Complexo de Messias e Sociologia Marco Aurélio Rodrigues Dias
O complexo de messias é muito comum na adolescência: o jovem desperta um pouco a intelectualidade discursiva, acha que o mundo está errado e cisma que pode consertá-lo. Muitos pastores veementes se acham investidos de missão divina, quando, na verdade, estão apenas acometidos psicologicamente pelo delírio do complexo de messias. Não obstante essa constatação, acreditam estar em seu poder a autoridade para mudar ou salvar o mundo. O tempo passa, o cabelo “branqueia”, a pessoa olha para trás e descobre que era apenas um cidadão chamado “João” e mais nada. Isso se não ficar louco de rasgar dinheiro. Napoleão Bonaparte, prisioneiro numa ilha, teve raciocínios desse tipo. A tendência do socialismo mundial é que o político vá desaparecendo como figura pessoal e central das negociações e medidas, e a sociedade, organizada em conselhos, assuma o papel principal de articuladora. Não queremos líderes, mas conselhos deliberativos. Esquerdas, direitas e lideranças carismáticas são meios ultrapassados de se fazer política. A figura dos conselhos políticos isentos de política partidária e de liderança carismática é a forma mais correta de socialismo e democracia. Os partidos denominados de direita e esquerda assim o eram em função da liderança e não da necessidade de melhorar as instituições: se o líder estava contra tudo e todos, o partido fazia o mesmo. Os líderes sempre se fazem donos do partido e o dirigem, e o povo brasileiro outorga poderes de rei aos líderes. O crescimento do socialismo e da democracia, sobretudo com a égide da globalização, deu uma subtraída ou uma amainada no complexo de messias dos líderes políticos brasileiros. Afinal de contas, atualmente, não estamos preocupados em salvar a alma de ninguém, queremos é salvar o planeta, do desmatamento e do dióxido de carbono. O complexo de messias, tanto quanto a bipolaridade e a loucura, chega a ser normal em pequeno grau, desde que a pessoa se controle e não transforme sua fantasia em sentimento de realidade. Toda vez que alguém se coloca na posição de arauto, é a manifestação do complexo de messias. Quanto mais os governos se socializam e convocam as instituições para pensarem a coisa pública e resolverem as questões internas dos municípios, dos estados e da federação, menos chance tem o político de manifestar o complexo de messias. O Partido dos Trabalhadores, por exemplo, naquela hermenêutica extremista de ser o único partido honesto, oposicionista e legítimo manifestou durante anos um complexo de messias coletivo, e os líderes petistas, em vários estados brasileiros, acreditavam piamente que o PT iria resolver todos os problemas econômicos e sociais do povo brasileiro, se entrasse no poder. Tudo não passava de uma fantasia gerada pelo complexo coletivo de messias que nasceu nas lutas sindicais. Isso não quer dizer que durante o processo do sintoma psicológico não tenha havido conquistas trabalhistas,
mas a tal salvação prometida (fim da pobreza, fim da fome, redução de impostos, etc) era apenas uma visão paradisíaca, muito parecida com as promessas de Paraíso e Edem dos líderes religiosos. As conquistas sociais sempre virão por meio da socialização das necessidades pessoais e coletivas e não pela imposição de uma liderança. A socialização, portanto, é a única maneira de alcançar conquistas sociais permanentes. A sociedade tem que pensar e resolver conjuntamente – essa é a forma mais avançada de relacionamento político. O desequilíbrio ambiental, caso continue na atual progressão conhecida, vai gerar mais pobreza no mundo porque menos alimentos estarão sendo produzidos, e a questão da diminuição das reservas de água potável será uma aliada da falta de comida e as duas juntas levarão os povos à loucura. No fundo, todos os arroubos do complexo de messias dos políticos e dos partidos foram e são desnecessários. O delírio coletivo do PT, dos líderes do MST, da mãe que perdeu seu filho assassinado e se torna líder de uma instituição que grita por justiça e segurança, querendo resolver para hoje questões sedimentadas no inconsciente coletivo desde épocas ancestrais, são características de um sentimento de missionário, de enviado, de revestido de poder, de complexo de messias. Precisamos da sociedade integrada e tomando decisões coletivas, em colegiados, em conferências, pois é isso que descentraliza o poder da administração pública e aproxima a comunidade de um exercício socialista e de uma cidadania correta, não dando chance para que algum político, patologicamente investido da fantasia de ser messias e salvador, domine a comunidade e tire proveito próprio disso ou conduza multidões a um desastre social. A experiência diz que ninguém vai salvar nada. O mundo tem um modo próprio de se conduzir. A sociedade humana está num processo de evolução natural. A socialização das questões comunitárias é o que mais se aproxima do real ou do futuro da humanidade. Enfim, a perfeição (natural) do mundo está na sua imperfeição (conceito nosso) e não carece de ser consertado. O universo nunca saiu do estado de natureza, onde predominam leis de relacionamento endógenas nos indivíduos, e o fato de termos entrado em estado de sociedade não significa que com resto da natureza aconteceu a mesma coisa. A violência das guerras e as cadeias lotadas de bandidos demonstram que a sociedade tenta criar um legislativo para tirar o homem do estado de natureza e organizar de forma sociável as relações humanas, mas o instinto natural da sobrevivência do mais forte está ali dentro do indivíduo monitorando as situações para entrar em ação a qualquer momento, com violência e sem leis outras que não as que contemplam a própria sobrevivência. Então indivíduo que escolhe o estado de natureza deixa de lado as leis trabalhistas, os processos legais de ganhar dinheiro, e vai para a rua esperar o primeiro que passa e toma (ditadura) violentamente a soma que ele adquiriu com esforço próprio. O ditador político, semelhantemente, toma da sociedade os direitos constitutivos, dissolve o congresso nacional, bloqueia as eleições e impõe uma severa censura a todo tipo de manifestação popular e artística. Como o bandido, tenta resolver as coisas de uma maneira pessoal e sem consultar a sociedade.
O complexo de messias nasce da área cerebral onde o estado de natureza do indivíduo está como que aprisionado, de plantão, sempre pronto para entrar em ação (ele leva títulos como “Lei de Gerson”, “jeitinho brasileiro”, etc.), e o MST (faço esta citação somente a título de estudo, pesquisa e análise) é mais uma manifestação do estado de natureza do que um movimento social organizado. Ele é uma mistura de estado de natureza e organização social, acionado pelo complexo de messias coletivo (observe-se que ele tem um cunho de ditadura e de senhor de engenho). Ele não propõe uma rodada de mesa com as instituições oficialmente organizadas para discutir as dificuldades coletivas. Age com ditadura e invade propriedades (estado de natureza) para só depois impor condições (complexo de messias). A política brasileira e a mundial estão cheias de patologias sociais e a gente observa os sintomas da tentativa de voltar ao estado de natureza não só com o MST e com os ditadores da América, etc. Isso é mais comum do que se possa imaginar porque o brasileiro tem uma dificuldade de socialização, ou uma desconfiança da socialização, e fica sempre com um pé no estado de natureza, pronto para resolver as coisas pessoalmente (passando por cima das leis ou tirando vantagens das instituições) e não em conjunto: é um que fura a fila, outro corta um pedacinho do dedo do pé para requerer aposentadoria, o prefeito que manda o chefe da administração apagar do cadastro os impostos territoriais de fulano de tal, o esperto que tira o selo de uma mercadoria mais barata e coloca na mercadoria mais cara no mercado, o político que negocia o voto para determinado projeto, etc. Enfim, a todo momento a socialização é assaltada pelo estado de natureza presente no inconsciente coletivo do indivíduo. O inconsciente coletivo é uma espécie de moderador entre o estado de natureza do indivíduo e o estado de sociedade. Ele tanto mantém o sujeito conectado com o estado de natureza quanto o mantém conectado com o estado de sociedade. Ele funciona como uma razão coletiva e não como uma razão social (constituição). Podemos dizer que o inconsciente coletivo, ao longo da evolução da raça humana, vai funcionar, e funciona, como uma razão social enquanto o indivíduo não desenvolve uma razão (mente?) própria. O inconsciente coletivo é uma razão emprestada. Eu diria que a humanidade ainda não é dotada de uma razão própria. O homem é um animal racional, mas ainda não é dotado de um mecanismo desenvolvido de razão pessoal: ela (a mente) está em desenvolvimento. A evolução social da espécie está sendo conduzida pelo inconsciente coletivo. No atual estágio de desenvolvimento, o homem usa uma mente ou razão emprestada pelo inconsciente coletivo. Motivo pelo qual normalmente o indivíduo oscila entre o estado de natureza e o estado de sociedade. Na verdade, todos nós usamos a mente coletiva ou o inconsciente coletivo em vários momentos do dia a dia, e em raros momentos acionamos os rudimentos de uma razão pessoal para agir e pensar. Provavelmente, durante a evolução da espécie, vamos adquirir uma mente própria e abandonar completamente o inconsciente coletivo como forma de razão e cognição pessoal. A forma mais perfeita de socialismo vai existir quando os indivíduos desenvolverem completamente o mecanismo próprio de inteligência e deixarem de recorrer ao estado de natureza do inconsciente coletivo para resolverem seus problemas. A dificuldade que as comunidades encontram para socializar questões administrativas, tanto por parte do povo, quanto por parte dos administradores, nasce do fato de que o mecanismo racional que está em uso no indivíduo é o inconsciente coletivo emprestado, e esse conecta permanentemente o indivíduo com o estado de
natureza e o faz reconhecer que suas questões pessoais precisam ser resolvidas de uma forma não socializada, mas baseada na lei da sobrevivência do mais forte (todavia sabemos que na teoria da evolução natural a sobrevivência é a do mais adaptado (socialização com o meio) e não a do mais forte), na base da “lei de Gerson” e ele procura um vereador ou um funcionário de certa instituição para dar um “jeitinho” e passar por cima das leis ou por debaixo dos panos, como se diz. É a sua maneira de ser rei e de ser ditador, pois ele não aceita integralmente a socialização como uma forma melhor de resolver questões pessoais. Essa é a razão pela qual as conferências públicas municipais para montar colegiados não atraem muitas pessoas. A socialização está em evolução.