Efeito Estufa, Mudanças Climáticas e o Protocolo de Quioto (*): Denise de Mattos Gaudard (*)
O Ciclo do Carbono e o Efeito Estufa refletindo nas Mudanças Climáticas O incremento do efeito estufa é uma conseqüência direta do desequilíbrio bioquímico na atmosfera do planeta, principalmente os fluxos, processos e reservatórios do ciclo do carbono. Ele é a principal forma pela qual o meio ambiente faz transferências e armazenamentos energéticos desta substância na natureza. Para equilibrar o processo de respiração, o carbono é transformado em dióxido de carbono (CO2). Outras formas de produção de CO2 são as queimadas e a decomposição de material orgânico no solo. Os processos envolvendo fotossíntese nas plantas e árvores funcionam de forma contrária. Na presença da luz, elas retiram o CO2, usam o carbono para crescer e retornam o oxigênio para atmosfera. Durante a noite, na transpiração, este processo se inverte e a planta libera CO2 excedente do processo de fotossíntese. Os reservatórios de CO2 na terra e nos oceanos são maiores que o total de CO2 na atmosfera. Pequenas mudanças nestes reservatórios podem causar grandes efeitos na concentração atmosférica. O carbono emitido para atmosfera não é destruído, mas sim redistribuído entre diversos reservatórios de carbono. Os outros gases causadores do efeito estufa (GEE), ao contrário, normalmente são destruídos por ações químicas na atmosfera. A escala de tempo de troca de reservas de carbono pode variar de menos de um ano a décadas ou até mesmo milênios. Este fato indica que o tempo necessário para que a perturbação atmosférica causada pela concentração do CO2 volte ao equilíbrio não pode ser definido ou descrito através de uma simples escala de tempo constante. Para se obter alguns parâmetros científicos, a estimativa de vida para o CO2 atmosférico é definida em aproximadamente cem anos. A utilização de uma escala simples pode criar interpretações errôneas Desde aproximadamente 1850, a comunidade científica constata um aumento gradual da temperatura do planeta. Esta variação vem ocorrendo de forma natural durante milênios ou, por vezes mais bruscamente, durante décadas. Ao longo do último século, principalmente após a Revolução Industrial, os países começaram uma vertiginosa escalada de crescimento econômico o que gerou o aumento da demanda energética, não só em função das necessidades das indústrias em expansão, mas também por causa do crescimento da população mundial. A conseqüência mais direta é o aumento da temperatura média do planeta em função da concentração de CO2 , numa média de 0,4% anuais. Este aumento se deve principalmente à utilização crescente de combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão) e à destruição das florestas tropicais. O aumento da concentração de outros gases também contribui para o efeito estufa. O gás metano (CH4) e os clorofluorcarbonetos (CFC) também vêm aumentando rapidamente. O efeito conjunto de tais substâncias pode vir a causar um aumento da temperatura global estimado entre 2 e 6 ºC nos próximos 100 anos. Um aquecimento deste porte alterará os climas em todo o planeta e também aumentará o nível médio dos oceanos em pelo menos 30 cm, o que poderá interferir na vida de milhões de pessoas que vivem em países e áreas costeiras mais baixas.
Precedentes ou Premonição? A cada ano que passa todos sentimos as profundas mudanças que vem ocorrendo no clima global. Diante de nossos olhos incrédulos, assistimos à formação de furacões cada vez mais constantes e devastadores; chuvas torrenciais gerando grandes inundações e secas que já estão durando anos, agravando cada vez mais a fome nos países mais pobres, entre outros. Os cientistas afirmam que é conseqüência do efeito estufa, fenômeno gerado pelos gases lançados na atmosfera e sobre o qual iremos discorrer mais adiante. Com estas dramáticas mudanças, vários países, inclusive o Brasil, começaram a discutir e a desenvolver mecanismos que poderiam possibilitar novas opções para um crescimento econômico sem necessariamente a destruição da natureza. Então, no ano de 1972, realizou-se em Estocolmo, na Suécia, a 1ª Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente, fato marcante que iniciou a mobilização mundial em defesa dos ecossistemas naturais. Após Estocolmo, deu-se início a um vagaroso incremento da consciência mundial, tanto por iniciativa de cidadãos, quanto de governos. Todos cada vez mais voltados para as questões ambientais locais e globais. Em 1989, a Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU) decidiu realizar a 2ª Conferência, que acabou se realizando somente em 1992. Dentre os muitos países que se candidataram para sediá-la, acabou vencendo o Brasil, que já procurava se firmar como um dos primeiros países em desenvolvimento a se preocupar com a causa ecológica. Foi realizada, então, a 2ª Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD) ou ECO 92. Rio de Janeiro: ECO – 92 A ECO-92 foi realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992, onde, ao longo de alguns dias, várias nações debateram as questões ambientais locais e globais, definiram uma sucessão de regras e metas em comum, estabeleceram novas diretrizes políticas de interesses transversais e também fecharam acordos conjuntos. Todos os participantes se comprometeram mais efetivamente em mitigar os emergentes problemas climáticos, tendo como conseqüência mais concreta a emissão de um documento sobre a Convenção Quadro sobre Mudanças do Clima (em inglês, United Nations Framework Climate Change Convention, UNFCCC). Através deste documento, os 190 países signatários reconheciam que as mudanças climáticas e o efeito estufa eram os fenômenos que comprometeriam mais gravemente o futuro do planeta. Dessa forma, as novas políticas de preservação passariam a ser uma responsabilidade comum a todos. Os signatários teriam como principal objetivo estabilizar a concentração dos gases geradores do efeito estufa na atmosfera, de forma que estes não gerassem mais riscos para o ecossistema planetário. “Agenda 21” Discutida e aprovada durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD, Rio de Janeiro, junho de 1992), os critérios da “Agenda 21” constituem um programa a ser implementado ao longo do século XXI pelos governos, pelas ONG's e demais instituições da sociedade civil e pelas demais instituições multilaterais de fomento ao desenvolvimento sócio-econômico. A “Agenda 21” culmina um processo que durou 20 anos de iniciativas e ações de âmbito local, regional e internacional, visando deter e reverter a constante degradação dos ecossistemas, tão vitais para a manutenção da vida. Outra prioridade é alterar gradativamente as políticas que resultaram nas brutais desigualdades sociais e econômicas entre os países por meio de um programa de
erradicação e atenuação da pobreza, conservação, tratamento e exploração sustentável dos recursos naturais e provisão de melhores serviços de educação e saúde e combate da desigualdade entre as classes sociais.
Desenvolvimento Sustentável Para abrangermos as várias concepções sobre o que vem a ser o conceito de desenvolvimento sustentável, remontaremos a 1983, quando a ONU criou a 1ª Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento presidida por Gro Harlem Brundtland, então primeira-ministra da Noruega. A Comissão ficou conhecida como Comissão Brundtland. Os principais objetivos da Comissão eram: - Rever as questões críticas relativas ao meio ambiente - Promover uma forma de desenvolvimento que não esgote os recursos naturais, comprometendo-se com a sobrevivência das futuras gerações - Reformular propostas viáveis para abordá-las depois - Propor novas formas de cooperação internacional nesse campo, de modo a orientar as políticas e ações no sentido das mudanças necessárias - Dar a indivíduos, organizações voluntárias, empresas, institutos e governos uma compreensão maior desses problemas, incentivando-os a uma atuação mais firme Para alcançar um desenvolvimento sustentável, precisamos mudar os paradigmas das políticas governamentais, que deverão passar a implementar um planejamento de longo prazo a partir do reconhecimento de que os recursos naturais não são infinitos. Foi em razão destas novas concepções conceituais que surgiram as novas modalidades de desenvolvimento econômico, as quais passaram a levar em conta o meio ambiente. Também se destacam as profundas mudanças nos objetivos da sociedade humana em termos de comportamento social. Foi profundamente importante a percepção da humanidade de que não ela própria poderá sobreviver se houver o esgotamento total dos recursos naturais do planeta. E, em decorrência dos compromissos assumidos durante a CNUMAD ou Rio 92, o governo brasileiro desenvolveu através dos Ministérios do Planejamento e Orçamento, Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia e Indústria e do Comércio estudos para incorporar os princípios do desenvolvimento sustentável, tal como propostos na “Agenda 21”. Eles contribuíram para estabelecer as bases estratégias nacionais para o desenvolvimento local e global e, também, as políticas públicas que foram solidificadas em caráter nacional e internacional com o Protocolo de Quioto. O Protocolo de Quioto Em 1997, na cidade de Quioto, no Japão, estando presentes os representantes de 159 nações, foi realizada a terceira Conferência das Partes (COP 3). As duas anteriores foram promovidas respectivamente na Alemanha (COP 1), em 1995, e na Suíça (COP 2), em 1996. A Conferência em Quioto foi a mais abrangente e culminou com a adoção do famoso protocolo, um dos marcos mais importantes desde a criação da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC). Ele foi fundamentalmente utilizado como instrumento de combate às mudanças climáticas. O Protocolo de Quioto definiu: para sua entrada em vigor, seria necessária a ratificação por pelo menos 55 países industrializados (ou Anexo I) e que, juntos, comprometeriam-se a reduzir pelo menos 5,2% de suas respectivas emissões combinadas de GEEs. Isso corresponde a pelo menos 55% das emissões globais totais dos GEEs em relação aos níveis 1990 até o período entre 2008 e 2012. Ao ser ratificado, o Protocolo passaria a vigorar num prazo máximo de 90 dias, o que significaria passar a ser um compromisso de caráter legal, vinculando todas as Partes
(respectivos países) envolvidas. Assim, se alguma de suas Partes não cumprissem o acordo firmado, ficaria sujeita a penalidades dentro do Protocolo. É importante ressaltar que, graças a essa vinculação legal, esse histórico compromisso passou a produzir uma reversão da tendência histórica de crescimento das emissões iniciadas nesses países cerca de aproximadamente 150 anos atrás. A União Européia (EU) assumiu o compromisso de reduzir em 8%; os Estados Unidos, responsáveis sozinhos pela emissão de 36% do total de gases, comprometeu-se (sem assinar) a uma redução de 7%; o Japão concordou em reduzir 6%. Alguns países como a Rússia e Ucrânia não assumiriam o compromisso de redução e outros como Islândia, Austrália e Noruega ainda teriam permissão para aumentar suas emissões. O Protocolo foi aberto para assinatura de todas as Partes em 16 de março de 1998 e acabou entrando em vigor somente em 16 de fevereiro de 2005, após a entrada da Rússia, que ratificou-o em novembro de 2004. O Brasil assinou o Protocolo em 29 de abril de 1998, ratificando-o em 23 de agosto de 2002. Estados Unidos e Austrália até hoje não ratificaram o Protocolo, mas estão cumprindo internamente metas de redução dos GEEs com políticas próprias. Talvez uma das mais importantes contribuições em Quioto tenha sido dada pelo Brasil, que propôs a criação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Ele é um fundo global constituído por aportes financeiros dos países desenvolvidos pertencentes ao ANEXO 1, que não estivessem conseguindo cumprir suas metas de redução da emissão de GEE´s. Em Quioto, os estudos e critérios do MDL foram aprofundados com a possibilidade concreta dos países desenvolvidos financiarem projetos de redução de emissões de GEEs nos países em desenvolvimento. Gestando, assim, o futuro mercado de créditos de carbono. Convenção Quadro sobre mudanças do Clima (UNFCCC) A Organização das Nações Unidas (ONU), através do Painel Intergovernamental em Mudança do Clima (em inglês Intergovernmental Panel on Climate Change, IPCC), passou a desenvolver e a implementar os critérios técnicos e científicos que viabilizaram o início dos debates sobre as mudanças climáticas. Em 1990, as Nações Unidas, sob as recomendações do IPCC, iniciaram as negociações para a adoção do que viria a ser a primeira UNFCCC, ocorrida em 2 de maio de 1992, na cidade de Nova York. A convenção entrou em vigor em 1994, contando hoje com 186 Partes. Ficou estabelecido que os países signatários se encontrariam regulamente para continuar as discussões na Conferência das Partes (COP). Estas Partes foram divididas em dois grupos, de acordo com os princípios de equidade e “responsabilidade comum, mas diferenciada”: - Países pertencentes ao Anexo 1: Países industrializados membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (em inglês, Organisation for Economic Cooperation and Development, OCDE), exceto México e Coréia do Sul, com grandes níveis de emissões de GEE, possuem condições financeiras e tecnológicas para atingir as reduções. O mesmo vale para os países industrializados em processo de transição para uma economia de mercado como a Rússia e os países da Europa Central e Oriental. Esses países se comprometem a adotar políticas e medidas nacionais com metas a serem atingidas, ou seja, as emissões de GEE devem ser compatíveis aos níveis de 1990 até o ano de 2000. Estes países têm também o compromisso de relatar periodicamente o andamento das suas políticas e planos e fazer inventários anuais de suas emissões. Aos países industrializados em processo de transição para uma economia de mercado foi concedida flexibilidade nesses compromissos. - Países não Anexo 1: Países em desenvolvimento que devem relatar as suas ações em relação às mudanças climáticas.
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(*)Denise de Mattos Gaudard é graduada em Administração com ênfase em Gestão Empresarial, pela Univ Santa Úrsula (USU-RJ). Pós-graduação em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ) e Comércio Exterior pela Univ Católica de Brasília (UCB). Extensão em Educação Ambiental, pela Univ Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e Gestão de Projetos pelo Project Management Institute (PMI-RJ). Consultora de Gestão Empresarial e Socioambiental, com foco em projetos de gestão de resíduos, energia renovável, mercado de créditos de carbono e Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Criadora do PROJETO BIOREDES que visa a implantação da formação de redes cooperativadas que conjugam coleta seletiva com reciclagem reversa de oleo de fritura feita por associações e ou cooperativas de catadores urbanos (junto a prefeituras e com empresas financiadoras parceiras). Escreve artigos em mídias nacionais. Tambem participa de seminarios, palestras e cursos sobre Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).