Parecer Jurídico DO DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS E SUAS REPERCUSSÕES “a greve (...) é antes de tudo um fato, que historicamente não esperou pela lei para tornar-se uma realidade inextirpável da sociedade moderna. O que às vezes pretendeu o Direito positivo, e quase sempre condenado a inocuidade, foi proibi-la, foi vedá-la. Quando, ao contrário, a própria Constituição a declara um direito, isso basta para impedir que, à falta de lei, o fato se considere ilícito” (Trecho do voto do Ministro Sepúlveda Pertence proferido no MI 20-DF) INTRODUÇÃO Tendo em vista os inúmeros questionamentos suscitados pelos filiados do SINDIRECEITA a respeito da greve e de suas possíveis conseqüências, desenvolvemos o presente estudo com a finalidade primordial de elucidar as dúvidas de nossos filiados, bem como, discorrer sobre esse tema extremamente relevante na ordem jurídica brasileira diante da repercussão social da greve no serviço público. CONCEITO Greve, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira in Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 2ª edição, ED. Nova Fronteira, 1986, Pág. 868, significa “recusa, resultante de acordo de operários, estudantes, funcionários, etc., a trabalhar ou comparecer onde o dever os chama, enquanto não sejam atendidos em certas reinvidicações parede”. A Lei nº 7.783/89, que regulamenta o direito de greve para os trabalhadores celetistas, traz a definição de greve em seu artigo 2º, nos seguintes termos: “Art. 2º - Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador.” Assim, pode-se definir greve, no serviço público, como uma manifestação dos servidores que caracteriza-se pela paralisação coletiva, parcial ou total, das atividades funcionais, como forma de pressionar a Administração, no intuito de defender seus interesses, buscando melhorias nas condições de trabalho, bem como, uma remuneração justa. I - DA PREVISÃO CONSTITUCIONAL 1.1 De início convém destacar que a greve do servidor público está prevista na Constituição Federal em seu art. 37, inciso VII, senão vejamos: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...) VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)” 1.2 Apesar da Constituição determinar que a greve no serviço público deva ser regulamentada, essa regulamentação é de competência tão somente do Poder Legislativo, não podendo qualquer outro ato normativo do Poder Executivo regular ou limitar o exercício de tal direito. 1.3 O dispositivo constitucional supracitado deve ser interpretado, dentro do estrito domínio da razoabilidade, ou seja, o direito de greve dos servidores públicos será exercido nos termos e limites definidos em lei, e que, portanto, enquanto a lei não define esses termos nem fixa esses limites, a greve no serviço público é praticável tal como ela o é pelos trabalhadores em geral. 1.4 Tendo em vista essa verdadeira mora legislativa, em 19/05/1994, o Supremo Tribunal Federal ao julgar o Mandado de Injunção nº 20-4/DF, declarou a inertia deliberandi do Congresso Nacional, configurada objetivamente pela omissão legislativa no desempenho do seu poder-dever de editar a lei requerida. 1.5 No entanto já se passaram quase 17 anos, desde a promulgação da Carta Magna e quase 11 anos da decisão do Mandado de Injunção nº 20-4, e até a presente data não existe qualquer regulamentação, por parte do Legislativo, nesse sentido. 1.6 Ora, não é razoável que um direito garantido há 17 anos não possa ser exercido por inércia do Poder Legislativo, tampouco pela “regulamentação” do Poder Executivo, que não é competente para restringir o exercício de tal direito. 1.7 Dessa forma, tal inércia não resulta na impossibilidade do exercício do direito de greve pelo servidor público, porque este existe e foi reconhecido pela Constituição Federal. Este é o entendimento dos Tribunais numa demonstração clara de que a arbitrariedade da Administração Pública, aliada à inércia do Poder Legislativo, devese recorrer ao Poder Judiciário para resguardar a segurança do ordenamento jurídico e os direitos inerentes à coletividade, principalmente quando se trata de direito expressamente garantido pela nossa Constituição. 1.8 Assim, em que pese a inércia do Poder competente para regulamentar esse direito garantido aos servidores públicos, não pode o Poder Judiciário esquivar-se de reconhecer o direito de greve dos servidores públicos, sob pena de violar o art. 4ª, da Lei de Introdução ao Código Civil, que não admite lacunas, em função do princípio da auto-integração do ordenamento jurídico. 1.9 Importante ressaltar que a verdadeira evolução trazida pela Constituição de 1988 ao admitir aos servidores públicos o direito de greve, pois no ordenamento anterior mencionado direito era a eles vedado. O processo histórico assume particular importância na interpretação do preceito constitucional vigente, pois, não obstante a proibição, muitas eram as greves no serviço público, especialmente no período imediatamente anterior à promulgação da Lei Maior, e o texto constitucional
nada mais fez do que abolir a proibição anterior, reconhecendo tal direito social e garantindo-o aos servidores públicos. Se a greve deixou de ser proibida, passou a ser permitida a partir de 05 de outubro de 1988. II - DAS DECISÕES DE NOSSOS TRIBUNAIS 2.1. Corroborando o entendimento acima exposto, cabe destacar o voto do Exmo. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, Relator do ROMS nº 4.531-5/SC, que, em parte, assim se manifestou: “A Lei Complementar, evidente, é obrigação do legislador. Não há prazo fixado para a elaboração. Impõe-se, por isso, o princípio da razoabilidade. Se assim não for, a Constituição, contraditoriamente, só ganharia eficácia com legislação hierarquicamente inferior. Inverter-se-á, então, o significado das normas jurídicas. A Constituição foi promulgada há sete anos. Tempo suficiente, razoável para a elaboração da lei complementar. Não o fazendo, o Congresso está em mora. Inadmissível o titular da expectativa de direito aguardar que se torne titular do direito quando o legislador assim o entender.” (grifamos) 2.2 Ademais, o eminente Ministro do Superior Tribunal de Justiça, acrescenta: “A greve tem um sentido universal. É a paralisação da atividade profissional para reivindicar melhores condições de trabalho. Em sendo assim, a lei complementar não poderá deixar de reconhecer tal paralisação. Se não o fizesse, afastar-se-ia da essência do instituto. Dessa forma, sem dúvida, o servidor público (passados sete anos), diante da omissão do legislador, pode reivindicar condições para o exercício de sua atividade. Inconcebível, porque não definidos os termos e os limites, em lei complementar, desconhecer o direito de greve do servidor público. Cumpre distinguir o princípio da lei. Esta acomoda-se àquele. O princípio, porém, tem eficácia por si mesmo. Mais do que problema legal, o direito de greve decorre de princípio da Constituição. Vale dizer, o reconhecimento de qualquer categoria profissional de postular vantagens para o respectivo exercício. Assim, data venia, o servidor público, independente de lei complementar, tem o direito público, subjetivo, constitucionalizado para declarar a greve.” (grifamos) 2.3 Em decisão proferida pelo Ilustre Juiz Federal Dr. Ronivon de Aragão, em 15 de julho de 2003, no Processo n° 2003.85.00.004294-2 – 2ª Vara Federal de Sergipe, Mandado de Segurança, foi decidido de forma a não permitir descontos em razão de paralisação, senão vejamos: “O Sindicato Nacional dos Técnicos da Receita Federal – SINDTTEN impetra mandado de segurança contra ato da Delegada da Receita Federal em Sergipe, Srª Lúcia Rosa Silva Santos, para o fim de impedir sejam descontados dos salários dos substituídos os dias parados, em decorrência de greve da categoria realizada nos dias 11 e 12 de junho de 2003. Alega, inicialmente, encontrar-se na condição de substituto processual, invocando em seu favor o disposto no art. 8°, inciso III e art. 5°, incisos LXIX e LXX, alínea “b”, ambos da Constituição Federal, bem como julgados oriundos do Supremo Tribunal Federal e dos demais tribunais pátrios. No mérito, afirma que o direito de greve é garantido constitucionalmente, embora pendente de regulamentação, havendo já sido declarada a mora do Congresso
Nacional, em decisão do STF lavrada no Mandado de Injunção de n° 20-4/DF. Afirma, contudo, que essa inércia legislativa não é óbice suficiente a afastar o exercício pelos servidores públicos de um direito que se encontra previsto no próprio texto magno. Tece considerações doutrinárias acerca do mencionado direito, citando julgados da lavra do Superior Tribunal de Justiça em defesa de sua tese. Ouvida a representação judicial da pessoa jurídica de direito público – União, a mesma se manifestou (fls.91/99), alegando que o direito de greve dos servidores públicos não pode ser exercitado, uma vez que ainda depende de regulamentação, citando julgados do Supremo Tribunal Federal em apoio à sua argumentação. Analiso, pois, neste passo, a medida requerida. 1.Da liminar requerida: 1.1- Legitimidade: Inicialmente, reconheço legitimidade ao impetrante na defesa dos direitos dos seus associados, na forma como se deduz do disposto no art. 3°, inciso III da Constituição Federal, nos seguintes termos: “Art. 8” É livre a associação profissional ou sindical, observando o seguinte: (...) III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”. Ademais, a norma contida no art. 5º, inciso LXX, alínea ‘b’ da Constituição Federal confere legitimidade ao impetrante. 1.2 – Do direito de greve: O caso em exame diz respeito ao exercício do direito de greve por parte do servidor público. Trata-se de questão tormentosa, é bem verdade. A Constituição Federal, desde a sua redação originária, assegurava o direito de greve aos servidores públicos civis, ressaltando a regulamentação através de lei complementar, exigência esta que restou alterada pela EC n.19/98, nos seguintes termos: “Art. 37. (...): (...) VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica.” Assim, a alteração pautou-se, apenas, no que se refere à exigência de lei específica, isto é, monotemática, acerca da regulamentação do direito. É que cada ente federativo – União, Estados-membros e Municípios -, pode exercer a sua plena capacidade legislativa em relação aos seus respectivos quadros funcionais. A questão central é, pois, há um direito de greve dos servidores públicos civis. A resposta mais plausível, ao menos no que toca à fumaça do bom direito, é afirmativa. O direito fundamental e, sendo assim, não pode ser coarctado pela inércia legislativa quanto à mera regulamentação de seu exercício. A Constituição existe para valer. E tal assertiva é básica, eis que se se admite haver uma norma em cujo âmbito as demais devem apoiar-se, o seu descumprimento, por qualquer motivo, gera uma quebra no sistema. Se a norma constitucional existe, é porque deve ter força que lhe permita gerir os atos a que se destina, não apenas ser um objeto condicionado pelas circunstâncias. Nisso reside sua força normativa, de
que falou com propriedade Konrad Hesse em texto já tornado clássico, oriundo de uma aula inaugural proferida pelo eminente professor e juiz da Corte Constitucional Alemã, nestes termos: (...) a força normativa da Constituição não reside, tão-somente, na adaptação inteligente a uma dada realidade. A Constituição jurídica logra converter-se ela mesma, em força ativa, que se assenta na natureza singular do presente (individuelle Beschaffenheit der Gegenwart). Embora a Constituição não possa por si só realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniências, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que a Constituição converte-se-à em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral – particularmente na consciência dos Principais responsáveis pela ordem constitucional -, não só a vontade de poder (wille zur Machi), mas também a vontade de Constituição (wille zur Verfassung)” (A força normativa da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 19). No caso dos autos , há prova da existência da paralisação efetivada, como se deduz da documento de fl. 66. Ademais, os documentos de fls. 67/87 dão conta da anotação das faltas constatadas, especificamente, nos dias 11 e 12 de junho de 2003. O periculum in mora, de sua parte, encontra-se deveras consubstanciado. É que os vencimentos dos substituídos se constituem em verba de natureza alimentar e, incidindo sobre os mesmos os descontos dos dias parados, e acaso sejam vencedores no mérito desta demanda, teriam de trilhar a via (poder-se-ia dizer, crucis) da repetição de indébito, cujo status quo anteS somente estaria restabelecido, após o pagamento de precatório. De outra parte, nem se há de falar em periculum in mora inverso. É que nenhum dano se avizinha do Poder Público, desde quando, e na hipótese de restar vencedor, poderá efetivar os mencionados descontos, sem quaisquer entraves. Alias, a alegação da União de que tais reposições, à base de no Máximo 10% (dez por cento) da remuneração do servidor, trariam prejuízo aos cofres públicos, sequer caracteriza o risco afirmado. Com efeito, e invocando o princípio da proporcionalidade, é de se dizer: há norma que assegura o ressarcimento pleno da União, caso haja improcedência do pedido, ao final quanto aos impetrantes, como já afirmado acima, teriam que se utilizar do precatório para obterem de volta o que lhes foi descontado, caso sejam vencedores. Neste ponto, o julgador deve aquilatar qual o maior risco. Seguramente, este se demonstra existente em relação aos servidores. 2. Conclusão : Antes o exposto, defiro a liminar requerida, para determinar à autoridade impetrante que se abstenha de descontar dos vencimentos dos substituídos, no âmbito da Delegacia da Receita Federal em Sergipe, e exclusivamente, as faltas decorrentes da paralisação efetuada nos dias 11 e 12 de junho de 2003. Notifique-se a autoridade apontada como coatora para que preste, querendo, as informações pertinentes.
Com ou sem estas, vista ao Ministério Público Federal. Após, conclusos para sentença. Intimar. Aracaju, 15 de julho de 2003. Ronivon de Aragão Juiz Federal Substituto” III – DA EFICÁCIA E APLICABILIDADE DA NORMA CONSTITUCIONAL 3.1 Convém destacar que a melhor doutrina adota a tripartição normativa na classificação das normas constitucionais e sua aplicabilidade. 3.2 Um dos primeiros juristas brasileiros a formular uma classificação própria e autônoma das normas constitucionais foi o Professor José Afonso da Silva em sua obra Aplicabilidade das Normas Constitucionais, Malheiros, 7º Edição, 2003, classificando as normas quanto à sua aplicabilidade e eficácia da seguinte forma: normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade imediata normas constitucionais de eficácia contida e aplicabilidade imediata, sujeitas porém a restrição e, normas constitucionais de eficácia ilimitada ou reduzida, estas últimas separadas em duas categorias, as definidoras de princípio institutivo e as definidoras de princípio programático. 3.3 As normas de eficácia plena são aquelas normas constitucionais que, desde o início da vigência da Constituição, produz, ou tem a possibilidade de produzir todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses e comportamentos que o legislador constituinte quis regular direta e normativamente, são de aplicabilidade imediata. 3.4 As normas de eficácia contida são aquelas em que o legislador constituinte regulou de forma suficiente ao exercício, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do poder público, nos termos que a lei estabelecer nos termos de conceitos gerais nelas enunciados, são de aplicabilidade imediata. 3.5 As normas programáticas, que não têm aplicabilidade imediata , pois dependem de intermediação legislativa para dar efetividade aos programas alvitrados, são normalmente enunciações diretivas formuladas em termos genéricos e abstratos, às quais quase sempre se atribui a escusa evasiva da programaticidade para justificar o seu descumprimento, servindo de pretexto para a inobservância da Constituição. 3.6 Ora, a norma constitucional em debate não apresenta conteúdo meramente programático: ela contém o reconhecimento pleno de um direito, embora submetido à regulamentação que só pode ser imposta por lei, que pode vir a restringir ou limitar seu exercício. 3.7 Embora o legislador tenha sido sucinto em sua disposição sobre o direito de greve, o bom sendo indica necessariamente que se trata de norma de eficácia contida, de aplicação direta e imediata, podendo ser limitada somente pelo legislador infraconstitucional, em decorrência do interesse público. 3.8 O intuito do constituinte foi o de afastar o óbice representado pela vedação da greve aos servidores públicos consagrada no ordenamento constitucional anterior
portanto, a norma produz imediatamente o efeito desejado, ou seja, que os servidores públicos façam greve desde logo, sem aguardar a promulgação da lei prevista pela Constituição. 3.9 Restringir ou condicionar o exercício do direito de greve à promulgação de lei significaria privar o servidor público do exercício de um direito que a Constituição já lhe assegura, por ter revogado a proibição do ordenamento anterior. 3.10 Tal assertiva é respaldada pelo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Mandado de Segurança 2834-3/SC, sob a relatoria do Exmo. Sr. Ministro Adhemar Maciel, da 6º Turma, em novembro de 1993: “CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. FUNCIONÁRIO. DIREITO DE GREVE . DESNECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO PARA O SEU EXERCÍCIO IMEDIATO (CONSTITUIÇÃO, ART.37, VII). INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO ( EXIGÊNCIA DE DILAÇÃO PROBATÓRIA). RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO. 1. A Constituição Federal, rompendo com a sistemática anterior, dá ao servidor público o direito de greve (CF Art. 37, inciso VII). Trata-se de “norma de eficácia contida”. Isto quer dizer que lei complementar estabelecerá limites para o exercício do direito de greve, embora não possa dificultá-lo excessivamente. Mas, enquanto não vierem tais limitações, o servidor público poderá exercer seu direito. Não fica jungido ao advento da lei complementar regulamentadora.” 3.11 Destaca-se ainda o posicionamento do Exmo. Sr. Ministro Marco Aurélio, por ocasião da greve dos trabalhadores federais da Educação e da Saúde do ano de 2001, quando o Egrégio Supremo Tribunal Federal pronunciou-se contrariamente ao corte de vencimentos dos professores universitários em greve: “Assentado o caráter de direito natural da greve, há de se impedir práticas que acabem por negá-lo. (...) Põe-se por terra todo o esforço empreendido em prol da melhor solução para o impasse, quando o certo seria compreender o movimento em suas causas e, na mesa de negociações, suplantar a contenda, cumprindo às partes rever posições extremas assumidas unilateralmente. (...) O exercício de um direito constitucional não pode resultar em prejuízo, justamente, do beneficiário, daquele a quem visa a socorrer em oportunidade de ímpar aflição. A gravidade dos acontecimentos afigura-se ainda maior quando o ato que obsta a satisfação de prestação alimentícia tem como protagonista o Estado, ente organizacional que deve fugir a radicalismos. Cabe-lhe, isto sim, zelar pela preservação da ordem natural das coisas, que não se compatibiliza com deliberação que tem por finalidade colocar de joelhos os servidores, ante o fato de a vida econômica ser impediedosa (...) A greve tem como conseqüência a suspensão dos serviços, mostrando-se ilógico jungi-la como se fosse fenômeno de mão dupla, como se pudesse ser submetida a uma verdadeira lei de Talião – ao não pagamento dos salários (...) Se assim não se entender, estar-se-á negando, repita-se, a partir de um ato de força descomunal, desproporcional, estranho, por completo, ao princípio da razoabilidade, o próprio direito de greve, a eficácia do instituto, no que voltado a alijar situação discrepante da boa-convivência, na qual a parte economicamente mais forte abandona o campo da racionalidade, do interesse comum e ignora o mandamento constitucional relativo à preservação da dignidade do trabalhador. Num país que se afirma democrático, é de todo inadmissível que aquele que optou pelo exercício de um direito seja deixado à míngua, para com isso e a partir disso, acuado e incapaz de qualquer reação, aceitar
regras que não lhe servem, mas que, diante da falta de alternativas, constarão do 'acordo'. (...) É tempo de considerar que a ferocidade da repressão gera resistências, obstaculizando a negociação própria à boa convivência, à constante homenagem aos parâmetros do Estado Democrático de Direito. Brasília, 30 de outubro de 2001. Ministro Marco Aurélio - Presidente do Supremo Tribunal Federal” 3.12 Esse entendimento vem sendo adotado pelo E. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em especial no sentido da garantia constitucional do direito de greve estendido aos servidores em estágio probatório, conforme excerto da liminar concedida em 16 de maio de 2002, nos autos do MS 2002.34.00.013530-4/DF, Exma. Juíza Federal Dra. Ednamar Silva Ramos – 16ª Vara Federal, ora transcrita: “O direito de greve, segundo aponta José Afonso da Silva, insere-se no rol de garantias fundamentais, sobre as quais não podem ser instalados limites indevidos. O próprio trabalhador é que decide se entra ou não em greve, tal decisão não pode ser tomada por outra pessoa, seja ela quem for. Única limitação concebível a esse direito diz respeito da sociedade de se ver atendida no mínimo de suas exigências, daí porque as atividades essenciais devem ser mantidas quando causarem insustentável contrapeso à comunidade. Nesse contexto, tem-se que o trabalhador pode decretar greve por diversos motivos e no momento em que sua categoria, em assembléia geral assim o decidir, desde que mantidos atendimentos mínimos á população, de modo a prestar atendimento aos serviços considerados inadiáveis para a comunidade. Tais serviços, a lei o definirá, na sua ausência, deve prevalecer o bom senso. O confronto da portaria em foco com o texto constitucional revela a necessidade de expurgação da primeira, por óbvio, já perpetração de ilegalidades e abusos, cujos resultados podem ser de impossível ou difícil reparação. Daí o ‘fumus boni iuris’. O movimento dos servidores representados está em andamento (ff. 153/196), e a prevalecer as exigências assentadas na Portaria SRF 1.788/98, os servidores em estágio probatório estarão cometendo ato de insubordinação, o que tornaria legítima ação dos superiores hierárquicos respectivos, com o fito de adequar o comportamento do servidor às exigência internas. Aqui reside o ‘periculum in mora’.” 3.13 Nesse sentido ainda, tem-se a decisão proferida pelo mesmo Tribunal, na pessoa do Exmo. Juiz Federal Dr. José Parente Pinheiro, quando da análise de situação idêntica, qual seja, ameaça de corte de ponto numa paralisação ocorrida nos meses de maio e junho de 2000, decisão de 31.07.2000 no autos do Mandado de Segurança nº 2000.34.00.024508-2. Ao deferir a liminar, assinala o direito de greve e a ilegalidade do ato, verbis: “O direito de greve, assegurado constitucionalmente art. 37, VII CF/88 – embora reclame a intermediação de legislação infraconstitucional, não pode restar coarctado, as completas, à conta da inércia dos poderes competentes para deflagrar o processo legislativo. De outro tanto, se faltam parâmetros para o exercício deste direito, falta que não se pode creditar ao universo de servidores, cabia à Administração, primeiro, obter a declaração de ilegalidade, na sede e foro próprios, para, ´só então, aplicar as sanções cabíveis. Neste particular, sem qualquer antecipação meritória, reside a
plausibilidade do direito vindicado, que na dicção da lei de regência, traduz a relevância da fundamentação. O outro antessuposto, a ineficácia do provimento final, acaso deferida a segurança, resulta mesmo do lapso temporal necessário e suficiente para o destrame da impetração, de sorte que,s em a providência acautelatória, os substituídos sujeitarse-ão à possíveis penalidades a macular suas fichas funcionais e ainda terão decotados (sic) os seus vencimentos, que afinal de contas têm natureza alimentar. Sendo assim e por conta das razões expostas, tendo como presentes os requisitos, defiro parcialmente a liminar requestada para determinar à dignas autoridades impetradas que se abstenham de efetuar, até julgamento do mérito, dos servidores substituídos que constam da lista encartada aos autos, os descontos relativos aos dias parados – Decreto nº 1.480/95 – fazendo o pagamento do mês de julho em sua integralidade, assim como dos meses subseqüentes, em virtude do movimento paredista. Ordeno que sejam notificadas as dignas autoridades impetradas para ciência e cumprimento da medida liminar, como também para que, no decênio, prestem as informações que entendam necessárias – art. 7º, I da Lei nº 1.533/51. 3.14 Convém apontar notícia veiculada no dia 28/07/2005 pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 4º Região justamente sobre o desconto dos dias parados dos servidores do INSS, senão vejamos: “TRF IMPEDE DESCONTO DE DIAS PARADOS DE SERVIDORES DO INSS EM GREVE quinta O juiz federal Márcio Antônio Rocha, convocado para atuar no Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, determinou que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) se abstenha de descontar os dias parados dos servidores que estão participando da greve da categoria. A liminar foi concedida ontem (27/7) e atende a uma solicitação do Sindicato dos Trabalhadores Federais da Saúde e da Previdência no Estado do Rio Grande do Sul (Sindisprev). A entidade ingressou com uma ação civil pública contra o INSS na Justiça Federal de Porto Alegre. No entanto, como a liminar foi negada, o sindicato recorreu ao TRF, argumentando que o direito de greve é uma garantia constitucional e que o desconto dos dias parados não é cabível, uma vez que não existe decisão judicial declarando a abusividade do movimento. Ao analisar o recurso, Rocha entendeu que o direito postulado pelo sindicato é verossímil, tendo em vista julgamentos anteriores da 4ª Turma do TRF sobre o assunto. O juiz lembrou ainda que há risco de dano irreparável, dada a natureza alimentar dos vencimentos dos servidores. Além disso, afirmou, a medida não é irreversível. "Os valores relativos aos dias parados, se assim for determinado na decisão de mérito, poderão ser posteriormente descontados em folha". No final de junho, em uma outra ação ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) na 4ª Vara Federal da capital gaúcha, foi ordenado o retorno ao trabalho de 50% dos servidores da área de benefícios do INSS. O Sindisprev recorreu ao TRF contra essa liminar, mas ainda não há decisão sobre o caso. Assim, a determinação ainda está em vigor. AI 2005.04.01.033222-2/RS (Notícia enviada pelo serviço do TRF4 sob medida, fornecido pelo site www.trf4.gov.br)
IV - CORTE DE PONTO - DA ILEGALIDADE E DO ABUSO DE PODER 4.1 O Administrador não poderá determinar o corte do ponto dos servidores que aderirem ao movimento reinvidicatório, com o conseqüente rebaixamento de suas remunerações, pois esbarra em evidente ilegalidade e abuso de poder, ferindo direito líquido e certo do servidor. 4.2 O servidor que exerce o seu direito de greve não está faltando deliberadamente ao serviço, mas sim lutando por melhores condições de trabalho e valorização, garantia conferida pela Carta Magna, que somente poderia ser restringida pelo legislador por meio de lei. 4.3 A Administração Pública rege-se precipuamente pelo princípio da legalidade, cabendo ao Administrador agir de forma adstrita à lei, não podendo execer qualquer ato administrativo sem que haja a devida previsão legal, não há previsão legal para o corte de ponto, tampouco para a instauração de processo administrativo disciplinar visando penalizar o servidor que adere ao movimento paredista, isto seria um disparate, uma afronta direta ao que conferiu o constituinte. 4.4 A Administração não pode, em hipóteses alguma, agir de forma arbitrária, contrária à lei, sob pena de ter seu ato tomado por ilegítimo e ineficaz. Mesmo em seus atos discricionários, esta deve ater-se ao estrito limte da lei, conforme lição do renomado administrativista HELY LOPES MEIRELLES in Direito Administrativo Brasileiro, 30ª ed. atualizada, São Paulo: Ed. Malheiros, 2005, pág. 87. “LEGALIDADE – A legalidade, como princípio de administração, significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências do bem-comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da Lei e do Direito (...) Na Administração Pública, não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular, significa “pode fazer assim” para o administrador público significa “deve fazer assim”. As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública, e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contenha verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos.” 4.5 A ilegalidade do corte de ponto dos servidores é flagrante. O desconto dos dias de paralisação somente poderá ser feito por meio de declaração judicial sobre a abusividade da greve e somente dessa forma. Além disso, nenhuma lei permite a retenção de salários em razão de greve, paralisações, fenômeno sócio-laboral e não uma simples ausência ao trabalho, conforme preceitua o artigo 45 da Lei nº 8.112/90: “Art. 45. Salvo por imposição legal, ou mandado judicial, nenhum desconto incidirá
sobre a remuneração ou provento.” 4.6 Destaca-se decisão do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4º Região, no processo nº 2000.04.01.079611-3, senão vejamos: “SERVIDOR PÚBLICO – GREVE – FALTAS INJUSTIFICADAS – ANULAÇÃO – CABIMENTO (...)A mora do legislativo não pode impedir o exercício do direito de greve e não autoriza a administração a imputar faltas injustificadas aos servidores grevistas, à míngua de autorização legal ou deliberação negociada.” 4.7 O texto legal é claro e deverá imperar no caso em tela, no sentido de que a Administração Pública, caso entenda que a paralisação não é legítima, busque a via judicial própria para permitir-lhe não proceder aos pagamentos, bem como se entender que atividade seja essencial que se utilize dos meios judiciais cabíveis para garantir um quantitativo mínimo de servidores assegurando a continuidade dos serviços, pois ante a ausência de lei limitadora do direito de greve deve prevalecer o bom senso e a eqüidade, o que somente poderia ser feito com o respaldo de decisão judicial. 4.8 É certa a inexistência de preceptivo legal permissor do desconto de vencimentos em razão de greve. Ademais, os vencimentos dos servidores públicos são protegidos pelo princípio da irredutibilidade, inscrito no art. 37, XV, da Constituição Federal. Nesse diapasão citamos o entendimento do prof. Carlos Augusto Jorge, in A greve do servidor público, publicado no site Jus Navigandi: “A administração pública rege-se pelo princípio da legalidade. Não havendo lei que regule a greve, aplica-se a analogia. Greve não é faltar ao serviço, mas paralisar as suas atividades. A lei 8.112/90 (Estatuto do Servidor Público Federal) não permite o corte de ponto, a não ser nos casos previstos. Corte de ponto em razão de greve não está previsto no Regime Jurídico do Servidor Público Federal. Corte de ponto é abuso de autoridade.” 4.9 O razoável é que ante a inércia legislativa o direito de greve do servidor público não seria também um direito ilimitado, deve-se portanto, utilizar da analogia com as normas que disciplinam o direito de greve no setor privado, o que não se pode de forma alguma é inviabilizar indefinidamente o seu exercício, pois um direito garantido há 17 anos que até hoje não foi regulamentado é porque não há interesse em regulamentá-lo, é muito mais confortável ao Estado proibir o servidor de fazer greve do que negociar com os servidores e garantir condições dignas e respeitáveis de trabalho, mas esta não foi a intenção do constituinte que inseriu na Carta de 1988 o direito de greve no serviço público. 4.10 Ressalte-se o entendimento de João Gomes Cantanhede, Procurador Federal in Revista da procuradoria Federal/Funasa, Vol. 1, nº 1, Jan/2004, pág. 106/107: “Mas essa conclusão não induz à construção de exegese que permita ao estado promover o desconto relativo aos dias em que o movimento paredista se manteve firme, pois reduzir o conceito de greve (movimento de resistência de índole coletiva, motivada por fatores de ordem social, política e econômica) ao de falta ao serviço (ato individual – somente acidentalmente coletivo –, desidioso, imotivado, despido de
qualquer conotação de resistência democrática) seria destempero desmedido.” DA INCONSTITUCIONALIDADE DOS DECRETOS nº 1.480/95 e 3.506/00 4.11 Destarte, impõe-se observar que a pretexto de regulamentar os procedimentos a serem adotados pela Administração no caso de greve dos servidores o Decreto n° 1.480/95, ao dispor sobre as faltas decorrentes do movimento grevista, acabaram por invadir esfera constitucionalmente reservada à lei material e formal, de tudo inadmissível, visto que, além de duvidosa constitucionalidade o decreto concebido como norma autônoma (CF, art. 84, IV), não se pode pretender o disciplinamento do direito à greve pelo próprio patrão, sob pena de, a par de se prestigiar a parte mais forte, subtrair a competência reservada ao Congresso Nacional pelo inciso VII do art. 37 da Constituição Federal. “Decreto nº 1.480/95 Dispõe sobre os procedimentos a serem adotados em casos de paralisações dos serviços públicos federais, enquanto não regulado o disposto no art. 37, inciso VII, da Constituição. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, incisos II e IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto nos arts. 116, inciso X, e 117, inciso I, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, DECRETA: Art. 1º Até que seja editada a lei complementar a que alude o art. 37, inciso VII, da Constituição, as faltas decorrentes de participação de servidor público federal, regido pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, em movimento de paralisação de serviços públicos não poderão, em nenhuma hipótese, ser objeto de: I - abono II - compensação ou III - cômputo, para fins e contagem de tempo de serviço ou de qualquer vantagem que o tenha por base. § 1º Para os fins de aplicação do disposto neste artigo, a chefia imediata do servidor transmitirá ao órgão de pessoal respectivo a relação dos servidores cujas faltas se enquadrem na hipótese nele prevista, discriminando, dentre os relacionados, os ocupantes de cargos em comissão e os que percebam função gratificada. § 2º A inobservância do disposto no parágrafo precedente implicará na exoneração ou dispensa do titular da chefia imediata, sem prejuízo do ressarcimento ao Tesouro Nacional dos valores por este despendidos em razão do ato comissivo ou omissivo, apurado em processo administrativo regular. Art. 2º Serão imediatamente exonerados ou dispensados os ocupantes de cargos em comissão ou de funções gratificadas constantes da relação a que alude o artigo precedente. Art. 3º No caso em que a União, autarquia ou fundação pública for citada em causa cujo objeto seja a indenização por interrupção, total ou parcial, da prestação dos serviços desenvolvidos pela Administração Pública Federal, em decorrência de movimento de paralisação, será obrigatória a denunciação à lide dos servidores que tiverem concorrido para o dano. Parágrafo único. compete ao Advogado-Geral da União expedir as instruções necessárias ao cumprimento do disposto neste artigo.
Art. 4º Este decreto entra em vigor na data de sua publicação.” 4.12 O decreto em comento revela-se ato de manifesto abuso, busca mascarar-se como uma regulamentação da Lei nº 8.112/90, ao referir-se aos artigos 116, X, e 117, I, que aludem, na realidade, a faltas ao serviço e não a greve, espécies de ausências ao trabalho de naturezas absolutamente diversas e inconfundíveis. Diga-se, aliás, que a Lei nº 8.112/90 nada tratou sobre greve, razão pela qual o decreto que pretenda regulamentar aquela lei não poderia cuidar do tema, sob pena de evidente extrapolação de seu limite, de forma inconstitucional, portanto. A única forma de regulamentar o Art. 37, inciso VII é por lei, vale dizer, por ato emanado do Poder Legislativo, jamais por decreto, uma ato tipicamente do Executivo. 4.13 Também há de se ter em mira a descabida construção interpretativa no sentido de pretender aplicar às faltas decorrentes do movimento grevista a mesma regra do Art. 44 da Lei nº 8.112/90 prevista para as faltas ordinárias ao serviço, porquanto as ausências ao serviço por motivo de grave constituem exceção à regra e, principalmente, garantia constitucional à tal exceção. 4.14 Diante da grave lesão aos direitos sociais e fundamentais de todo trabalhador por tanto tempo de omissão legiferante, impõe-se adoção de regra de exceção interpretativa para aplicar ao caso vertente a norma positivada no §1° do art. 5° da Constituição, segundo a qual “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. 4.15 Outrossim, não há que se falar em subversão da hermenêutica jurídica, visto que a aplicação ao setor público das normas que regulam o exercício do direito de greve na atividade privada, valendo –se da analogia, não agride os princípios de ordem pública, pois os pressupostos e requisitos para o gozo desse direito por ambas as categorias devem guardar similaridade, inclusive porque a matéria está prevista na norma constitucional sem nenhuma peculiaridade, devendo ser comum tanto no setor privado como no setor público a manutenção das atividades consideradas essenciais, em nome do interesse coletivo. 4.16 Assim, até que se promulgue lei disciplinando o direito de greve dos servidores públicos deve-se, por analogia, aplicar ao setor público as normas regentes do direito de greve no âmbito das atividades privadas, aplicando-se o Decreto n° 1.480/95 apenas na parte relacionada exclusivamente com a disciplina do funcionamento dos serviços públicos considerados essenciais, e assim declarados por lei ou decisão judicial, pois somente quanto a esse aspecto afigura-se legítimos os aludidos decretos regulamentares, não prestando para modificar, criar ou extinguir direitos consagrados constitucionalmente. 4.17 Ademais nem mesmo a lei formalmente concebida pode inovar ou contrariar o texto da Constituição para, por via oblíqua, suprimir direitos relacionados ao legítimo exercício da greve – o direito aos vencimentos dos dias não trabalhados é um deles -, a menos que, também por analogia com o setor privado, haja declaração judicial da sua ilegalidade e abusividade da greve. 4.18 Nesse mesmo sentido é a Sentença proferida nos autos do Mandado de
Segurança Coletivo nº 2000.34.00.024508-2/DF: “Ademais, o direito de greve, assegurado constitucionalmente, mesmo que reclame a intermediação da legislação infraconstitucional, não pode ser inviabilizado à conta da inércia dos poderes competentes para deflagrar o processo legislativo. Se não está delimitado o exercício deste direito, e por isto não pode se responsabilizar o conjunto de servidores, deve a Administração, primeiro, obter a declaração de ilegalidade, na sede e foro próprios, para então, aplicar as sanções cabíveis. Cabe transcrever alguns excertos jurisprudenciais que bem elucidam a questão:: “O preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em conseqüência, de autoaplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição de lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição. A inércia estatal configurase, objetivamente, quando excessivo e irrazoável retardamento na efetivação da prestação legislativa – não obstante a ausência, na Constituição, de prazo pré-fixado para a edição da necessária norma regulamentadora – vem a comprometer e a nulificar a situação subjetiva de vantagem criada pelo texto constitucional em favor dos seus beneficiários. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de admitir a utilização, pelos organismos sindicais e pelas entidades de classe, do mandado de injunção coletivo, com finalidade de viabilizar, em favor dos membros ou associados dessas instituições, o exercício de direitos assegurados pela Constituição”.(STF, MI-20/DF, Rel. Min.Celso de Mello, DJ 21/11/96) “Mesmo não disciplinadas as ressalvas ao direito de greve do servidor público, o seu exercício encontra limites nos demais direitos e garantias constitucionais”. (TRF, REO 96.01.43723-1/BA, Rel. Juiz Hilton Queiroz, DJ 04/08/2000). Não há óbice à edição de Decreto com prescrição administrativa, porém, a sua aplicabilidade depende de reconhecimento de ilegalidade do movimento de greve. No caso em questão, não consta qualquer declaração de ilegalidade da greve.” V – DA REGULAMENTAÇÃO DA GREVE NO SETOR PRIVADO 5.1 A Lei nº 7.783 de 28 de junho de 1989 dispõe sobre o exercício do direito de greve dos trabalhadores celetistas define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências, in verbis: “Lei 7783/89 O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. Parágrafo único. O direito de greve será exercido na forma estabelecida nesta Lei. Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador. Art. 3º Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho. Parágrafo único. A entidade patronal correspondente ou os empregadores diretamente interessados serão notificados, com antecedência mínima de 48
(quarenta e oito) horas, da paralisação. Art. 4º Caberá à entidade sindical correspondente convocar, na forma do seu estatuto, assembléia geral que definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços. § 1º O estatuto da entidade sindical deverá prever as formalidades de convocação e o quorum para a deliberação, tanto da deflagração quanto da cessação da greve. § 2º Na falta de entidade sindical, a assembléia geral dos trabalhadores interessados deliberará para os fins previstos no "caput", constituindo comissão de negociação. Art. 5º A entidade sindical ou comissão especialmente eleita representará os interesses dos trabalhadores nas negociações ou na Justiça do Trabalho. Art. 6º São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos: I - o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve II - a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento. § 1º Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem. § 2º É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento. § 3º As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa. Art. 7º Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho. Parágrafo único. É vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, bem como a contratação de trabalhadores substitutos, exceto na ocorrência das hipóteses previstas nos arts. 9º e 14. Art. 8º A Justiça do Trabalho, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, decidirá sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações, cumprindo ao Tribunal publicar, de imediato, o competente acórdão. Art. 9º Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento. Parágrafo único. Não havendo acordo, é assegurado ao empregador, enquanto perdurar a greve, o direito de contratar diretamente os serviços necessários a que se refere este artigo. Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais: I - tratamento e abastecimento de água produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis I - assistência médica e hospitalar III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos IV - funerários V - transporte coletivo VI - captação e tratamento de esgoto e lixo VII - telecomunicações VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares
IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais X - controle de tráfego aéreo XI compensação bancária. Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. Art. 12. No caso de inobservância do disposto no artigo anterior, o Poder Público assegurará a prestação dos serviços indispensáveis. Art. 13 Na greve, em serviços ou atividades essenciais, ficam as entidades sindicais ou os trabalhadores, conforme o caso, obrigados a comunicar a decisão aos empregadores e aos usuários com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas da paralisação. Art. 14 Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho. Parágrafo único. Na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que: I - tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição II - seja motivada pela superveniência de fatos novo ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de trabalho. Art. 15 A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal. Parágrafo único. Deverá o Ministério Público, de ofício, requisitar a abertura do competente inquérito e oferecer denúncia quando houver indício da prática de delito. Art. 16. Para os fins previstos no art. 37, inciso VII, da Constituição, lei complementar definirá os termos e os limites em que o direito de greve poderá ser exercido. Art. 17. Fica vedada a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados (lockout). Parágrafo único. A prática referida no caput assegura aos trabalhadores o direito à percepção dos salários durante o período de paralisação. Art. 18. Ficam revogados a Lei nº 4.330, de 1º de junho de 1964, o Decreto-Lei nº 1.632, de 4 de agosto de 1978, e demais disposições em contrário. Art. 19 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.” 5.2 Existem dispositivos da legislação supra citada que podem ser aplicados por analogia ao servidor público, que somente poderá ser penalizado ou punido se durante a paralisação incorre em ato definido como ilícito ou crime, e a adesão ao movimento, tendo, por conta disso, recusado a cumprir seus deveres de ofício, conseqüência natural que resulta do ato volitivo de cruzar os braços na busca de melhores condições de trabalho e de remuneração mais digna não há que se prosperar qualquer processo administrativo, pois o exercício de um direito subjetivo, que é o direito de greve, previsto na Constituição Federal, não pode jamais ser elevado à categoria de ato de indisciplina, muito menos um crime. 5.3 A greve é um direito social reconhecido e conferido pela nossa Constituição para todos os trabalhadores, tanto os trabalhadores da iniciativa privada regidos pela
Consolidação das Leis Trabalhistas, como para os servidores públicos. 5.4 O Direito Positivo deve ser analisado e interpretado em seu conjunto, a norma constitucional que prevê o direito de greve no serviço público, norma de eficácia contida, que pode ser limitada por lei, apesar de, ainda, não existir lei regulamentadora por total inércia legiferante, a razoabilidade indica que apesar de não haver limitação legal tal direito não se configura ilimitado em sua essência, nem em seu contéudo. 5.5 É plenamente possível e adequada a aplicação da analogia e da eqüidade, do bom senso, para resolver efetivamente as lides resultantes dos conflitos entre Administração Pública e servidores, e compete tão somente ao Judiciário essa aplicação. 5.6 Observa-se, por via de conseqüência, que não pode a Administração aplicar a sua própria interpretação e seus critérios, pois afrontaria os princípios da legalidade e da finalidade, a Administração figura no mesmo pólo que o empregador, como poderia então a Administração regular o direito de greve? 5.7 O poder emana do povo, que é o verdadeiro titular do poder, o Constituinte conferiu garantias de greve aos trabalhadores que não podem ser tolhidas, podem ser normatizadas e limitadas tão somente pelo Poder Legislativo, por meio de lei no sentido material e formal. 5.8 Cumpre destacar que o ilustre Professor José Afonso da Silva, in Curso de Direito Constitucional Positivo, 22º edição, Malheiros, 2003, quanto à regulamentação da greve, ainda acrescenta que a lei deveria existir somente para garantir o direito de greve e nunca para restringí-lo: “A greve é o exercício de um poder de fato dos trabalhadores com o fim de realizar uma abstenção coletiva do trabalho subordinado. Inicia-se com base num procedimento jurídico: acordo dos trabalhadores em assembléia sindical por isso é que se diz tratar-se de abstenção coletiva concertada. Ela, assim, se desencadeia e se desenvolve sob a égide do poder de representação do sindicato, pois é um instrumento dos trabalhadores coletivamente organizados para a realização de melhores condições de trabalho para toda a categoria profissional envolvida. Daí, também, a idéia de que a greve atua através de um procedimento que tem por escopo a formação de um futuro contrato coletivo de trabalho. Vê-se, pois, que ela não é um simples direito fundamental dos trabalhadores, mas um direito fundamental de natureza instrumental e desse modo se insere no conceito de garantia constitucional, porque funciona como meio posto pela Constituição à disposição dos trabalhadores, não como um bem auferível em si, mas como um recurso de última instância para a concretização de seus direitos e interesses. (...) Diz-se que a melhor regulamentação do direito de greve é a que não existe. Lei que venha a existir não deverá ir no sentido de sua limitação, mas de sua proteção e garantia.”
VI - DAS PRINCIPAS DÚVIDAS DOS SERVIDORES 6.1 Pode a Administração cortar o ponto dos servidores que participam da greve? Não, não existe previsão legal para o desconto dos dias de paralisação que não podem ser considerados como faltas injustificadas, o direito de greve é garantia constitucional. Somente pode ser cortado o ponto do servidor, reduzindo a sua remuneração, se a Administração obtiver junto ao Judiciário decisão que declare a greve abusiva. 6.2 Por que então o SINDIRECEITA impetra mandado de segurança preventivo para evitar o corte de ponto? Porque a Administração age de forma ilegal e arbitrária, ferindo além da garantia constitucional do direito de greve do servidor, o princípio da legalidade, já que não existe lei que determine o corte de ponto, para tanto buscamos preventivamente a tutela jurisdicional para evitar o corte de ponto antes mesmo que ele aconteça. E, sobretudo, porque a Administração aproveita-se desse abuso de poder para coibir a participação dos servidores nos movimentos paredistas. 6.3 Pode a Administração instaurar processo administrativos contra os servidores que aderirem à greve? Na espécie, os fundamentos jurídicos da impetração dos mandados de segurança são extremamente relevantes, pois apontam, de um lado, para a violação da garantia constitucional do devido processo legal em processos administrativos e, de outro, para a ilegalidade do atuar da Administração, que se vale por vezes da instauração de processos administrativos e sindicâncias para o fim de inibir a participação dos servidores no movimento grevista, violando um direito subjetivos destes. É preciso considerar, antes de tudo, se existe motivo efetivo e determinante para que a Administração Pública assim atue, vale dizer, se existe ato ou fato que configure evidente infração disciplinar ou ilícito penal, pois, do contrário, o procedimento desponta para a ilegalidade, por falta de motivação, impondo seu arquivamento, como aliás prevê expressamente pelo parágrafo único do artigo 144 da Lei 8.112/90. Caso a indisciplina imputada aos servidores resulte simplesmente do fato de terem paralisado suas atividades para engajarem em movimento grevista, tendo, por conta disso, recusado a cumprir seus deveres de ofício, conseqüência natural que resulta do ato volitivo de cruzar os braços na busca de melhores condições de trabalho e de remuneração mais digna não há que se prosperar tal processo administrativo, pois o exercício de um direito subjetivo, que é o direito de greve, previsto na Constituição Federal, não pode ser elevado à categoria de ato de indisciplina. Negar o exercício do direito de greve é o mesmo que admitir uma violação à Constituição. Via de conseqüência, se é um direito constitucional, à evidência, do seu exercício não pode resultar a prática de um ato ilícito, até porque, se tal direito não foi regulamentado em lei, não se concebe a interpretação hermenêutica de que existe violação desta. Inclusive, a rigor, existe entendimento de que diante da inexistência de lei a greve no serviço público não pode ser considerada ilegal, nem mesmo pelo Judiciário, pois é ilegal o que malfere a lei se não há lei, não há que se falar em ilegalidade, mas tão
absurdo como negar direito de greve, é achar que diante da ausência de regulamentação ele seria ilimitado, razoável é o Judiciário aplicar a analogia e a eqüidade para dirimir os conflitos resultantes de casos concretos. 6.4 A folha de ponto deve ser assinada em dias de greve ? E se houver Mandado de Segurança no qual tenha sido deferido pedido da categoria "para que a autoridade impetrada se abstenha de efetuar os descontos dos dias parados em virtude do movimento grevista ou fazer anotações nos assentamentos funcionais por esse mesmo motivo, com relação aos substituídos, referentes à participação na greve."? Não se deve assinar a folha de ponto se o servidor não estiver efetivamente trabalhando, a greve pressupõe a cessação das atividades e é um direito legítimo do servidor público, repita-se: greve não é falta injustificada, o servidor não pode ser apenado por exercer o seu direito, a não ser é claro que haja excesso, abuso, declarado necessariamente pelo Judiciário. 6.5 Qual o risco de plantonistas aderirem à greve (em ambos os casos: estando seguro por liminar em Mandado de Segurança, ou não sendo a liminar concedida)? Todos os servidores tem direito a participar de movimento grevista, decidido em Assembléia, pela categoria. Como não existe regulamentação, por analogia ao direito de greve dos trabalhadores da iniciativa privada, o movimento de paralisação deve assegurar os serviços ou atividades essenciais que no caso dos celetistas estão elencadas no Art. 10 da Lei 7.783/89. Caso a Administração entenda que uma ou outra atividade no serviço público é essencial, ante a ausência de regulamentação específica, a Administração deve procurar o Judiciário para garantir algum percentual mínimo de servidores capazes de garantir o exercício de tais atividades. No caso da greve dos Técnicos da Receita Federal, importante ressaltar que a Receita Federal não está parada, existem outros servidores que não são Técnicos da Receita Federal que não estão em greve. Ocorre que como grande parte das atividades na Receita Federal são distribuídas aos Técnicos da Receita Federal, mesmo sem atribuições específicas para tanto, a Administração sabe apesar de não reconhecer da real importância da categoria dentro da Receita Federal. No entanto, a Administração em vez de negociar com os servidores procurando atender as justas reinvidicações da categoria, que somente pleiteia melhores condições de trabalho e reconhecimento, age de forma totalmente ilegal e arbitrária, estribando-se em verdadeira coação, ameaçando não só o corte de ponto como também a instauração de procedimento administrativo disciplinar para punir os servidores que participam do movimento paredista, comprometendo dessa forma a adesão ao movimento, pois os servidores temem retaliações injustas por parte da Administração. 6.6 No caso de Técnicos em exercício em unidades da “faixa de fronteira”, há algum impedimento legal, ou limitação, de participação na greve ? Em que condições ? Em algum caso, a participação na greve pode ser considerada “abandono de função” ? Todos os servidores tem direito a participar de movimento grevista, decidido em Assembléia, pela categoria.
Como não existe regulamentação, por analogia ao direito de greve dos trabalhadores da iniciativa privada, o movimento de paralisação deve assegurar os serviços ou atividades essenciais que no caso dos celetistas estão elencadas no Art. 10 da Lei 7.783/89. Caso a Administração entenda que uma ou outra atividade no serviço público é essencial, ante a ausência de regulamentação específica, a Administração deve procurar o Judiciário para garantir algum percentual mínimo de servidores capazes de garantir o exercício de tais atividades. No caso da greve dos Técnicos da Receita Federal, importante ressaltar que a Receita Federal não está parada, existem outros servidores que não são Técnicos da Receita Federal que não estão em greve. Ocorre que como grande parte das atividades na Receita Federal são distribuídas aos Técnicos da Receita Federal, mesmo sem atribuições específicas para tanto, a Administração sabe apesar de não reconhecer da real importância da categoria dentro da Receita Federal. No entanto, a Administração em vez de negociar com os servidores procurando atender as justas reinvidicações da categoria, que somente pleiteia melhores condições de trabalho e reconhecimento, age de forma totalmente ilegal e arbitrária, estribando-se em verdadeira coação, ameaçando não só o corte de ponto como também a instauração de procedimento administrativo disciplinar para punir os servidores que participam do movimento paredista, comprometendo dessa forma a adesão ao movimento, pois os servidores temem retaliações injustas por parte da Administração. Quanto ao abandono de função previsto no Art. 138 da Lei nº 8.112/90, que prevê que configura abandono de cargo a ausência intencional do servidor ao serviço por mais de trinta dias consecutivos, há que se considerar que essa ausência do servidor é injustificada, a Administração nem sabe o que houve com o servidor, ele simplesmente desaparece. No caso em tela, a greve além de não ser falta injustificada, pois se a Constituição garante o direito de greve e a greve pressupõe a cessação dos serviços, o abandono de cargo requer a existência do animus de abandonar o trabalho por parte do servidor, ele se ausenta sem apresentar qualquer justificativa, abandonando efetivamente o seu cargo. O servidor que adere ao movimento de greve não deseja abandonar o seu cargo, muito pelo contrário, ele requer por meio de paralisação que foi previamente deliberada e aprovada pela categoria e noticiada à Administração, buscar melhorias para o exercício de sua função, através de definição de suas atribuições, reconhecimento de seu serviço e retribuição compatível com suas atividades, que é uma remuneração justa. 6.7 Os Técnicos em estágio probatório podem participar normalmente da greve, sem restrições, mesmo quando não há liminar favorável em Mandado de Segurança ? Sim, os servidores em estágio probatório podem aderir ao movimento paredista. A Constituição Federal garante o direito de greve a todos os servidores. Lembramos que os mandados de segurança impetrados pelo SINDIRECEITA até agora são preventivos, ou seja, existe ameaça de lesão à direito mas ainda não houve lesão e o SINDIRECEITA irá buscar o Judiciário caso a Administração em flagrante ilegalidade vier a prejudicar qualquer filiado em estágio probatório em decorrência de adesão ao movimento grevista.
6.8
O Administrador pode indeferir pedido de exoneração de chefias?
A exoneração de cargo em comissão e a dispensa de função de confiança pode acontecer de duas formas: a juízo da autoridade competente ou a pedido do servidor, de acordo com o Art. 35 da Lei nº 8.112/90. Segundo o nosso entendimento a legislação é clara na alternância destas hipóteses, ou seja, em regra, basta a vontade da autoridade competente ou a vontade do servidor. Caso o desligamento a pedido do servidor necessitasse da anuência, da concordância da autoridade, o legislador não teria elencado as duas formas de exoneração ou dispensa, seria apenas aquela prevista no inciso I, que diz que é de acordo com o juízo da autoridade competente. O servidor pode declinar a sua chefia, restando somente à Administração acatar o pedido de dispensa. 6.9 A partir de que momento o servidor está dispensado de exercer as funções de chefia: a partir do protocolo da petição, ou da publicação da exoneração? A partir do protocolo do pedido de dispensa os servidores já ficam resguardados, o que demonstra inclusive a grande responsabilidade destes servidores, que como estão engajados em movimento de greve, entregam à Administração as suas chefias, não somente como forma de protesto, mas também proporcionando à Administração a possibilidade de dispor destas chefias. 6.10 Em que situações os Técnicos estão obrigados a cumprir determinações de decisões judiciais de interrupção da greve ou manutenção de efetivo mínimo, em Mandados de Segurança impetrados por contribuintes em face da União (ou seja: cuja autoridade coatora seja um administrador da SRF) ? Se houver decisão judicial no sentido da abusividade da greve ou determinando que se garanta um quantitativo mínimo de servidores para o cumprimento de determinadas atividades consideradas essenciais a determinação judicial deverá ser cumprida. Não obstante tais decisões seriam obviamente objeto de recurso e poderiam ser reformadas. Toda decisão judicial deverá ser cumprida a não ser que haja recurso com efeito suspensivo deferido para sustar os efeitos da decisão. Da mesma forma que a Administração é obrigada a acatar as nossas liminares para não cortar o ponto. 6.11 O serviço de cadastramento de senhas pode ser considerado essencial ao funcionamento do Órgão, e, por isso, estar sujeito às mesmas condições dos serviços em plantão? Na ausência de regulamentação compete ao Judiciário determinar se uma atividade é essencial ou não, mediante provocação da parte interessada. O próprio serviço de plantão não é necessariamente essencial, em princípio, todos os servidores podem aderir ao movimento grevista. 6.12 Integrantes de Comissões de Licitações, e de Sindicância ou inquérito têm alguma restrição de participação em greve ? Na ausência de regulamentação compete ao Judiciário determinar se uma atividade é essencial ou não, mediante provocação da parte interessada, explicitando
o caso concreto. Em princípio, todos os servidores podem aderir ao movimento grevista. 6.13 Há viabilidade de medida judicial preventiva para fins de garantir que os servidores não terão suas avaliações prejudicadas por eventuais retaliações das respectivas chefias? Os mandados de segurança preventivos já impetrados pelo SINDIRECEITA além de buscar evitar o corte de ponto em decorrência de movimento paradista, para não haver prejuízo patrimonial aos filiados, busca também que não haja nenhum prejuízo funcional, qual seja, a anotação nos assentamentos funcionais ou a aplicação de penalidade administrativa. 6.14 Há viabilidade de ajuizamento centralizado, em Brasília, de todas as ações decorrentes do movimento grevista ? Desde que sejam demandas coletivas sim, se houverem casos isolados prejudicando determinados filiados de uma ou outra região é preciso analisar o caso concreto para verificar quem é a autoridade coatora para a definição do foro da demanda. Brasília, 05 de agosto de 2005. ALESSANDRA DAMIAN CAVALCANTI OAB/DF 17.717 DAVID ODÍSIO HISSA OAB/DF 18.026