplo tal til, bom - bern, mU - mel). Alem do mais, a relagao constada e revers£vel, no sentido em que a "distingao entre invariantes e variantes, no pIano do eonteudo, deve ser efetuada segundo 0 mesmo criterio: s6 existem duas variantes diferentes de conteudo se a correla~ao entre elas tern uma relayao corn uma eorrelagao da expressao. Na pratica, ha portanto duas invariantes distintas de conteudo se sua troea pode acarretar urna troca Este fate e parcorrespondente no pIano da expressao. ticularmente evidente quando se trata de signos: quando, por exernplo, a troca de duas express6es de proposi<;6es acarreta uma troca de dois conteudos de proposiy6es, a troca de dois conteudos acarretara. tambern uma troca das. duas express6es de proposic;6es; e 0 mesmo fenomeno, visto simplesmente do lado oposto. Segue-se inevitavelmente que, grac;as. a esta prova da troca deve-se poder, tanto no pIano do conteudo quanta no da expressao, registrar figuras que comp6em os «:ontelidos de signos. Tal como no pIano da expressao, a existeneia de figuras .sera a£ apenas uma conseqiiencia·· 16gica da existencia dos signos. :E: por isso que se pode prever corn certeza que uma tal anaIise e possive!. Alias, e necessarioacrescentar de iinediato que e extremamente irnportante leva-Ia a cabo, pois e essa a condi~ao necessaria de uma descri<;ao exaustiva do conteudo. Vma tal descri~ao pressup6e que os signos - que sac ern numero ilimitado - ' tambem sao suscetiveis, no que diz respeito ao seu conteudo, de serem explicados e deseritos corn a ajuda de urn numero lirnitado de figuras. A exigencia de redu~ao e aqui a rnesma que se aplicaao pIano da expressao: quando mais reduzido for '0 numero de figuras do conteudo, mais e possivel satisfazer a exigencia da descri~ao mais sirnples possivel do principio de empirismo. Vma tal anaIise do eonteudo em figuras nao foi realizada e nem mesmo· tentada na lingiHstica ate hoje, embora a anaIise correspondente em figuras da expressao seja tan antiga quanto a inven~ao da escrita alfabetica (para nac dizer mais antiga: a invenc;ao do alfabeto pressup6e, corn efeito, urna tal anaIise da expressao). Esta inconseqiiencia
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teve os resultados mais funestos: confrontado corn 0 numero ilimitado de signos, viu-se na anilise do conteudo urna tarefa insollivel, urn trabalho de Sisifo, urn cume que nunca poderia ser atingido. No entanto, a maneira de proceder sera exatamente a mesma tanto para 0 plana do conteudo quanta para 0 pIano da expressao. Assim como realizando a anaUse funcional se pode resolver 0 pIano da expressao em componentes que contraem rela<;oes mutuas (tal coma isso se produziu experimentalmente tanto na inven<;ao do alfabeto quanto nas teorias modemas do fonema), deve-se tambem, atraves de uma amilise semelhante, resolver 0 pIano do conteudo em componentes que contraem rela<;oes mutuas que sao menores que os conteudos mfnimos de signos. Imaginemos que, na fase da anaIise do texto em que certas cadeias (como, por exemplo, expressoes de palavras numa lingua de estrutura corrente) sao divididas em sflabas, se registrem as seguintes sflabas: sla, sli, siai, sa, si, sai, la, li, lai. Na fase seguinte, em que as silabas se dividem em partes silabicas centrais (selecionadas) e marginais (selecionantes) (cf. Cap. 9), estabelecimento mecanico do inventario das duas categorias levaria a registrar a, i, ai na categoria das partes centrais e sI, S, 1 na categoria das partes marginais. Dado que se pode interpretar ai como a unidade estabelecida pela rela<;ao entre a e i, e sI como a unidade estabelecida pela rela<;ao entre s e 1, ai e sI sac excluidas do inventario dos elementos, onde restam apenas a e i, s e I de modo que estes tambem sac definidos por sua faculdade de entrar nos "gropos" mencionados (0 gropo de consoantes sl e 0 ditongo aO. E importante ressaltar que esta redu9ao deve ocorrer quando da propria opera<;ao no curso da qual as partes sihlbicas centrais e marginais sao registradas e nao deve ser retardada para a Opera9aO seguinte no curso da qual essas partes serao divididas em partes ainda menores; agir de outro modo seria faltar a exigencia do procedimento mais simples possive! e do resultado mais sirnples passivel em cada urna das operac;5es (cf. Cap. 6 e 0 princfpio de redu9iio). Se, pelo contrario, estivessemas na presen~a de urna situa<;ao diferente na qual, par exemplo, a resolU9aO dessas cadeias em suabas nos desse apenas slai, e nao mais sla, sli,~a, si, sai, la, li, lai, neste caso a redu~ao de sfiabas por resolu~ao em partes silabicas nao poderia ser realizada, e a seqiiencia da reduc;ao deveria ser adiada para a opera~ao seguinte, no decorrer da qual as partes silabicas seriarn objeto de urna divisao ulterior. Se tivessernos obtido slai, sla e sU, e nao sai, sa, si, lai, la, li na fase doprocedimento que considerarnos, poderfamos ter resolvido ai masnao sI. . (Se tivessernos obtidoslaie sla,
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mas nao sli, a resolu~ao nao poderia ter acontecido,e ai e a teriam de ser registradas como duas invariantes distintas. Infringir esta regra levaria, entre outras coisas, ao absurdo de que, numa lingua que possua as silabas a e sa} mas . nenhuma silaba s, nao apenas a como tambem s seriam registradas como invariantes distintas no inventano das silabas.) Em principio, nesta maneira de proceder existe urn elemento de generaIiza~ao. A redUl;ao so pode ser realizada se se generalizar, de urn caso para outro, sem risco de contradi~ao. Poder.:.se-ia fazer em nosso exemplo-tipo a modifica9ao segundo a qual uma reducao de sI em grupo so e possIvel em certos casos, dado que urn conteudo diferente esta ligado a silaba sla sem resolu~ao de sI ea' mesma silaba em que si e resolvido; disso resultaria que sI e urn elemento da mesrna especie que s e 1. Em varias lfnguas bem conhecidas (em ingles, por exemplo) a grandeza tf pode ser resolvida em t e f, de modo que esta resolu~ao seja generalizada sem contradi~ao em todos os casos. Em polones, pelo contrario, tf e uma grandeza independente da mesrna especie que t e f, e estas duas ultimas tambem podem participar de urn grupo de tf (funcionalmente diferentes de tf): as duas palavras trzY, "tres", e CzY, "OU", "se", so diferem na pronuncia porque 0 primeiro tern tf e 0 segundo tf 6. :s por esta razao que e importante, no plana pratico, recorrer a urn prindpio de generaliZGfiio particular. Sua importancia pratica se manifesta alias em varios outros pontos da teoria, e portanto deve ser considerado como urn de seus princfpios gerais. Pensamos ser possIvel provar que esse .principio sernpre representou implicitamente urn papel na pesquisa cientffica, embora, ao que saibamos, nunca tenha sido formulado. 0 principio e 0 seguinte: Se um objeto admire univocamente uma solUfiio, e se urn outro objeto admite equivocamente a mesma solUfiio, neste caso a solUfiio e generalizada e aplicada ao objeto equivoco. Pode-se formular do seguinte modo a regra das dedu90es que foram acirna discutidas: Grandezas que, na aplicGfQo do princfpio de generalizafiio, podem ser registradas de modo unzvoco coma unidades complexas que compreendem exclusivamente elemen6. BLOOMFIELD, L. Language. Nova York, 1933. p. 119. 'IUGER, George L. Acta linguirtica, I, 1939. p. 179. Analisando a fundo 0 sistema de expressao do polo~s segundo nosso panto de vista, provavelmente se observa~ riam outras diferen9as entre os dois casos; no entanto, isso em nada invalida o principio, nem sua RPlicacao numa dadal fase da analise. 0 mesmo acontece corn. 0 exemplo-tipo de D. Jones: 11 e g.
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tos registrados no decorrer da mesma operGfiio nao devern ser registradas como elementos. No pIano do conteudo, esta regra devera ser aplicada exatamente da mesma maneira coma e aplicada no plana da expressao. Se, por exemplo, inventario estabelecido mecanicamente numa dada fase do procedimento conduz ao registro das grandezas de conteudo: "touro", "vaca", "homem", "mulher", "menino" "menina", "garanhao", "egua", "ser humano", "crianc;a", "cavalo", "ele" e "ela" as grandezas "toure", "vaca", ~'homem", "mulher", "menino", "menina", "garanhao" e "egua" devem ser eliminadas do inventario dos elementos, uma vez que podem ser interpretadas univocamente como unidades de relac;ao que compreendem exclusivamente "ele" ou "ela" de urn lado e, de outro lado, respectivamente, "boi", "ser humano", "crian9a", "cavalo". Aqui, coma no pIano da expressao, 0 criterio e a prova da troca pela qual se constata uma rela9ao entre uma correlac;ao de urn. pIano e uma correlac;ao de urn outro pIano. Asslm como uma troca entre sai, sa e si pode acarretar uma troca de tres conteudos diferentes, a troca das grandezas de conteudo "touro", "ele" e "boi" pode acarretar a troca de tres expressoes diferentes. "Touro" == "ele-boi" sera diferente de "vaca" = "ela-boi", assim como sI 0 e de fl, por exemplo; "touro" = "ele-boi" tambem sera tao diferente de "garanhao" = "ele-cavalo" quanto sI 0 sera de sn: basta que urn unico elemento seja trocado par um outro para provocar num caso coma no ourto uma troca no outro pIano da lingua. Nos exemplos a que recorremos anteriormente (divisao de frases em proposi~es, e de proposic;oes em palavras~ divisao do grupo de silabas em silabas, e estas em partes de silabas e, partindo dai, em figuras ainda menores) agimos provisoriamente segundo as concepc;oes tradicionais coma se 0 texto consistisse apenas numa linha da expressao; fomos levados a compreender (cf. Cap. 13) que, apos a divisao do texto em linha da expressao e linha do conteudo, estas duas linhas devem dividir-se cada uma segundo urn princfpia comum. Disso resulta que esta divisao deve ser efetuada corn a mesma extensao nestas duas Iinhas, isto e, deve ser levada 0 mais longe possive!. Assim como atraves de uma divisao continua da linha da expressao se chega mais cedo ou mais tarde a uma fronteira a partir da qual inventarios limitados sucedem inventarios ilimitadas, inventarios que sac ainda constantemente reduzidos por operac;oes ulteriores (cf. Cap. 12), 0 mesmo acontecera corn a linha do conteudo quando se fizer sua analise. Pade-se dizer que, na pratica, a amilise das figuras do pIano da expressao e feita pela resolu~ao das grandezas que entram em inventa-
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rios ilimitados (express6es de palavras, por exemplo) em grandezas que entram em inventarios limitados, resolu~o que e continuada ate que se obtenham os inventanos mais limitados. 0 mesmo sucedera corn a anilise das figuras do pIano do conteudo. Enquanto que 0 inventano dos conteudos de palavras nao e limitado, os signos mfnimos, nas linguas de estmtura conhecida, dividem-se (a base de diferen~as relacionais) em alguns inventarios ilimitados (selecionados) (como os inventarios dos conteudos de raizes) e em outros inventarlos (selecionantes) limitados (tais coma os que compreendem conteudos de sufixos de deriva~ao e de desinencias flexionais, isto e, derivativos e morfemas. Praticamente, portanto, 0 procedimento consiste em analisar grandezas que entram em inventanos ilimitados em grandezas que entram em inventarios Iimitados. Ye-se que esse principio ja foi parcialmente aplicado no exemplo acima proposto: enquanto que "boi", "ser humano", "crian~a" e "cavalo" permanecem provisoriamente em inventanos ilimitados, "ele" e "ela", na sua qualidade de pronomes, participam de uma categoria especial definida relacionalmente e que tern um numero limitado de elementos. Nossa tarefa consistini, portanto, em levar adiante a anaIise ate que todos os inventarios sejam Hio restritos quanto possIve!. Atraves desta redu~ao de grandezas do conteudo em "grupos" 0 conteudo de urn signa simples revela-se identico ao de uma cadeia de conteudos de signos que contraem determinadas rela~es mutuas. As defini~6es corn as quais as palavras sao traduzidas em urn dicionario unilingiie sao, a principio, desta natureza, embora os diciomirios ate aqui nao se tenham atribuido por finalidade a redu~ao; e por isso que nao oferecem defini~oes que possam ser retomadas numa analise sistematica. Mas aquiIo que e estabelecido como equivalente de uma dada grandeza assim reduzida e, na verdade, a de/ini9iio dessa grandeza, formulada na lingua e no proprio pIano dessa grandeza. Tambem a respeito deste panto nao vemos nenhum obstaculo em nos servirmos da mesma terminologia para os dois pIanos, e tambem para empregar 0 tenno defini9iio quando a expressao da palavra tal e analisada como camposta pela consoante t, pela vogal a e pela consoante t. 0 que nos Ieva a defini~ao da defini~ao: por defini9iio entendemos urna divisao seja do conteudo de urn signo, seja da expressao de urn signo. E freqiienternente passiveI aumentar a eficacia da redu~ao das grandezas para grupos de elementos registrando os conetivos considerados enquanto tais. Por conetivo entendemos urn funtivo que em certas condi90es e solidario de unidades complexas de urn determinado grau. Na pratica, os conetivos sao freqiientemente (mas nao sempre) iden-
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ticos no pIano da expressao aquilo que estavamos habituados, em lingiiistica, a chamar de vogais de liga~ao; diferem desta, no entanto, pela exatidao de sua defini<;ao. A vogal que se encontra em ingles diante da desinencia de flexao em fishes pode ser registrada coma urn conetivo. No plana do conteudo, as conjun~6es freqiientemente serao conetivos, que, em Hnguas de estrutura determinada, pode tomar-se de uma importancia decisiva para a anilise e para 0 registro dos inventarios de frases e de proposi<;6es. Em virtude deste fato, na maioria das vezes sera possivel, desde a divisao das frases, chegar nao apenas a resolu~ao de frases complexas em proposi~5es simples coma tambem a redu~ao, atraves de todo 0 inventario, de uma proposi~ao principal e de uma proposi~ao subordinada dadas em uma unica proposi<;ao que tenha as duas possibilidades funcionais. A proposi<;ao principal (ou selecionada) e a proposi<;ao subordinada (ou selecionante) nao constituirao, entao, duas especies de proposi<;5es, mas duas especies de "fun<;6es de proposi<;ao" ou duas variantes proposicionais. Acrescentemos que uma ordem especffica de palavras, em certas especies de subordinadas, pode ser registrada coma 0 sinal dessas variantes de proposi~ao que, desse modo, nao eonstituem ohstaculo algum a opera<;Ro de redm;ao. - A sorte que atinge aqui dois dos principais pilares da sintaxe classica, a proposi~ao principal e a proposi<;ao subordinada, que sao assim reduzidas a simples variantes, atingira igualmente alguns de seus outros pilares. Nas estruturas lingiiisticas mais familiares, 0 sujeito e 0 atributo tomam-se variantes de urn umco substantivo (de uma unica jun~ao etc.); nas linguas sem caso objeto, 0 objeto tomar-se-a uma variante que lhes sera identica, e nas lingrias que possuem urn caso objeto e onde ha tambem outras fun<;5es 0 objeto tomar-se-a uma simples variante desse easo. Em outras palavras, a c1assifica<;ao dos funtivos em invariantes e variantes que estamos estabelecendo abalara a base da bifurea~ao tradicional da lingiiistica em morfologia e sintaxe. o registro da rela~ao entre a correla<;ao da expressao e a do conteudo, portanto, deve ser efetuada nos dois pIanos para todas as grandezas do texto. A pertinencia do valor distintivo sera vaIido para todo estabelecimento de inventario. A correla<;ao de urn pIano que contrai uma rela<;ao corn uma correla<;ao do outro pIano da lingua sera chamada de comutllfiio. Esta e, apenas, uma defini<;ao pnltica; na teoria, esfor~amo-nos por obter uma formula<;ao mais abstrata e mais geral. Assim como e possIvel imaginar uma correla~ao e uma troca no interior de urn paradigma contraindo uma rela<;ao corn uma correla~ao correspondente - e a uma troca correspondente ao interior de urn para-
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digma - no outro pIano da lingua, e tambeI11· possIveI imaginar uma rela~ao _. e uma tr~lllsposi~ao no interior de uma cadeia - contraindo uma rela~ao corn uma rela~ao correspondente - e a uma transposi~ao correspondente no interior de uma cadeia - no outro pIano da lingua. Neste caso, falaremos em permutGfiio. Frequentemente ha permuta~ao entre signos de extensao relativamente grande. As palavras podem ser definidas simplesmente coma os signos minimos entre os quais ha permuta9ao tanto na expressao quanta no conteudo. Escolhemos designar a comuta~o e a permuta~ao sob 0 termo cornum de mutClfiio. A partir do momento em que se diz que os derivados de mesmo grau pertencentes a urn rnesmo processo ou a urn mesmo sistema constituem uma serie, definimos a muta9ao como a fun~ao existente entre os derivados de primeiro grau de uma mesma classe e que contraem uma rela<;ao corn uma funeao entre outros derivados de primeiro grau de uma mesma classe e que pertencem a mesmaserie. A comuta9iio sera portanto uma muta<;ao entre os mernbros de urn paradigma e a permuta9ao uma muta<;ao entre as partes de uma cadeia. Par substitui9iio designaremos a ausencia de muta<;ao entre os membros de urn paradigma. Para n6s, portanto, a substitui~ao e 0 contnlrio da comuta<;ao. Das defini<;6es resulta que certas grandezas nao tern nem comuta~ao nem substitui9ao mutuas = sac as grandezas que nao entram num mesmo paradigma, como por exemplo uma vogal e uma consoante, ou h e 11, no exemplo de Jones mencionado acima. As invariantes sao, assim, correlatos de comuta~ao mutua, e as variantes, correlatos de substitui~ao mutua. A estrutura especffica de urna lingua, os tra~s que a caracterizam em oposi<;ao a outras lfnguas, que a diferenciam destas, que fazem corn que se assemelhem, determinando corn isso seu lugar na tipologia das linguas, esses tra~os sac portanto estabelecidos quando se especifica quais sao as categorias relacionalmente definidas que a lingua comporta e que numero de invariantes participa de cada uma delas. 0 numero de invariantes no interior de cada categoria e fixado pela prova de comuta~ao. Aquilo que, de acordo corn Saussure, chamamos de forma lingiiistica e que, de modo diferente de uma lingua para outra, coIoca suas fronteiras arbitrarias num continuo de sentido em si mesmo amorfo, repousa exclusivamente sobre esta estrutura. Todos os casos que citamos (cf. Cap. 13) sac outros tantos exemplos da pertinencia da prova de comuta~ao: 0 numero das designa~6es de cores, de numeros, de tempo, o. numero de oclusivas e de vogais, tudo isso e
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muitas outras coisas ainda e fixado deste modo. As grandezas de conteudo arbre ( arvore) e bais (madeira) sao variantes em dinamarques, sao invariantes em frances e alemao; as grandezas de conteudo bois (material) e bois (pequena floresta) que sac invariantes em dinamarques, em frances sao variantes. As grandezas de conteudo "floresta grande" e "floresta nao grande" ou "floresta independentemente do tamanho" SaD invariantes em frances mas variantes em dinamarques e alemao. 0 unico criterio que permite estabelecer esse dado e a prova de comuta~ao. Se a gramatica tradicional freqiientemente transferiu as cegas as categorias latinas e os membros das categorias para as Hnguas europeias mo~emas, coma foi feito em rela~ao ao dinamarques 7, e porque nao se tinha compreendido que a prova de comuta~ao e pertinente para a anaIise do conteudo lingiiistico. Se abordarmos a este sem levar em conta a comutac;ao, na pnitica isso equivale a consideni-Io sem levar em conta sua rela~ao corn a expressao lingiifstica, relaC;ao dada pela funC;ao semi6tica. Por reaCao contra este estado de coisa, fomos levados recentemente a exigir urn metodo gramatical que tomaria a expressao como ponto de partida para, a seguir, chegar ao conteudo 8. Depois de verificado 0 alcance da comuta~ao, parece que essa exigencia foi formulada de modo impreciso. Deve-se exigir, corn 0 mesmo direito, que pIano do conteudo seja 0 ponto de partida para uma anaIise do plana da expressao. Ouer nos interessemos mais especialmente pela expressao ou pelo conteudo, nada compreenderemos da estrutura da lingua se nao levarmos em conta, antes de mais nada, a interac;ao entre os dois pIanos. 0 estudo da expressao e () do conteudo sao, ambos, estudos da relac;ao entre expressao e conteudo; estas duas disciplinas se pressup6em mutuamente, SaD interdependentes, e separa-Ias seria urn grave erro. Como ja ressaltamos (cf. Caps. 9 a 11), a amilise deve basear-se nas fu0ti0es.
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7. A respeito, pode-se consultar. entre outros, H. G. WIWEL, Synspunktef' for dansk sproglaere. Copenhague, 1901, p. 4. 8. Dessa fonna, 0 autor do presente trabalho (L. HJELMSLEV, ~nc~pes de grammaire gererale, Vet Kgl. Danske Videnskabernes Selskab Hm-filol. Medcl. XVI, 1, Copenhague, 1928, sobretudo p. 89).
15. Esquema e Usa lingliisticos
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lingilista deve interessar-se tanto pelas semelhangas como pelas diferengas das Iinguas; esses sac dois aspectos complementares do mesmo fenomeno. A semelhanga entre as Hnguas reside no proprio prindpio de suas estruturas; a diferen<;a entre elas provem da execu<;ao in concreto desse prindpio. Portanto, e na linguagem e na estrutura intema das linguas que se encontram simultaneamente as semeIhangas e as diferen<;as entre elas: nem estas, nem aquelas repousam sobre qualquer fator estranho a linguagem. Nas linguas, semelhangas e diferengas pertencem aquilo que, corn Saussure, denominamos de forma, e nao a substancia que e formada. A priori, talvez se poderia supor que 0 sentido que se organiza pertence aquilo que e comum a todas as lfnguas e, portanto, as suas semelhangas; mas isto e ilusao, pois ele assume sua forma de maneira especifica em cada lingua; nao existe forma9ao universal, mas apenas urn prindpio universal de forma9ao. 0 sentido, em si mesmo, e informe, isto e, nao esta submetido, em si mesmo, a uma forma9ao, mas e suscetivel de uma forma<;ao qualquer. Se ha Iimites aqui, eles esmo na forma9ao e nao no sentido. E por isso que o sentido e, em si mesmo, inacessivel ao conhecimento, uma vez que a condi9ao de todo conhecimento e uma amilise, seja qual for sua natureza. Portanto, sentido so pode ser reconhecido atraves de uma forma9aO, sem a qual ele nao tern existencia cientffica. ::B por esta razao que e impossive! tomar 0 sentido, seja ° da expressao ou 0 do conteudo, como base da descrigao
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lingiHstica. Vma tal tentativa 56 seria possivel na base de uma formac;ao do sentido e estabeIecida a priori de uma vez para sempre e que, fosse qual fosse sua estrutura, seria incongruente corn a maioria das linguas. :£ por isso que a constru~ao de uma gramatica sobre sistemas ontoI6gicos especuIativos esta tao destinada ao fracasso quanto a constru~ao da gramatica de uma determinada lingua sobre uma outra lingua. Nao se pode tampouco introduzir antecipadamente uma descri~ao da substancia como base da descriC;ao lingiiistica; rnas a descric;ao da substancia pressup5e, ao contrano, a descri~ao da forma lingiiistica. 0 velho sonho de urn sistema universal de sons e de urn sistema universal de conteudo (sistema de conceitos) e, corn isso irrealizavel e, de qualquer modo, nao exerceria nenhum dominio sobre a realidade lingiHstica. Sem duvida nao e superfIuo, diante de certas sobrevivencias da filosofia medieval que reapareceram recentemente, especificar que tipos universais de sons ou urn esquema eterno de conceitos nao podem ser estabelecidos corn metodos empiricos. As diferen<;as entre as lfnguas nao provem das realiza<;5es diferentes de urn tipo de substancia, mas das realizac;5es diferentes de urn prindpio de forma<;ao ou, em outros termos, de diferentes formas em rela<;ao a urn sentido identico porem amono. As considerac;5es que fomos levados a fa~er como conseqiiencia da distin~ao estabelecida por Saussure entre forma e substancia levarn a que se reconhec;a que a lingua e uma forma e que existe fora dessa forma uma materia nao lingUfstica, a Hsubstancia" saussuriana - 0 sentido, que contrai uma funC;ao corn essa forma. Embora caiba a lingUistica abalizar a forma das linguas, sera inteiramente natural que as outras ciencias analisem 0 sentido das lInguas; projetando os resultados da lingiHstica sobre os resultados dessas outras ciencias, se tera a proje9ao da forma lingtiistica sobre 0 sentido numa determinada llngua. Dado que a formac;ao lingilistica do sentido e arbitraria, isto e, que eIa se baseia nao no sentido mas no pr6prio principio da forma e nas possibilidades que decorrem de sua realizac;ao, estas duas descri~oes, lingiHstica e nao lingtifstica, devem ser feitas independentemente uma da ontra. A fim de especificar esta atitude de modo concreto, sera talvez desejavel indicar quais sao as disciplinas cientfficas as quais cabe a descri~ao do sentido, tanto mais que a lingufstica atual manifesta, corn relaC;ao a este aspecto, uma imprecisao que tern profundas rafzes numa certa tradic;ao. Charnaremos a aten9aO para dois fatores:
ESQUEMA E
usa
UNGOlSTICOS
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Conforme 0 primeiro deles (que indicamos observando de propOsito uma atitude agnostica em face a certos pontos Iitigiosos da filosofia modema), a descri~ao do sentido deve ser concebida, tanto para a expressao quanto para 0 conteudo lingiiistico, como cabendo essencialmente a jisica e a antropologia (social). Enunciamos isto sem tomar uma posi~iio especial em rela~ao a certos pontos de contesta~ao na filosofia modema. A substancia dos dois pIanos pode ser considerada em parte como constitufda por objetos fisicos (os sons no pIano da expressao e as coisas no pIano do conteudo) e em parte como a concep~o que 0 sujeito falante tern desses objetos; portanto, seria necessaria efetuar, para os dois pIanos, uma descri~8.o fisica e uma descri~ao fenomenoI6gica do sentido. b) Uma descri98.0 exaustiva do sentido lingilistico deve ser reaIizada, gra~as a uma -colabora~ao de todas as ciencias nao lingiiisticas; de nosso ponto de vista, elas tratam todas, sem excec;ao, de urn conteudo lingiiistico. Corn a justificac;ao relativa fomecida por urn ponto de vista particular, somos Ievados aver 0 conjunto das disciplinas cientificas centradas ao redor da Iingiiistica. Encon" tramo-nos diante de uma simpIificac;ao que consiste em reduzir os objetos cientfficos a duas especies fundamentais: linguagem e nao-linguagem, e aver uma dependencia, uma fun~ao entre elas. Mais tarde teremos a ocasiao de discutir a natureza desta func;ao entre linguagem e nao-linguagens e seus relacionamentos de implicac;ao e de pressuposic;ao; nessa ocasiao, seremos levados a ampliar e modificar a perspectiva aqui esbo~ada. Aquilo que dissermos a respeito deste ponto, e principalmente sobre a forma e a substancia saussuriana, cS apenas provis6rio. Desse ponto de vista, deve-se portanto concIuir que, assim como as outras disciplinas cientfficas podem e devem analisar 0 sentido lingiifstico sem levar em considera~ao a forma lingiiistica, a lingiiistica pode e deve analisar a forma lingiifstica sem se preocupar com 0 'sentido que se apega a essa forma nos dois pIanos. Enquanto que 0 sentido do conteudo e 0 da expressao devem ser considerados como descritos de modo adequado e suficiente pelas ciencias nao lingiifsticas, e a lingiiistica que cabe especificamente descrever a forma lingilistica e tamar possiveI sua projeyao sobre os objetos extralingiiisticos que, para 0 lingiiista, sao a subs· tancia dessa forma. A tarefa principal da lingilista, portanto, cS construir uma ciencia da expressao e uma ciencia do conteudo sabre bases intemas e funcionais, sem admitir dados foneticos ou fenomenologicos na ciencia da expressao, nem dados onto16gicos ou fenomeno16gicos na ciencia do con· a)
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tendo (0 que nao significa, evidentemente, que se ira negligenciar as premissas epistemo16gicas sobre as quais toda ciencia se baseia). Desse modo se constituiria, em rea~ao a lingiiistica tradicional, uma lingiiistica cuja ciencia da expressao nao seria uma fonetica e cuja ciencia do conteudo nao seria uma semantica. Uma tal ciencia seria, nesse caso, uma algebra da lfngua que operaria sobre grandezas nao denominadas - isto e, denominadas arbitrariamente, sem que para eIas existam designa~5es naturais - e que so adquiririam designa~5es motivadas atraves de sua Iig~ao corn a substancia. Confrontada corn esta tarefa essencial, cnja solu~ao foi ate aqui quase compIetamente negligenciada no estudo das linguas, a lingiifstica vera abrir-se a sua frente urn vasto domfnio de reflexao e de pesquisa. No que diz respeito it expressao lingiifstica, este trabalho ja come~ou em nossa epoca em dominios Iimitados" 1. Nossa teoria da linguagem, desde 0 come~o, inspirou-se nesta concep~ao, e eIa se prop5e a constituir esta algebra imanente da Hngua. A fim de marcar seu desacordo corn os estudos lingiiisticos anteriores e sua independencia de prindpio em rela9ao a substancia extralingtifstica, demos-Ihe urn nome particular que, alias, foi utilizado nos trabalho preparatorios dessa teoria desde 1936: a denomina~ao que '·y"A&Juuo. ,"lingua"), e por damos e glossematica (de glossemas entendemos as formas minimas que a teoria isola como bases de expIicacao, isto e, invariantes irredutiveis. Vma tal denomina9ao nao teria sido necessaria se 0 termo linguistica nao tivesse sido empregado abusivamente para designar urn estudo erroneo da linguagem a partir de pontos de vista transcendentais que nao sac pertinentes. A distin~ao estabelecida por Saussure entre "forma" e "substancia", no entanto, tern uma justifica~ao apenas reIativa, isto e, eIa so e legitima do ponto de vista da linguagem. "Forma" significa aqui forma lingilistica e "substancia", como 1. Uma descriciio de categorias da expressao sobre urna base puramente nao fonetica foi feita sobretudo par L. Bloomfield para 0 ingl~ e em parte para outras hnguas (Language, Nova York, 1933, p. 130 e s.), por GEORGE L. TRACER para 0 polon~s (Acta lingui8tica I, 1939, p. 179), par HANS VOGT para 0 noruegu~ (Norsk tidsskrift for sprogvidemkap XII, 1942, p. 5 e s.),. por H. J. ULDALI.. para. 0 dinamarques (Proceeding.r of the Second International Congress of Phonetic Sciences, Cambridge, 1936, p. 54 e s.) e para 0 botentote (Africa XII, 1939, p. 369 e s.), par A. BJERRUM para 0 dialeto dinamarqu~s em Fjolde (Fioldemalet8 Lyckystem, 1944), por J. KURYLQWICZ para 0 grego antigo (Travaux du Cercle Zinguistique de Copenhague V, 1949, p. 56 e s.) par KNUD TOGEBY para ohances: (Structure immanente de la langue fraTlfaise, 1951) e por L. HJELMSLEV para 0 lituano (Studi baZtici lVI, 1936...037, p. 1 e s.) e para 0 dinamarques ( Seskab for nordisk filologi. Arsbereming for 1948-49-50, pp. 12-23). Este ponto de vista aparece clara e deliberadamente em Mbnoire SUT le systinne primitif des vvyelles, Leipzig, 1879, de F. de SAUSSURE; 0 metodo foi explicitamente fOrnlulado por seu aluno A. SECHEHAYE (Programme et methodes de la linguistique tMorique, Paris, 1908, pp. 111, 133, 151).
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ESQUEMA E
usa
LINGUlSTICOS
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vimos, substancia lingiHstica ou sentido. Numa acep~ao mais absoluta, os conceitos de "forma" e de "substa.ncia" tern urn alcance mais geral mas nao podem ser generalizados sem 0 risco de tomar obscura a terminologia. Naturalmente, deve-se insistir particularmente DO fato de que 0 conceito de '~substaDcia" nao se opoe ao conceito de fun~ao, e que ele s6 pode designar uma totalidade funcional em si mesma, que se comporta de uma maneira definida face a uma "forma" dada, comportamento semelhante ao do sentido frente a forma lingtifstica. Mas a anilise nao lingiifstica do sentido realizada pelas outras ciencias conduz tambem, pela natureza das coisas, ao reconhecimento de uma "forma", comparavel em principio a "forma lingilistica, ainda que de natureza extralingiiistica. Pensamos que e possivel supor que vanos dos princ:ipios gerais que fornos Ievados a adotar na fase inicial da teoria da linguagem sao vaIidos DaO apenas para E lingilistica mas tambem para todas as ciencias, em particular o prindpio da pertin~ncia excIusiva das fun~5es em toda amilise (cf. Cap. 9). AquiIo que, de urn panto de vista, e "substancia toma-se "forma" de urn outro panto de vista; isto esta relacionado corn 0 fate de que os funtivos denotam apenas terminais ou pontos de intersec9aO das fun~oes, e que apenas a malha funcional de dependencias e acesslvel ao conhecimento e possui uma existencia cientffica, enquanto que a "substancia", no sentido ontol6gico, continua a ser urn conceito metaffsico. A anaIise nao Iingtiistica do sentido deve portanto levar, par dedu9ao (no sentido que atribuimos a esse termo) ao reconhecimento de uma hierarquia extralingtiistica que contrai uma fun~ao corn a hierarquia lingiifstica obtida pela dedu~ao lingiifstica. Chamaremos a hierarquia lingiiistica de esquema linguistiea, e as resultantes da hierarquia extralingiifstica de usa Unguistiea quando estao subordinadas ao esquema lingUfstico. Diremos, ainda, que 0 usa lingiifstico manifesta 0 esquema lingiifstico, e chamaremos de manifestafiio a fun~ao contrafda pelo esquema e pelo uso. Provisoriamente, estes termos tern apenas urn carater operacional. H
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16. Variantes no Esquema Lingliistico
Tanto no esquema lingiiistico quanto no uso lingiiistico e possivel reduzir certas grandezas a especimes de certas outras grandezas (cf. Cap. 14). Um funtivo qualquer do esquema lingiiistico pode, no interior deste e sem por em causa a manifesta~ao, articula-se em variantes. Isto decorre da propria defini~ao das variantes (cf. Cap. 14). De resto, a articula~ao e universal, e nao particular (cf. Cap. 11) uma vez que um funtivo qualquer sempre pode ser articulado urn nilmero ilimitado de vezes num numero arbitrariamente fixe de variantes. S por isso que as variantes, como as invariantes irredutiveis, sac em geral virtuais, no sentido que definimos (cf. Cap. 11), enquanto que as invariantes redutiveis sao as unicas a serem realizadas. Na ciencia modema da expressao, orientada para a fonetica, tem-se 0 costume de distinguir entre duas especies de variantes: as variantes ditas "!ivres", que sac independentes daquilo que a rodeia, e as variantes ditas "ligadas" ou "condicionadas" (ou ainda "combinat6rias", termo que nao recomendamos), que 56 aparecem na cadeia em certos ambientes. Quando a anaIise e exaustiva, pode-se dizer que uma grandeza qualquer do pIano da expressao tern tantas variantes ligadas quantas rela~6es posslveis tiver na cadeia. Pode-se dizer tarnbem que, nas mesmas condi~oes, uma grandeza qualquer tern tantas variantes livres quantos especimes possfveis dver, dado que, para urn registro fonetico de sensibilidade suficiente, dois especimes do mesmo fonema nunca sac exatamente identicos. Chamaremos de variaroes as variantes "livres" e variedades as variantes "ligadas". As va-
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riaroes sac definidas como variantes combinadas, pois nao sao pressupostas por, e nao pressupaem, grandezas definidas e caexistentes na cadeia: as varia96es contraem uma cambina9aO. As variedades sao definidas coma variantes solidanas, pQis uma dada variedade sernpre e suposta par uma dada variedade de uma outra invariante na cadeia (ou de urn outra especime de uma invariante) e a pressupoe, ela mesma. Na sllaba ta entram duas variedades de duas invariantes: uma variedade de t que s6 pode aparecer corn a, e uma variedade de a que. s6 pode aparecer corn t; entre elas ha solidariedade. A distribui9ao das variantes em duas categorias, sugerida peIa ciencia moderna da expressao, e, como se ve, extremamente importante do ponto de vista funcional, e e por isso que deve ser feita por toda parte. Dada a situa9ao atual da lingiHstica, e importante ressaltar, a prop6sito, que uma articula9aO em variantes e tao possiveI e necessaria na ciencia do conteudo quando na da expressao. Todas as significa~6es ditas contextuais manifestam variedades e todas as significa90es especiais manifestam varia90es. Alem disso, e importante, a fim de satisfazer a exigencia de simplicidade, insistir no fate de que, nos dois pIanos da lingua, a articula9aO em varia90es pressup6e a articuIac;ao em variedades uma vez que uma invariante deve inicialmente ser articulada em variedades e as variedades articuladas, a seguir, em variac;6es: as varia96es especificam as variedades. No entanto, parece possivel que uma articulac;ao exaustiva em variac;oes se possa ligar uma articuIa9ao em variedades, e assim por diante. Na medida em que isto for possive!, a especifica9ao e transitiva. Se a articula~ao de uma invariante em variedades realizada ate cada Hposi~ao" considerada individualmente, atinge-se uma variedade irreduuvel e a articula~ao em variedades e esgotada. Diremos que uma variedade e localizada quanQO ela nao mais pode ser articulada em variedades. Se se continua com a articula~ao de uma variedade localizada em varia90es ate atingir urn. especime unico, atinge-se uma varia9ao irredutivel e a articuIa~ao em varia~5es e esgotada. Chamaremos de indivfduo uma varia9ao que nao pode mais ser articulada em varia96es. Eventualmente se pode articular urn indivfduo em variedades conforme as "posi~6es" diferentes nas quais esse mesmo indivlduo pode aparecer; neste caso, a especifica9ao e transitiva. o fato de que uma articula~ao em variantes pode ser esgotada numa dada fase nao contradiz a natureza virtual das variantes. Se se admite a transitividade da especifica9ao, a articula~ao em variantes e, em principio, ilimitada. Contudo, alem do mais, a articulac;aa em variantes e, embora esgotavel, ilimitada em cada fase particular, pois 0 numero
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VARIANTES NO ESQUEMA LING'O"lSTICO
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de variantes sempre sera ilimitado num texto iIimitado, e 0 numero de articula~oes possiveis gra!ras as quais a articula!rao das variantes pode ser esgotada sera tambem, portanto, ilimitado, mesmo em rela9aO a uma fase particular. Se nao ha especifica~ao transitiva continua e se a hierarquia se encontra esgotada numa articula!rao das variedades em varia~ao que nao podem ser novamente variedades, se podenl dizer, conforme uma certa interpreta!rao epistemologica, que 0 objeto dado nao e suscetiveI de uma descri~ao cientifica ulterior. Sendo 0 objetivo do empreendimento cientffico, sempre, 0 de registrar coesoes, a possibilidade de urn tratamento exato deixa de existir se urn objeto oferece apenas a possibilidade de registrar constela~oes ou ausencias de fun90es. Dizer que 0 objetivo da ciencia e registrar coesoes significa que, nao levando em considera!rao nossa terminologia, uma ciencia sempre se esfon;a por apreender os objetos como as conseqiiencias de uma razao ou como os efeitos de uma causa. Se 0 objeto se resolve apenas em objetos que sac indiferentemente conseqilencias ou efeitos de todos ou de nenhum, a anaIise cientffiea continua sera infrutffera. A priori nao parece inimaginaveI que toda ciencia que procurasse realizar os objetivos de que nos fizemos defensor em rela~ao a lingiiistica, chegue, ao fim da dedu9ao, a encontrar-se diante de uma situa9ao final onde nao se pode mais distinguir relacionamentos de causa e efeito, e onde nao mais se veem as conseqtiencias das razoes. SO restara entaD a possibilidade unica de urn tratamento estatistico das varia~oes, semelhante aquele que Eberhard Zwirner procurou estabelecer sistematicamente no que diz respeito a expressao ·fonetica das linguas 1. A condi9ao para que esta experiencia seja levada a cabo e que 0 objeto desse tratamento "fonometrieo" nao seja uma classe de sons obtida indutivamente, mas sim uma variedade localizada do mais alto grau obtida de. dutivamente. Tivemos, antenormente, a ocasHio de constatar que as grandezas habitualmente registradas pela sintaxe tradicional - proposi!roes principais e subordinadas, membros de frases tais coma 0 sujeito, 0 atributo, 0 objeto etc. _. sac variantes (cf. Cap. 14). Segundo a terminologia que introduzimos, podemos acrescentar que sac variedades. A sintaxe tradicional (entendida como 0 estudo das conexoes entre as palavras) e, no essencial, urn estudo das variedades do pIano do conteudo da lfngua, mas como tal nao e exaustiva. Dado que toda articula9ao em variantes pressupoe 0 inventario das invariantes, a sintaxe nao se pode sustentar como uma disciplina autonoma. 1. Ver, do autor, NQ.1'disk tidsskri/t for tale og 8temme 11, 1938, sobretudo p. 179 e s.
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17. Funcao e Soma •
Uma classe -que contrai uma fun~ao corn uma ou varias classes no interior de uma mesma serie sera chamada de soma. Vma soma sintagmatica sera uma unidade, uma soma paradigmatica sera uma categoria. Vma unidade sera portanto uma cadeia que contrai uma rela~ao corn uma DU varias cadeias no interior de uma mesma serie e uma categoria sera urn paradigma que contrai uma correla~ao corn urn DU varios paradigmas no interior da mesma serie. Por estabelecimento entendemos uma rela~ao que existe entre uma soma e uma fun~ao que dela participa; dizemos que a fun9ao estabelece a soma e que a soma e estabelecida pela fun~ao. Por exemplo~ na paradigmatica (ou sistema Iingiiistico), podemos constatar a existencia de diversas categorias de correla9iio mutua que~ tomadas separadamente~ sao estabelecidas pela correla~ao que existe entre seus membros. Para as categorias de invariantes, esta correla~ao e uma comuta~ao; para a categoria de variantes, e uma substitui9ao. Do mesmo modo, podemos constatar na sintagmatica (ou texto, processo lingilistico) a existencia de diversas unidades de rela~ao mutua e que sao, cada uma, estabelecidas pela rela~ao entre suas partes. Das defini~6es resulta que sempre existem fun~6es entre somas ou entre fun~6es; por outras palavras, que toda grandeza e uma soma. 0 fator que tomou possIvel estamaneira de ver reside naturalmente no fato de que 0 numero das variantes e ilimitado e que a articula~ao em variantes pode ser realizada indefinidamente, de tal modo que teda grandeza pode ser considerada coma uma soma ou, pelo menos, coma uma
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
soma de variantes. f: a exigencia da descri<;ao exaustiva que toma necessario este ponto de vista. Em teoria, isso equivale a dizer que uma grandeza nao e ontra coisa senao duas on varias grandezas de fun<;ao mutua, resuItado que ressalta mais uma vez a existencia cientffica apenas das fun~oes (cf. Cap. 9). Na pratica, e particularmente importante na amilise levar em considera<;ao que entre categorias existe uma rela~a.o. A amilise qeve ser de tal modo que, tendo-se em conta o principio de empirismo e todos os outros principios que daf decorrem, se escolha a base de anaIise adequada. Suponhamos que se escolha a sele<;ao coma base de anaIise. Trata-se entao, na primeira opera9ao, de dividir a cadeia proposta em unidades de sele9ao de primeiro grau; a categoria constituida por essas unidades sera denominada categoria funcional, e com esse termo nos referimos a categoria dos funtivos registrados par uma u.nica anilise corn llma dada fun~o tomada como base de anaIise. Numa tal categoria funcional sera possIvel imaginar quatro especies de funtivos:
1. funtivos que so podem aparecer como selecionados; 2. funtivos que so podem aparecer como selecionantes; 3. funtivos que podem aparecer como selecionados e como selecionantes; 4. funtivos que nao podem aparecer nem coma selecionados, nem coma selecionantes (ou seja, funtivos que so contraem solidariedades ej ou combina<;oes, ou que nao contraem rela~ao alguma). Chamaremos cada uma dessas categorias de categoria de funtivos; entenderemos, por essa designa<;ao, categorias que a articula~ao de uma categoria funcional registra segundo as possibilidades dos funtivos. A opera<;ao consiste em procurar, anaIisando cada uma destas categorias de funtivos em membros na base da prova de comuta<;ao, quais dessas quatro categorias de funtivos a priori posslveis sao reaIizadas, e quais sao virtuais; chamamos esses membros de elementos. Quando a amllise e divisao em unidades de sele<;ao de primeiro grau, os elementos sac portanto unidades particulares de sele<;3.o de primeiro gran que a divisaa leva a registrar. Tomemos novamente como exemplo concreto a divisao da cadeia em proposi<;oes principais e subordinadas. As proposi<;oes principais pertencerao a primeira categoria de funtivos, as subordinadas a segunda. Para simplificar, suponhamos que a terceira e a quarta categoria de funtivos demonstrem serem, ambas, virtuais. Nesse caso, e evidente que este registro nao pode significar que cada subordinada tomada isoladamente seleciona cada principal tomada iso-
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ladamente. Vma subordinada isolada nao pressup5e a presen~a de uma dada principal, mas apenas de uma principal qualquer. Portanto, e a categoria das proposi~5es principais que e selecionada pela categoria das subordinadas. A sele~ao mutua existe entre as categorias de funtivos, enquanto que a relac;ao que a seguir existe entre urn membra de uma categoria de funtivos e um membro de uma autra pode ser bem diferente: por exemplo, uma combinac;ao. Vma das tarefas da teoria da linguagem e estabelecer um caIculo geral sobre as relac;6es entre os elementos que correspondem as relac;5es dadas entre as categorias de funtivos. Se a base da amllise e uma solidariedade ou uma combina~ao, ou seja, uma reciprocidade sintagmatica, as categorias de funtivos serao, nesse caso: 1. 2. 3.
funtivos que so podem aparecer como solidarios; funtivos que so podem aparecer como combinados; funtivos que podem aparecer como solidanos e coma combinados; 4. funtivos que nao podem aparecer coma solidarios nem como combinados (ou seja, funtivos que so contraem selec;6es ou que nao contraem relaC;ao alguma). A solidariedade ou a combinac;ao estarao presentes, aqui tambem, entre as categorias de funtivos, enquanto que os elementos podem contrair O1itras relac;6es. Vimos urn exemplo disso mais acima, quando mencionamas os morfemas nominais latinos (cf. Cap. 9): a categoria dos numeros e a dos casos sac solidanas, mas ha combinac;ao entre urn determinado numero e urn determinado caso.
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18. Sincretismo
Podemos agora abordar 0 fenomeno conbecido na gramatica tradicional sob 0 nome de sincretismo e na fonologia modema sob 0 nome de neutraliZtlfao, que consiste no fate de que, em certas cond.i~oes, a comuta~ao entre duas invariantes pode ser suspensa. Limitar-nos-emos aqui aexemplos bem conbecidos, coma 0 do nominativo e do acusativo neutro (e certos outros casos) em latim e a neutraliza9ao entre p e b em dinamarques na posi~ao final na silaba (ou seja, no caso em que, numa palavra como top, se pode pronunciar indiferentemente p ou b). Para casos assim utilizaremos 0 termo suspensO-o, e introduziremos a seguinte defini~ao geral: quando urn determinado funtivo esta presente em certas condi~oes e ausente em outras, diremos que, nas condi~oes em que 0 funtivo esta presente, ha aplic(lfao desse funtivo - e deste diz-se que ele se aplica - e, nas condic6es em que ele esta ausente, ha suspensiio DU ausencia desse funtivo, do qual se diz entao que esta suspelUO ou ausente. Chamaremos de superposifiiO uma mutac;ao suspensa entre dois funtivos, e a categoria estabelecida por uma superposi~ao sera (nos· dois pIanos da lingua) urn sincretismo. Diremos por exemplo que 0 nominativo e 0 acusativo em latim, coma p e b em dinamarques, superpoem-~e mutuamente, ou contraem uma superposiC;ao e constituem juntos urn sincretismo, DU ainda que cada um deles entra num sincretismo. Das defini~oes segue-se que quando duas grandezas em determinadas condic;oes sao registradas como invariantes na
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
base da prova de comuta~o, e quando elas contraem, em condi~6es modificadas, uma superposi~ao, nesse caso elas serao, nessas condi~5es modificadas, variantes, e somente seu sincretismo sera uma invariante. Nos dois casos, as condi~5es dependem das rela~5es que contraem as grandezas em quesHio na cadeia: em latim, a comuta~ao entre 0 nominativo e 0 acusativo (que se aplica, por exempl0, na primeira declina~ao) e suspensa quando 0 nominativo e/ou 0 acusativo contraem uma rela<;ao com 0 neutro; em dinamarques, a comuta<;ao entre p e b (que se aplica, por exempl0, em posi~ao inicial: ptere - btere) e suspensa quando p e/ou b contraem uma rela9ao corn a parte sihibica central que os precede. E necessario entender que a relaC;ao que e pertinente nestes casos e uma rela9ao com variantes. A grandeza cuja presen~a e uma condic;ao necessaria para a superposi~o entre 0 nominativo e 0 acusativo e a variedade de neutro solidario do nominativo-acusativo. Do mesmo modo, a grandeza cuja presen~a e uma condi~ao necessaria para a superposi<;ao entre p e b e a variedade da parte silabica central solidaria de um elemento p/b na posi<;ao seguinte. Chamaremos de dominancia uma solidariedade entre uma variante e uma superposi<;ao, e diremos que a variante domina a superposi<;ao que, portanto, e dominada pela variante 1. A principal vantagem das defini90es formais cS que elas permitem distinguir facilmente a dominancia obrigatoria da opcional sem precisar recorrer aos dados sociol6gicos que as defini90es realistas desses termos necessariamente implicariam. Dados estes que significariam, na melhor das hip6teses, uma complicaC;ao do instrumentaldas premissas na teoria e que corn isso estariam em conflito corn 0 princfpio de simplicidade, e na pior das hipoteses, envolveria talvez ate mesmo premissas metaffsicas, tendo par conseqiiencia, ~um sentido mais amplo, um conflito com 0 princfpio de empirismo e mais especialmente urn confIito corn a exigencia de uma perfeita explicac;ao das defini90es. Conceitos como obrigat6ria e opmonal, conforme sua definic;ao realista atual, quer ela seja explicita ou nao, sup5em necessariamente urn con:' ceito de norma sociologica que se demonstra inteiramente . superfluo na teoTia da linguagem. Portanto, podemos definir simplesmente uma dominancia obrigat6ria como' uma dominancia na qual, em rela~ao ao sincretismo, a dominante e u~a variedade} e uma dominancia opcional com uma dominancia na qual, em relac;ao ao sincretismo, a dominante e uma vari(lfiio; quando a superposic;ao e obrigat6ria em determinadas condi~6es, ha solidariedade entre a dominante e 0 sincretismo, ou seja, a categoria das grandezas quepodem 1. Em vez de domindncta pode-ee. em tela~o 801 exemplOl eltadoe, preferit 0 tenno mais particular Iincreti~60. conservando 0 tenno domincincia para urn uso maie geral onde ele se ap1icata igualmsnte As· de£ectividad8l.
SINCRETISMO
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contrair a superposi~ao; quando a superposic;ao e opcional em determinadas condic;oes, ha combinac;ao entre a dominante e 0 sincretismo. Os sincretismos podem manifestar-se de duas maneiras diferentes: a fusiio e a implicllfiio. Par fusiio entendemos a manifestac;ao de urn. sincretismo que, do ponto de vista da hierarquia da substancia, e identico a manifestac;ao de todos ou de nenhum dos funtivos que entram num sincretismo. Os· sincretismos que dtamos como exemplo manifestam-se como fusoes nas quais a manifestac;ao do sincretismo e identica a manifestac;ao de todos os funtivos (isto e, dois) que entram num sincretismo. Deste modo, 0 sincretismo do nominativo e do acusativo tern a significac;ao "neminativo-acusativo" (em diferentes contextos, esta significac;ao produz as manifestac;oes de variedades que 0 nominativo e 0 acusativo, alias, tern). Igualmente, a sincretismo plb pronuncia-se como p e b e sao alias pronunciados (em diversas combinac;6es corn as mesmas manifestac;6es de variedades). Urn exemplo de urn sincretismo onde a manifestac;ao nao e identica a de nenhum dos funtivos que entram no sincretismo encontra-se na superposic;ao de diferentes vogais em determinadas condic;oes de acentuac;ao em russo e em ingles onde 0 sincretismo se pronuncia [~]. Por implicllfiio, ente,ndemos a manifestac;ao de urn sincretismo que, do panto de vista da hierarquia da substancia, e identico a manifestac;ao de urn ou varios funtivos que entrarn no sincretismo, mas nao de todos. Se, numa lingua, as consoantes surdas e sonoras contraem uma comutac;ao mutua, mas se, diante de uma outra consoante, esta comutac;ao e suspensa de tal modo que uma surda toma-se sonora diante de uma antra sonora, ha implicac;ao. Entre os funtivos que contraem uma implicayao, 0 ou os funtivos cuja manifestaC;80 e identica a do sincretismo dizem-se estarem implicados pelo outro ou autros funtivos que, estes, implicam 0 ou os funtivos cuja manifestac;ao e identica a do sincretismo. No exemplo escolhido, diremos portanto que, em determinadas condic;oes, uma consoante surda impIica uma consoante sonora, e uma consoante sonora e implicada por uma consoante surda. Se 0 sincretismo entre surdas e sonoras (coma castuma acontecer, por exemplo, nas linguas eslavas) produz-se de modo tal que nao apenas a consoante surda se torna sonora diante de uma consoante sonora, mas tambern que a consoante sonora se torna surda diante de uma surda, a implicac;ao nao e mais unilateral mas sim multilateral ou, como neste caso, bilateral: a sonora implica a surda e a surda impIica a sonora em condi~6es mutuamente exclusivas. . a poss(vel destacar que 0 emprego que fazemos do termo implica~lio concorda exatamente corn oemprego feito pela logfstica, nao passando de uma apIica9ao particular da
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
utilizac;ao feita por esfa disciplina. A implica~ao e uma func;ao se-entao que, nos exemplos, aplica-se nao a proposic;6es mas a grandezas de menor extensao: se tivermos a grandeza de expressao glossematica p numa determinada relac;ao corn uma ontra, entiio teremos q. A implica~ao 16gica entre proposiC;oes nao nos parece constituir mais do que urn outro caso particular da implicac;ao lingliistica 2. Urn sincretismo pode ser resoluvel ou irresoluvel. Resolver urn sincretismo e introduzir a variedade de sincretisrno que nao contrai a superposiC;ao que estabelece 0 sincretismo. Se, a despeito do 'sincretismo, e possivel interpretar templum como nma forma de nominativo num certo contexto, e coma uma forma do acusativo em outro, e que 0 sincretismo latino do nominativo e do acusativo e resoluvel nos casos que estaroos considerando. Para resolve-Io, e preciso escolher, na categoria do nominativo e do acusativo, isto e, no interior do sincretismo, uma variedade que nao contrai a superposic;ao (por exemplo, a variedade nominativa de domus e a variedade acusativa de domum) e introduzir artificialmente essa grandeza de canteudo em templum em vez da grandeza casual que dele participa. Isto e possivel em virtude de uma inferencia anal6gica que repousa sobre 0 principio de generalizac;ao. Urn sincretismo so e resoluvel quando tais inferencias sao possiveis na base dos resultados da amllise do esquema lingiHstico. Vma tal analogia generalizante nao e possivel no caso de top, e neste caso devemos declarar irresoluveI 0 sincretisrno p/b. De uma cadeia que comporta sincretismos resoluveis, mas nao resolvidos, pode-se dizer atualizada, enquanto que de uma cadeia que comporta sincretismos resoluveis resolvidos pode-se dizer que ela e ideal. Esta distin<;ao e aplicavel a distin<;ao entre as nota<;6es finas e grosseiras da expressao, nota90es que portanto sao posslveis na base da amilise do esquema IingiHstico. , Quando se resolve urn sincretismo, efetuando-se uma nOta9aO ideal, esta nota<;5.o (escrita ou pronuncia) - representando 0 sincretismo par urn de seus rnembros - sera ela mesma uma implica<;ao onde 0 sincretismo implicani 0 membro em questao. Parece-nos que assim descrita essa situa<;ao sera pertinente para a amllise da conclusao logica que, segundo as logicas modemas, e uma opera9aO puramente lingiHstica e que, portanto, deve ser elucidada a partir de dados lingiHsticos. Dissemos mais acima (cf. Cap. 10) que era possivel defip.ir a conclusao 16gica coma a amuise de uma proposi<;ao' pressuposta. Estamos agora capacitados a j
2. A semelhan!(a e tanto mais notavel quando se consideram as proposiQOes como nomes compostos, cf. J. J~RGENSEN, Reflexions on logic and language, The Journal of Unified Science, 8, Haia, 1939-1940, p. '223 e s. e Empiricism and unity of science, The Journal of Unified Science. 9, Haia, 1941. p. 185 e s.
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SINCRETISMO
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precisar nosso pensamento: deve-se, manifestamente, compreender a proposi9ao pressuposta como 0 sincretismo resoluvel de suas conseqiiencias; a conc1usao 16gica e, portanto, uma articula9ao da proposi9ao pressuposta que consiste em uma resolU9aO, sob a forma de impIica9ao, desse sincretismo. Em suma, parece-nos que 0 conceito de sincretismo oriundo de dados internos da Iingiiistica poderia ser vantajosamente explorado para elucidar, de modo generalizante, fatos que se tern 0 costume de considerar como nao sendo lingiHsticos. Certamente se podeni corn isso trazer urn pouco de luz para 0 problema geraI dos relacionamentos entre classe e componente. Na medida em que urn paradigma nao e considerado como a simples soma de seus membros (class as many, na terminologia de Russell), mas como algo diferente (class as one), ele sera urn sincretismo resoIuvel. Pela resoIU9aO do sincretismo, uma class as one transforma-se numa clos.9 as many. Conseqiientemente, deveria ser evidente que se se tenta emprestar uma significa9ao cientffica ao termo conceito, deve-se entender por isso urn sincretisrno entre objetos (ou seja, entre objetos compreendidos peIo conceito). Num sincretismo, alem das grandezas explicitas, tambem pode entrar a grandeza zero, que e de uma particular importancia para a amlIise lingiHstica. Muitas vezes ja se insistiu sobre a necessidade de reconhecer a existencia de grandezas lingiifsticas latentes e jacultativas, e sobretudo dos "fonemas"3. Deste modo IS possivel, a partir dos dados de uma certa amilise, sustentar a existencia de urn dft latente nas palavras francesas grand e sourd, porque d ou t aparece nessas expressoes quando as condi90es sac diferentes: grande, sourde. Pode-se igualmente conduir pela facultatividade de y em dinamarques depois de i e u (yndig, kugle). Basta uma breve reflexao para mostrar que a latencia e a facultatividade nao podern ser definidas como manifesta90es suspensas; as fun90es consideradas tem sua razao de ser no esquema Iingilistico uma vez que as condi90es nas quais aparecem a latencia e a facultatividade sac fixadas por rela~6es' na cadeia e repousam sobre a dominancia. Portanto, latencia e facultatividade devem ser compreendidas como superposi90es corn zero. A latencia e uma superposi~ao corn zero cuja dominancia e obrigat6ria (porque a dominante em relacionamento corn 0 sincretismo IS uma variedade) e do funtivo que contrai uma latencia se diz que e latente. A facultatividade e uma super. posi9ao corn zero cuja dominancia e opcional (uma vez que a dominante em relacionamento corn 0 sincretismo €1 urna varia~ao ) e do funtivo que contrai uma facultatividade se diz que e facultativo. 3. J. BAUDOUIN DE COUl\TENAY, Fakultative Sprachlaute(Donum natalicium Schriinen, 1929, p. 38 e s.). A. MARTINET operou corn urn laten~e em sua anSlise do fran~s (Bulletin' de la S'OtCiBt~ de linguistique de PaNS, XXXIV, 1933, p. 201 e s.).
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19. Catalise
Como vimos (cf. Caps. 9 a 11), a amili.se consiste num registro de fun~5es. Adotando esse ponto de vista, deve-se prever a possibilidade de que 0 registro de certas fun~es obrigue, em virtude da solidariedade que existe entre fun~ao e funtivo, a interpolar certos funtivos inacessfveis ao conhecimento por outras vias. Diremos que essa interpola~ao e uma catdlise. Na pnitica, a cataIise e uma condi~3.o necessaria a efetua~ao da anaIise. A anaIise do latim deve, por exemplo, levar ao reconhecimento de que a proposi~ao sine seleciona (rege) 0 ablativo (cf. Cap. 9) 0 que significa, conforme nossas defini~es, que a presen9a de urn ablativo no texto e uma COndi9aO necessaria a presen9a de sine (e nao 0 contrario). :£ evidente que nao se pode chegar a tal constata~ao apenas a base de uma observa~ao mecanica das grandezas de fato encontradas nos textos. Pode-se muito bem imaginar que existe um texto onde sine se encontra sem ablativo, especialmente se, por uma razao qualquer, 0 texto encontra-se interrompido ou inacabado (inscri~ao amputada, fragmento, enunciado ox:al ou escrito incompleto). 0 registro de toda coesao pressup5e necessariamente, de infcio, a elimina93.0 dessa especie de acidentes da faIa. Ora, os fatos suscetfveis de constituir urn obstaculo ao registro mecanico das coes5es nos textos nao se limitam a essas perturba95es acidentais. Sabe-se que a aposiopese e a abrevia98.o participam igualmente, corn uma parte consideravel, na economia da pratica de toda lfngua (por exemplo, express6es coma: Que bom! Se voce soubes~e! Porque sim!). Se, na amllise, houvesse a
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obriga9ao de registrar rela90es nessa base, s6 se chegaria, corn toda plausibilidade (e contra 0 objetivo da ciencia, cf. Cap. 16) a registrar puras combina90es. No entanto, a exigencia de exaustividade tern por efeito registrar 0 reconhecimento dessas aposiopeses etc., como tais no momento em que sao registradas; corn efeito, a anaIise deve registrar ao mesmo tempo as rela90es que as grandezas observadas apresentam e as coesoes que superam uma dada grandeza ou se remetem a alga fora dela. Na presen9a de urn texto latino que se interrompe num sine, pode-se ainda registrar urna coesao (sele9aO) corn urn ablativo, 0 que significa que a condi9ao da existencia de sine se deixa inter.polar; 0 mesmo acontece em todos os casos semelhantes. Esta interpoIa9iio de uma causa a partir de sua conseqiiencia e possivel de acordo corn 0 principio de generaliza9aO. Por outro Iado, deve-se cuidar para que, efetuando uma catalise, nao se introduza no texto outra coisa que nao aquilo cuja justifica93.0 possa ser feita em termos estritos. No caso de sine, sabe-se corn certeza que se supoe um ablativo; alem do mais, tambem sac conhecidas as condi95es necessarias para a presen9a de um ablativo latino; ele pressupoe a existencia de certos outros morfemas na cadeia, e sabemos que uma cadeia de morfemas assirn formada pressupoe a coexistencia de um tema. Todavia, como 0 ablativo nao e solidario de urn morfema definido em cada categoria, mas apenas de certas categorias de morfernas (cf. Cap. 17), e como urna cadeia de morfemas que cornpreendem urn caso, um numero, um genero e eventualmente urn rnorfema de cOmpara9aO nao contrai coesoes corn urn tema nominal dado, mas sim com a categoria de todos os temas nominais, a presen9a de sine nao nos autoriza a introduzir por cataIise urn substantivo particular no ablativo. Na maioria dos casos, 0 que e introduzido par cataIise nao e, portanto, uma grandeza particular mas urn sincretismo irresoluvel de todas as grandezas que se poderia conceber para a "posic;ao" considerada .na cadeia. No caso de sine, temos a sorte de saber que a unica coisa que pode estar em quesUio coma condic;ao e um ablativo; mas quanto as grandezas que por sua vez 0 ablativo pressupoe, sabemos apenas que e urn numero qualquer, urn genero qualquer e urn morfema de compara9ao qualquer (naturaImente, conforme as possibilidades do invenblrio Iatino) e urn tema qualquer. De fato, ele pressupoe indiferentemente nao importa qual dessas grandezas, e tampouco a cataIise deve uItrapassar essa constatac;ao. Definiremos a catalise coma 0 registro de coesoes atraves do c{imbio de urna grandeza por outra corn a qual ela contrai uma sUbstituic;ao. Em nosso exemplo, a grandeza sine e a ablativo (+ os sincretismos que grandeza cambiada e sine lhe sao coesivos) e a grandeza cambiante. A grandeza cam-
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CATALISE
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biante, portanto, sempre e igual a grandeza cambiada (catalisada) uma grandeza interpolada (introduzida por catd-Use). Quanto a grandeza introduzida por cataIise, e verdade, como vimos, que na maioria das vezes, mas nao obrigatoriamente, se trata de um sincretismo que freqiientemente, mas nao necessariamente, e latente (as grandezas latentes, de resto, so podem ser registradas por cataIise a base do principio de generalizac;ao) e que, finalmente, sempre e necessariamente, se for uma grandeza de conteudo, ela tern a expressao zero e, se for uma grandeza de expressao, tem conteudo zero. Essa e uma conseqiiencia da exigencia contida na definic;ao de uma substituic;ao entre grandeza cambiada e grandeza cambiante.
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20. Grandezas da Analise
a base
das considera~5es e das defini~oes expostas nos capitulos anteriores, defini<;5es especificadas e completadas a seguir pelo numero necessario de regras de carater mais tecnico, que a teoria da Iinguagem prescreve uma analise do texto; esta analise leva a que se reconhe<;a uma forma lingiilstica por tras da "substancia imediatamente perceptivel e urna lingua (urn sisterna) atras do texto; 0 sistema consiste em categorias cujas defini<;oes permitem deduzir as unidades posslveis da llngua. 0 nucIeo desse procedirnento e uma cataIise atraves da qual a forma e catalisada na substancia, e a lingua no texto. 0 procedimento e puramente formal, no sentido em que considera as unidades da lingua como compostas por urn certo numero de figuras as quais se apIicam certas regras precisas de transfor.mac;ao. Estas regras sao estabelecidas sem considerar a substancia na qual as figuras e as unidades se manifestam. A hierarquia lingiHstica e, por conseguinte, a dedu~o lingWstica tambem, e independente das hierarquias fisica e fisiol6gica e, em geral, das hierarquias e dedu<;oes nao lingiiisticas que poderiam conduzir a uma descri<;ao da "substancia". Portanto, nao se deve esperar desse procedimento dedutivo nem uma semantica, nem uma fonetica, mas, tanto para a expressao da lingua quanto para seu conteudo, uma "algebra Iingiiistica" que constitui a base formal para uma ordena<;ao das dedu<;5es de substancia nao lingiiistica. As grandezas "algebricas" de que se utiliza 0 procedimento nao tern nenhuma denomina<;ao natural, mas, no entanto, devem ser designadas de um modo qualquer. De acordo corn 0 :E; essencialmente
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
canlter do conjunto da teoria da linguagern, esta denomina<;ao sera arbitniria e adequada. Gra<;as a seu carater arbitrario, essas denomina~6es nao comportam nada que implique na manifesta<;ao, e gra<;as a sua adequa<;ao, sao escolhidas de modo tal que se passa, do modo mais simples possivel, ordenar as informa<;6es sobre a manifesta<;ao. Em virtude do reIacionamento arbitnirio entre forma e substancia, uma unica grandeza da forma lingiiistica podeni ser manifestada por formas de substancia inteiramente diferentes de uma lingua para outra. A proje<;ao da hierarquia da forrn~ sobre a da substancia pode ser essencialmente diferente segundo as linguas. o procedimento se rege pelos prindpios fundamentais (cf. Caps. 3, 6 e 14) a partir dos quais e passiveI, aIem do mais, especialmente em rela<;ao a amilise do texto, deduzir o principio de descri9ao exaustiva: Toda analise (ou todo complexo de analise) na qual os funtivos SliD registrados com uma determinada fUn9QO como base da analise deve ser feita de modo a conduzir nao contraditoriamente ao maior numero possfvel de categorias de funtivos reaUzadas, no interior do maior numero possivel de categorias fundonais. Na pnltica, resulta desse principio que, na anaIise do texto, nao se deve omitir nenhuma fase da anaIise eventualmente suscetivel de dar urn resuItado funcional (cf. Cap. 13) e que a an31ise deve proceder das invariantes qne tern a maior extensao possivel as que tern a menor extensao concebivel, de modo que entre esses dais pantos extremos se· atravesse 0 maior numero possivel de graus de derivados. 56 nisso nossa amilise ja difere radicalmente da analise tradicional. Corn efeito, esta ultima nao leva em conta nem as partes do texto de grande extensao, nem as de extensao reduzida. Vma tradi<;ao explicita ou irnplfcita quer que a analise lingiiistica comece pela divisao de uma frase em proposi~6es, enquanto que 0 tratamento das partes do texto mais consideniveis, tais coma os grupos de frases, e deixado para outras ciendas, principalmente para a 16gica e para a psicologia. Confrontado corn urn texto nao anaIisado, composto por exempIo por tudo aquilo que foi escrito e dito em frances, 0 lingiiista ou 0 gramatico estava portanto autorizado a se lan<;ar desde logo numa fase onde esse texto se resolve em proposi~6es. Teoricamente, ele deve entaD provavelmente supor que uma analise 16gico-psicol6gica das partes maiores do texto ja foi efetuada, mas conforme 0 espirito da tradi<;ao, nao e nem mesmo necessario inquietar-se corn saber se uma tal anaIise ja ocorreu ou nao, nem se ela fei feita . de modo satisfat6rio do ponto de vista lingiiistico.
GRANDEZAS DA ANALISE
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A questao que levantamos aqui nao e 0 problema da divisao do trabalho mas sim 0 de posicionar os objetos segundo suas defini~5es. Deste panto de vista, e certo que a anaIise do texto - assim como a amllise das partes do texto de maior extensao - cabe ao lingiiista coma uma obrigac;ao ineludiveI. 0 texto deve ser dividido corn seIec;ao e corn reciprocidade coma bases de amlIise e 0 lingiiista deve, em cada analise distinta, procurar obter partes que tenham a maior extensao possive!. £ facil ver que urn texto de uma extensilo rnuito grande ou mesmo ilimitada apresenta possibilidades de divisao em partes de grande extensao, definidas por selec;ao, soIidariedade ou combina9ao mutuas. Da primeira dessas divis5es resultam a linha da expressao e a do conteudo, que contraem uma solidariedade mutua. Dividindo cada uma destas separadamente, sera possivel e mesmo necessario analisar a linha do conteudo, entre outros, em generos litenlrios, e a seguir analisar as ciencias em pressuponentes (selecionantes) e pressupostas (selecionadas). As sistematicas da crftica literaria e das ciencias em geral tambem encontram seu lugar natural no quadro da teoria da linguagem e, no interior da amllise das ciencias, a teoria da lingiiistica deve chegar a compreender sua propria defini9ao. Numa fase mais avan9ada do procedimento, as partes maiores do texto serao novamente divididas em obras, tomos, capftuIos, paragrafos etc., a base de seus relacionarnentos de pressuposi9ao; a seguir, da mesma maneira, em frases e proposic;oes, divisao que levara, entre outras, a anaJise dos silogismos em premissas e conclusoes, fase da analise lingiiistica em que a logica formal deve manifestarnente situar urna parte essencial de seus problemas. Em tudo isto se percebe uma consideraveI arnplia9ao das perspectivas da teoria da linguagem, de seu quadro e de sua capacidade, e a base de uma colabora9ao motivada e organizada entre a lingiiistica, no sentido estrito, e uma quantidade de outras disciplinas ate aqui consideradas geralmente, mais ou menos ,erroneamente, como situadas fora do dominio da lingiHstica. Nas opera90es finais da anaIise, a teoria da linguagem Ievara a uma divisao que atinge grandezas menores que as ate enHio consideradas como invariantes irredutiveis. Isto se aplica nao apenas ao pIano do conteudo, em rela9ao ao qual vimos que a lingiilstica tradicional esta longe de ter levado a fundo a analise, mas tambem ao pIano da expressao. Nos dois pIanos, a divisao baseada na relac;ao atingira uma fase onde a selec;ao e utilizada pela ultima vez coma base de analise. Nesta fase, a anaIise levara ao registro de urn inventario de taxemas que serao elementos virtuais; no plana da expressao, os taxemas serao, grosso modo, as formas lin-. giilsticas que se manifestam pelos fonemas, ressalvando-se no entanto que uma analise rigorosa efetuada segundo 0 princfpio
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de simplicidade freqiientemente conduz a resultados essencIalmente diferentes dos produzidos pelas anilises fonematicas ate aqui tentadas. Sabe-se, no entanto, que esses taxemas podem ser, por sua vez, divididos por uma anaIise universal que os c1assifica segundo regras especfficas em sistemas corn duas, tres ou varias dimens5es 1. Nao podemos aqui entrar em detalhes quanto a essas regras que repousam sobre 0 fato de que, no interior de uma mesma categoria, os elementos lingiiisticos nao diferem apenas quantitativamente mas tambem qualitativamente 2. Limitar-nos-emos a assinalar em princfpio este fato ate agora negligenciado pelos lingiiistas, fata segundo 0 qual quando urn inventario de taxemas e "organizado em urn sistema", a conseqiiencia 16gica disso e uma divisao ulterior de cada taxema. Suponhamos, par exemplo, que uma categoria tenha urn inventarlo de 9 taxemas e que estes sejam c1assificados, conforme as regras especiais de distribui<;ao qualitativa, num sistema de duas dimens5es que comporta tres membros par dimensao de modo que os 9 taxemas sejam descritos como urn produto de 3 x 3; os membros das dimens5es sedio partes de taxema, uma vez que cada urn dos 9 taxemas aparece agora coma uma unidade que compreende urn membro de uma dimensao e urn membro da outra; os 9 taxemas serao a seguir descritos como produtos 3 =.6 invariantes, ou seja, os membros das dimende 3 soes; obtem-se corn essa opera<;ao uma descri<;ao mais simples que satisfaz de modo mais completo ao principio de redu<;3.o, sob a forma especificada (cl. Cap. 14). As duas dimens5es contraem, enquanto categorias, uma solidariedade mutua e cada membro de uma dimensao contrai uma combina<;ao corn cada membro da outra dimensao. Os membros das dimensoes surgern assirn como partes de taxema e como invariantes irredutiveis. £ da extensao do inventano que depende essencialmente a possibilidade de uma tal "organiza9ao em sistema" de urn inventario de taxernas. Quando a coisa e possivel, sao entaD os membros das dimensoes e nao os taxemas que se .tornarn os pontos tenninais da anaIise; chamaremos de glossemas esses pontos terminais e se admitirnos que urn taxema de expressao se manifesta em geral por urn fonema, urn glossema de expressao se manifestara, ordinariamente, atraves de uma parte de fonema. Quando a dedu<;ao sintagrnaticada amilise do texto esta terminada, come<;a uma dedu93.0 paradigmatica por meio da qual a Hngua se articula em categorias nas quais as categorias
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1. Ver, por exemplo, os sistemas estabelecidos pelo autor: La cati:gorie des cas I-II (Acfla Jutlandica VII, I e IX, 2, 1935-37). Sistemas analogo! podem ser estabelecidos para 0 pIano da expressio. 2. VeI' La Catt~gorie des Cas, I, P. 112. e s. e JENS HOLT, Etudes d"aspect (Acta Jutlandloa XV, 2, 1943), p. 26 e s. Uma apresenta~lio completa deste aspecto da teoria da linguagem ( apresentada ao Circulo Lingiiistico a 27/4/1933) sera. publicada sob 0 titulo de Structure generale des comHations linguistiques em Tmvaux du Cercle lingui8Uque de CopenhagueXIV.
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de'taxemas de grau mais alto na anaIise do texto sao repartidas e de onde, a seguir, por slntese, as unidades possiveis da lingua podem ser deduzidas. Percebe-se assim que as duas faces da lingua (os pIanos) tem uma estrutura categorial e perfeitamente anaIoga, descoberta que nos parece ser de considenlvel alcance para a compreensao do principio estrutural da lingua e mesmo da natureza da semi6tica. 'Ve-se tambem que uma tal descric;ao sistematica da lingua efetuada a base do princfpio de empirismo flaO permite nenhurria sintaxe e nenhuma ciencia das partes do discurso. Como vimos, as grandezas da sintaxe sao, na maioria, variedades, e as "partes do discurso" da gramatica tradicional sao grandezas que se reencontrarao, sob uma forma redefinida, em posic;6es bastante diferentes no interior da hierarquia das unidades. A ciencia das categorias pressup6e, no entanto, urn aparelhamento tan vasto e tao coerente de termos e de definic;6es que seus detalhes nao podem ser expostos corn proveito sem que essa ciencia seja apresentada em toda sua extensao; por outro lado, tal como a ciencia das unidades que a determina, ela nao pede ser tratada nos prolegomenos da teoria.
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21. Linguagem e Nao-Linguagem
Em rela~ao a escolha e delimita~ao de nosso objeto, seguimos ate aqui (cf. Cap. 7) a conCep9ao tradicional da lingiiistica ao considerar a lingua natura/,1 coma 0 unico objeto da teoria da linguagem. Mas, ao mesmo tempo, (cf. Cap. 7), anunciamos uma amplia~ao do campo visual; e chegado 0 momento de proceder a essa amplia~ao, e este sera 0 objeto dos capftulos seguintes (Caps. 21 a 23). Insistimos em ressaltar que estas novas perspectivas esHio longe de constituir apendices arbitrariamente acrescentados, e no fundo superfluos, mas que, pelo contrario, a partir apenas da considera9ao da linguagem «natural", elas aparecem como necessarias e imp6em-se como uma conseqiiencia logica inelutaveI daquilo que foi exposto. Quando quer definir 0 objeto de sua ciencia, 0 lingilista ve-se obrigado a penetrar em dominios que, segundo a concep~ao tradicional, Ihe sac estranhos. Este fato, alias, ja marcou nossa exposic;ao, uma vez que, partindo de premissas tecnicas e colocando os problemas em termos tecnicos, fomos levados a fazer coloca~6es epistemo16gicas de canlter mais geraI. De fato, esta claro que nao apenas as considerac;oes inteiramente gerais que famos levados a apresentar coma tambem os termos aparentemente mais especfficos que introduzimos aplicam-se nao apenas a linguagem "natural" coma tambem a linguagem num sentido muito mais amplo. :E: justamente porque a teoria esta estahelecida de modo tal que a forma lingiiistica e nela estudada sem Ievar em considera~ao a "substancia" (sentido), que 0 instrumental introduzido podera ser aplicado a toda estrutura Guja forma e H
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
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amlloga a da linguagem "natural". Nossos exemplos foram extraidos da linguagem "natural", e este foi nosso pr6prio ponto de partida, mas aquilo que a seguir estabelecemos e ilustramos corn esses exempIos nao e manifestamente especffico da linguagem "natural", tendo, pelo centrmo, urn alcance mais amplo. Assim, 0 estudo das fun~5es e sua anaJise (cf. Caps. 9 a 11 e 17),0 do signo (cf. Cap. 12), da expressao e do conteudo, 0 da forma, da substancia e do sentido (cf. Caps. 13 e 14), 0 da comutacao e da substitui9aO, 0 das variantes, das invariantes e da amilise das variantes (cf. Caps. 14 e 16), 0 da classe e do componente (cf. Caps. 10 e 18) e finalmente 0 da cat{ilise (cf. Cap. 19) tem um carater unilateral e sac vcilidos para 0 sistema de signos em geral (ou para os sistemas de figuras que servem para formar signos). Em outras palavras, a linguagem "natural" pode ser descrita it. base de uma teoria extremamente poueo espedfica que implica necessariamente conseqiiencias ulteriores. J a fomos obrigados a falar disso em certas ocasi6es. Pensamos poder afirmar 0 carater universal dos conceitos de processo, de sistema e da interac;ao entre eles (cf. Cap. 2); DOSSOS pontos de vista sobre a linguagem "natural" levaramno a incluir em sua teoria alguns aspectos essenciais da" ciencia literaria, da filosofia das ciencias e da 16gica formal (cf. Cap. 20), e finalmente nao pudemos evitar fazer observa90es quase inevitaveis sobre a natureza da conclusao 16gica (cf. Caps. 10 e 18). Ao mesmo tempo, fomos levados a considerar como constituindo 0 estudo do sentido do conteudo lingilistico urn grande nurnero de disciplinas cientificas estranhas a lingiiistica, e em relac;ao a esse ponto trac;amos, de algum modo, uma fronteira entre linguagem e nao-Iinguagem (cf. Cap. 15), fronteira cujo carater provisorio, no entanto, ja ressaltamos. A teoria da Iinguagem tal como esta estabelecida se sustenta ou cai corn aquilo que denominamos de principio de empirismo (cf. Cap. 3). Este nos Ieva (corn as reservas necessarias quanto a propria terminologia, cf. Caps. 13 e 15) a aceitar coma uma necessidade 16gica a distin~ao saussuriana entre forma e "substancia" (sentido), da qual resulta que a Usubstcmcia" nao pode em si me$ma definir uma lingua. Deve ser possiveI imaginar substfmcias radicalmente diferentes do ponto de vista da hierarquia da substancia que estejam ligadas a uma e mesma forma lingiiistica; a relaC;ao arbitraria entre a forma Iinglifstica e 0 sentido faz disto uma neeessidade 16gica. o longo imperio da fonetica tradicional, alias, teve par efeito limitar a COnCeP9aO que os Iingilistas tern da n09ao de linguagem "natural" de uma maneira manifestamente nao empirica, isto 6, inadequada porque DaO exaustiva. Acredi-
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UNGUAGEM E NAO-LINGUAGEM
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tau-se que a substtmcia da expressao da linguagcm falada devia consistir exclusivamente de "sons". Tal como os Zwirner ressaltaram recentemente, corn isso se negligenciou o fato de que a fala e acompanhada pelo gesto e pela IDimica, corn algumas de suas partes podendo mesmo ser substitufdas por estes e, como dizem os Zwimer, que na realidade nao apenas os 6rgaos da fala (garganta, boca e nariz) como tambem a musculatura de fibras estriadas contribui para 0 exercicio da linguagem "natural" 1. Pede-se, alias, trocar a substfmcia sonoro-gesticulat6ria e gestual habitual por qualquer outra subsHlncia apropriada, quando as circunstancias modificadas se prestarem a isso. A mesma forma lingilistica pode assim manifestar-se por escrito, coma acontece na nota9ao fonetica ou fonematica e nas ortagrafias ditas "foneticas", como a do finlandes. Trata-se, aqui, de uma "substancia" grMica que se dirige apenas ao olbo e que nao precisa ser transposta em "substancia" sonora a fim de ser percebida ou compreendida. Do ponto de vist~ da substancia, justamente, esta "substancia" grMica pode ser de natureza diversa. Pode haver tambem outras "substancias": basta pensar nos c6digos de bandeirolas das frotas de guerra que podem muito bem ser empregados como manifesta~ao de uma lfngua "natural", como 0 ingles por exemplo, ou no alfabeto dos surdos-mudos. Freqiientemente op5em-se duas objec;6es a este enfoque. Conforme a primeira delas, todas essas substancias sao "derivadas" em rela~ao a substancia sonoro-gesticulat6ria e gestual, e "artificiais" em oposi~ao ao carater "natural" desta ultima. ~ possivel mesmo, neste caso, produzirem-se "derivac;5es" de varios graus; seria 0 caso de um c6digo de bandeiras ou de urn alfabeto de surdos-mudos derivados da escrita que, ela, derivaria da linguagern "natural". A segunda obje~ao ressalta que, num certo nurnero de casos, uma mudan~a de "substancia" e acornpanhada por uma mudan~a de fonna lingUistica; deste modo, nem todas as ortografias sao "foneticas" e levariam a amllise a estabelecer urn inventario de taxemas diferentes, e talvez a reconhecer categorias diferentes das da lingua falada. A prirneira dessas obje~5es nao tern valor, pais 0 fate de que uma manifestac;ao seja "derivada" de uma outra em nada muda 0 fato de que se trata de uma manifesta9ao da forma Iingilistica considerada. Alem do mais, nao e sempre possIvel decidir entre aquilo que e derivado e 0 que DaO e; . nao se deve esquecer que a invenc;ao do alfabeto remonta a pre-hist6ria 2, de modo que sustentar que ele repousa numa 1. ZwmNER, Eberhard &: ZWIRNER. Kurt. Archives nie1'landaisea de phonhique experimentale, XIII, 1937. p. 112. . . 2. :ll: corn justa razlio que B. RusseU insfste sobre a aus&tcia de qualquer criterio para deeidJr qual e 0 mais antign meio de' ~resslo do homem, se a escrita ou a fala (An outline of phflo6Ophy, LoDdres, 1947, p. 47).
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PROLEGOMEl"OS .A
U~IA
TEORIA DA
LINGUAGE~[
amilise fonetica nunca sera mais do que adiantar uma das hip6teses diacronicas possiveis~ pode-se pensar tambem que ele esta baseado numa anaIise formal da estrutura da lingua 3. A lingiiistica modema, alias, sabe muito bem que as considerac;5es diacronicas nao sac pertinentes para a descriC;ao sincronica. A segunda objec;ao nao e mais pertinente que a primeira, pois ela em nada altera a constatac;ao do fato geral segundo ·0 qual uma forma lingiifstica e manifestada na substancia dada. Nao obstante, essa objec;ao tern 0 interesse de mostrar que a urn mesmo sistema de conteudo podem corresponder sistemas de expressao diferentes. A tarefa do lingiiista e, a partir dai, nao apenas descrever 0 sistema de expressao efetivamente constatado, coma tambern calcular quais sac os sistemas de expressao possiveis de urn determinado sistema de conteudo, e vice-versa. :E: fato que se pode corn facilidade demonstrar experimentalrnente que urn sistema qualguer de expressao linglifstica pode manifestar-se atraves de substancias de expressao extremamente diferentes 4. Deste modo, varios usos foneticos e varios usos escritos podem ser relacionados corn· um tinico sistema de expressao de -urn mesmo esquema linglilstico. Vma lingua pode sofrer uma mudanc;a de natureza puramente fonetica st'm que 0 sistema de expressao de seu esquema lingiiistico seja corn isso afetado, assim como ela pode sofrer uma mudan.;a de natureza semantiea sem que 0 sisterna de contetido de seu esquema lingliistico seja de modo algum afetado. E somente assim que e passivel distinguir entre as mudanras joneticas e as mudanrQS semanticas de urn lado, e as mudanras formais do outro. Partindo das considerac;5es fundamentais que expusemos, nao ha nada de surpreendente em tudo isto. As grandezas da forma lingiiistica sac de natureza "a1gebrica" e nao tern denominac;oes naturais, podendo ser designadas arbitrariamente de diferentes maneiras. Essas diferentes denominac;6es da substancia em nada dizem respeito a teoria do esquema lingiiistico, que delas nao depende. A tarefa principal do te6rieo e a de fixar por definic;5es 0 princfpio estrutural da lingua para dai deduzir 3. A respeito, consultar 0 autor em Archiv fUr vf!1'gleichende Phonetik 11, 1938, p. 211 e s. 4. A respeito do relacionarnentQ entre escrita e fala, ver A. PENTTlLA & U. SAARNIO em Erkenntn-is IV, 1934, p. 28 e s. e H. J. ULDALL em CongTes International des Sciences Anthropotogiques et Ethrwwgiques, Compte rendu de la deuxieme .~ession, Copenhague, 1939, p. 374. Entre as considera~oes e as analises mais antigas da escrita feitas de urn ponto de vista estrutural, J. BAUDQUIN DE COURTENAY, Ob otrwsenii russkogo pis'ma k russkomu jazyku, S. Petersburgo, 1912, e Vvedenie v jazykovedenie, 4. ed., 1912, p. 15 e s., e F. de SAUSSURE, Cours, 2. ed., prineipaImente p'. 165. Finalmente, um estudo poueo claro de JOSEF V ACHEK, Zum Problem der geschriebenen Spracbe (Travaux du CercLe Linguistique de Prague VIII, 1939, p. 94 e s.). Ainda nao foi feita uma analise da escrita que faga abstracao dos sons.
.'
LINGUAGEM E NAO-LINGUAGEM
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urn caIculo geral sob a forma de uma tipologia cujas categonas SaD Hnguas, ou antes, tipos de Hnguas. Todas as possibilidades devem ser aqui antecipadamente previstas, mesmo aquelas que, no domfnio da experiencia, sao virtuais ou permanecem sem manifesta~ao "natural" ou "constatada". Nesse caIculo geral, nao se trata de se urn tipo estmturaI particular e manifestado, mas apenas se e manifestaveI e, bem entendido, manifestavel em qualquer substancia. Portanto, a substancia nao condiciona necessariamente a forma Iingiiistica, enquanto que a forma lingiifstica condiciona obrigatoriamente a substfmcia. Em outras palavras, a manifesta9Qo e uma sele~ao na qual a forma lingiifstica e a constante e a substancia, a variavel. Do panto de vista formal, definiroos a manifesta9ao como uma sele9aO entre hierarquias e derivadas de hierarquias diferentes. Concordando corn Saussure, PQde-se chamar de forma a constante (a manifestada) de uma manifesta9aO. Se a forma e uma lingua, nos a chamamos de esquema Unguistico 5. Sempre concordando corn Saussure, pode-se chamar de substancia a variavel (a manijestante) de uma manifesta~ao; chamaremos de usa lingiiistico uma substancia que manifesta urn esquema lingiifstico. A partir dessas premissas, podemos definir formalmente uma semiOtica coma uma hierarquia da qual qualquer um dos componentes admite uma analise ulterior em classes definidas por rela~iio mutua, de tal modo que qualquer dessas classes admite uma anaUse em derivados definidos por muta9iio mutua. Esta defini~ao, simples conseqiiencia de tudo que desenvolvemos ate aqui, obriga 0 lingiiista a considerar como seu objeto nao apenas a lingua "natural" mas tambem toda semi6tica - toda estrutura anaJoga que satisfa~a it condi~ao dada. A lingua (natural) deve ser considerada apenas como urn caso particular desse objeto mais geral; suas propriedades . especfficas que dizem respeito apenas ao uso em nada afetam a defini9ao proposta. Sera born lembrar que nao se trata simplesmente, aqui, de propor uma divisao pratica do trabalho, mas siro da fixa<;ao de nosso objeto por meio de defini90es. 0 lingiiista pode e deve concentrar toda sua atenc;ao sobre as Hnguas "haturais" e deixar para outros especialistas, principalmente para os l6gicos, a tarefa de estudar as outras estruturas semi6ticas; mas 0 lingiiista nao pode se ligar impunemente ao estudo das Hnguas sem levar em conta as perspectivas mais amplas que asseguram sua orienta~ao na direc;ao dessas estruturas analogas; elas the podem ser ate mesmo de interesse imediato, 5. Esquema foi aqui adotado de prefer~ncia a padrlio sugerido em meu artigo "Langue et parole" (CahieTs de FeTdinand Saussure n, 1942, p. 43; E,ssais linguistiques, p. 81).
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
pois freqUentemente sac uma construc;ao mais simples que as Hnguas e melhores rnodelos para urn estudo preparat6rio. Alern do mais, mostrarnos que, partindo de prernissas purarnente linglifsticas, estreita colabora~ao entre a logfstica e a Iingiifstica e necessaria' ao lingliista neste domfnio. A partir de Saussure, a linglifstica admite que a lingua nao poderia ser estudada como urn fenorneno isoladfJ. Saussure exigia que a linglifstica, no sentido restrito do termo, se baseasse numa disciplina que ele batizara de serniologia (de t1T1PELoV, "signo"). Esta e a razao pela qual, nos anos anteriores a Segunda GueITa Mundial, alguns circulos lingiilsticos ou influenciados pela lingiiistica e interessados na pesquisa de fundamentos (especialmente na Tcheco-Eslovaquia) tentaram estudar, a partir de uma base semiol6gica mais geraI, sistemas de signos outros que nao as Hnguas e, em particular, os trajes nacionais, a arte e a literatura 6. ~ verdade que e a partir de uma base essencialmente socio16gica e psicol6gica que e concebida a disciplina geral de que Saussure fala em seu Cours, embora ele esboce ao mesmo tempo algo que so pode ser compreendido coma uma ciencia da forma pura, uma concepc;ao da linguagem coma estrutura abstrata de transformac;6es, que ele explica a partir de estruturas analogas ao reconhecer que certos trac;os essenciais da estrutura semioI6gica, e talvez todos os trac;osessenciais, se encontram nas estruturas que chamamos de jogos, como par exemplo 0 jogo de xadrez, ao qual ele dedica uma atenc;ao toda especial. Sao estas considerac;6es que devemos por em primeiro pIano quando se quer tentar construir a lingUfstica no sentido mais amplo, a "semiologia", a partir de uma base imanente. :E grac;as a essas considera~6es que surgidio, ao mesmo tempo, a possibilidade e a necessidade de uma estrita colabora9ao entre a lingiifstica e a loglstica. Alguns 16gicos modernos escolheram justamente como objeto principal de suas pesquisas os sistemas de signos e ,1S sistemas de jogos considerados coma sistemas de transformac;ao a1;lstratos, e corn isso foram levados a desejar, de seu lado, urn estudo da Hngua partindo do mesmo ponto de vista 7. Portanto, parece frutifero e necessaria estabelecel' num novo espfrito urn ponto de vista comum a urn grande numero de ciencias que vao da hist6ria e da ciencia literaria, artfstica 6. Ver, entre Qutros, P. BOGATYREV, Pfispevek k st'Iukturaln{ etnografii (Slovenskti Miscellanea, Bratislava, 1931); idem. FunkMo-Strokturcllna metoda a ine metody etnografie i folkloristiky (SlQl)e1l$ke pohrad:y LI, 10, 1935); idem, Funkcie kroja na mcravskom Slovensku ( Spisy narodopisneho odboru Matice slovenskej I, MaticaSlovenska, 1937), (resumo em franc& p. 68 e s.); JAN MoxAi'lovsxY, Estetickd funkce, norma a hodnota iako soci6lnf fakty ( Foncticm, norme et valeur estMtiques comme faits sOoWux) , Praga, 1936; idem, L'arl C01'nI7I'l6 fait semiologique (Actes du huitwme Congres- international de philosophie d Prague 2-7 septembre 1934, Praga, 1936 pp. 1065-1072. Uma tentativa de oonjunto de criat' uma semiologia geral £01 feita recentemente par E. BtTYS8ENIl, Le, langages et lea discour8, Call. Lebegue, Bruxelas, 1943. 7. A obra principal e a de Rl1DOLF CABNAP, Logische Syntax tier Sprache, Viena, 1934. ediOAo ampliada, The logical 6fI1ltax of la.nguage, 1937.
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e musical a Iogistica e a matematica, a fim de que a partir desse ponto de vista comum estas se concentrem ao redor de uma problematica definida em termos Iingtiisticos. Cada uma a sua maneira, estas ciencias poderiam contribuir para ~ ciencia geral da semi6tica ao procurar espeeifiear ate que ponto e de que modo seus diferentes objetos sac suseetiveis de serem analisados em conformidade corn as exigeneias da teoria da Iinguagem. Deste modo, provavelmente uma nova luz poderia ser projetada sobre essas discipIinas e provocar urn exame entico de seus principios. A colaborac;ao entre eIas, frutifera sob todos os aspeetos, poderia criar assim uma enciclopedia geral das estruturas de signos. Dentro da esfera extraordinariamente vasta desses problemas, duas quest6es partieulares vao agora reter nossa aten~ao. Primeiramente: na totalidade das estmturas semi6ticas, qual 0 Jugar que se deve atribuir a lingua? E em segundo lugar: onde fica a fronteira entre semi6tiea e naosemiotica? Vma lingua pode ser definida como uma paradigmatica cujos paradigmas se manifestam por todos os sentidos, e um texto pode ser definido, de modo semelhante, como uma sintagmatiea cujas cadeias sac manifestadas par todos os sentidos. Por sentido entenderemos uma classe de variaveis que manifestam mais de uma cadeia em mais de uma sintagmatica, e/ou rnais de urn paradigrna em mais de uma paradigmcitica. Na pnitica, uma lingua e uma semi6tica na qual todas as outras semi6ticas podem ser traduzidas, tanto todas as outras linguas como todas as estmturas semi6ticas concebfveis. Esta tradutibilidade resulta do fato de que as Iinguas, e elas apenas, sao capazes de formar nao importa qual sentido g; e apenas urna lingua que e possiveI "'ocupar-se corn 0 inexprimlvel ate que ele seja exprimido" 9. De resto, e esta propriedade que toma a lingua utiIizavel enquanto tal, e que a toma capaz de satisfazer em qualquer situa~ao. Nao temos de nos perguntar aqui em que reside essa propriedad'e .notavel: eIa sem duvida resuIta de uma particularidade estrutural que compreenderiamos melhor se estivessemos melhor infonnados sobre a estrutura especifica das semi6ticas naolingiilsticas. Estamos inc1inados a supor que a razao disso e a possibilidade ilimitada de forma~ao de signos e as regras bastante !ivres que regem a forma~ao de unidades de grande extensao (como as frases, por exempIo) em todas as Iinguas, o que, par outro lado, tern par efeito 0 fato de permitir formula~6es falsas, i16gieas, irnprecisas, feias e imorais, bem coma formula~6es verdadeiras, 16gicas, precisas, beIas e 8. Fizemos esta observa~iio independentemente do 16gico polon~s ALFRED TARSKI (Studia philQsophica I, LW6w. 1935); ver J. JlllRGENSEN, Tr4ekaf deduktionsteoriens udvikling i den nyere tid (Festskrift udg. at K~benhat:Jns Univer8itet, novo 1937), p. 15.
9.
Kierkegaard.
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LlNGUAGEM
morais. As regras gramaticais de uma lingua sao independentes de toda escala de valores, quer seja 16gica, estetica ou etica e, de modo geraI, a Hngua e desprovida de qualquer finaIidade especi'fica. Quando se pretende trac;ar a fronteira entre semi6tica e nao~semi6tica, e-se de inicio tentado a acreditar que os jogos estao situados bem perto dessa fronteira, ou talvez sobre a pr6pria fronteira. A fim de avaliar a estrutura dos jogos comparada corn a das semi6ticas que nao sao jogos, nao deixa de ter interesse comparar a maneira pela qual essas estruturas foram' consideradas ate aqui independentemente uma da outra pela lingiilstica e pela loglstica. Os 16gicos insistiram no fato de que um jogo, 0 jogo de xadrez por exemplo, IS urn sistema de transformaC;oes que obedece ao mesmo principio estruturaI de uma semi6tica (uma semi6tica maternatica, por exemplo) e estao inclinados a considerar 0 jogo como 0 exemplo-tipo simples, como normativo para a concepC;ao de uma semi6tica. Quanto aDs lingiiistas, estes viram a analogia no fata de que 0 jogo IS urn s!stema de valores amllogos aos valores ecanomicos, e consideraram as linguas e os outros sistemas de valores como nonnativos para a concepc;ao dos jogos. A diferenc;a de pontos de vista ternrazoes hist6ricas. A teoria 16gica dos signos tern seu panto de partida na metamatematica de Hitbert, cuja idlSia consistia em considerar 0 sistema de si'mbolos matematicos coma urn sistema de figuras de expressao independentemente de seu conteudo, e descrever suas regras de transformac;ao tal como se descreveriam as regras de urn jogo, independentemente de suas possiveis interpretac;oes. Esta ideia foi adotada pelos 16gicos poloneses em sua "metaI6gica", e a seguir por Carnap numa teoria dos signos em que, em principio, toda semi6tica e considerada como urn simples sistema de expressao no qual o conteudo nao intervem. Em toda metassemi6tica, isto IS, em toda descric;ao de uma semi6tica, uma inhaltUche Redeweise deveria, segundo este panto de vista, poder .;er substituida por uma formale Redeweise 10. A teoria dos signos em lingilistica tern, pelo contrario, profundas rai'zes na tradic;ao que pretende que urn signa seja definido por sua significa~ao, tradic;ao corn a qual Saussure estava as voltas e que ele especificou e justificou atraves da introdu~ao do conceito de valor que permite 0 reconhecimento da forma do conteudo e da bilateralidade do signo conduzindo a uma teoria dos signos que repousa numa interac;ao da forma daexpressao e da forma do conteudo no principio de comuta~ao. Coma introdur;io ao problema pode~se ler as resenhas introdut6rias cif., de L. BLOOMFIELD, Language or Ideas? (Language XII, 193~> p. 89 e s.) e por OTTo NEURATH e EINO KAn.A na revista Theoria n. 1936, p. 72. e s. e p. 83 a s. Cf. tambem G. H. VON' WRIOHT, Den loguka empiTinn.en, Estoco:hno, 1943.
10.
de
J. JOBGENSXS, op.
I I
LINGUAGEM E NAO-LINGUAGEM
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Na 16gica, onde 0 debate sabre a natureza do signo continua, parece-se considerar esse problerna, no essencial, como uma quesUio de nominalismo ou realismo 11. Para a teoria lingiHstica da linguagem a qual 0 presente estudo serve de introdu~ao, nao se trata disso mas, antes, de decidir se e necessaria ou nao integrar 0 sentido do conteudo na pro.: pria teoria dos signos. Coma 0 sentido do conteudo se revela superfIuo para a defini~io e descri~ao do esquema semi6tico, uma formula~ao formal e uma atitude nominalista sao simultaneamente necessarias e suficientes. Par urn lado, a descri~ao formal e norninalista preconizada pela teoria da Iinguagem nao se limita a forma da expressao; pelo contrario, ela tern seu objeto na intera~ao desta corn uma forma do conteudo. A distin~ao feita por Saussure entre forma e substancia parece ser excepcionalmente pertinente a problematica atuaI da logfstica. Esta base permite ver mais facilmente as diferen<;as e as analogias entre os jogos e as semi6ticas que nao sao jogos. 0 que decide se ha ou nao signa nao e 0 fato de ser ele interpretado, isto e, de que the seja atribuido urn sentido do conteudo. Em virtude da sele~ao que existe entre 0 esquema e 0 usa semi6ticas, nao ha, para a calculo da tearia, nenhum sistema interpretado, rnas apenas sistemas interpretaveis. Portanto, em rela<;ao a esse ponto naa ha nenhuma diferen<;a entre a algebra pura Oll 0 jogo de xadrez de urn Iado e, por exemplo. llma lfngua, do outro. A fim de decidir se os jogos, ou outros sistemas de quase-signos tai3 como a algebra pura, sao ou nao semi6ticas, e necessaria ver se a descri~ao exaustiva deles exige ou nao que se opere corn 0 reconhecimento de dois pIanos, ou se 0 principio de simpIicidade pode ser aplicado de tal modo que urn unico pIano seja suficiente. A condi~ao que exige que se opere reconhecendo dois pIanos deve ser que, quando se tenta Ievantar os 10is pIanos, nao se possa demonstrar que os dois pIanos tern ~ mesma estrutura corn urna rela<;ao unlvoca entre os funtivos de urn pIano e os do outro pIano. Expressaremos isto dizendo que os dois pIanos nao devern ser conformes urn ao outro. Diz-se que dois funtivos sao conformes se DaO importa qual derivado particular de urn dos funtivos contrai exclusivamente as mesmas fun~6es que urn derivado particular do outro funtivo, e vice-versa. A partir disto, podemos enunciar a regra segundo a qual dois componentes de uma mesma classe que se esta tentando estabeIecer devem ser reduzidos a uma 56 se forem conformes e DaO comutaveis. A prova instituida por esta regra, que chamaremos prova do derivado, 6 exigida pela teoria para cada fase da analise do texto, paralelamente H.
Por exemplo. U.
SAARNIO.
no trabaIho citado, p. 66.
118
PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
a prova de
comutac;ao; estas duas provas sao conjuntamente necessarias para decidir se urn dado objeto e ou nao uma semi6tica. Nao entraremos aqui na aplicac;ao desta prova aos derivados de mais alto grau da semi6tica (0 processo) e consideraremos apenas os derivados de primeiro grau da semi6tica: os dois pIanos. Estes nao contraem Comuta9ao mutua e apenas a conformidade ou nao-conformidade entre eles permite decidir se devem ser identificados ou tratados separadamente (observemos, a prop6sito, que no prirneiro caso a teoria da linguagern nao pode ser aplicada ao objeto considerado). A experiencia indutiva mostra que a prova de derivado tern urn resultado negativo para todas as linguas observadas ate aqui, e sem duvida apresentara 0 mesmo resultado para varias outras estruturas ja consideradas coma semi6ticas ou que, por essa razao, devem se-Io a partir de entao. Tambem parece fora de duvida que a prova de derivado tern urn resultado positivo para varias das estruturas que as teorias modemas se comprazem em considerar como semi6ticas. Isto se ve facilmente no que diz respeito aos jogos puros onde a interpretac;ao encontra uma grandeza de conteudo c6rrespondente a cada grandeza de expressao (pec;a do xadrez ou coisa semelhante), de modo que as redes funcionais dos dois pIanos que se tentara estabelecer serao iden.. ticas. Vma tal estrutura, portanto, nao e uma semi6tica no sentido em que se entende a teoria da linguagem. Cabe aos especialistas dos diversos domfnios decidir se os sistemas de sfmbolos matematicos ou 16gicos, ou certas artes coma a musica, podem ou nao ser definidos desse ponto de vista como semi6ticas. .Nao parece impossIveI que a concepC;ao Iogfstica de uma semi6tica como sendo monoplanar seja 0 resultado de se ter partido de estruturas que, segundo nossa definiC;ao, nao sac semi6ticas e que diferem portanto, num ponto fundamental, das verdadeiras estruturas semi6ticas, procurando-se subseqiientemente uma generaliza9ao prematura. Propornos charnar de sistemas de simbolos essas estruturas que sac interpretaveis, uma vez que e possivel atribuir-Ihes urn sentido de conteudo, mas que nao sao biplanares uma vez que, segundo 0 princfpio de simpIicidade, uma forma de conteudo nao pode nelas ser introduzida por cataIise. Em lingiHstica, freqtientemente se hesitou na aplica<;ao do termo simbolo para grandezas que se comportam de modo inteiramente arbitnirio em rela<;ao a suas interpreta90es 12. Desse ponto de vista, a palavra simbolo s6 deveria ser utilizada para grandezas que sao isomorfas corn sua interpreta9ao, tais como representa90es DU embIemas como 0 Cristo de ThorvaIdsen, simbolo da miseric6rdia, a foice e 0 martelo, sfmbolo do 12. SAUSSURE, Cours, 2. ed., p. 101, por exemplo, define nao-arbitrario.
0
simbolo como
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comunisrno, os pratos e a balanc;a, sirnbolo da justic;a, ou as onomatopeias no dornfnio da lingua. Em logfstica, no entanto, existe 0 costume de empregar 0 termo sfmbolo numa acepc;ao rnuito mais ampla e parece que pode ser interessante apIica-Io a grandezas nao-semi6ticas interpretaveis. Parece existir urn parentesco essencial entre as pec;as interpretaveis de urn jogo e os sfmbolos isomorfos, pois nenhum deles admite a anaIise ulterior em figuras, que e caracteristica dos signos. Na dig.. cussao sobre a natureza do signo que envolveu os lingilistas nestes Ultimos anos, a atenc;aa fai atrafda, corn justa razao, para 0 carater agramatical dos sfmbolos isomorfos 13. Trata-se da mesma ideia, porem formulada em termos tradicionais.
13.
BUYSSENS.
E.
Acta linguistica IT. 1940-1941. p. 85.
22. Semi6ticas Conotativas e Metassemi6ticas
Enquanto nos capftulos anteriores, por uma simplifica<;ao voIuntaria, apresentamos a lingua "natural" coma 0 tinico objeto da teoria da linguagem, no capitulo -anterior, apesar de uma considenlvel amplia~ao de nossa perspectiva, ainda procedemos como se 0 unico objeto da teoria fosse as semioticas denotativas. Entendemos, por esse termo, semi6ticas das quais nenhum dos pIanos e uma semiotica. Resta-nos demonstrar, ampliando mais ainda nossa perspectiva, que ha tambem semi6ticas cujo pIano da expressao e uma semi6tica e tambem outras cujo pIano do contetido e uma semi6tica. Chamaremos as primeiras de semi6ticas conotativas e as segundas de metassemioticas. Como 0 plana da expressao e 0 pIano do conteudo so se definem por oposi~ao urn em rela~ao ao outro, segue-se que as defini<;oes aqui propostas de semiotica conotativa e de metassemi6tica SaD apenas defini95es "reaIistas" provisorias, as quais nao se pode nem mesmo atribuir urn valor operacional. Quando, no capitula anterior, definimos a semiotica, esta defini9ao nao dizia respeito a semi6tica individual por oposi9ao a outras semi6ticas, mas sim semi6ticas por opo8i<;ao a nao-semioticas, isto e, a semiotica como urn tipo hierarquico superior, a lingua como conceito enquanto class as one. Quando se trata de opor uma semi6tica individual a uma outra scmi6tica, sabemos que 0 teorico a preve em seu caIculo como urn tipo possivel de estrutura. Por outro lado, ainda nao consideramos a maneira como 0 te6rico deve comportar-se na amllise do texto a fim de reconhecer e
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
identificar coma tal a semi6tica individual. Quando estabelecemos 0 procedimento da anaIise, admitimos tacitamente que 0 objeto proposto era um texto redigido numa dada semiotica e nao numa mistura de duas ou mais semi6ticas. Em outras palavras, a fim de estabelecer uma situ~ao -tipo simples trabalhamos supondo que 0 texto dado apresenta uma homogeneidade estrutural e que, legitimamente, so podemos nele introduzir, por catilise, um unico sistema semiotico. No entanto, esta suposiyao nao resiste a urn exame; pelo contra-rio, todo texto, se nao for reduzido demais para constituir uma base suficiente de deduyao do sistema generalizavel a outros textos, habitualmente eontem derivados que repousam em sistemas diferentes. Diversas partes ou partes de partes de urn texto podem apresentar-se: 1. 2.
3.
4. 5. 6.
sob diversas formas estilisticas (verso e prosa, mistura de ambos); sob diversos estilos (estilo criador e estilo imitativo, dito estilo normal; estilo ao mesmo tempo eriador e imitativo, denominado areaizante); sob diversos estilos de valores (estilo de valor elevado e estilo de valor mais baixo, dito vulgar; e tambem urn estilo de valor neutro que nao pode ser considerado nem como urn, nem como 0 outro desses); sob diversos generos de estilos (fala, escrita, gestos, codigo de bandeiras' etc. ) ; sob diversos movimentos (c61era, alegria etc.); sob diversos idiomas, entre os quais se deve distinguir: a)
b) c) d)
diversos tipos vemaculares (linguagem comum a uma comunidade, linguagens que pertencem a diversos grupos sociais e profissionais); diversas linguas nacionais; diversas linguagens regionais (linguagem corrente, dialeto etc.); diversas fisionomias (no que diz respeito a expressao, diferentes "6rgaos" ou "voz").
Forma estilistica, estilo, estilo de valoT, genero de estilo, movimento, vemaculo, Hngua nacional, linguagem regional e fisionomia, sac categorias mutuamente solidarias, de modo que todo funtivo de semi6tica denotativa deve ser definido simultaneamente em rela9ao a cada uma delas. Combinando urn membro de uma categoria corn urn membro de uma outra. categbria, surgem hibridos que frequentemente ja receberam ou facilmente podem receber designa90es particulares:
1 ~
SEMIOTICAS CONOTATIVAS E METASSEMIOTICAS
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estilo literano para urn estilo eriador que e urn estilo de valor elevado; giria para um estilo eriador que e urn. estilo de valor ao mesmo tempo elevado e vulgar; jargao e c6digo para estilos criadores que nao sao estilos de valores nem elevados nem vulgares 1; linguagem familiar para um estilo normal que nao e urn estilo de valor nem elevado nem vulgar; estilo oratorio para urn estilo de valor elevado que e fala e linguagem eomum; estilo predicatorio para um estilo de valor elevado que e fala e linguagem profissional; estilo administrativo para urn estilo de valor elevado que e estilo arcaizante, escrita e linguagem profissional, e assim por diante. A finalidade desta enumera~ae DaO e esgotar 0 assuDto e menos ainda dar defini~5es forroais, mas apenas mostrar a existencia desses fates e sua multiplicidade. Os membros individuais de cada uma dessas classes e as unidades que resultam de sua eombinac;ao serao chamados de conotadores. Entre esses conotadores, alguns podem ser solidarios de certos sistemas de esquemas semi6ticos; outros, de eertos sistemas de usos semi6ticos, e outros ainda, de ambos ao mesmo tempo. Nilo se pode sabe-Io antecipadamente pois isso depende das situa~es. Citando apenas possibilidades que podem parecer extremas, e impossIvel saber antecipadamente se uma fisionomia (as falas de uma pessoa em oposi~ao a de uma outra) representa apenas urn uso especffico e nao, ao mesmo tempo, urn esquema especifieo (que talvez mal difira do outro, mas que mesmo assim em algo dele difere), ou se uma lingua nacional representa urn esquema lingilistico especffico ou entao, por oposi~ao a uma outra lingua nacional, apenas urn usa espedfieo, enquanto que os esquemas das duas linguas sac identicos. E por isso que, a fim de assegurar uma descri~ao nao-contradit6ria e exaustiva, a teoria deve preserever urn procedimento de anaIise do texto que permita distinguir entre essas situa~6es. :e curioso constatar que ate aqui, a lingilistica atribuiu apenas um interesse menor a esta necessidade. Deve-se procurar as razOes para isso nos pontos de vista transcendentais que foram adotados, como por exemplo 0 ponto de vista sociol6gico a partir do qual se acre~ ditou ser legftimo sustentar 0 postulado (falso segundo toda probabilidade) segundo 0 qual, em virtude da existencia 1. Um ;argllo pode ser definido como urn estilo de valor neutro corn signos especificos ( mais freqiientemente, express6es de signos ) , e um c6digo com.o um estilo de valor neutro com manifesta~s especfficas de expresslio. Aplicando 0 termo utiro de g~ne1'O a urn idioma solidario de determinados generos literanos (certos. dialetos do grego antigo sao um exemplo tipico), podemos definir uma terminologia como sendo, simultanearnente, "urn jargio e urn estilo de genero, e uma semi6tica cient£fica (contanto que nao seja um sistema de simbolo,} como, simultaneamente. urn c6digo e urn estilo de genero.
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PROLEGO:\1ENOS A
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TEORIA DA LII'\(;UAGEM
de uma norma social, a estrutura interna de uma lingua nacionaI seria especffica e homogenea e, inversamente, uma fisianomia lingtiistiea enquanto tal seria uma quantidade negligencitivel que pode ser eonsiderada simplesmente como representante de uma lingua nacional. Apenas a escola de Londres foi conscientemente prudente: a definic;ao do fonema dada por D. Jones apliea-se expressamente apenas a "pronunciation of one individual speaking in a definite style" 2. Dada esta extensibilidade ilimitada do texto (sua produtividade), sempre haveni "traduzibilidade", isto e, substitui9ao da expressao entre dois signos que pertencern cada uma a sua classe de signos, cada uma das quais e solidflria de seu conotador. Este eriterio e partieularmente aplieflvel aos signos de maior extensao que a anaIise do texto encontra em suas operac;oes iniciais: todo derivado de texto (urn capitulo par exempla) pode ser traduzido de uma forma estilistiea, de urn estilo, de urn estiIo de valor, de urn genero de estilo, de urn movimento, de urn vermiculo, de uma lingua nacional, de uma lfngua regional, de uma fisionomia para qualquer autra delas. Vimos que essa traduzibilidade nao e sempre recfproca quando se trata de semi6ticas que naa sao linguas; mas, neste caso, uma traduzibilidade unilateral e sempre possive!. Na ana1ise do texto, os eonotadores aparecerao portanto coma partes que entram em funtivas de tal maneira que estes contraem uma substituic;ao mutua quando essas partes sao deduzidas, e que em determinadas eondi~oes encontram-se em todos os funtivos de urn determinado grau. Todavia, isto nao basta para definir urn conotador. Chamaremos de indicador uma grandeza que possui essas propriedades, e deveremos distinguir entre dais tipos de indicadores: os sinais (cf. Cap. 14) e os conotadores; 0 que os diferencia do panto de vista operacional e que urn sinal se deixa sempre relacionar sem ambigliidade a 'urn tinieo dos pIanos da semi6tica, coisa que nunca e possivel para urn conatadar. Urn conotador, por conseguinte, e urn indicador que, em determinadas condic;oes, encontra-se nos dois pIanos da semi6tica. No decorrer da analise, os conotadores deverao ser isoladas da dedugao. Os signos que diferem apenas porque sao salidarios de seus diferentes !conotadores apareeerao, entao, coma variedades. Contrariamente as variantes ordimirias (cf. Cap. 16), essas variedades sao particulares e devem ser tratadas a parte na amllise ulterior. Procede-se, 2. Ver p. 68. nota 3 e sobretudo D. de Prague IV, 1931, p. 74.
JONES,
Travaux du Cercle Linguistique
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assim a uma prote~ao contra a confusao entre esquemas semi6ticos diferentes (e usos diferentes); se se constatar mais tarde que ha identidade, uma confronta9ao a tomara evidente. Todavia, esta clara agora que os conotadores constituem, eles tambem, um objeto que depende da semi6tica, e nao da disciplina que anaIisa as semioticas denotativas e cuja ilnica tarefa e a de extrair os conotadores e conserva~los em vista de urn tratamento ulterior. Este tratamento pertence a uma disciplina especial que determina 0 estudo das semi6ticas denotativas. Parece evidente, agora, que a solidariedade que existe entre determinadas classes de signos e de determinados conotadores a uma funriio semi6tica, uma vez que as classes de signos sao a expressiio desses conotadores considerados coma conteudo. Deste modo 0 ou os esquemas e usos semi6ticos que chamamos de lingua portuguesa sac a expressiio do conotador "portugues". Do mesmo modo, 0 DU os esquemas e usos semi6ticos que chamamos a fisionomia lingliistica NN sac a expressiio da fisionomia real NN (isto e, de uma tal pessoa). 0 mesmo acontece em todos os outros casos. Nao e sem razao que a lingua nacional e {; "simbolo" da na9ao e que 0 dialeto e 0 "simbolo" de uma regHio. Parece portanto legitimo considerar 0 conjunto dos conotadores como urn conteudo cujas semi6ticas denotativas sac a expressao, e designar 0 todo formado por esse conteudo e essa expressao pelo nome de semi6tica, ou antes, de semiotica conotativa. Em outros termos, apos 0 termino da anaIise da semi6tica denotativa, a semi6tica conotativa deve ser submetida a anaIise segundo 0 mesmo procedimento, exatamente. Novamente, trata-se aqui de distinguir entre um esquema e urn uso semi6ticos. Os conotadores deverao ser analisados a base de suas fuw;oes miltuas e nao a base do sentido do conteudo que lhes e atribufdo ou que 0 pode ser. 0 estudo do esquema de uma semi6tica conotativa nao trata, portanto, das no~5es de carater social ou religioso que normalmente se associam aos conceitos de lingua nacional, dialeto, vermiculo, estilo etc., rnas e necessaria atribuir-Ihe urn estudo de seu usa tal como acontece corn as semi6ticas denotativas. Uma semi6tica conotativa e portanto uina semiotica que nao eo un1a lingua e cujo pIano da expressao e constituido pelos pIanos do conteudo e da expressao de uma semi6tica denotativa. ~ portanto uma semi6tica da qual urn dos pIanos, 0 da expressao, e uma semi6tica.
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PROLEGOMENOS A UMA TEOmA DA LINGUAGEM
o que podera surpreender aqui e que tenhamos eneontrado uma semi6tica eujo plana da expressao e uma semi6tiea. Os reeentes desenvolvimentos da 16giea, tais como os conheeemos atraves dos trabaIhos dos 16gicos poloneses, nos prepararam corn efeito para reconhecer a existencia de semioticas cujo plana do conteudo e, ele proprio, uma semi6tica. Foi a isso que se denominou metalinguagem 3 (diriamos nos, metassemi6tica) , isto e, uma semi6tica que trata de urna semi6tica; em nossa terminologia, isso deve significar uma serni6tica cujo conteudo e uma semi6tica. A propria lingiiistic~ deve seT uma metasse.mi6tica. Como ja ressaltamos, os eonceitos de expressao e de conteudo nao podem dar Iugar a definig6es formais, pois sac designa90es atribuidas arbitrariamente a grandezas que so existem por oposigao uma a outra e que so podem ser definidas negativamente. Deste modo, definiremos sobre uma outra base, articuIando primeiramente a classe de semi6ticas em uma classe de semi6tieas cientfficas, depois em uma classe de semi6ticas nao-cientffieas; isso pressup6e 0 conceito de operarao que definimos acima. _ Chamaremos de semi6tica cientifica 4 uma semi6tica que e uma operagao, e semi6tica nao-cientifica uma semi6tica que nao e. Assim, definiremos uma semi6tica conotativa como sendo uma semi6tica nao-cientffica da qual urn ou varios pIanos e (sao) uma semi6tica(s); e uma metassemi6tica como uma semi6tiea cientffica da qual urn ou varios pIanos e (sao) uma semi6tica(s). De fato, virnos que nos easos mais frequentes urn unico dos dais pIanos e uma se.mi6tiea. Como ja observaram os 16gieos, e possivel alem do rnais imaginar uma semi6tica cientffica que trata de uma metassemi6tica e, na terminologia· deles, podemos definir uma meta-(semi6tica cientifica) coma uma metassemi6tica cuja semi6tica-objeto e uma semi6tica cientffica (uma semi6tica que entra coma urn pIano numa semi6tica denomina-se se'!ll6tica-objeto desta) . De acordo corn a terminologia de Saussure, podemos definir a semiologia como uma metassemi6tica cuja semi6tica-objeto e uma semi6tica nao-eientffica. Chamaremos assim de metassemiologia urna meta-(semi6tica cientijica) cujas semi6ticas-objetos sac semiologias. A fim de explicitar nao apenas os fundamentos da lingiiistica mas tambem snas conseqiiencias ultimas, a teoria da linguagem ye-Se obrigada a aerescentar ao estudo das semi63. A respeito. ver a exposi9ao de J. J~RGENSEN (cf. p. 115, nota), p. 9 e s. 4. Se nao dizemos simplesmente ciencia e porque e preciso encarar a possibilidade de que certas ciencias nao sejam semi6ticas no sentido que atribu.imos a esse tenno, mas sim sistemas de simbolos.
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ticas denotativas urn estudo das senti6ticas conotativas e das metassemiologias. Esta obriga~ao cabe a lingillstica porque eIa so pode ser resolvida de modo satisfat6rio a partir das premissas especlfieas a lingiHstica. Nossa ultima tarefa sera, aqui, considerar a organiza~ao mais apropriada da metassemiologia do ponto de vista Iingiifstico. Normalmente, uma metassemi6tica sera (ou podera ser) inteiramente ou parcialmente identica a sua semi6tica-objeto. A lingiifstica, por exemplo, que descreve uma lingua, reeorre a essa mesma lingua em sua descri~ao. Do mesmo modo, as semiologias que descrevem semi6tieas que nao sac linguas poderao fazer essa descri~ao numa lingua. Se este nao for 0 caso, a semi6tica de que se servirao sempre podeni ser traduzida numa lingua (cf. a defini~ao de lingua). Disto resulta que se a metassemiologia deve fomeeer uma descri~ao eompleta da semi6tica de semiologia, ela vini a repetir uma grande parte dos resultados desta. No entanto, 0 principio de simplicidade convida a que se siga um procedimento que permita evitar isso. Por considera~es de adequa~ao, devemos coneeber a metassemiologia de tal modo que, na pratica, seu objeto seja exclusivo em rela~ao ao objeto da semiologia; alias, devemos comportanno-nos do mesmo modo corn rela~ao a eventuais metassemiologias de uma ordem superior, e evitar criar novas metassemiologias que nao teriam objetos exclusivos em rela~ao aos objetos ja tratados. A metassemiologia deve portanto concentrar seus esfor~os nao sobre a lingua ja deserita pela semiologia, lingua na qual essa semiologia tambem esta elaborada, mas sobre 2.S modifica~oes· eventuais dessa lingua ou sobre as adi~oes que ela The traz a fim de produzir seu jargao especial. Segue-se, de modo claro, que a metassemioIogia nao tern necessidade .de fomeeer a descri!rao das proposi!roes que entram na teoria da semiologia se ela puder provar que essas proposi!roes san unidades possiveis que ja podiam ser previstas pelo sistema da lingua. Seu dominio e, por outro lado, a terminologia espeeffiea da semiologia, e veremos que ela utiliza tres tipos de tennos: 1. Termos que entram como definlveis no sistema de defini~oes da semiologia e cujo conteudo portanto ja esta definido, isto e, analisado (cf. Cap. 14) pela propria semiologia. Estes tennos nao perteneem ao domfnio especffico da metassemiologia. 2. Termos que san emprestados da lingua e que como indefiniveis entram para 0 sistema de defini!roes da semiologia. Contrariamente it situa~ao dos indefiniveis em outras
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PROLEGOMENOS A U.MA TEORIA DA LINGUA GEM
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clencias, estes tern uma condiqao particular na semiologia: forarn extraidos da semi6tica-objeto da semiologia que ja os tera definido em sua anaIise do pIano do conteudo. Esses termos tampouco pertencem ao dominio especifico da metassemiologia. 3. Termos que nao sao tirados da lingua (mas em rela9aO aos quais deve-se supor que tenbam uma estrutura de expressao que concorda corn 0 sistema da lingua) e que cntram como indefiniveis nas proposi~6es da semiologia. E ainda necessario distinguir aqui entre dois tipos de tennos: a) Os tennos que designam varia~oes de ultimo grau de invariante de ultimo grau, isto e, varia90es de glossemas (e varia90es de sinais) de ultimo grau, as varia90es ultimas "minimas" (individuais e/oll varia90es locaIizadas) das quais a semiologia veio a tratar em sua anaIise. Essas variaqoes sac necessariamente conservadas coma indefiniveis pela semiologia, dado que defini~ao para n6s significa analise e que uma amilise no interior da semiologia e aqui, justamente, impossivel. Par outro lado, uma amllise dessas \'aria90es toma-se passIve! no interior da metassemiologia, uma vez que estas devern all ser descritas como signos minimos que entram na semiologia, e serem analisadas entao como 0 foram os signos minimos da lingua na semiologia, isto e, atraves de uma resolu9ao em figuras baseada na prova da comutaqao aplicada a semi6tica de semiologia, e por uma articulaqao em variantes. Veremos efetivamente que as grandezas que entram como variantes nos pIanos do conteudo e da expressao da lingua (ou em qualquer semi6tica-objeto de primeiro grau) serao invariantes do pIano de conteudo da semiologia. b) Os termos que designam categorias de variantes e de invariantes de todos os graus. Considenidos co·mo class as one, seus conteudos serao sincretismos das grandezas anteriormente mencionadas em (a) ou sincretismos dos sincretismos destas. Cabe portanto a metassemiologia submeter os signos minimos da semiologia, cujo conteudo e identico as uItimas variantes do conteudo e da expressao da semi6tica-objeto (a lingua), a uma analise relacional efetuada segundo as mesmas regras prescritas para a amiIise dos textos. Neste caso, como nessa anaIise dos textos, deve-se procurar registrar, tanto quanto possive!, grandezas realizadas, isto e, grandezas suscetfveis de uma amllise particular. A fim de compreender 0 que pode ocorrer aqui, nao Ste deve esquecer que a distin~ao de Saussure entre forma e substAncia nao pode ser mantida sem modificaqao, e que na realidade eIa se revelou como abrangendo uma distin~ao
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entre duas formas~ cada uma no interior de sua hierarquia. Na lingua, par exemplo, urn funtivo pode ser considerado seja coma forma lingtifstica seja como forma de sentido. Estas duas maneiras de -ver fazem parecer diferentes dais objetos que no entanto padern, nurn certo sentido, ser considerados como identicos, uma vez que a unica coisa que ai ha de diferente e 0 ponto de vista adotado. A distin~ao de Saussure e a formulaC;ao par ele dada nao devem, portanto, levar-nos a acreditar que os funtivos descobertos grac;as a amilise de urn esquema lingiiistico nao podem ser considerados, corn alguma razao, coma sendo de natureza fisica. Pode-se muito bem dizer que sac grandezas fisicas (ou seus sincretismos) que sac definidas por funC;ao mutua. Do mesmo modo,' e legitimo dizer que a anaIise que a metassemiologia faz do conteudo dos signos minimos e uma amilise de grandezas fisicas .que se definem par fum;ao mutua. Em que medida e possivel, enfim, considerar todas as grandezas de uma semi6tica qualquer, tanto em seu conteudo como em sua -expressao, coma grandezas fisicas, ou, pelo men OS, como redutiveis a grandezas fisicas? Esta e uma questao puramente epistemol6gica do fisicalismo contra c fenomenalismo. _Esta questao tern sido objeto de urn debate 5 ~ respeito do qual nao varnos aqui tomar posi9ao, e em rela~ao ao qual tampouco -0 esquema Iingiiistico tern de tomar posi~o. Por outro fado, no debate lingiHstico atual pudemos discemir uma certa tendencia~ tanto entre os adeptos como entre os adversarios do ponto de vista glossematico, a incorrerem em erro a respeito da essencia do problema, coma se 0 objeto que 0 lingilista analisa ao introduzir por cataIise uma forma lingiHstica nao pudesse ser de natureza fisica, como 0 objeto que 0 -Hte6rico da substancia" deve analisar ao introduzir por cataIise esta ou aquel~ forma de sentido nao-lingiiistico. :E: necessario dissipar esse mal-entendido a fim de compreender a tarefa da metasserniologia. Gra~as a mudan~a de ponto de vista que implica a passagem -de uma semi6tica-objeto para sua metassemi6tica, a metassemiologia adquire, novamente, meios para retomar e levar mais adiante, atraves da aplica~ao dos pr6prios metodos semiol6gicos,a anaIise que, do ponto de vista semiol6gico, estava esgotada. 0 que significa dizer, simplesmente, que as variantes ultimas da Hngua sao submetidas a uma anaIise particular ulterior numa base inteiramente fisica. Par outras palavras, na pratica a metassemiologia e identica a descrifoo da subsUincia. A tarefa da metassemiologia e efe... tuar uma analise nao contradit6ria, exaustiva e a mais 5. A Tespeito, veT, entre outros, os traba1hos ja citados de BLooME:'mLD e de NEuRATH (p. 116, nota) e de ADOLF Ross, On the Illusion of Consciousness (Theoria VII, 1941, p. 171 e s~).
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LlNGUAGEM
simpIes possiveI dos objetos que, para a semiologia, sao individuais irredutiveis (ou grandezas localizadas) do conteudo, e dos sons (011 dos caracteres da escrita) que igualmente sao, para a semiologia, individuais (Oll grandezas localizadas) irredutfveis da expressao. E na base das fun~6es e segundo o procedimento ja indicado, que a amllise metassemioI6gica deve ser realizada ate que eIa se veja esgotada e que, at tarnbem, sejam atingidas as variantes irredutiveis para as quais 0 criterio das coes5es nada mais oferece, se bem que a explica~ao por urn encadeamento de raz6es e de causas deva ceder diante de uma descri~ao puramente estatistica, que e entaD a unica possivel: a situa~ao final da fisica e da fonetica dedutiva. Toma-se imediatamente evidente que uma metassemi6tica pode e deve ser acrescentada a semi6tica conotativa a fim de at realizar a analise de seus objetos ultimos. Assim como a metassemiologia das semi6ticas denotativas tratara na prMica os objetos da fonetica e da semfmtica sob uma forma reinterpretada, a maior parte da lingiHstica propriamente sociol6gica e a lingiiistica externa de Saussure encontrarao na metassemi6tica das semi6ticas conotativas 0 seu Iugar sob uma forma, eIa tambem, reinterpretada. Cabe a esta metassemi6tica analisar os multiplos sentidos do conteudo - geograficos e hist6ricos, politicos e sociais, religiosos, psico16gicos - que se ligam a na~ao (coma conteudo da lingua nacional), a regHio (como conteudo da lingua regional), as fonnas de aprecia~ao dos estilos, a personalidade (como conteudo da fisionomia, tarefa essencialmente caractero16gica), aos movimentos etc. Pode-se prever que inumeras ciencias especiais e antes de mais nada, sem duvida, a sociologia, a etnologia e a psicologia, deverao trazer aqui sua contribui~ao. Seguindo 0 espfrito do prindpio de simplicidade, metassemiologias de ordens superiores nao devedio ser estabeIecidas pois tal tentativa poderia demonstrar que eIas nao trariam outros resultados alem daqueles obtidos pela metassemiologia de primeiro grau.
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23. Perspectiva Final
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A atitude rigorosamente pnhica e tecnica de que especialista frequentemente oecessita em seu trabalho e que, em lingiiistica, leva a formular a exigencia da teoria da linguagem coma uma simples exigencia de urn metodo seguro para determinado texto limitado redigido numa determinada lingua "natural" definida antecipadarnente, aDs poucos teve de ceder 0 passo, 00 decorrer de nossa exposi9ao, a uma atitude cientifica e humanista cada vez mais arnpla que terminou por se impor e por nos levar a uma concep9ao de conjunto que dificilmente pode ser imaginada mais absoluta. o simples ato de fala obriga 0 pesquisador a introduzir por cataIise urn sistema que seja coesivo corn esse ate; a fisionomia particular e uma totalidade que cabe ao Hngiiista reconhecer atraves da amilise e da sintese; mas nao se trata de uma totalidade fechada; eIa tern coesoes externas que obrigam a introduzir par cataIise outros esquemas e outros usos lingiifsticos que, so estes, podem esclarecer a particularidade individual da fisionomia; eIa tern igualmente coesoes tnternas corn. urn sentido conotativo que explica essa totalidade numa unidade e em sua variedade. Para 0 dialeto e o estilo, a fala e a escrita, a lingua e as outras semi6ticas, este procedimento tra9a drculos cada vez mais amplos. Todo sistema e uma totalidade que se basta a si proprio; no entanto, nenhuma totalidade est8. isolada. CataIise sobre catalise obrigam a ampliar 0 campo visual ate que se chegue a levar em conta todas as coesoes. Nao e apenas a lingua
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PROLEGO~\fEXOS
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TEORIA DA
Ll.XGtJAGE~I
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considerada isoladamente que e 0 objeto do lingiiista, mas sim a classe inteira das lfnguas, cujos membros esHio ligados uns aos outros, explicam-se e se esc1arecem uns aos outros. Nao se pode tra<;ar uma fronteira entre a teoria de urn tipo particular de lingua e a tipologia das Hnguas da qual um tipo tornado separadamente e apenas umcaso. particular que, como todo funtivo, 56 existe ern virtude"' ea fun9aO que 0 liga aos Dutros. Na tipologia caIculat6ria da teoria da linguagem, todos os esquemas lingiiisticos sao previstos; eles constituem urn sis~ema no qual cada urn deles esta ligado aos demais por correla<;oes. Constatarn-se tambem uma rela<;ao; e 0 cantata entre as linguas que se revela em parte coma relacionamentos de emprestimo, e e~ parte coma parentescos lingiiisticos geneticos e que, independentemente dos tipos Iingliisticos, constitui familias' lingliisticas; estas rela~oes, como tadas as outras, repousam~ em relacionamentos de. pura pressuposi<;ao que - tal como a rela~ao que existe entre as partes do processo - manifestam-se no tempo sem serem, . elas, definidas pela sucessao ,temporal:' De cataIise em cataIise, -semi6tica conotativa, metassemi6tica e metassemiologia SaD obrigatoriamente. ~ntegradas na teoria. Assim, todas as grandezas que, em primeira instancia e considerando apenas 0 esquema da semi6tica-objeto, deviam provisoriamente ser deixadas de hido como objetos nao-semi6ticos, sac reintegradas e compreendidas coma componentes necessarios das estruturas semi6tiCas de ordem superior. A seguir, nao existem nao.:.semi6ticas que nao sejam componentes de semi6ticas e,' em Ultima instancia, nao existe cbJeto algum que nao possa se! esclarecido a partir da posi~ao-chave que a teoria da linguagem ocupa. A est~utura serni6tica se revela como urn ponto de" vista a partir do qual todos os objetos cientificos podem ser examinados. Partanto, a teoria da Iinguagell?- desempenha de uma maneira de inicio nao-suspeitada todas as obriga~6es que ela se impusera (cf. Caps. 2 e 7). 'Em sell" panto de partida, ela se baseara na imanencia,' atribuindo-se par unico objetivo a constancia, 0 sistema e a fun~ao interna; aparentemente, isso deveria ser feito as custas das flutuat;oes e" dos matizes, as custas da vida eda realidade concreta, fisica e fenomeno16gica. Vma limita~ao provis6ria de nosso campo visual era 0 pre~o que se devia pagar para arrancar da linguagem seu segredo. Ora, e gra~as a este ponto de vista imanente que a linguagem devolve generosamente aquilo que, de inicio, ela exigira. A linguagem, considerada num sentido mais amplo que aquele que The e atribuido pela lingiiistica contemporanea, retomou sua" posi~ao-chave no domfnio do conhecimento. Em vez de impedir a transcen-
PERSPECTIVA FINAL
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dencia, a imanencia, pelo contnirio, deu-Ihe uma base nova e mais solida. A imanencia e a transcendencia juntam-se numa unidade superior baseada na imanencia. A teoria lingtiistica, por necessidade intema, e levada a reconhecer nao apenas 0 sistema Iingliistico em seu esquema e seu uso, em sua totalidade assim como em seus detalhes, mas tambem o homem e a sociedade humana presentes na linguagem e, atraves dela, a atingir 0 dominio do saber humane em sua totaIidade. Corn isso, a teoria da linguagem atingiu a finalidade que se tinha atribufdo:
humanitas et universitas.
Registro Alfabetico dos Termos Definidos'
(Entre parentese, os termos correspondentes em dinamarques.) anilise (analyse), 1 aplica!(ao (ikraftraeden), 47 articula~ao (leddeling) , 30 autonomia (autonomi), 40 cadeia (kaede) , 55 cataJise (katalyse) , 88 classe (klasse), 2 coesao (kohaesion) , 17 combina~ao (kombination), 41 complementariedade (komplementaritet), 36 complexo de analises (inddelingskomplex). 5 componentes (afsnit) , 3 comuta~ao (kommutation), 59 conceito (begreb) , 86 conetivo (konnektiv) , 95 conformidade (konformitet), 96 conotador (konnotator) , 101 constante (konstant) , 12 constela(Yao (konstellation) , 16 contrair (indgaa) , 10 correla~ao (korrelation) , 26 dedu~ao (deduktion) , 19 defini(Yao (definition), 42 derivado (derivater) , 21 determina~ao (determination), 15 divisao (deling), 31 dominfmcia (dominans), 79 elemento (element), 93 1.
entrar em (indgaa i), 23 especifica(Yao (especifikatfon) , 38 esquema lingiifstico (sprogbygning) , 91 esquema semi6tico (semiotisk sprogbygning), 58 estabelecimento (etablering), 46 facultatividade (fakultativitet) , 82 forma (form), 51 fun~ao (funktion); 8 funtivo (funktiv), 9 fusao (sammenjald), 83 glossemas (glossemer), 65 grandeza (stflrrelse) , 11 grau (grad) , 24 hierarquia (hierarki), 4 implica!yao (implikation) , 84 incluir (indbefatte), 22 indicadores (indikatorer) , 99 indivfduo (individ), 72 indu(Yao (induktion) , 25 interdependencia (interdependens), 14 invariantes (invarianter), 63 latencia (latens), 87 lingua (sprag), 89 . localizada (variedade) (lokaliseret), 73
Os numeros remetem ao nUmero correspondente das
"Defini9Oes".
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PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINCUAGEM
manifesta~ao (manifestation), 50 membra (led), 56 metassemialogia (metasemiologi), 108 metassemi6tica (metasemiotik) , 104 meta-(semi6tica cientlfica) (metavidenskabssemiotik), 106 muta9ao (mutation) , 44 obrigat6ria (dominancia) (obligatorisk) , 80 opcional (dominancia) ( valgfrO, 81 opera9ao (operation), 6 palavra (ord) , 61 paradigma (paradigme), 54 paradigmatica (paradigmatik), 67 parte (del), 57 particularidade (partikularitet), 33 permuta~ao (permutation), 60 procedimento (procedure) , 20 processo (forl(Jb), 29 realiza~ao (realisation), 34 reciprocidade (reciprocitet) , 18 rela~ao (relation), 27 resolu~ao (opl~sning ), 85 sele~ao (selektian), 39 semiologia (semiologi) , 107 semi6tica (semiotik), 53 semi6tica cientifica (videnskabsse.miotik) , 102
semi6tica conotativa (kannatationssemiatik), 103 semi6tica denotativa (denotationssemiotik), 98 semi6tica-objeto (ob jektssemiotik), 105 sentido (mening), 69 sene (raekk), 43 sinal (signal), 100 sincretismo (synkretisme), 78 sintagmatica (syntagmatik) , 68 sintese (syntese ) , 7 sistema (system), 28 sistemas de simbolos (sybolsystemer), 97 solidariedade (solidaritet), 37 soma (sum), 45 substancia (substam) , 52 substitui~ao (substitution), 62 superposi9ao (overlapping), 49 suspensao (suspension), 48 taxema (taxem), 94 texto (text), 90 unidade (enhed), 74 universaIidade (universalitet), 32 usa lingiiistica (sprogbrug) , 92 usa semi6tico (um), 66 varia~Oes (variationer) , 70 variantes (varianter) , 64 variavel (variabel) , 13 variedades ( varieteter), 71 virtualidade (virtualitet) , 35
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Definicoes #
(Os numeros entre parentese remetem a Qutras defini90es explicitamente pressapostas.) 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11 . 12. 13. 14. 15.
16.
17.
An:Hise: de:.;cri~ao de urn objeto atraves das dependencias homogeneas de outros objetos em rela~ao a ele e entre elas reciprocamente. Classe: objeto que e submetido a anaIise (1). Componentes: objetos que sac registrados por uma unica analise coma sendo homogenearnente dependentes da classe e deles mesmos reciprocarnente (1, 2). Hierarquia: classe de classes (2) . Complex 0 de anaIises: classe de analises de uma unica e rnesma classe (1. 2). Opera~ao: descri9ao de acordo corn 0 princi'pio de empirisrno. Sintese: descri9ao de urn objeto coma componente de uma classe (2. 3). Fun<;ao: dependencia que preenche as condi90es de uma analise ( 1) . Funtivo: objeto que tern uma fun9ao em relacionamento a outros objetos (8) . Contrair: diz-se 'de urn funtivo: contrair sua fun<;ao (8, 9). Grandeza: funtivo que nao e uma fun<;ao (8, 9). Constante: fnntivo cuja presen9a e uma condi9ao necessaria para a presen9a do funtivo em relacionamento aD qual tern fun9ao (8, 9). Variavel: funtivo cuja presen<;a nao e uma condi9ao necessaria para a presens:a do funtivo em relacionamento ao qual tern fun9ao (8. 9), Interdepender.-:ia: fun<;ao entre duas constantes (8, 12). Determina9ik\; fun9ao entre uma constante e uma variaveI (8, 12, 13). Constela9ao: fun~ao entre duas variaveis (8, 13). Coesao: fun9ao da qual pelo menos urn dos funtivos e uma constante (8, 9, 12).
138
PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
Reciprocidade: fun~ao que contem apenas constantes OU variaveis (8, 12, 13). 19 . Dedu~ao: anaIise continuada DU complexo de amilise corn determina~ao entre as amlIises que dele participam (1, S, 15). 20. Procedimento: classe de opera~5es corn determina~ao mutua (2, 6, 15). 21 . Derivados: componentes e componentes-de-componentes de uma classe no interior de uma unica e mesma dedu!tao (2, 3, 19). ' 22. Incluir: diz-se de uma classe que ela indui seus derivados (2, 21). 23 . Entrar em: diz-se dos derivados que eles entram em suas classes (2, 21). 24. Grau: referencia ao 'niimero de classes atraves das quais os derivados sao dependentes de sua classe comum mais baixa. (Se este numero e 0, diz-se que os derivados sao de 19 grau; se cS 1, diz-se que os derivados sac de 29 grau; e assim: por diante) (2, 21). 2S. Indu!tao: sintese continuada com determin~ao entre as sfnteses que dela participam (7, 15, 23). 26 . Correla~ao: fun~ao ou ... ou (8) . 27. Rela~ao: fun~ao e ... e (8). 28. Sistema: hierarquia correlacional (4, 26). 29. processo: hierarquia relacional (4, 27). 30. Articula~ao: analise de urn sistema (1, 28). 31 . Divisao: anaIise de um processo (1, 29) . 32. Universalidade: urna opera~ao corn urn determinado resultado e chamada de universal, e suas resultantes universais, se se afirma que a opera~aq pede ser realizada sobre um objeto qualquer (6). 33. ParticuIaridade: uma opera!rao corn um determinado resultado e chamada de particular, e suas resultantes particulares, se se afirma que a opera!rao pode ser realizada sobre um determinado objeto, mas nao sobre um outro objeto qualquer (6). 34. Realiza~ao: diz-se de uma c1asse que eIa esta realizada se puder ser tomada como objeto de uma anaIise particular (1, 2, 33). 35. Virtualidade: diz-se que uma classe e virtual se ela nao pode ser tomada como objeto de uma anaIise particular 0, 2, 33). 36. Complementaridade: interdependencia entre termos num sistema (14, 28). 37. Solidariedade: interdependencia entre termos num processo (14, 29). 38. Especifica!rao: determina~ao entre termos num sistema (15, 28). 39. SeIe~ao: determina~ao entre termos num processo (15, 29). 40. Autonomia: constela~ao no interior de urn sistema (16, 28). 41. Combimi!rao: constela!rao no interior de um processo (16, 29). 42. Defini~ao: divisao do conteudo de urn signo ou da expres.sao de um signa (31). 43. Serie: dos derivados de um mesmo grau pertencentes a urn unico e mesmo processo ou a urn Unico e mesmo sistema diz~se que constituem uma sirie (21, 24, 28, 29). 44. Muta!rao: fUD!rao existente entre derivados de primeiro grau de ulila tiniea e mesma classe; fun~ao que tem uma reIa~ao corn uma fun~ao entre outros derivados de primeiro grau de uma l1nica e mesma cIasse e que pertence a mesma serie (2, 8, 21, 24, 27, 43). 4S. Soma: classe que tern uma fun!tao com uma ou mais outras classes no interior de uma mesma serie (2, 28, 43). 18 .
, f
DEFINICOES
139
EstabeIecimento = reIa~ao que existe entre uma soma e uma fun~io que dela participa. Diz-se da fun~o que eIa estabeIeee a soma, e que a soma e estabelecida pela fun\tao (8, 23, 27~ 45). 47. Ap1ica~ao: dado urn funtivo que esta presente em certas condi~oes e ausente em outras, nas condi~oes em que 0 funtivo esta presente diz-se que ha apliea~ao do funtivo, e nestas condi~Oes diz-se que 0 funtivo' se apliea (9). 48. Suspensao: dado urn funtivo que esta presente em certas condi~Oes e ausente em determinadas outras condi90es, nas condi~Oes em que 0 funtivo est! ausente diz-se que ha suspensiio do funtivo, e nestas condi!yOes diz-se que 0 funtivo esta suspenso (9) . 49. Superposi!yao: muta9ao suspensa entre dois funtivos (9, 44~ 48). 50. Manifesta!yao: seIe\tao entre hierarquias e entre derivados de diferentes hierarquias (4~ 21, 39). 51. Forma: a constincia numa manifesta~ao (12, 50). 52. Substancia: a variaveI nurna manifesta!yao (13, 50). 53 . Semi6tica: hierarquia da qual urn componente qualquer admite urna analise ulterior em classes definidas por rela!yao mutua, de tal modo que nao importa qual dessas classes admite uma anaIise em derivados definidos por muta!yao mutua (l~ 2~ 3, 4, 21, 27~ 44). 54. Paradigma: c1asse no interior de urn sisterna semi6tico (2, 28~ 53). 55. Cadeia: classe no interior de urn processo semi6tico (2, 29, 53). 56. Membro: componente de urn paradigma (3, 54). 51. Parte: componente de urna cadeia (3, 55). 58. Esquema semi6tico: forma que e urna semi6tica (51, 53). 59. Comuta!yao: muta!yao entre os membros de urn paradigma (44, 54, 56). 60. Permuta~o: muta~ao entre as partes de urna cadeia (44, 55, 51). 61. Palavras: signos minimos permutaveis (60). 62. Substitui~ao: ausencia de muta~ao entre os membros de urn paradigma (44, 54, 56). 63. Invariantes: correlatos eom comuta~ao mutua (26, 59). 64. Variantes: correlatos COrn substitui~o mutua (26, 62). 65 ; Glossemas: formas rninimas que a teoria nos leva a estabeIeeer como bases de explica!rao, as invariantes irredutiveis
46.
(63).
Usa semi6tico: substancia que manifesta urn esquema semi6tico (SO, 52, 58). 67. Paradigmatica: sistema semi6tico (28, 53). 68. Sintagmatica: processo seIili6tico (29, 53). 69. Sentido: c1asse de variflveis que manifesta mais de uma cadeia no interior de mais de uma sintagmatica, e/oll mais de urn paradigma no interior de mais de urna paradigmatica (2, 13~ SO, 54, 55, 67~ 68). 70. Varia~5es: variantes eornbinadas (41, 64). 71 . Variedades: variantes solidarias (37, 64). 12. Individuo: varia~ao que nao pode ser ulteriormente articuIada em varia(;Oes (30, 70). 73. Localizada (variedade): variedade que nao pode ser ulteriormente articulada em variedades (30, 71). 74. Unidade: soma sintagmatica (45,. 68). 66.
J
140 75. 76. 77. 78. 79. 80. 81. 82. 83.
84.
85 . 86. 87. 88. 89 . 90. 91.. 92. 93. 94 . 95. 96.
97.
98.
PltOLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEr..,!
Categoria: paradigma que tern uma correla~ao corn urn ou varios outros paradigmas no bterior da mesma seric (26, 43, 54). . Categoria funcional: categoria dos funtivos registrados numa tinica amllise corn uma determinada fun~ao tornada como , base de analise (1, 8, 9, 75). Categoria de funtivos: categoria que e registrada pela articula~ao de uma categoria funcional segundo as possibilidades dos funtivos (9, 30, 75, 76). Sincretismo: categoria estabelecida por uma superposi!;ao (46, 49, 75). Dominancia: solidariedade entre, de' ,urn lado, uma variante e, do outro, uma superposi9aO (37, 49, 64). Obrigat6ria (dominancia): dominancia na qual a dominante corn respeito ao sincretismo e uma variedade (71,,78, 79). Opcional (dominancia): dominancia na qual a dominante corn respeito ao sincretisrno e uma varia~ao (70,' 78, 79). Facultatividade: superposi9ao corn zero na qual a dominancia e opcional (49, 79, 81). Fusao: manifesta~ao de urn sincretismo que, do ponto de vista da hierarquia da substfmcia, e identica a manifesta~ao de todos DU de nenhum dos funtivos que entram no sincretisrno (4, 9, 23, 50, 52, 78). Implica~ao: manifesta~ao de urn sincretismo que, do ponto de vista da hierarquia da subsmncia, e identica a manifesta~ao de urn ou varios funtivos que entrarn no sincr-:;:tismo, rnas nao a todos (4, 9, 23, 50, 52,78). Resolu~ao: resolver urn sincretismo significa introduzir a variedade do sincretisrno que nao contrai a superposi9ao que estabelece 0 sincretisrno (10, 46, 49, 71, 78). Conceito: sincretismo entre objetos (78). Latencia: superposis;ao corn zero na qual a dominancia e obrigat6ria (49, 79, 80). Catalise: registro de cocs6es atraves do carnbio de uma grandeza por ontra corn respeito a qual ha uma substitui9ao (11, 17, 62). Lingua: paradigmatica cujos paradigrnas sao manifestados por todos os sentidos (50, 54, 67, 69). Texto: sintagmMica cujas cadeias, se forem ampliadas indefinidamente, sac manifestadas por todos os sentidos (50, 55, 68, 69). Esquema lingiiistico: forma que e uma lingua (51, 89). Uso lingiiistico: substancia que manifesta urn esquerna lingiHstico (50, 52, 91). Elemento: membro de uma categoria de funtivos (56, 77). Taxema: elemento virtual isolado na fase da analise em que se emprega a sele9aO pela ultima vez como base de analise (1, 35, 39, 93). Conetivo: funtivo que em certas condi90es e solidario de unidades cornplexas de urn determinado grau (9, 24, 37, 74). Conformidade: diz-se que dois funtivos sao conformes se nao importa qual derivado particular de urn dos funtivos contrai sem exces:ao as mesmas fun~6es que um derivado particular do outro funtivo, e vice-versa (8, 9, 10, 21, 33). Sistemas de simbolos: 'estruturas as quais se pode atrbiuir urn sentido de conteudo, mas nas quais 0 principio de simplicidade nao permite introduzir por catalise urna forma de conte-udo (51, 69, 88). S'emi6tica denotativa: semi6tica da qual nenhum dos pIanos e uma semi6tica (53) .
!! I !
DEFINIQOES
99. 100. 101. 102. 103. 104. 105 . 106. 107. 108.
141
Indicadores: partes que entrarn em funtivos de modo que as fun~Oes tenham uma substitui~ao mutua quando essas partes sac deduzidas (9, 23, 57, 62). Sinal: indicador que sempre se pede univocamente colocar num pIano distinto da semi6tica (53, 99). Conotador: indicador que se encontra, sob certas condi90es, nos dois pIanos da semi6tica (53, 99). Semi6tica cientifica: semi6tica que e uma opera9ao (6, 53). Semi6tica cenotativa: semi6tica nao-cientifica da qual urn (Oll varios) pIanos e(sao)uma semi6tica(s) (53, 102). Metassemi6tica: semi6tica cientifica da qual urn (ou varies) dos pIanos e(sao) uma semi6tica(s) (53, 102). Semi6tica-objeto: semi6tica que entra coma pIano numa semi6tica (53) . Meta-Csemi6tica cientifica): metassemi6tica corn uma semi6tiea cientffica coma semi6tica-objeto (l02, 104, 105) . Semiologia: metassemi6tiea com uma semi6tica nlio-cientifica como semi6tica-objeto (l02, 104, 105). Metassemiologia: meta-(semi6tica cientffica) da qual as semi6ticas-objeto sac semiologias (lOS, 106, 107).
indice Geral
abrevi~ao,
99.
ablaut, 43. adequa~ao, 16, 17,21, 27, 104. adjetivo, 29, 30n. alfa"beto, 48, 70, 71, 111. altemancia, 42, 43. amilise (Det. 1), 14, 27-37, 63, 103-107. antropologia, 81. aposiopose, 99, 100. aplicabilidade, 16, 22. aplic~ao (Det. 47), 93. arbitnirio, 16, 17, 21, 104. arte, 8, 114, 118. articula~ao (Def. 30), 34. atualizado, 96. ausencia (Ver suspensao). autonomia (Det. 40), 30, 41, 45. axiomas, 6,. 16, 17, 26. Baudouin de Courtenay, J., 98n., 112n. Bjerrum, A., 82n. Bloomfield, L., 4n., 72n., 82n., 116n., 129n. Bogatyrev, P., 114n. Blihler, K., 4n. Buyssens, E., 114n., 120n. cadeia (Det. 55), 34-36, 39, 42. cilculo, 17, 21, 27, 91, 113, 132. Camap, P., 114n., 116. caso, 30-32. cataJise (Def. 88), 99-101, 129, 131, 132. categoria de funtivos (Def. 77), 90.
categoria funcional (Def. 76), 90. ciencia, 88, 104, 105, 109, 126n., 131. Cfrculo de Praga, 67-69. classe (Def. 2), 34, 35-37, 44. c6digo, 122, 123 e n. coexistencia, 41-45. coesao (Det. 17),41, 45, 60, 87, 131. combina~ao (Def. 41), 30-32, 41, 45. comparacao, 31/32. complementaridade (Def. 36), 30, 41, 45. complexo de analises (Def. 5), 35. componentes (Def. 3), 34-37. comutacao (Def. 59), 75·77, 116. conceito (Def. 86), 80, 97. conc1usao 16gica, 36, 96, 97. condi~ao, 40. conetivo (Def. 95), 74, 75. conexao (Ver rela~ao). conformidade (Def. 96), 117. conjuncao, 41-43, 75. conotador (Def. 101), 123-125. consoante, 29, 30n., 32, 67, 68, 76. constante (Def. 12), 40, 41. constelacao (Def. 16), 29, 41, 45, 87. conteudo, 53-64, 68-71, 76, 77, 86, 112. 126. contrair (Det. 10), 39.
144PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LlNGUAGEM
correla~ao
,.
I
I ~
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j
r
,
(OU equivalcncia) (Dei. 26), 43, 44, 45, 69, 70, 132. dedu~ao (Def. 19), 14, 35, 36, 67. defectividades, 94n. defini90es formais, 25, 26, 40, 94. defini~oes operacionais, 25, 26. defini90es "realistas", 25, 40, 66, 94. dependencia, 27-34, 39. derivados (Def. 21), 36, 37. Descartes, 23. . descri9ao, 34, 35. descri9ao exaustiva, 14, IS-, 21, 24, 32, 34-36, 48, 49, 55, 90, 100, 104, 117. desinencia flexional, 44, 45. disjunyao, 41-43. determina9ao (Dei. 15), 29, 3D, 35, 41, 44, 45. divisao (Def. 31), 34, 35. dominancia (Def. 79), 94, 95. economia, 65. elemento (Def. 93), 66, 90. do (Ver parte). empirismo, 11, 13, 21, 55. entrar em (Dei. 23), 37. epistemologia, 4, 11-16, 36, 82, 109, 129. equivalencia (Ver correla~ao). especifica;ao (Def. 38), 25, 35, 41, 45, 86, 87. esquema, 79-88, 112, 113, 123, 125, 129, 131-133. esquema lingiHstico (Def. 91), 112, 113. esquema semiotico (Def. 58), 113. estilo, 122-124, 130, 131 estilo administrativo, 123 estilo de genera, 123n. estilo litenirio, 123. estilo oratorio, 123. estilo predicatorio, 123. estilo de valor, 122-124. estabelecimento (Def. 46), 89. estrutura, 4, 22, 76, 79. etnologia, 130. expressao, 51, 53-64, 77, 85, 86, 112, 125, 126. expressao de urn signo, 49. face da expressao, 63. face do conteudo, 63. facultatividade (Def. 82), 94-95, 97. fenomenalismo, 129. fenomenologia, 81.
fjgura, 47·52, 59, 63, 69, 70, 73, 74, 103, 119, 128r filologia, 3, 4, 9. filosofia da linguagem, 4, 11. fonema, 13, 48, 51, 59, 66-68, 71, 105. fonetica, 63, 68, 80, 82, 103, 130. fonologia, 67, 69. fonometrica, 87. ffsica, 81, 150. fisicalismo, 129. fisionomia, 122-125, 130, 131. forma (Dei.), 22, 55, 59-61, 76 79-83, 104, 109-111, 113, 114, 128, 129. forma da anaUse, 33-37. forma da expressao, 60, 62, 69, 116. forma do conteudo, 57, 59, 61, 62, 69, 116, 117. forma estilfstica, 122-124. fUD9ao (Dei. 8), 39-45, 83, 8991.
fun9ao, ter uma, 40. fun9ao bilateral, 41, 95. fun9aO distintiva, 67-69, 75. fun~ao e... e, 41-43. fUD9ao multilateral, 41, 95. fUD9ao ou ... ou, 41, 43. funyao semi6tica, 53-55, 57, 59, 61, 62, 69, 125. funtivo (Def. 9), 39, 84, 129. fusao (Dei. 83), 95. genero de estilo, 122-124. genero litenlrio, 105. generaliza!tao, 72, 73, 100. gfria, 123. glossemas (Dei. 65), 82, 106, 128. glossematica, 82, 129. grandeza (Def. 11), 39, 89, 90, 103-107. grau (Dei. 24), 37. hierarquia (Def. 4), 34, 36, 43, 129. Hilbert, D., 116. hip6tese, IS, 16. hist6ria, 8, 114. Halt, J., 106n. homogeneidade, 33, 34. humanismo, 7-9, 131-133. ideal, 96. identidade lingiiistica, 66, 67. idioma, 122. imanencia, 2, 23, 114, 132, 133. implicayao (Def. 84), 95, 96. implica9ao unilateral, 95. inc1uir (Def. 22), 37.
...
IXDICE GERAL
indicadores (Def. 99), 124. individuo (Def. 72), 86, 128. indu93.0 (Def. 25), 13, 14, 35, 36, 67. imerdependencia (Dei. 14), 29, 41, 45. invariantes (Def. 63) , 65-77, 104, 128. Jespersen, 0., 59. jogos, 114, 116, 117, 119. Jones, D., 67, 68. J~rgensen, J., 5, 96n., 115n., 116n., 126n. Kaila, Eino, 116n. Kurylowicz, J _, 82n. latencia (Def. 87), 97, 101. lexicografia, 63. lingua (Def. 89), 23, 24, 34n., 44, 45, 51, 52, 59, 60, 62, 81, 109-119. lingua nacional, 122-124, 130. lingua "natural", 24, 109, 113, 131. lingua regional, 122, 124, 130. linguagem (Def. 89), 19-22, 25, 44, 51, 52, 63, 81, 109119. linguagem familiar, 123. linguagem "natural", 109, 110. linguagem regional, 122. linha do conteudo, 63, 73, 105. linha da expressao 63, 73, 105. literatura, 8, 105, 110, 114. logica, 36, 42, 43, 95, 96, 104, 105, 110, 113-118. logologia, 3l. manifesta~3.o (Def. 50), 83, 113. Martinet, A., 97n. matematica, 115, 116, 118. membra (Def. 56), 34, 36. metalinguagem, 126. meta16gica, 116. metamatematica, 116. metassemiologia (Def. 108), 126130, 132. metassemi6tica (Def. 104), 121130, 132. meta-(semi6tica cientffica) (Def. 106), 126. morfema, 30-32, 58, 59. morfologia, 31, 63, 75. movimento, 122, 124. mudan~a fonetica, 112. mudan~a formal, 112. mudan~a semantica, 112. Mukarovsky, J., 114n. musica, 115, 118. mutac;ao (Def. 44), 76. necessidade, 40, 41. Neurath, 0., 116n., 129n.
145
neutraliza9ao, 93-97. nominalismo, 117. numero, 32, 58. objeto, 34. objetivo da teoria, 19-22, 132, 133. obrigat6ria (dominancia) (Def. 80), 94. ontologia, 80-81. (dominancia) (Def. opcional 81), 94, 95. operac;ao (Def. 6), 35, 44, 126. palavra (Def. 61), 34, 49, 50, 76. paradigma (Def. 54), 34, 36, 42, 57, 59, 67, 89. paradigmatica (Def. 67), 44, 89, 106. parte (Def. 57), 33, 34, 36, 37. parte central da silaba, 32-34, 48. parte marginal das silabas, 32, 34, 48. partes do discurso, 43, 107. particularidade (Def. 33), 44, 85, 128. pensamento, 54-57. PenttiIa, A., 66n., 112n. permuta~ao (Def. 60), 76. perspectivas da teoria, 23, 24, 105, 131-133. pIano do conteudo, 63, 64, 69-71, 73, 81, 105, 107, 128. pIano da expressao, 63, 64, 66, 69-71, 73, 81, 105, 107, 128. presen<;a, 40, 41. principio da analise, 27-32. principio de descri9ao exaustiva, 104. principio de economia, 65. principio de empirismo, 11, 21, 22, 27, 36, 48, 65, 70, 90, 94, 107, 110. prindpio de generaliz~ao, 72, 73, 100, 101. prindpio de redu9ao, 65, 66, 71. principio de simplicidade, 21, 65, 94, 105/106, 117, 127, 130. procedimento (Def. 20), 35. processo (Def. 29), 8, 20, 2931, 34, 41-45, 60, 110. progressao (Cf. processo). proposi!tao, 33, 34. proposi!tao "principal", 32, 33, 75. proposi9ao "subordinada", 31, 33, 75. prova de comuta~ao, 76, 77, ·118, 128. prova de derivado, 117, 118.
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146
PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
prova de troca, 70, 73. psicologia, 104, 130. radical, 31, 49. Rasmussen, E. Tranekjaer, 6. realidade, 7, 15-17, 132. realismo, 15-17, 22, 28, 45, 117. realiza~ao (Def. 34), 44, 45, 85. rec9ao, 31 reciprocidade (Def. 18), 41, 45, 105. redu!rao, 65-67, 70-72. rela!rao (ou conexao) (Dei. 27), 43, 45, 69, 132.. relacionamento (Ver dependencia). resolu!rao (Dei. 85), 96, 97. Ross, A., 129n. Russell, B., 66n., 97, 111n. Saarnio, U., 66n., 112n., 117n. Saussure, F. de,S, 28, 29, 53, 55, 59, 63, 66n., 76, 79-82, 110, ll2n., 113, 114, 116, 118n. 126, ~28-130. Sechehaye, A., 82n. sele!tao (Dei. 39), 30-32, 35, 41, 45, 54, 105. semantica, 63, 82, 103. semiologia (Def. 107), 114, -126130. semi6tica (Dei. 53), 34n., 43, 44, 113, 115-118, 126, 127, 130, 132. semi6tica cientffica (Dei. 102), 123n., 126. semi6tica conotativa (Def. 103), 121-130, 132. semi6tica denotativa (Def. 98), 121, 130. semi6tica nao-cientifica, 126. semi6tica-objeto (Dei. 105), 126, 129. sentido (Dei. 69), 56-62, 76, 79-81, 83, 109, 115, 129. sentido conotativo, 13l. sentido da expressao, 60, 61, 79, 81.
sentido do conteudo, 61, 79, 81, 117, 125, 130. " serie (Dei. 43), 76. signo, 2, 47-52, 54, 61, 62, 6971, 72, 116, 117. signiiic3.!tao, 13, 40, 49-51, 55, 86. sfiaba, 32, 34, 36, 37, 39, 51. simbolo, 118, 119, 123n., 125. simbolos glossematicos, 45n. simplicidade, 48, 65, 70, 86. sinal (Dei. 100), 75, 124, 128. sincretismo (Dei. 78), 93-97, 100, 101, 128, 129.
sincret~ao, 94n. sintagmatica (Dei. 68), 44, 89,
106.
sintaxe, 31, 63, 75, 87, 107. sintese (Dei. 7), 35. sistema (Dei. 28), 7, 8, 20, 2931, 34, 41, 42, 44, 45, 57, 60, 61, 110, 131, 132. sistema de signos, 49-52, 62, 110, 114, 115. sistema de simbolos (Dei. 97), 118, 126n. sociologia, 13O. solidariedade (Dei. 37), 29-31, 41, 45, 54, 106. som, 54, 55, 81, 130. soma (Def. 45), 89, 90. sonora, 32, 95. substancia (Dei. 52), 28, 29, 55, 57, 59, 79-83, 103, 104, 109113, 128-129. substancia da expressao, 55, 6062. substilncia do conteudo, 55, 57, 61, 62~ substantivo, 29, 3On. substitui~ao (Dei. 62), 76, 100, 101. . sufixo de dervia.!tao, 31, 33/34, 49, 50. superposi!rao (Def. 49), 93-95. suspensao (Dei. 48), 93. Tarm, A., "115n. taxema (Dei. 94), 105, 106. tema, 33. tempo, 58, 59. teorema, 16, 26. teoria, 15, 16, 30. termo, 33, 39, 83, 85. terminologia, 123n., 127. texto (Dei. 90), 13, 19-21, 3335, 41, 42, 44, 45, 115. tipologia das llnguas, 132. Togeby, K., 82n. Trager, G. L., 72n., 82n. transcendencia, 2, 23, 123, 132/ 133. transmissao, regra de, 47, SO. Trubetzkoy, N. S., 67 e n. Uldall, H. l., 5, 82n., 112n. Umlaut, 43. unidade (Dei. 74), 89, 103, 106, 107. (Def.. 32), 44, universalidade 85.
use, 79-83, 112, 117, 123, 125. uso lingillstico (Dei. 92), 113. use semi6tico (Dei. 66), 113.
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1NDlCE GERAL
Vachek, J., 112n.. valor, 116. variante (De£. 64), 65-78, 87,. 128-130. variantes "condicionadas", 86. variantes "combinat6rias", variantes ''1igadas'', 85. variantes "livres", 85. vari~ao (Def. 70), 8S-87, vari~o localizada, 128. variavel (Def. 13), 40, 41. variedade (Def. 11), 85-87,
85-
8S, 85.
128. 124.
147
variedade localizada (Def. 73) , 86. varifone, 68. vemaculo, 122, 124. virtualidade (Def. 35), 44, 85. Vogal, 29, 3On., 32, 60, 67, 68, 76. vogal de liga~o, 74, 75. Vogt, H., 82n. Weisgerber, L., 53. Wiwel, H. G., 77n. Wright, G. H., von, 116n. Zwirner, E., 88, 111. Zwirner, K., 111.
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"A tradi~· quer que os fen6menos ·humaDOI, contrari.amente aos fen6menos da nat1lreza, sejam singulares, indi'riduais, Dio podendo portanto DeDI &er mbmetidos a metodos exatos, neDI ser generaJirados." :t contra eata tradi~o que Louis Hjelmslev - JingUista dinamarqub, fundador do Cfrculo Lingiifstico de Cope:ohague -constr6i sua obta. A posi~o de· solit3rio continuador do pensamento de Ferdinand de SaussureJ fundador da ~ e a consci.~ci11 das possibilidades cientffic~ desse8 estud08J capacitaram.-no a explidtar as intui~ BaU5SUl'ianaa e lhes dar uma formula acabada. Em. Os Pt-oleg~s G tmIG TeOritJ dtJ LingtM:lgem - escrito durante a ocup~ alemi da Dinamarca - trabalhando COlD um siltema de defini~ basicas .como fun~ signos e· figuraB, expressio e conte1idoJ sincretismo e cat;UiU; Hje1:msJev atinge um.a teoria da linguagem organiJadade tal forma que e levado a reconhecer Dio apenai 0 seu !liarema lingiifstico em sua totaUdade e detalh~ mas tambe:m 0 dominio do moo humano em seu conjunto. Lino fundamental da LingUistica ModernBt qual apontou caminb08J e ta:mbem basico aos que tentam abordar as ci&1cias hum.an~ de forma a estabelecer·
a
uma
~i$tema,tiza~o
cientifica.
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