Cioga Do Campo

  • June 2020
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Cioga do Campo - Terra sem lei PARTE I Escondida entre montes e vales, disfarçada de aldeia rural que não figura no mapa, fica Cioga do Campo. Esta enigmática povoação foi estrategicamente escolhida pela sua insignificância e especial descrição. Aparentemente inalterada com o passar dos tempos, esconde nas suas profundezas a mais tecnlogicamente avançada organização mundial, sede de uma conspiração global que dali é manobrada e coordenada. Controlam-se satélites, exércitos, políticas económicas, propagandas e tractores com um objectivo secreto e manipulado pelos poucos muito poderosos do mundo. Segredo bem guardado até das polícias secretas mais modestas, esta organização usa os recursos do planeta em proveito de alguns, opera autonomamente e sem lei regente a não ser a sua, o lucro. Tendo levantado algumas suspeitas no início dos anos 80, todas as investigações foram misteriosamente abafadas por ordens superiores que ninguém pode questionar. Naquela zona, a fonte de radiação é tal maneira forte que os telemóveis comuns não funcionam bem, a electricidade tem uma potência variável e até o fornecimento de água é independente da restante região. Uma estranha actividade aeronáutica, pára quedas largados a meio da noite, carros de luxo e de grande potência que desaparecem em celeiros centenários, fontes de água abundantes e geladas que de um momento para o outro começam a ferver, uma fertilidade extrema da terra, empresas multinacionais que experimentam formas de cultura vanguardistas e secretas, a abundância de antenas parabólicas gigantes, um pioneirismo em aspecto menos comuns da sociedade e tantos outros factores, provam que Cioga do Campo é o ninho da mais terrível conspiração global alguma vez orquestrada.

Mapa da Zona - Triângulo da Cioga Ançã

- Pedreiras - armazéns radioactivos e atómicos protegidos por metros de pedra densa. - Fonte - abundante e inesgotável fonte de água subterrânea que arrefece os reactores - Proximidade da auto-estrada para servir transportes urgentes e secretos a qualquer horário e com total descrição. S. Facundo - Centro de Segurança - controla os principais acessos à Zona Secreta da Cioga (ZSC) e monitoriza todo o vale Mondego. S. João do Campo - Centro de Limpeza de todos os complexos da Organização S. Silvestre - Perímetro residencial dos quadros médios da organização Zouparria - Zona de controlo remoto de satélites - zona alta S. Marcos - Palácio - Centro de coordenação e decisão de todo projecto Cioga do Campo - Laboratório, centro informático central estratégico coordenador dos reactores, centro de cordenação de fusão nuclear e dos satélites em Órbitra.

Historial Após a crise energética mundial, alguns senhores do mundo empenharam-se em juntar os mais poderosos e com recursos para iniciar o processo do controlo global do planeta. No final da década de 70 os detentores das maiores fortunas, donos de países e continentes, monopolizadores dos recursos energéticos e dos meios de produção juntaram-se com o objectivo de controlar toda a

população mundial e escraviza-la através dos meios de comunicação, da tecnologia e dos alimentos. Com os governos fantoches e promoverem a cooperação e a integrarem competências políticas e económicas, a previsão do fim da guerra fria e o apaziguamento da oposição e consciência popular, esta organização, desconhecida oficialmente e sem lei para travar os seus objectivos começa por escolher o local mais insuspeito que uma ilha no pacífico, uma estação petrolífera no mar do norte ou uma catedral de Roma; Cioga do Campo. Situação Geográfica - Localizada em pleno vale Mondego, Cioga do Campo foi a mais insignificante localidade do mais insignificante país do mais insignificante continente do mais insignificante planeta, da mais insignificante galáxia, do mais insignificante Universo. A proximidade com enormes nascentes de água subterrânea, pedreiras gigantescas (estranhamente abandonadas), um vale fértil para agricultura experimental (onde empresas multinacionais experimentaram o cultivo de transgénicos e o uso de pesticidas letais), a proximidade do mar e de grandes vias fluviais, uma gastronomia (leitão, lampreia, chanfana, bolo de Ançã) e cultivo vinícola (espumante tinto principalmente) de excepção, uma Universidade famosa para encobrir e fornecer discretamente tecnologia e componentes raros, uma região abandonada de progresso e sem futuro aparente, forma as principais razões para a implantação no início dos anos 80 da organização nesta região. Após a criação de infra-estruturas completamente autónomas do mundo exterior (água e electricidade fornecida autonomamente, construção de um mundo subterrâneo que unia os vários sectores do núcleo central da organização e dos acessos aos locais, etc.) os primeiros projectos desenvolvidos foram o laboratório que produzia todos os materiais necessários para a transformação de drogas importadas do Oriente (ópio) e América (cocaína), uma dos principais fontes de receitas da organização. O resultado das experiências estavam projectados para ser experimentados nas principais cidades do país, mas uma fuga de materiais através da corrupção entre a segurança de S. Facundo e o pessoal da limpeza de S. João do Campo causou uma das maiores calamidades

sociais alguma vez sentida em Portugal. Uma aldeia inteira, quase sem excepção, ficou viciada em drogas duras. A limpeza das instalações passou por maus bocados até que novas drogas foram criadas para controlar a fraude e o suborno foram usadas nos funcionários que entretanto deixaram de obter salários já que estavam controlados pelas várias drogas fornecidas à população através da água e produtos alimentares modificados geneticamente. Com o laboratório a dar frutos e os principais problemas de recursos humanos resolvidos, o centro de fusão nuclear e reactor adjacente começaram a ser construídos em finais dos anos 80 entre as antigas pedreiras (entretanto encerradas por ordens superiores) e a fonte de Ançã. Esta fonte comunica com um rio subterrâneo cujo lençol de água expele XXXX m3 por segundo e é ideal para arrefecer o gigantesco reactor. Fortalecidas as políticas da C.E.E., afasta-se grande parte da população do meio rural e das culturas autóctones permitindo uma maior margem de manobra à organização. O frio mesclado de continental (neve nas Serras da Lousã e Estrela) e húmido dos ventos e oceano Atlantico da costa entre Figueira da Foz e Mira ajudaram a seleccionar a população restante já que grande parte dos recentes habitantes obtinham febres reumáticas e tinham de ir morar para o sul. A compra massiva de terrenos a preços baixos passou despercebida por ter sido efectuada através dos poderes locais de uma forma extremamente e a rápida subida dos preços para números astronómicos em meados dos anos 90 ajudaram a dificultar ainda mais o acesso à zona. É também por esta altura que algumas empresas locais de construção e cimenteiras vizinhas começam a florescer devido ao fornecimento de materiais para toda a construção do complexo secreto. Com a era espacial aparentemente esmorecida pela desilusão da ida à lua, satélites de comunicação começam a ser lançados diariamente. A partir da tecnologia mais avançada, enormes quantidades de informação pode ser lançada para todo o mundo à velocidade da luz. As notícias são ali fabricadas, os governos decididos, as façanhas premiadas. A corrupção, o crime organizado e o enriquecimento rápido

evitaram com que a informação se espalhasse e até hoje os tentáculos da Cioga continuam a crescer. Apesar da invisivel repressão que se sente no ar e notoriamente se corta à faca, tentámos entrevistar diferentes camadas da população que reside no local. Há vários tipos de habitantes nas redondezas. Muitos poucos, sobretudo os mais idosos, residem no local muito antes da mudança radical que os ano 80 fizeram sentir. Mais abertos ao exterior e sem ameaças directas da organização secreta, estes contam com a clareza que a idade permite, como tudo mudou em tão pouco tempo, como a dependência controlou toda a população e como de repente toda a zona perdeu a identidade que a manteve unida durante séculos. Praticamente toda a restante população se tornou dependente da organização. Quase todos por serviços indirectos já que a org. se orgulha de continuar desconhecida do comum dos mortais, no entanto as necessidades logísticas de tal empresa necessitaram dos préstimos de quase toda a camada activa da população local. PARTE II Aurélio Vasilhame estava em apuros. A mais improvável equivoco tinha acabado de lhe acontecer e ele não queria acreditar no absurdo do momento. Aurélio era conhecido por Vasilhame por cedo ter começado a trabalhar no café do pai, um dos mais mal frequentados da aldeia. Talvez por isso não tocava em álcool, só bebia água, leite e groselha, adorava groselha. Tinha também uma outra paixão, a música. Começara por dançar no rancho local mas o seu olhar esbarrava sempre nos instrumentos. Começou por tocar caixa, depois cavaquinho, depois acordeão, violino e guitarra até que se chateou com o padre que ensaiava o grupo etnográfico e folclórico. Saiu da porta do rancho e entrou na da Banda Filarmónica. Começou pela caixa e passou para o clarinete, saxofone barítono, trompete e trompa. Fazia 3 anos que apenas tocava trompa e estava maravilhado. Também estava maravilhado com a Vanda, filha do Ezequiel que fugiu para os Estados Unidos para não ir para

o ultramar e voltou cheio de dólares nos anos 90. Trouxe também a Priscila como esposa e a Vanda no colo. Aurélio adorava a Vanda, o que o preocupava era a banda filarmónica. Três anos depois de ter entrado já estava saturado. Os temas eram sempre os mesmos, queria novas partituras, novos músicos com quem tocar outras coisas que não marchas militares com arranjos do Ti Zé Cardetas de 1965. Na noite anterior, no largo da igreja fumando um cigarro depois do ensaio, parco em palavras como é seu costume confessou ao amigo; “Estou farto da banda, é sempre a mesma coisa, apetece-me coisas novas”. Ora o amigo pensou; “ A Vanda só tem 23 anos, este gajo até é porreiro mas às tantas é putófilo”. Luís, mais conhecido por Tchétcho na manhã seguinte não conseguiu evitar comentar à Aldina, sua namorada de longa data, o que o Vasilhame tinha dito na noite anterior e obviamente a coisa chegou aos ouvidos da Vanda mais depressa que um e-mail. Mulher de armas, habituada aos filmes do Chuck Norris, Vanda defronta Aurélio dez segundos depois de saber, por volta da hora do almoço. Aurélio está sentado, tem um prato de leitão à frente, Vanda entra no Café/Restaurante O Catito, e diz em voz alta: “Ó picha mole, andas a dizer aos teus amigos que estou gasta e queres pássara nova, ó meu filho da puta?!” Aurélio sentado, com o garfo enfiado na alface está perplexo com o ridículo que aquele engano lhe vai afligir apenas pelo hábito de trocar o V pelo B. O facto de não responder apenas lhe dificulta a defesa mas está consciente que se diz o que pensa da banda que fica imediatamente sem a trompa em que toca. Por outro lado vai ficar sem a Vanda que tanto adora. Por outro lado está fardado para a actuação em Trouxemil às 16h no Lar de Nossa Srª das Réguas. Um gajo fardado não renega a banda. A sua mente entra em colapso e a laranja, a batata a alface e o leitão no seu prato, sentem-se vingados por quase serem comidos vivos. PARTE III Humberto Felisberto cortava dois pedaços de Brie e um de patê

que no momento seguinte barrava no pão. Pensava na guerra de outrora, aquela que transformara seu pai num mártir e o seu presente em algo mais fácil. Vivia na Gândara e acreditava piamente que Angola ainda era Portugal. E o Brasil também. Se o pai lhe tinha dito era verdade! No entanto era levado a lutar pela Ecologia e pela Paz. Aos 13 anos conhecera Tatiana e a sua vida mudou, ou pelo menos a sua conduta social mudou. De um momento para o outro o 25 de Abril e o 1º de Maio foram passados na rua, de punho em riste, bandeira em mão e olho atento na sua Tatiana, mas era obrigado a mentir no Natal e na Páscoa quando dizia que ia passar fora para ir à missa do galo ou para receber os gaiteiros e o padre que lhe dava a cruz a beijar, sendo por sua vez obrigado a fugir de casa para ir ao Avante em Setembro, altura do aniversário da tia Emília. Não tinha conseguido decidir o que fazer com a sua vida até aos 45 por isso enveredou pela pelintragem, tornou-se JovemPresidente da Junta pelos Verdes do Mondego, começou a dirigir o Gandarense F. C. e desatou à procura de moça para casar já que a Tatiana tinha descoberto tudo e o trocara por um sindicalista barbudo. Tinha comprado um Mercedes importado da Bélgica. O carro estava em péssimo estado mas tinha muito bom aspecto. Um bocado como o dono. Mas contavam as aparências, os olhares invejosos dos agricultores analfabetos e parvos o suficiente para terem votado nele. Estava particularmente bem disposto, tinha posto o lenço amarelo que mais adorava e estava com o fato que comprara em Lisboa, mesmo no centro. Os sapatos eram da sapataria Prestige porque conhecia a empregada da limpeza que lhe trazia sapatos de peles nórdicas com pequenos defeitos por quantias módicas. A vida sorria, afinal para quê pensar no passado cinzento que a Tatiana lhe infligira, a dificuldade de andar a tentar engatar miúdas de bigode, a chatice de se fingir jovem quando o interior está velho e cansado. Não havia nada a fazer. O melhor era comprar novos adereços que a televisão lhe vendia e fazer disso felicidade. Orgulhava-se do seu Mercedes, mesmo que o banco onde sentava lhe aleijasse gravemente o glúteo esquerdo. Afinal se ninguém

desse por isso não o poderia afectar. Que se lixasse a dor que tanto o atormentava, as pessoas iam lá pensar nisso! O dia seguinte era importante para a re-eleição do próximo ano. Iam inaugurar um escorrega de madeira na escolar e toda gente sabe que os professores, principalmente os mais novos, são todos verdes. O voto da professora Elídia estava certo, mas era preciso por os miúdos a convencer os pais. É que a re-eleição era importante, mas ainda mais era o sonho da sua vida: fundar o Sport Club Cioguense. Era esse o objectivo que o fazia levantar da cama bem cedo pela manhã.

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