Poemas Malditos 1Esqueço de dizer aos outros Que não sou nada como esta sombra distante Imerso nestes dias que se arrastam Como estas horas frias de uma madrugada inerte. Esqueço de procurar o lugar No interior de uma palavra que devore meus sentidos Vazio como toda e qualquer alma atormentada Nos labirintos indiferentes do além. 2Sei muito bem que pouco tenho a dizer O sol aquece meu espírito que sucumbe Há dor em meu corpo que apodrece E as horas testemunham indiferentes este meu fim. Lá fora as árvores me olham como se eu nada fosse Um cão sem dono não mais late próximo à minha janela Este dia melancólico não se parece mais com os outros Este dia qualquer repleto de escuridões suicidas. 3Procuro palavras nas sombras Mortas ou prestes a sucumbir como um louco com uma faca à mão O ar que respiro me sufoca lentamente Como este frio na espinha que estraçalha a rotina de meus dias inúteis. Jamais encontrarei o equilíbrio mental de que me falam os sábios Nasci para desagravar toda e qualquer ordem de que tenho idéia. Minha alma em frangalhos tateia a vastidão de todas as coisas abjetas Nos becos e nas sarjetas ressurjo insano como um mal-estar imprevisto.
4-Chuto o vento que me ignora As horas esmaecem e me perco em séculos de abandono. Os calabouços do além crescem agora em minha alma segregada. Caminho por entre o entre das escuridões que me arrebatam. Meu pensamento singra o que não é dito pelos mortos Para sempre no lugar deste meu nada.
5Os olhos fechados em minha sina de espírito indecifrável Quem em mim já se perdeu na eterna poeira dos séculos.
Nunca fui mais do que um estranho que partia ao chegar. Um hostil que perambula pelos corredores do acaso. Os olhos fechados e copo de vinho sorvido lentamente no escuro: Um passo e mais um passo e mais um passo. 6Chuto coisas por desejo de vingança Por tédio ou por falta do que fazer, decerto. Minha hora é hora onde o silêncio se estende: O poema inacabado que estrangula o instante. Chuto o ar por desejo de abandono Nestas rajadas de vento que dilaceram minhas vísceras combalidas. Posso sair cedo amanhã de manhã e trocar simplesmente de rosto Esmurrar minha alma vazia e ruir como um prédio esquecido.. 7-Cuspo no chão por excesso de angústia Que transborda como um rio na chuva que atinge a vidraça Correndo pelas ruas e esquinas do final do mundo como se não fosse Em minha alma que explode quando estraçalhada por um raio impiedoso 8Meus movimentos mais lentos indicam que começo a morrer/ Deixo de lado o que fui para padecer no silêncio de um louco que definha/ Amanhã hei de perder a noção de tempo e espaço Vou cavar mais buracos no vazio de minha alma Meus movimentos mais lentos, meu olhar que não mais se procura, O frio em meus ossos que se quebram num gesto de adeus. 9Procuro a desordem seja ela qual for Estou sempre onde as palavras se distanciam das coisas. Nunca suportei dar nome aos bois Nasci turvo como um rio indomável em minha estranheza Em tudo aquilo que agoniza na matéria deste desconforto Procuro a desordem seja ela qual for Neste vazio em minha alma que inunda as paredes do quarto. 10Já ele chovia passava das onze quando O silêncio da noite dilacerava sua alma Os mortos espreguiçavam-se na lúgubre aspereza do asfalto Um cão solitário fuçava as latas de lixo indiferentes.
Já passava das onze quando ele era ninguém
A mudez de sua alma rastejava por entre os corredores da loucura Os seus cinco sentidos chacoalhavam o tormento de uma hora fria No desejo incontrolável de pisar em frutas frescas . 11-Já tentei buscar a sanidade Esqueci-me do fato de que era torto. Palavras martelam minha mente Imóveis e indiferentes como um balde de gelo. Durmo muito mal quando não escrevo. Quando o nada abandona minhas entranhas carcomidas. Tudo aquilo que vejo se transforma Sempre quando me calo ao dizer o indizível. 12-Já sei como não ouvir minha própria voz É simples ser ninguém como esta rocha O sol que agora se recolhe me mostra o lado triste do escuro Palavras soltas cospem fogo à minha frente sem demora. Já sei como não ser mais do que coisa alguma É simples como nadar contra a corrente que se arrasta Para o lado do lado algum onde não mais encontras O lugar do sem lugar em sua alma. derruída. 13-Falo como quem morre e ressuscita em dia algum Estou para os buracos das ruas asfaltadas Meus membros inertes padecem como um tanto de folhas esmaecidas Adentro a vastidão das horas como um estranho à deriva na cidade. Hoje estes becos me desconhecem Como esta secular estátua na praça que me olha de esguelha Ninguém me escuta e me ponho a sussurrar o intangível Para os ratos e insetos atordoados nas sarjetas. 14 Deixem-me assim deste jeito A morte me toma por um estranho onde quer que eu vá Escrevo este meu fim dia a dia com a garganta seca Sem desejo de coisa alguma minha alma rasteja nos corredores do inferno. Troco de rosto para não sucumbir frente às palavras Vou chutando o vento como quem sente que a hora não tem fim Falo com árvores e caio em buracos quando olho o que não vejo Na rua do infinito onde posso encontrar o nada na esquina. 15As coisas passam por mim Estão agora à minha frente imóveis em sua solidão de coisa.
Uma palavra não afetará este quadro triste. Nestas frutas atiradas em sua morta natureza Nestas cores iguais e nada mais e nada menos do que isto. Gosto de naufragar por entre aquilo que não vejo Estando qualquer um de que se tenha idéia. Eu vejo o que está ali, mas mesmo assim tudo me é tão distante Para o sempre que aparta a imagem de um frio na espinha. 16não sei fazer o que não faço meus sentidos sempre distantes de mim caminho sem lugar por entre os abandonos da memória desaprendo a ser com o vento que escarra na face dos proscritos. 17Lá fora tudo se vai como se jamais estivesse As árvores sussurram incertezas na raiz de um pensamento sem paragem Não havia muita coisa quando o pouco era o que era Para fora de si mesmo como uma canção emudecida. O silêncio assim reinava absoluto como um ninguém E a vida seguia sem rumo por aí como algo que nunca foi dito O tempo era qualquer um e o espaço tão vasto como uma rajada de vento Lá fora como uma vertigem no vaivém das marés intermitentes.. 18 Minha mente se reserva o direito De bater contra o muro de minha alma De rasgar o que resta de mim Numa sombra de final de tarde na sarjeta. A bebida que curte minha carne envelhecida Circula como o sangue que insiste em minhas veias ressecadas Já perdi a vontade de não ser Nem mesmo uma palavra nesta sentença de morte. 19Vejo que chegas até mim Que o tempo devora suas entranhas pouco a pouco. Ainda velho como este adjetivo que muito diz Para te ouvir nas noites quentes e frias como uma boa tragada de um cigarro benfazejo. Um drink á tua honra e persistência Estivestes sempre ao meu lado quando jamais precisei Para longe onde as nuvens encobrem este presente No fantasma que circula nestes cômodos do além. 20este longo poema não tem nome
Muito menos cara de qualquer coisa em qualquer coisa que tenha cara Muito menos face em qualquer coisa que tenha face Muito menos rosto em qualquer coisa que tenha rosto. Este poema se arrasta ou anda ou corre por aí Sem lugar ou sem paragem como uma roda de carro que se desprende no meio da estrada No meio do caminho próximo ao que quer que seja Em tudo que se perde no abandono de palavras que descem ladeiras escorregadias. No limo das pedras as coisas deixam de ser Qualquer coisa em coisa alguma quando tudo anda de costas Quando os relógios param e o tempo esquece de contar as estrelas E as estrelas assim se esgarçam enredadas na vastidão do próprio brilho. Este poema não tem vez onde quer que seja Apenas e tão somente o vento que fecunda a deusa obscura Numa praia distante onde as ondas varrem o que resta dos mortais Enterrados próximo ao local onde resgatas teu ninguém. Para sempre longe de teu longe tu caminhas Entregue á própria sorte nas longas noites que em silêncio se estendem Para sempre nos distantes corredores de tua alma fugidia Sempre desterrado como um barco vazio na inclemência dos oceanos. Este poema não tem nada que o justifique Muito pouco em todo pouco de que mal tenho idéia Um tanto de qualquer coisa atirada por aí Nestes móveis que circulam pela casa como se tivessem pernas. Se a cadeira se mexeu, foi então assim que a vi À minha frente com as mãos á cintura a afrontar-me resoluta Esta mesa que correu e bloqueou a porta da sala Para que eu não pudesse mais tomar o rumo de meu vazio. As cortinas agora se insurgem contra mim E o branco que lhes convém abre um buraco em meu peito Posso abrir a janela para gritar e não ser ouvido O meu corpo enrijecido que recusa movimentos banais. A cabeça, os troncos e os membros que insistem como mortos Nestes versos derramados sem desejo de amanhã A poeira das ruas há de encobrir todos os nomes Para que ninguém possa conjugar o senão da existência. Este poema tem mais do que pernas e braços ou mãos ou tentáculos Ele tem esta ausência que devassa a alma triste de quem se arrasta Pela vida a padecer como dois olhos que enxergam o além
De gestos imperceptíveis que sempre mudam de lugar. 11vai saindo por aí como qualquer coisa em qualquer lugar vai andando ou correndo ou ventando ou escorrendo o que resta de mim Em frangalhos, em gerúndio destrutivo, em tudo aquilo que nasce e cresce e morre Mofando,morrendo,padecendo,chorando,mancando como quem manca toda vida Cabeça,fronte,crânio esmagado num acidente fatal Cabeça contra a parede sangrando, morrendo,sofrendo,caindo Cabeça contra a parede comendo,dormindo,gritando o além que me devassa. 12 Eu tenho um silêncio de noite Que adentra minha alma como uma sina Como um jeito único de ficar calado E ver as ondas que quebram Na praia distante em companhia da morte Que está ao meu lado a fumar este cigarro Nesta boca sem gosto Nesta comida ingerida ao saber de sua partida Sentado à mesa bem em frente ao copo vazio Que se espatifou no chão ao ouvir alguém dizer Que tudo era para sempre E que não poderia jamais ser tocado Por suas mãos misteriosas Naquele seu destino traçado Pela ordem indiferente de qualquer Deus Pela ira de um Netuno embriagado Circulando por entre o entre das horas vazias Eu só tenho agora O ruído das águas E este jeito de quem vai se atirar da janela De quem já está de malas prontas Como aquele que disse que voltava logo E que desapareceu arrastado pelas correntezas impiedosas Pois que chego agora à terrível conclusão De que o mar tem cabelos e braços e pernas longas e precisas Que nos enredam e nos fazem sucumbir na imensidão misteriosa. 13 ontem eu não era nada Hoje nada ainda sou em muito pouco Caminho por aí ensandecido Vazio na palavra vazio e escorrendo como as águas Vazio na palavra calado e no mais o menos que me torna quase coisa alguma Vazio na palavra vazio como uma sombra no final da tarde.
14 Deixo que a vida sangre Aquilo que pulsa em minhas veias Eu vou conjugar verbos homicidas Para que o tempo feche e a chuva invada as casas dos homens de bem. Quero ignorar as leis e reger uma orquestra de loucos Cuja música possa fluir dos gritos desesperados daqueles que padecem No inferno de almas inquietas que esbarram umas nas outras E digam para si mesmas que o fim está próximo. Deixo que a vida escarre O que resta destes restos que circulam neste agora Este frio e este calor insuportável nas sarjetas Do absurdo que assola o interior de falas distantes Neste jeito de dizer o indizível Que devora o além de sua sombra. 15 Por entre o entre das coisas Caminha o cego repleto de náusea Ruminando a sua ânsia de vômito No interior de uma espantosa insanidade. O cego tateia o impossível Ao não eliminar de todo o mal Presente em sua alma que escorre Como um sangue proscrito em suas veias. Por entre o entre das coisas O nojo então se mistura à saliva Fazendo parte da palavra boca Que devora o indizível da repulsa. Por entre o entre das coisas O cego caminha e se esquece Na sua indiferença de costume Como quem mata um pássaro indefeso. 16 Quero uma faca Para cortar todo e qualquer nome Subir e descer escadas Matando quem quer que seja Apenas com uma faca Dissílaba e bem afiada Apenas com a palavra faca Paroxítona e sem desejo
Cinzenta em toda crueldade Que nos devora em pensamento Como uma chaga que penetra as entranhas E nos joga de encontro ao muro Das coisas prováveis e sem mistério Para que amanhã O espelho então condene O exercício de um assassino Que degolou uma senhora qualquer Sem motivo aparente Na esquina do final do mundo. Quero rasgar com um punhal Aquele porco imundo Para que comamos todos O interior da palavra banha Ao lado de alguns loucos Que me perseguem em meus sonhos Bem ao meu lado a dizer sandices Como quem acorda e não sabe onde está Como quem acorda e ainda procura Um lugar para cuspir a sua ausência Na latrina ou na pia ou no banheiro No interior de uma palavra suja Como o ventre de um animal morto.