ExpoManagement 2008
Visitada por cerca de 21 mil gestores entre 10 e 12 de novembro, a ExpoManagement repetiu os números grandiosos em sua oitava edição: 4,5 mil executivos assistiram às palestras do auditório principal, as palestras do ciclo paralelo lotaram e tiveram filas, e o índice de satisfação com todas elas –186 no total, com duração de 190 horas– variou entre 83% e 92,5%. A exposição contou com 110 empresas, e estandes como o LifeStyle chegaram a contabilizar 7,4 mil visitantes nos três dias. A ExpoManagement, que ainda fez uma emocionante homenagem ao campeão olímpico de natação César Cielo, se confirmou, assim, e cada vez mais, como o maior encontro de executivos do mundo.
Fotos: Lola Studio
130 Introdução: Mapa errado x mapa certo 134 Macroeconomia: 1ª crise da globalização 139 Estratégia: Novos tempos, novas prioridades 146 Marketing: O buzz acima de tudo 148 Liderança: Cartógrafos e navegadores 150 Pessoas: Em busca da grandeza
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Mapa errado x “Nada fracassa tanto como o sucesso.” Quem disse essa frase durante a ExpoManagement 2008 foi Stephen Covey, um dos maiores especialistas mundiais em desempenho humano e autor do best-seller Os Sete Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes. Na verdade, ele estava citando o economista e filósofo Kenneth Boulding, que já explicou por que isso acontece: “Os seres humanos não aprendem com o sucesso; nós só aprendemos com o fracasso”. Foi por isso que Covey convocou a plateia do auditório principal do evento a jogar no lixo o “mapa atual”, velho, que é feito de paradigmas da era industrial. Segundo o expert, é preciso desenhar urgentemente um mapa novo, com novos paradigmas. “Quando o mapa está errado, não adianta se esforçar mais ou ter uma atitude mais positiva. Você não vai chegar a lugar algum”, explicou Covey, referindo-se às práticas atuais das organizações de pedir esforços redobrados e melhor atitude de seus colaboradores. Covey apresentou sua palestra no terceiro e último dia da ExpoManagement, mas, de alguma maneira, ele resumiu em uma palavra –“mapa”– a inspiração das 186 palestras do evento. Com a crise financeira global, a mudança climática e os indicadores de insatisfação das pessoas com sua vida, estavam todos em busca do novo mapa para o tesouro –ou para terras desconhecidas. Abandonar os parâmetros da era industrial, algo que vem sendo antecipado desde a ExpoManagement 2005 e até antes por esta revista, era unanimidade. A discussão era em torno da rota a traçar daqui para frente, em meio ao tsunami de transformacões que vivemos, como o definiu o próprio Covey. Alguns traços do desenho do novo mapa começaram a aparecer. Em primeiro lugar, o ser humano deve passar a prevalecer sobre todo o resto. Henry Mintzberg, o grande e polêmico especialista canadense em estratégia, resumiu isso: “Não é possível, nem aceitável, que, na primeira redução de lucros que surge no horizonte, as empresas demitam 3 mil pessoas. Isso ocorre porque os gestores simplesmente não enxergam as pessoas. Nem as chamam de ‘pessoas’ de fato –são os recursos humanos ou os ativos (mais importantes) da organização–, o que contribui para o distanciamento e a não-identificação entre a alta gerência e o corpo de 130
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funcionários”. E o principal “subproduto” da relevância das pessoas é a volta dos relacionamentos apoiados na confiança. O prêmio Nobel da Paz Muhammad Yunus, que foi aplaudido de pé na ExpoManagement, encarnou isso ao detalhar seu sistema de banking baseado na confiança e suas empresas sociais. O segundo contorno esboçado no mapa está relacionado com a emergência de um novo tipo de liderança. “Agora, a liderança deve ser comunitária; é principalmente uma communityship. A meu ver, os sinais disso estão na própria eleição de Barack Obama nos Estados Unidos. Ele teve essa abordagem durante toda a campanha e seu discurso de aceitação da vitória, modesto,
mapa certo e questão ambiental, garantiu na ExpoManagement que nenhum modelo de negócio conseguirá escapar das novas regras verdes. E, também ficou claro, não há como resolver a questão ambiental sem resolver os problemas sociais comentados pelos dois prêmios Nobel presentes, Yunus e Joseph Stiglitz. Esse é o esboço do novo mapa mundial. A questão, portanto, passa a ser esta: você está pronto para desenhar o novo mapa que sua empresa seguirá? A cobertura da ExpoManagement 2008 é de autoria de Adriana Salles Gomes, editora-executiva de HSM Management, e Lizandra Magon de Almeida, colaboradora da revista.
Fotos: Lola Studio
foi um discurso comunitário, não carismático. As lideranças empresariais deverão seguir na mesma linha”, analisou Mintzberg. Covey disse o mesmo em outras palavras: “Agora, a autoridade é moral, vem de baixo para cima, como a de Gandhi, que libertou a Índia com base na autoridade que o povo lhe conferiu”. O terceiro aspecto está nas demandas inadiáveis por controle e reversão da crise ambiental, o que deve mudar significativamente os modos de produzir e consumir. Ou seja, não importa quão grave seja a crise financeira, a crise ambiental é pior e se sobreporá à outra. Daniel Esty, especialista de Yale e autor de uma das mais extensas pesquisas relacionando empresas
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MACROECONOMIA
1ª crise da Esse novo sistema econômico foi posto em xeque e precisará mudar de maneira radical se quiser sobreviver, analisaram o prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz e o ex-embaixador e ex-ministro do Desenvolvimento Sérgio Amaral, entre outros palestrantes
“
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A tensão não necessariamente leva a guerras. A tensão pode levar a festas.” Essa frase foi dita no palco principal da ExpoManagement 2008 por Nassim Nicholas Taleb, talvez o maior especialista mundial da atualidade em probabilidade e gestão de riscos e autor do best-seller A Lógica do Cisne Negro: o Impacto do Altamente Improvável. Seu contexto era o do nascimento da internet, fruto da tensão da Guerra Fria. Taleb lembrava que o embrião da rede mundial de computadores foi desenvolvido como um projeto de inovação militar do governo Reagan para enfraquecer os russos na década de 1980 –no âmbito da Defense Advanced Research Projects Agency (Darpa). E a internet provou, de fato, ser uma espécie de festa que vem mudando o mundo. Será que a mensagem subliminar de Taleb foi de que o mesmo pode acontecer com a atual crise, a primeira de proporções mundiais na era da globalização? Afinal, sabe-se de longa data, onde há crise, há oportunidade. Não, ele não disse isso textualmente, mas sua palestra versou sobre como aproveitar as oportunidades de agora e gerenciar os riscos que lhes são inerentes. E,
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de fato, seu principal conselho é muito interessante para os tempos que vivemos: “Ame o risco, quando você pode perder pouco, e odeie o risco, quando você pode perder muito”. Taleb exemplificou isso com a distribuição de uma carteira de investimentos: deve-se aplicar 20% do capital em investimentos de alto risco e ser bem conservador com os 80% restantes. Outra recomendação valiosa de Taleb foi a de que se faça seguro. Essas duas ferramentas oferecidas pelo expert em gestão de riscos podem mesmo ser úteis para os gestores de empresas navegarem durante o que vem sendo considerado a primeira crise mundial da globalização. E serviram de contraponto prático para quem assistiu, na ExpoManagement, à palestra de Joseph Stiglitz, ganhador do prêmio Nobel de Economia em 2001, conselheiro do presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, professor de economia da Columbia University, e, talvez sua principal qualificação no momento, um dos primeiros a prever a crise publicamente –no Fórum Econômico Mundial de 2005 e mediante o incômodo geral de sua plateia. De maneira simplificada, Stiglitz atribuiu a crise a quatro fatos: os consumidores norte-americanos não souberam viver com seus próprios meios, o modelo de negócio das empresas foi o da securitização e sob uma governança pouco transparente, os Estados Unidos exportaram seus papéis “tóxicos” para o mundo inteiro, e os governos e bancos centrais falharam na regulamentação de tudo isso. Em sua palestra, Jim Collins resumiria tais fatores a “falta de disciplina, não falta de inovação”. O resultado, de qualquer modo, foi essa crise grave –“agora é uma crise sobretudo social nos Estados Unidos”– e ela vem atravessando fronteiras. Ele lamentou
globalização o fato de que mesmo países como o Brasil, que administraram bem sua economia, sentirão o reflexo da crise porque os preços das commodities e os investimentos estrangeiros tendem a ser negativamente impactados. Mas o reflexo da crise aqui talvez não seja tão profundo. A previsão é que o PIB brasileiro cresça entre 2,5% e 3% em 2009, segundo Antônio Carlos Porto Gonçalves, da Fundação Getulio Vargas em São Paulo, o suficiente para fazer o País escapar de uma configuração de recessão, embora o aumento do desemprego não esteja descartado e o setor exportador deva sofrer tanto quanto o de commodities. Uma explicação foi a relativa imunidade dos bancos brasileiros aos papéis tóxicos. Quem a explicou foi Sérgio Amaral, ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e ex-embaixador, em sua palestra no ciclo paralelo da Expo. De acordo com ele, os bancos brasileiros foram beneficiados “por seus pecados”, que são os limites rígidos de empréstimos e compra de papéis. Mas, lembrou, eles têm hedges e derivativos e o aumento do dólar pode afetar o setor exportador e ter efeito dominó sobre eles.
À espera de Obama Sabe-se que muitas empresas decidiram esperar pelas primeiras decisões do governo Barack Obama, nos Estados Unidos, para tomar novas iniciativas de negócios. A grande questão que se coloca agora é como Obama fará para sair da crise. Quem respondeu a isso no ciclo de palestras
paralelas da ExpoManagement 2008 foi Sérgio Amaral. Ele repasssou a sobreposição das três crises que abatem o mundo hoje: A primeira é a imobiliária. Havia muita liquidez na China, graças a excedentes comerciais resultantes da exportação de commodities e petróleo, que podiam financiar o déficit americano. Na Europa também havia muita liquidez e houve uma valorização artificial dos preços, especialmente da moradia. Com isso, foram sendo feitas hipotecas sobre hipotecas, que geraram papéis tóxicos, sem lastro. A segunda é a crise financeira, causada pela desconfiança por conta da crise imobiliária. Ninguém sabe dizer nas mãos de quem estão esses papéis tóxicos. Segundo ele, essa fase já está sendo superada, graças à coordenação entre os países, que agiram rápido para injetar recursos para substituir os papéis podres por papéis públicos. A terceira é a crise do setor produtivo. Com a retração do crédito, há uma desaceleração na economia e isso causa recessão nos Estados Unidos e Europa. Ele acredita que o Brasil será menos afetado pela crise financeira,
Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, elogiou os fundamentos econômicos do Brasil, mas alertou para que não haja foco excessivo no controle da inflação
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mas que teremos um impacto sobre o setor produtivo, com uma crise de crescimento. “A contaminação dos países emergentes é preocupante, pois é neles que temos visto as maiores taxas de crescimento.” E então Amaral antecipou a eventualidade de uma quarta crise, sistêmica, possivelmente decorrente do agravamento dessas três crises atuais. “Se os países asiá ticos não forem atingidos pela recessão, provavelmente não haverá colapso, mas estamos vendo uma perigosa banalização do sistema financeiro –o que motivou, inclusive, a reunião do G20 que aconteceu em São Paulo.” Para Amaral, uma crise de confiança dessas proporções só se resolve com uma liderança forte. E é isso o que Barack Obama pode representar. “A liquidez continua, mas para reverter é preciso contar com a liderança de Obama. Ocorre que ele não quer se desgastar antes da hora, até porque não tem os instrumentos para isso, então acredito que veremos uma posição discreta até que ele assuma seu cargo em 20 de janeiro.”
A “baleia” brasileira no mar da globalização
Nassim Nicholas Taleb garantiu que essa crise não é um cisne negro, embora a estatização de bancos nos EUA o seja
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E o Brasil no processo de globalização? Para Carlos Osmar Bertero, da Escola de Administração da Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV-EAESP), os brasileiros ainda têm pouca consciência de sua importância no mundo globalizado do século 21. “Não estamos vendo um declínio norte-americano, como aconteceu no final do século 19 com a Inglaterra, mas a emergência do BRIC [acrônimo criado pelo departamento de economia do banco de investimentos Goldman Sachs que se refere a Brasil, Rússia, Índia e China].” Trata-se de países que são
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“baleias” por suas grandes dimensões e não tigres, como os asiáticos que avançaram no final do século passado, o que altera as regras do jogo. O professor apresentou, então, uma série de dados para apoiar sua tese de o Brasil destacar-se no BRIC: Vantagens do Brasil sobre os outros BRICs. Entre elas estão o fato de ser o menos populoso dos quatro países, dispor de muitos recursos naturais e ter instituições democráticas mais bem consolidadas. Urbanidade. Dos 188 milhões de habitantes do Brasil, 85% já são urbanos (11% concentrados na Grande São Paulo). Acesso à internet razoavelmente alto. O índice é de 156 por mil habitantes. Posse de celular elevada. O índice é de 462 aparelhos por mil habitantes. Posse de TV muito elevada, de 93%. Índice de alfabetização razoavelmente elevado, de 89% (número de 2005). Elevado índice de “felicidade”, segundo pesquisa realizada por Robert Ingelheart, chamada World Value Survey. Os maiores índices de “felicidade” se apresentaram em países desenvolvidos, no Brasil e na Índia, os dois únicos países pobres e com má distribuição de renda em que as pessoas se definem como basicamente felizes. Nível de tolerância ao diferente relativamente elevado. Apesar de cerca de 85% da população acreditar em Deus, na justiça divina e na impossibilidade de ser ético sem acreditar em Deus, 65% da população diz aceitar o homossexualismo e 61% aceitam e até preferem mulheres ocupando cargos de poder. Aceitação e defesa da globalização. Cerca de 72% dos pesquisados consideram muito benéfico o aumento do comércio exterior e 70% acham favorável a existência de empresas estrangeiras no Brasil.
O fim da hegemonia norte-americana. Mesmo x-embaixador e ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Sérgio Amaral hoje é diretor do Centro de Estudos Americanos da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e fez, no ciclo de palestras paralelas da ExpoManagement 2008, uma apresentação sobre as eleições norte-americanas e a crise financeira, que, segundo ele, vão “redesenhar as forças políticas mundiais”. Para Sérgio Amaral, essas eleições atraíram, excepcionalmente, mais de 60% do eleitorado norte-americano porque não foram corriqueiras. “Além de os Estados Unidos viverem um momento de crise econômica associada a uma crise de política internacional, com o fracasso das invasões ao Iraque e ao Afeganistão como formas de combate ao terrorismo, há por trás disso a mudança que vem ocorrendo na sociedade norte-americana”, disse Amaral a uma plateia atenta. “O candidato eleito, Barack Obama, é o primeiro a pertencer a uma sociedade diferente da que fundou o país, por ser multirracial, multicultural, multiétnica e multirreligiosa. E ele tem consciência de que os EUA pesam menos no mundo do que pesavam depois da Segunda Guerra Mundial –se, no pós-guerra, os EUA respondiam por 51% da renda mundial, hoje lhes cabe entre 21% e 24%.”
Preferência pela economia de mercado. Dos brasileiros, 65% acreditam que as pessoas vivem melhor em economias de mercado, mesmo notando que estas favorecem os extremos de pobres e ricos. Pesquisa científica. Apesar de a pesquisa da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 2004 ter colocado o Brasil no 42º lugar entre 44 países em seu ranking de educação e não reconhecê-lo pela capacidade de inovar, o País começa a aparecer com destaque em rankings de pesquisa científica: já ocupa o 15º lugar em produção de artigos científicos. “Há 12 anos, respondíamos por 0,27% da produção mundial. Hoje, chegamos a 2%. Pode parecer pouco, mas a diferença é muito grande”, explicou Bertero. Legislação ambiental avançada e nível de conscientização crescente nessa área. Projeção de cerca de 25 grandes multinacionais brasileiras em meados do século 21. Logicamente, a lista de desvantagens e calcanhares-de-aquiles brasileiros também é longa, segundo o professor da FGV-EAESP, encabeçada pelos problemas educacionais e pela ainda pronunciada desigualdade social –10% da população responde por 47% do PIB e o Estado de São Paulo responde por 40% da arrecadação de impostos do Brasil. Um ponto nevrálgico dessa segunda lista, de acordo com Bertero, é a falta de uma política de retenção e atração de talentos. “A Alemanha concedeu 70 mil vistos a matemáticos indianos, porque o desenvolvimento seria inviável apenas com
E o poderio militar dos Estados Unidos? De acordo com Amaral, isso deixou de ser crucial para determinar a supremacia de uma superpotência no mundo multipolar atual. “A União Soviética entrou em colapso sem que um tiro fosse disparado ou um míssil fosse lançado. Os EUA continuam tendo superioridade na área militar, mas a política e a economia são tão importantes quanto.” Em outras palavras, enquanto a China emerge em função de seu crescimento econômico e graças a isso vem se tornando não só uma potência econômica, mas também política, os Estados Unidos têm uma dívida de US$ 1 trilhão e um duplo déficit em conta corrente. Isso significa o fim do incrível êxito da sociedade norte-americana? Para Amaral, sim, de certa maneira. Tal êxito se deveu a uma combinação original, no pós-guerra, de empresas lideradas por capitães de indústria que tinham visão pública com o governo e com os sindicatos, que em suas negociações repartiram os benefícios da prosperidade econômica com a população em geral. “Com a globalização, esse pacto se rompeu porque as empresas sofreram um ‘efeito pinça’ –de um lado, os investidores exigindo lucros e, de outro, os consumidores organizados.”
Carlo Ferreri
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pessoas do próprio país. A China vem estimulando a volta de seus cérebros, mas o Brasil não tem nada disso.” Culturalmente também há um fator limitante evidente, segundo o especialista: o brasileiro ainda está acostumado a ser “do Terceiro Mundo”, talvez um resquício do tal “complexo de vira-lata”, definido por Nelson Rodrigues, e justamente reflexo da situação mundial no pós-guerra. Mas como a crise global afeta a situação do Brasil no mundo? Sér-
Antônio Carlos Porto Gonçalves estimou que o Brasil possa crescer entre 2,5% e 3% em 2009
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gio Amaral disse na ExpoManagement que isso vai depender muito das posições de Estados Unidos e China. Se Obama realmente conseguir aprovar qualquer medida que quiser e se a China conseguir manter seu crescimento, o Brasil pode sair fortalecido, pois já promoveu uma revolução agrícola que o tornou muito competitivo e tem terra, água, biodiversidade. “Basta avançar nas reformas que faltam.”
Nada será como antes
Os auditórios do ciclo de palestras paralelas (à esquerda) e estandes, como o do Grupo Positivo (à direita), tiveram grande público
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“Nada será igual depois dessa crise, e principalmente depois desse novo presidente dos Estados Unidos”, analisou o ex-ministro e ex-embaixador Sérgio Amaral durante a Expo. Ele afirmou não acreditar em uma ruptura propriamente dita com o atual sistema, mas garantiu que veremos um mundo novo, que pode incluir certa fadiga em relação à globalização. Tanto que Amaral previu que os setores de negócios menos prejudicados serão os mais voltados ao mercado interno, como o da alimentação básica e, especificamente no Brasil, o de construção civil para o segmento de baixa renda e o de infraestrutura, sobretudo de transportes.
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O economista Joseph Stiglitz não falou em retrocesso na globalização, no entanto. Esse movimento gerou efeitos muito importantes segundo ele, como o maior acesso de todos a tecnologias e ideias. Mas ele admitiu que sua continuidade depende, em grande parte, da redução do gap entre os países em desenvolvimento e os desenvolvidos. Até agora, esse gap não diminuiu como deveria, porque o crescimento assombroso dos Estados Unidos não foi compartilhado com os outros países –nem internamente com a população mais pobre. A sustentabilidade da globalização, de acordo com o prêmio Nobel de Economia, está condicionada basicamente à obtenção do equilíbrio entre mercados e governo. E isso deverá ser buscado tanto pelo setor privado como pelo setor público de cada país. As empresas devem fazer o que lhes cabe: mobilizar a poupança nacional, alocar capital em novos empreendimentos, gerenciar riscos em vez de criá-los como em um cassino, criar produtos inovadores que realmente façam diferença para os consumidores, ter uma governança decente e transparente. E os governos têm de instituir as devidas regulamentações para conter a liquidez excessiva e agir de maneira coordenada mundialmente. Para Joseph Stiglitz, os próximos 18 a 24 meses serão bem delicados para a economia e a sociedade mundiais, mas depois o cenário tende a melhorar, especialmente se se conseguir restabelecer a confiança, ainda que de modo limitado –voltamos às expectativas em relação ao governo Obama. Mas não deixa de ser um alento. Outra “boa” notícia veio de Nassim Nicholas Taleb: ele garantiu que essa crise não foi um cisne negro, o que a habilita a ser mais gerenciável do que se possa imaginar.
ESTRATÉGIA
Novos tempos, novas prioridades Diversos palestrantes se revezaram, no palco principal e nos paralelos, para garantir que os paradigmas das estratégias empresariais estão sendo subvertidos Ninguém sabe dizer exatamente como começou. Foi com o preço do petróleo indo às alturas? Ou quando o mundo descobriu a mudança climática, a poluição da água e a do ar? Talvez na percepção da onipresença de elementos tóxicos às pessoas. E, mesmo agora, com a queda da cotação do barril de óleo cru, todos sabem que, mais dia, menos dia, ele voltará a subir. A maior probabilidade de um horizonte com fim e a crescente vulnerabilização da sociedade são hoje como feridas expostas. E a economia mundial vai ter de mudar para que cicatrizem. Entre os principais motores dessa mudança –vejam só a responsabilidade– estão as empresas, que, para isso, dependem de suas estratégias. Não é de surpreender, portanto, que, no palco principal da ExpoManagement 2008, a estratégia empresarial é que estivesse na berlinda. Foi o professor de gestão canadense Henry Mintzberg, autor de um dos livros seminais sobre o assunto, Safári de Estratégia, e conhecido por não ter papas na língua, quem atirou a primeira pedra: “As estratégias não são implementadas e todos culpam a implementação. Mas isso acontece porque os gestores estão fora de lugar”. Segundo Mintz berg, o problema começa nos desenhos organizacionais dominantes, quase todos errados –pirâmides, cadeias verticais, cadeias horizontais, hubs, diagramas em forma de círculos concêntricos polares... Neles, o gestor fica no topo –o que, na verdade, o deixa fora da organização– ou no centro –onde centraliza demais. “O pior é que as empresas vivem redesenhando a organização, sem perceber que tudo que fazem é trocar nomes de cargos e as pessoas a ocupá-los. E chamam
a isso de reorganização”, criticou Mintzberg. O que fazer, então? O professor canadense usou duas imagens para definir o diagrama ideal da organização, ambos tirados do mundo natural: a vaca e a teia de aranha. O diagrama vaca, porque suas diferentes partes trabalham juntas
Henry Mintzberg afirmou que os gestores estão fora do lugar e que, por isso, não conseguem implementar as estratégias
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Clayton Christensen convidou as empresas a se concentrar nas tarefas que os consumidores querem ver cumpridas para encontrar oportunidades de inovação de ruptura
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de maneira natural e harmônica, como uma unidade. O diagrama teia, porque nele os gestores podem estar em todo lugar. “O dono da concessionária onde compro meus carros fez de sua empresa uma teia, por exemplo: ele nem tem um escritório; está sempre sobre os próprios pés, andando por todos os cantos. É assim que um gestor enxerga sua organização”, ensinou Mintzberg. E como fazê-lo? De acordo com o especialista, o primeiro passo é proibir a troca de cargos e de pessoas na hora de propor uma reorganização. Mas a mudança, radical, pressupõe uma nova visão de estratégia: “É preciso que os executivos entendam de uma vez por todas que estratégia tem a ver com aprendizado”. O que a torna um processo lento, de formulaçã-implementação, formulação-implementação, formulação-implementação, que vai sendo repetido inúmeras vezes.
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“Nem deveríamos usar mais a palavra ‘formulação’; no contexto da estratégia, a palavra certa é ‘formação’”, garantiu Mintzberg. Essa mudança pede um modo totalmente novo de encarar estratégia. Ela passa a ser vista como um triângulo, cujos vértices sejam arte, ciência e construção –arte correspondendo a insights, ciência a um processo de diagnóstico e prognóstico, e construção a ir fazendo, no sentido de agir primeiro e pensar depois. Assim, a nova estratégia pode emergir de qualquer uma das três maneiras ou de todas e é ela que responde ao novo mapa necessário às empresas do século 21. Isso requer, finalizou Mintzberg em sua apresentação na Expo, profissionais com perfis de artistas, analistas e construtores-fazedores que vão aprendendo permanentemente com o processo. “Nesse cenário, qualquer um pode ser estrategista na organização”, disse Mintzberg.
Inovação como estratégia A segunda pedra sobre a estratégia empresarial foi atirada por Clayton Christensen, o célebre professor da Harvard Business School, autor de um livro fundamental sobre aprendizado e inovação, O Dilema da Inovação. Christensen falou sobre como criar uma organização que propicie o crescimento de ruptura e fez, com todas as letras, duas afirmações que derrubam a mais convencional das sabedorias das empresas: 1. “A decisão de investimento não pode ser feita em cima de seu custo marginal.” 2. “O cliente é a unidade de análise errada.” No primeiro caso, o problema é que isso invariavelmente faz as empresas líderes alavancarem o que já possuem em vez de partirem para construir algo novo de que precisam. É o raciocínio que faz, por exemplo, com que uma siderúrgica opte por manter uma usina obsoleta para aproveitar a capacidade instalada em vez de construir uma nova que viabilizará uma produção bem mais competitiva. No segundo caso, tal pressuposto impede as companhias de enxergar as oportunidades de mercado a sua frente; não notam que é preciso se concentrar, isso sim, na tarefa (job) que os clientes querem ver cumprida, uma tarefa de que eles nem mesmo têm consciência. Só quebrando esses dois paradigmas tão enraizados entre os gestores, torna-se possível praticar a estratégia da inovação de ruptura, para Christensen. O palestrante explicou que essa é a inovação que abre um novo mercado ao concorrer com o não-consumo, o que ocorre quando uma empresa oferece um produto ou serviço a pessoas que até então não eram consumidoras de nada parecido. Isso promove a tão desejada
competição assimétrica. “O Brasil tem um potencial imenso para estratégias de ruptura, porque possui grande quantidade de não-consumo”, destacou Christensen na ExpoManagement, complementando que as diferentes formas de energia verde são fortes candidatas a inovações de ruptura. Entender a arquitetura da tarefa é uma das peças-chave para que aconteça a inovação de ruptura proposta por Christensen, e ele relacionou três perguntas que podem ajudar nisso: Qual é a tarefa ou problema fundamental que o cliente enfrenta? (Lembre-se de que toda tarefa tem
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dimensões funcionais, emocionais e sociais.) Quais são as experiências na compra e no uso do produto que, caso fossem proporcionadas, resultariam na execução da tarefa sem falhas? Quais são os atributos e tecnologias que o produto deve possuir para proporcionar tais experiências? Talvez o momento mais assustador da palestra do expert de Harvard
A estratégia da ecovantagem
oda vez que a imagem de um hippie barbudo ou um escoteiro vier a sua mente, lembre-se de Jeff Immelt, o CEO da General Electric que criou a iniciativa Ecoimagination. Ele não se limitou a pensar no aumento do interesse do público pelos problemas ambientais ou nas mudanças regulatórias como fatores que obrigariam sua empresa a tomar iniciativas de preservação ambiental. Ele viu no meio ambiente uma escolha estratégica e você pode –deve– fazer isso também. Daniel Esty, especialista em estratégia ambiental corporativa da Yale University e autor de vasta pesquisa sobre o assunto que resultou no best-seller O Verde que Vale Ouro, detalhou os quatro passos de uma estratégia de ecovantagem no palco principal da ExpoManagement 2008: 1. Realizar uma análise AUDIO do meio ambiente. Esse é um acrônimo das palavras “aspectos” (breve descrição da situação), “upstream” (como a cadeia de fornecimento se posiciona nisso), “downstream” (como a rede de distribuição, até o consumidor, se posiciona), “issues” (quais são as grandes questões, no sentido de desafios a vencer) e “oportunidades”. Monta-se uma tabela em que se descrevem esses pontos em relação às dez principais questões ambientais (e mais alguma específica de um setor de atividade): mudança climática, energia, água, biodiversidade, produtos quími cos/tóxicos, poluição do ar, lixo, camada de ozônio, oceanos, desmatamento. 2. Desenhar uma matriz que mapeie os stakeholders cruzando dois aspectos: seu
poder e influência (no eixo vertical) e quanto estão no foco atual da empresa (no eixo horizontal). Assim, no quadrante do alto à esquerda ficam os stakeholders subestimados (fortes em influência, mas pouco focados pela empresa, como funcionários, bancos, seguradoras e compradores B2B), no quadrante do alto à direita os stakeholders muito importantes que já recebem o nível certo de atenção (mídia, ONGs e consumidores que reclamam, entre outros), no quadrante de baixo à esquerda os stakeholders menos importantes que recebem o nível certo de atenção (como organismos setoriais e concorrentes) e no último quadrante os superestimados (acionistas e determinados consumidores finais). 3. Aproveitar as ecovantagens, que são menores custos (por tabela, maior produtividade), redução dos riscos, maior receita de vendas e maior participação no mercado (com entrada em mercados verdes e novos espaços nos mercados convencionais) e valorização de ativos intangíveis, como a marca. Elas são especialmente atraentes para as empresas em momentos de crise e recessão, enfatizou Esty, ao contrário do pensamento dominante. 4. Implementar as melhores práticas de gestão ambiental, com métricas e análises baseadas em dados, auditorias da cadeia de fornecimento, design verde e ecoeficiência (com minimização do consumo energético e otimização logística). Daniel Esty enfatizou para a plateia da Expo que a falta de estratégia é uma das principais razões, se não a principal, por
Daniel Esty apresentou uma matriz para lidar com os stakeholders
que as iniciativas ambientais fracassam em muitas empresas. Em outros casos, as empresas não entendem o mercado –como a Ford, que fez uma fábrica “verde”, mas não um carro “verde” à moda da Toyota– ou trabalham com o único pressuposto de que produto verde é sinônimo de preço alto. Ele ainda relatou a “guerra verde” que vem ocorrendo na Inglaterra entre as varejistas Tesco e Marks & Spencer, cada uma prometendo neutralizar emissões de gases de efeito estufa mais que a outra. Não seria surpresa se esse tipo de guerra começasse a “pipocar” em outros países daqui a um tempo, mesmo no Brasil, uma vez que, para Esty, as empresas brasileiras estão entre as mais focadas do mundo em iniciativas ambientais. O professor de Yale apontou algumas que adotaram, em certa medida, estratégias de ecovantagem, como Braskem, Banco Real, Natura, Vale e Embraco.
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tenha sido, no entanto, quando ele mostrou, em uma tabela, como mesmo os modelos de negócio mais célebres e bem-sucedidos caminham rapidamente para a obsolescência pela falta de inovação de ruptura. “Se a Ford era a dominante ontem e a Toyota o é hoje, possivelmente a montadora chinesa Chery o será amanhã. Se ontem predominou o DiscMan da Sony e hoje predomina o iPod da Apple, amanhã serão os telefones celulares os grandes players de música. Se, na indústria aeronáutica, a líder de ontem era a United Aircraft e as de hoje são Boeing e Airbus, a Embraer pode ser a de amanhã. E assim por diante.” E o mais aterrador é que as empresas líderes de hoje ainda não estão sentindo as dores da obsolescência, segundo Christensen. Mas sentirão.
Sempre foi assim? Melhor!
G
estão de orçamento não é estratégia, mas é parte da implementação de estratégia. E uma parte especialmente vital em épocas de crise. Foi o que motivou a palestra de Fernando de Campos Araújo Macedo no ciclo paralelo da ExpoManagement 2008, sobre como melhorar o EBITDA em momentos difíceis da economia e dos mercados. O EBITDA é o acrônimo de uma expressão em inglês, já amplamente utilizado no Brasil, que representa a geração de caixa da empresa. De acordo com Macedo, que é membro da Expense Reduction Analysts (ERA, rede presente em mais de 30 países especializada na redução de gastos operacionais não ligados ao negócio principal), os gastos do tipo “sempre foi assim” devem ser os pontos de partida para qualquer revisão de custos. Ou seja, quando avaliam certos gastos comparando-os mês a mês e não dão atenção aos que se mantêm, as empresas estão agindo errado. “Os gastos ‘mais ou menos iguais’ são os primeiros que podem ser mudados”, explicou à plateia. Macedo propõe aplicar o Teorema de Paretto aos gastos –80% das despesas seriam ligadas ao negócio principal e 20% não seriam– e fazer os cortes com esse ponto de vista. O impacto da lógica 80/20 nos orçamentos foi comprovado em uma pesquisa com 472 empresas de 26 países, que revelou que 19,7% dos gastos, em média, não se referem ao negócio principal. É fundamental, segundo o especialista, que o processo de vigilância orçamentária seja permanente, constituído de monitoramento e mensuração.
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Ainda bem que houve a palestra de Jeff Fettig, CEO e presidente do conselho de administração da Whirlpool, a maior fabricante de eletrodomésticos do mundo, com 20% do mercado total, dona no Brasil das marcas Brastemp e Consul. Ela deu mais ânimo às empresas estabelecidas. Embora Fettig tenha deixado clara a necessidade de um esforço descomunal para inovar –por exemplo, um assombroso contingente de 20 mil pessoas trabalhou diretamente com inovação na empresa nos anos 2005 e 2006–, ele também mostrou que, em nove anos, é possível passar de um perfil bem pouco inovador para outro em que inovação vire regra. A decisão de se tornar inovadora, tomada em 1999, foi motivada pela percepção da indiferenciação, pela Whirlpool, de seus produtos, todos brancos, nas lojas e pela curva descendente do valor médio de venda. Espalhar o espírito inovador pelos 73 mil funcionários dos 170 países foi o caminho “nada fácil” buscado. Isso foi possível com uma série de iniciativas, desde o estabelecimento de um pipeline de ideias até a mudança para métricas diretamente atreladas à inovação, passando pela criação da função de mentores da inovação e por ferramentas de aprendizado a distância. Dos centros de tecnologia brasileiros da Whirlpool, em Joinville (SC) e Rio Claro (SP), saíram várias inovações, ressaltou o CEO da empresa. Mais interessante, contudo, foi notar que a Whirlpool, embora não se concentre apenas em inovações de ruptura, sabe do que Christensen está falando. Mesmo sem ter dito que buscou inovar para escapar da futura obsolescência, Fettig exibiu algumas inova-
Maurício Botelho, chairman da Embraer, discorreu sobre um tipo particular de estratégia: o turnaround
conhecimento não é um objeto, uma patente ou um indivíduo. É algo disperso por várias pessoas e lugares, que não pode ser guardado numa gaveta nem num computador. O resultado potencial de seu gerenciamento, já se sabe, é a redução do tempo e do retrabalho ou, no limite, o fim de uma constante “reinvenção da roda” nas empresas. Para que tudo isso aconteça, no entanto, as pessoas precisam ser colocadas no centro do processo, o que exige tempo, muito tempo. Só que, com o foco no curto prazo predominante no Brasil, esse tempo não parece estar disponível nas empresas, como afirmou Rivadávia Alvarenga, professor da Fundação Dom Cabral (FDC), em sua palestra sobre esse desafio estratégico na ExpoManagement 2008. “Mas também não dá para ter certeza disso: de repente, a partir de amanhã todo mundo começa a compartilhar o que sabe.” Como convém a um bom mineiro, Alvarenga citou Carlos Drummond de Andrade para iniciar sua conversa com a plateia no estande da FDC, na Expo. Contou que certa vez uma prima disse ao poeta que precisava lhe contar um segredo, pedindo que não o revelasse a ninguém. Respondeu o poeta: “Mas se o segredo é
seu e você não consegue guardar, eu é que vou guardar?”. Se ter conhecimento é ter poder, por que alguém há de querer compartilhá-lo? “É impossível gerenciar a vontade de uma pessoa de compartilhar um segredo, como no caso da prima do poeta; ela precisa querer compartilhá-lo”, explicou Alvarenga. “Para isso acontecer, o contexto deve favorecer que as questões venham à tona”, completou. Contextos em que “as pessoas que sabem calam” não são nada favoráveis, por exemplo. Algumas empresas já têm investido seu tempo nessa gestão de contexto. O professor da FDC contou que trabalhou durante oito anos com a Copersucar para tornar seu contexto favorável à troca de informações e conhecimentos. “Foi criado lá dentro o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), com locais de encontro próprios para fomentar a troca. No CTC, os erros costumam ser estimulados, porque podem virar algo útil. “Por exemplo, um adubo que não deu certo se transformou em plástico biodegradável.” Alvarenga ofereceu ainda o exemplo da Siemens, onde o processo de gestão de conhecimento levou 13 anos para ser implantado. “Hoje eles têm uma rede de troca
ções de ruptura em sua carteira de produtos (como o refrigerador com máquina de café expresso ou a lavadora portátil) e mostrou compreender a importância do foco em tarefas para inovar (como no caso de seu sistema organizador de garagens). Além disso, ele comentou sobre as iniciativas de inovação aberta, em colaboração com terceiros –o CEO da Whirlpool citou, no Brasil, cinco universidades e a Finep, a agência brasileira de inovação.
Carlo Ferreri
O
Sem segredos
Rivadávia Alvarenga disse que a gestão do conhecimento é gestão do contexto
de informações pela internet e uma equipe de projeto pode colocar suas dúvidas para todas as filiais da empresa. Em um dos casos, um engenheiro da Holanda já tinha uma solução para o problema de uma equipe e em dois dias o projeto entrou novamente no cronograma, gerando uma economia equivalente a US$ 330 milhões e livrando o grupo de uma multa pelo atraso.” Uma questão que sempre se coloca para as empresas é a de como mensurar ganhos a partir da gestão do conhecimento. Atualmente, explicou Alvarenga, elas têm usado mais técnicas como Balanced Scorecard (BSc) e menos de intellectual capital ou human resources administration (HRA).
Scott McNealy não pôde comparecer pessoalmente, mas enviou vídeo em que reforçou o compromisso da Sun com a inovação aberta
Colaboração aberta para inovar Inovação aberta. Estratégia aberta. O adjetivo “aberto” vem ecoando com cada vez mais força na mídia, remetendo a tudo que seja feito em conjunto com colaborações externas. A origem do conceito está nos softwares desenvolvidos a muitas mãos, por várias pessoas –geralmente sem patentes–, mas ele foi levado a novos patamares pela Wikipedia, o site que lançou o conceito de conteúdo colaborativo no mundo e que, em pouco HSM Management 72 janeiro-fevereiro 2009
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U
Tarefa de milk-shake
m erro estratégico grave, sempre cometido pelas empresas, é segmentar mercados por tipos de produtos ou de clientes. Quem afirmou isso na ExpoManagement foi o especialista em estratégia Clayton Christensen. E ele explicou: “As pessoas buscam produtos e serviços que as ajudem a executar tarefas de sua vida. Portanto, a segmentação precisa ser por tarefa”. O exemplo que ele apresentou foi dos mais saborosos: o milk-shake. Um tempo atrás, uma rede de fast-food norte-americana investigou a tarefa que as pessoas tentavam executar quando compravam milk-shake em seus restaurantes. Primeiro, perceberam que a bebida era bastante vendida como café da manhã. Depois, que muitos compradores eram moradores de subúrbios que faziam longas viagens para chegar ao trabalho e, por isso, tinham pressa para pegar o produto e o consumiam enquanto dirigiam seus carros. Aí se deram conta: esses consumidores precisavam de algo que lhes fosse entregue rapidamente e que durasse –e os distraísse– durante toda a viagem. Para cumprir tal tarefa, portanto, fizeram um milk-shake mais espesso que passou a ser vendido em máquina do lado de fora da loja.
tempo, se converteu numa das marcas globais mais conhecidas. Mais que uma marca, porém, o nome Wiki virou sinônimo de um novo modelo de negócio (e de um novo estilo de vida talvez) baseado na colaboração. O criador dessa tecnologia e, por tabela, grande responsável pelo fenômeno socioeconômico e cultural Wiki, o visionário Jimmy Wales, contou, no palco da ExpoManagement 2008, a história da família Wiki, que reúne a Wikipedia –hoje com 2,5 milhões de artigos em inglês e versões em 21 idiomas–, o ambiente Wikia, no qual usuários podem construir comunidades e compartilhar desde livros até artigos, e a ferramenta de busca Search Wikia, ainda em desenvolvimento, De acordo com Wales, as empresas estão certas ao divisar no ambiente Wiki grande oportunidade de gerar inovações. Elas podem desenvolver seus próprios wikis –por meio do MediaWiki, o software que roda a enciclopédia– e estimular funcionários de todas as áreas a dividir conhecimento, discutir caminhos e inovar. Segundo Wales, o ambiente wiki está preparado até para garantir que as discussões sejam “pacíficas e construtivas”. O modelo de colaboração aberta também foi defendido, na ExpoManagement, por Scott McNealy,
ISO da responsabilidade social
“E
sta é uma oportunidade histórica, pois a ISO 26.000, o novo certificado da responsabilidade social, pode ajudar o setor empresarial a ter respostas para o desafio da sustentabilidade.” A afirmação foi feita durante a ExpoManagement 2008 por Jorge Cajazeira, executivo responsável pela área de competitividade na Suzano Papel e Celulose, que foi a primeira companhia a obter o certificado ISO 14.001 no Brasil, em 1996. Cajazeira é o presidente do comitê da ISO que está desenvolvendo a nova norma. Em sua palestra no ciclo paralelo da Expo, ele deu uma ideia da importância de um certificado assim. “Em 2004, 1% do reconhecimento mútuo gerado pela norma ISO correspondeu a um aumento de US$ 6 bilhões no volume de exportações”, explicou. Na globalização, a padronização ficou muito mais importante, porque hoje se monta um produto com peças de diversos cantos do mundo; sem padrão, a montagem é inviável. E as normas também servem de
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parâmetros para a mediação de conflitos. “Em casos em que é muito difícil impor barreiras tarifárias, começou-se a usar barreiras técnicas. A Organização Mundial do Comércio reconhece a ISO para isso”, disse Cajazeira, citando, como exemplo disso, o naufrágio do Titanic. “Como as seguradoras tiveram perdas gigantescas com o Titanic, os engenheiros navais se reuniram e criaram uma associação para certificar os navios e reduzir o prêmio. As mesmas empresas que faziam essa classificação fazem parte do que hoje é a ISO”, explicou. A ISO 26.000 também poderá ser usada na mediação de conflitos comerciais, acredita Cajazeira. “Falta esclarecer aspectos como sustentabilidade e caridade, meio ambiente e recursos humanos. E, nas empresas, ainda há uma briga para ver quem domina o assunto: se é o marketing, a comunicação, recursos humanos.” O primeiro desafio a ser enfrentado pelas empresas quando a norma for publicada, em 2010,
deve ser, contudo, o da adequação legal. “Muitas empresas dizem que cumprem a lei, mas quando a norma sai veem que estão escapando. Leva de dois a três anos para se adequarem. Vão ter de se adequar à Lei do Deficiente Físico, garantir o acesso em seus edifícios e resolver questões complicadas de saúde e segurança. A segunda etapa é a que começa a se descolar do legal, com preocupações quanto a diversidade, participação feminina, ética, tudo do ponto de vista prático. Para isso, estimo um prazo de cerca de quatro anos. E a terceira etapa é aquela em que essas questões já entraram no que chamamos de ‘DNA da empresa’. Para isso, são necessários cinco ou seis anos.” E um pouco de história: o nome ISO é o prefixo grego que significa “igual”, encontrado em palavras como “isonomia”. Essa certificação surgiu no pós-guerra, durante a reconstrução da Europa, para harmonizar os métodos de construção civil e facilitar o comércio.
“
presidente do conselho de administração da Sun Microsystems, uma das empresas que mais abraçou a causa do “open source” ou “fonte aberta”. Sua linguagem Java é exemplo disso, assim como seu OpenOffice, suíte de aplicativos para escritório multiplataforma que funciona em qualquer máquina e sistema, cuja versão 3.0 foi lançada em outubro de 2008 e que teve 4 milhões de downloads na primeira semana no ar. Impossibilitado de comparecer ao evento, McNealy enviou um depoimento em vídeo em que apresentou as cinco razões para que as empresas passem a trabalhar com colaboração aberta e gratuita: 1. Custo zero para aquisição de clientes. 2. Aumento da interoperabilidade. 3. Maior alavancagem de pesquisa e desenvolvimento. 4. Maior segurança. 5. Menores barreiras para existir no mercado.
Quando a estratégia é o turnaround Em épocas de crise, muitas vezes a estratégia inovadora requer, antes, uma estratégia de turnaround, para que a empresa saia do sufoco dos números. Foi esse exemplo que a Embraer, fabricante de aviões brasileira que hoje lidera o mercado mundial de aeronaves de 91 a 120 assentos com market share de 57%, levou à plateia da ExpoManagement 2008. Em 1994,
quando foi privatizada, ela estava prestes a falir –faturava o equivalente a US$ 250 milhões anuais apenas e registrava um prejuízo de US$ 330 milhões; agora, só nos nove primeiros meses de 2008, faturou US$ 7,6 bilhões. Quem subiu ao palco para descrever o turnaround foi quem o liderou: Maurício Botelho, CEO da Embraer entre 1995 e 2007 e atualmente presidente de seu conselho de administração. As diretrizes da virada foram detalhadas, desde o foco no cliente –no fundo, foco na tarefa que o cliente quer executar– e não na engenharia até a motivação e valorização das pessoas, passando pela liderança pelo exemplo e com transparência, pela comunicação clara e verdadeira. E, claro, muito importante: a capacidade de estabelecer prioridades. O que não deixa de ser uma forma de definir estratégia também, não é verdade?
Jeff Fettig admitiu que a Whirlpool não era uma empresa inovadora e contou como ela começou a sê-lo nos últimos nove anos
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Marketing
O buzz acima Enquanto, no palco principal da ExpoManagement, Philip Kotler enfatizava o leque de tecnologias à disposição do marketing, nas palestras paralelas o marketing olho no olho ganhava as atenções
Philip Kotler enfatizou a importância de prestar atenção às ferramentas digitais
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Um mundo onde o consumidor é cada vez mais poderoso e sua atenção se dispersa em um gigantesco leque de opções de consumo acaba sendo, naturalmente, um mundo marcado por uma guerra de marketing. Resta às empresas procurarem as melhores armas para o combate, armas essas que deem conta não apenas das batalhas atuais, mas das futuras, no front pós-industrial ao
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qual se chegará com o novo mapa esboçado na ExpoManagement 2008. Ainda bem que estava no palco principal da ExpoManagement um dos pensadores da área com visão mais abrangente do assunto. Philip Kotler, estudado por dez entre dez profissionais de marketing, mostrou-se cada vez mais interessado nas armas digitais, na verdade. Uma de suas principais mensagens versou sobre a necessidade de as empresas reavaliarem seu mix de marketing para incorporar adequadamente as novas mídias digitais –desde os já conhecidos sites, e-mails, banners e pop-ups até webcasts, podcasts, videocasts, blogs e marketing mobile, passando por sites de relacionamento, mensagens instantâneas e buzz estimulado. Ao buzz estimulado Kotler dedicou um “capítulo à parte” de sua palestra. Segundo ele, alguns empresários e executivos se dedicam a ser eles mesmos os buzzers de seu negócio, como é o caso de Richard Branson, do Virgin Group. Mas há muitos outros tantos potenciais profissionais de buzz, dentro das próprias empresas, entre clientes, fornecedores e parceiros, e estes devem ser encontrados e estimulados. Os melhores perfis a identificar são, por exemplo, os mavens (especialistas, geralmente informais, em determinado assunto com motivação para falar sobre isso e explicar), os conectores (pessoas com grande capacidade interpessoal que frequentam diferentes grupos sociais) e os vendedores (persuasivos, ajudam muito a criar interesse viral). Além disso, há buzzers profissionais, como os da empresa BzzAgent.com, nos Estados Unidos, que podem ser contratados. Embora isso entre no perigoso território do stealth marketing, ou marketing disfarçado, o que é ainda mais perigoso na era da transparência, a Bzz tem algumas regras que diminuem a eventual fragilidade ética desse tipo de abordagem: só aceita
de tudo fazer buzz de produtos de real qualidade, identifica e contrata buzzers de diversos grupos sociais e envia-lhes os produtos dando-lhes total liberdade para usar e falar bem ou mal deles –na verdade, a Bzz até pede que os blogueiros relacionem os aspectos tanto positivos como negativos do produto. A remuneração da Bzz ao que ela chama de agentes de buzz é por meio de prêmios, proporcionais a menções dos produtos em blogs e sites de relacionamento, por exemplo. As menções podem ser positivas, negativas ou neutras.
Olho no olho Richard Vinic, coordenador dos cursos de pós-gra duação em gestão de marketing e serviços e administração de marketing da FAAP, discutiu a importância do que chama de “marketing olho no olho” no ciclo de palestras paralelas. Vinic não desconsiderou a importância das tecnologias de comunicação, mas sugeriu que os gestores de empresa se inspirem nas cidades do interior, onde as pessoas ainda se encontram para tomar chope, conversar, ser humanas... Muita gente hoje restringe seu círculo de relações às comunidades virtuais, agravando o estresse. A tecnologia, para Vinic, deve servir para ajudar a pessoa a ganhar tempo para aprimorar a prática do marketing olho no olho, mas não para substituir o contato pessoal. Vinic contou três casos em que esse marketing se aplicou: Olhe a concorrência! Um executivo de marketing norte-americano chamou um jardineiro para aparar a grama de seu jardim e se surpreendeu com o garoto, que tinha apenas 16 anos. Depois de terminar o serviço, o jardineiro pediu para usar o telefone. O jardineiro ligou para uma cliente e ofereceu seus serviços e, diante da aparente recusa, propôs até reduzir o valor. Quando desligou o telefone, o executivo lhe perguntou o que acontecera e o menino disse que se fez passar por outro jardineiro para testar o grau de satisfação de uma cliente e que ela se mantivera fiel a ele. Olhe (com cuidado) a tecnologia! Um homem estava desesperado à procura de emprego e, por sua baixa qualificação, não conseguia nada. Viu então uma oferta para faxineiro e candidatou-se. Foi aprovado e, no pri-
meiro encontro com o novo chefe, este lhe pediu o endereço de e-mail. Ele não tinha e não foi contratado por isso. No dia seguinte, resolveu ir ao mercado municipal comprar frutas para vender no farol. Foi tão bem-sucedido que em pouco tempo abriu uma banca de frutas, que se transformou em uma rede e virou referência. O e-mail o teria impedido de enxergar seu verdadeiro talento. Essa foi uma história real, ocorrida no Brasil. Olhe com carinho para seus clientes! Joe Girard, considerado pelo Guinness Book o maior vendedor de carros do mundo, praticamente implorava para que os clientes comprassem dele. Quando fechava a venda, dizia a cada um: “Eu amo você!”. A explicação, segundo ele, é que o processo de venda é como um casamento.
Richard Vinic, coordenador da pós-graduação de marketing da FAAP, recomendou o marketing olho no olho para contrabalançar a exaustão emocional causada pela tecnologia
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Liderança
Cartógrafos e Se agora o bom líder deve desenhar o novo mapa da empresa e implementá-lo, o melhor exemplo de líder da ExpoManagement esteve na figura de Muhammad Yunus, fundador e gestor do grupo Grameen Em Bangladesh existe um banco com 1.781 agências, 7,5 milhões de clientes e carteira de empréstimos equivalente a US$ 1 bilhão. Poderia ser um banco qualquer, não fosse uma métrica de desempenho excepcional: sua inadimplência é irrisória; 99% dos empréstimos são
advogados precisam dizer “sim”
A
s mudanças que estão ocorrendo na economia e na sociedade também afetam profundamente a área de direito, inclusive direito empresarial. Como explicou Sérgio Guerra, professor do curso de direito da Fundação Getulio Vargas em São Paulo, em palestra no ciclo paralelo da ExpoManagement, agora o profissional de direito precisa transcender e conhecer realmente bem o negócio da empresa, o orçamento, aspectos de contabilidade, economia, técnicas de negociação. “Não adianta querer resolver a partir do histórico. É preciso buscar soluções, se antecipar, prever os riscos e aprender a dizer ‘sim’. Atualmente, o departamento jurídico das empresas é o lugar que diz ‘não’. Isso precisa mudar”, disse Guerra. Ele explicou que a visão legalista cede espaço para outra mais abrangente, que existe na verdade desde o fim da Segunda Guerra Mundial, mas ganha força agora, estabelecendo que o direito não são só as leis, como também as normas –os princípios. “Não basta mais o que está escrito, é preciso se preocupar com os sistemas”, explicou Guerra. “Existe um risco sistêmico, e a sociedade tem de reduzir esse risco.” Em outras palavras, as empresas devem passar a se preocupar com os problemas internacionais e com o meio ambiente mesmo que isso não esteja na letra da lei. O direito vai lhes exigir isso.
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pagos integralmente. Também não é um banco qualquer porque estabeleceu uma norma que nenhum outro banco do mundo segue: não exigir garantia para empréstimos. Estamos falando do Grameen Bank, o banco dos pobres que garantiu a seu fundador, o economista Muhammad Yunus, um dos melhores reconhecimentos por desempenho de que se tem notícia: o prêmio Nobel da Paz de 2006. Yunus subiu ao palco da ExpoManagement 2008 para contar como a mentalidade de gestão empresarial e as próprias empresas são capazes de mudar o mundo, eliminando os graves problemas que o afligem atualmente. Ele foi o cartógrafo e é o navegador de seu banco, que fundou, 30 anos atrás, reunindo máximas de gestão –como a de transformar os tomadores de empréstimos em empreendedores– com soluções inovadoras do tipo “priorizar as clientes mulheres, que são mais boas pagadoras”, emprestar somente quantias pequenas (algo entre US$ 30 e US$ 200), transformar os tomadores de empréstimos em sócios e condicionar a concessão de empréstimos a contrapartidas como garantir que os filhos estudem. É a mentalidade empresarial que dá sustentação a todo o grupo Grameen, com vários empreendimentos, até em áreas como telecomunicações e internet. Um dos empreendimentos, uma joint venture com a empresa francesa Danone, foi apresentado por Yunus como o exemplo de outro conceito inovador elaborado por ele: a empresa social, feita para servir os outros, mas sistematizada como uma empresa. Onde os investidores recuperem o dinheiro investido, mas não lucrem além disso. Onde o lucro seja reinvestido no negócio social. Essa, do Grameen com a Danone, produz iogurtes com os nutrientes complementares (ferro, zinco etc.) para fazer com que uma criança subnutrida supere todas
navegadores Yunus encarnou o tipo de líder que se espera nos novos tempos: estrategista e implementador, com horizontes bem mais largos que os lucros e a satisfação dos acionistas
as suas carências em dez meses se tomar apenas dois potes por semana. E o vende em Bangladesh a um preço baratíssimo. Yunus justificou a motivação para esse tipo de empresa: “Os seres humanos não são máquinas de fazer dinheiro. Fazer dinheiro é apenas um lado nosso, o lado egoísta, contemplado nas empresas com fins lucrativos. Temos outro lado, o altruísta. E precisamos de uma empresa para contemplá-lo”. Para finalizar, o economista convidou cada gestor da plateia da ExpoManagement a desenhar o protótipo de uma empresa social e a disponibilizá-lo na internet para quem quiser implementá-lo. Pode ser um projeto para tirar cinco pessoas do desemprego ou criar uma bolsa de valores social, não importa. Mas deve ser organizado como em-
presa e ter a finalidade de servir. Esse prêmio Nobel vindo de Bangladesh emergiu na ExpoManagement como o melhor exemplo de liderança mencionado pelos outros palestrantes, de Jim Collins e seu líder nível 5 a Stephen Covey, passando por Henry Mintzberg. Trata-se de um líder que planeja e implementa, reúne seguidores em busca de um sonho e com eles vence os obstáculos (a sequência de “nãos” que Yunus recebeu de bancos, empresas e governos foi incalculável), tem os olhos no longo prazo e pratica a liderança comunitária citada por Mintzberg –transformou seus alunos de economia da universidade em líderes do grupo Grameen e as tomadoras de empréstimos em líderes comunitárias. Mais que isso, trata-se de um líder que prega e valoriza a capacidade de gestão e, ao mesmo tempo, importa-se com objetivos bem maiores que agradar aos shareholders. Yunus é um líder voltado para stakeholders –como todo líder deve ser hoje em dia.
Sérgio Guerra, da FGV, contou como o direito vem se modificando e como as obrigações das empresas vão além do território legal
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Pessoas
Em busca da A urgência de priorizar as pessoas mais uma vez ficou claríssima nos palcos da ExpoManagement 2008, nas vozes de vários palestrantes. Mas, se essa decisão cabe às empresas, há outra, tão importante quanto, que é responsabilidade de cada indivíduo: a construção da grandeza pessoal “First who, then what.” “Primeiro
Para Stephen Covey, as pessoas se autogerenciam e todos prestam contas a todos
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quem, depois o quê.” A frase é poderosa, quase um slogan, e foi repetida com muita ênfase no palco principal da ExpoManagement 2008 por Jim Colllins, autor de Feitas para Durar e Good to Great, dois livros paradigmáticos da gestão atual. Para Collins, o paralelo entre as empresas e o alpinismo é cada vez mais evidente no que tange à razão do sucesso:
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você depende de seu parceiro para chegar ao topo da montanha e para fazê-lo em segurança. Por isso, um dos principais conselhos que Collins deu à atenta plateia de executivos em sua videoconferência foi o de responder a uma pergunta fundamental: “Imagine que a empresa que você está dirigindo é um ônibus. Quantos assentos em seu ônibus são ocupados pelas pessoas certas?”. Essa resposta cabe aos líderes e aos gestores de pessoas. E, cada vez mais, às próprias pessoas, responsáveis por si mesmas individualmente. Foi o que esclareceu, em outra palestra da ExpoManagement, Stephen Covey, autoridade em desempenho humano e autor de outro livros emblemáticos, como Os Sete Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes e O Oitavo Hábito. Ele afirmou que, de agora em diante, a cultura organizacional é a grande responsável pelos resultados e, assim, as pessoas se autogerenciam e todos prestam contas a todos. Isso tem uma série de implicações práticas: as sessões de avaliação chefe-funcionário tradicionais ficam ultrapassadas, a informação transparente se torna obrigatória e o chefe passa, de certa maneira, a poder ser demitido por seus subordinados. Covey e Collins, especialistas, ofereceram suas receitas de autogerenciamento ou, nas palavras de Covey, “receitas de criação de grandeza pessoal”. A receita de Covey consiste de seus já famosos sete hábitos –ser proativo, começar com os objetivos em mente, priorizar o mais importante, pensar ganha-ganha, tentar primeiro compreender para depois ser compreendido, criar sinergia, manter-se atualizado– e mais três conselhos valiosos:
grandeza 1. Ensinar o que aprende, porque esse é o melhor modo de aprender. 2. Ir fazendo. 3. Ouvir o outro realmente, até ritualizando essa prática eventualmente com o uso do bastão que só permite que fale aquele que o estiver segurando, como é costume em certas tribos de índios americanos. Collins também sugeriu suas medidas de autogerenciamento: 1. Que cada um monte o próprio conselho de administração, com conselheiros que considere qualificados. 2. Que cada um tente dobrar a quantidade de perguntas que faz no cotidiano em relação ao número de afirmações. 3. Que cada um se desligue duas vezes por semana do computador e de todos os eletrônicos, deixando um espaço mental vazio para pensar. 4. Que cada um faça uma lista de coisas para deixar de fazer. E deixe. 5. Que cada um articule suas responsabilidades, em vez de sua(s) tarefa(s). 6. Que cada um descubra seus valores centrais e as próprias metas “grandes e cabeludas” –um bom número para isso fica entre 10 e 25 itens. Por fim, Collins ainda lembrou a plateia da ExpoManagement das três perguntas que cada um tem de responder individualmente: O que o apaixona? O que você faz melhor do que ninguém? O que lhe dá dinheiro?
O foco da pessoa deve ser maior naquilo que fica na interseção das respostas a essas três perguntas.
Obrigações das empresas Em uma palestra paralela no estande da Fundação Dom Cabral, o gerente de desenvolvimento da instituição, Anderson de Souza Sant’Anna, desconstruiu o conceito de talento adotado pela maioria das empresas. “Hoje o termo está associado a uma pessoa que tem um dom extraordinário, mas, quando adota essa visão, a empresa acaba sendo elitista. Se 10% das pessoas têm talento, o desafio da gestão, portanto, é identificar os talentos dos 90%.” Por isso, Sant’Anna prefere que as empresas persigam a ideia de competência. Segundo ele, competência é a “capacidade individual de mobilizar saberes, conhecimentos, atitudes e experiências para gerar resultados. Isso é diferente de uma análise só das qualificações profissionais, que são necessárias, mas não suficientes. As competências estão mais ligadas aos comportamentos que permitam gerar resultados”. E a organização precisa criar ambientes organizacionais que as promovam; só treinamento não basta. Um departamento de gestão de pessoas estratégico, ou seja, “que não apaga só incêndios”, tem de saber selecionar pessoas por competências e criar o ambiente propício
Jim Collins elencou, entre suas recomendações radicais aos gestores, desligar-se duas vezes por semana de todo e qualquer dispositivo eletrônico, com o objetivo de deixar um espaço mental vazio para pensar
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Raio X da educação superior
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oje, no Brasil, um CEO ganha mais de 300 vezes o salário de um trabalhador. Quem afirmou isso no ciclo de palestras paralelas da ExpoManagement 2008 foi Antonio de Araújo Freitas Jr., professor da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-Ebape) e membro do Conselho Nacional de Educação. Isso se deve à discrepância educacional brasileira e não atende ao conceito emergente, e necessário, de sociedade sustentável, que prevê não só que se cuide do presente, mas também do futuro. Para reverter isso, é preciso melhorar radicalmente os fundamentos da formação de administração no País. A palestra de Araújo Freitas fez um raio X da formação superior no Brasil: No Brasil, 10% da população entre 18 e 24 anos frequenta cursos superiores, enquanto nos EUA são 80% e no Canadá, 90%. No Brasil, 10% das pessoas são graduadas, enquanto na Rússia são mais de 50% e no México, 13%. O Brasil, porém, tem mais gastos públicos com educação do que Argentina, Chile, Índia e Rússia. Isso se reflete nos rendimentos das pessoas. Nos EUA, a relação entre escolaridade e renda mostra que a cada ano investido em educação corresponde um retorno salarial maior e garantido, porém coerente: high school incompleta, US$ 30 mil/ano; high school completa, US$ 39 mil/ano; bachelor, US$ 68 mil/ano; e mestrado, US$ 82 mil/ano.
Segundo Anderson de Souza Sant’Anna, da FDC, as empresas têm demandado super-homens e mulheres-maravilha como gestores, mas não oferecem a contrapartida
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para elas –inclusive com o desafio extra de gerir quatro diferentes gerações simultaneamente, identificando seus valores e estabelecendo os limites necessários para elas. Para tanto, os discursos da área de gestão de pessoas devem partir cada vez mais de uma visão estratégica, segundo Sant’Anna. “A crise atual é uma crise de excessos, em todos os sentidos. E nosso corpo não evoluiu tanto, por
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No Brasil, as estatísticas são as seguintes: Pessoas que completam o ensino fundamental ganham 49% mais do que pessoas sem estudo. Pessoas que completam o ensino médio ganham 217% mais do que pessoas que completam o ensino fundamental. Pessoas com ensino superior ganham 593% mais do que pessoas com ensino médio. Pessoas com pós-graduação ganham 1.164% mais do que pessoas com graduação. Nos EUA, quanto menos qualificada a pessoa, maior o desemprego. Em seguida, Araújo Freitas listou as principais questões a serem resolvidas: O governo investe muito no ensino público superior, mas quem estuda em escolas públicas não tem chance de entrar. Cursos de educação a distância e tecnólogos ainda não são reconhecidos; as pessoas não conseguem registrar seus diplomas. A grande concentração de cursos continua sendo no Sudeste; Sul e Nordeste ainda se equivalem. Cerca de 35% das pessoas estudam administração ou direito, o que é muito limitado em termos de diversidade de pensamento. Não existe trânsito entre estudantes dos países latino-americanos pela ausência de padrão em seus cursos.
isso está dando sinais. As organizações demandam super-homens e mulheres-maravilha –só está faltando mesmo pedir que voem. Mas até que ponto as empresas estão virando ‘super’ para acompanhar essa demanda?”, resumiu o gerente da FDC.
Efeitos sobre o corpo Realmente o corpo está dando sinais. Segundo a palestra da nutricionista Cláudia Stéfani Marcílio, gerente de projetos da Divisão de Pesquisas do Hospital Dante Pazzanese de Cardiologia, de São Paulo, desde o início dos anos 1990, o número de mortes por acidentes se mantém, as causadas por doenças infectoparasitárias diminuem e as derivadas de doenças cardiovasculares, como infarto e acidente vascular cerebral (AVC), aumentam consistentemente. E os países em desenvolvimento são os mais afetados: 45,6% das mortes são causadas por esse tipo de doença. “Os dados estão tomando a proporção de uma epidemia em todo o mundo, mas está havendo igualmente uma negligência generalizada”, explicou a especialista. O grande problema das doenças cardiovasculares é que a prevenção exige esforços individuais, ou seja, é a pessoa que precisa decidir mudar radicalmente de hábitos alimentares e atividade física.