Caen: a cidade mártir
Introdução Muitos aspectos das operações aéreas realizadas na 2ª Guerra Mundial tornaram-se mitos e foram controversos. A eficácia da campanha de bombardeio estratégico aliada tem sido debatida, com considerável atenção sendo dada aos objetivos alcançados, principalmente no que diz respeito a redução da capacidade industrial alemã e ao moral do povo germânico. Ataques individuais, como o ataque às represas, o ataque ao encouraçado Tirpitz e a cidade de Dresden, também foram alvo de muita discussão. Ardentes expoentes do bombardeio estratégico como o Air Chief Marshal Sir Arthur Harris da RAF – Royal Air Force e seu contrapartido, o General Charles Spaatz da USAAF – Unites States Army Air Force, defenderam avidamente seus ataques ao coração germânico. Harris, em particular, resistia fortemente ao que ele denominava, perda de tempo, quando era obrigado a planejar ataques a alvos de panacéia. Este debate foi num crescendo, alcançando seu clímax logo após a Operação Overlord – a invasão aliada da Europa ocupada, em junho de 1944. Um comando e uma estrutura de controle relativamente complicada, realçou as divergências doutrinárias dos alvos prioritários. A cadeia de comando, foi essencial para essas reações pragmáticas, especialmente no que diz respeito a força de bombardeiros pesados, não diretamente subordinada ao Comando Supremo Aliado. De todos os diversos mitos, lendas e controvérsias criadas após a libertação da França, nenhuma produziu mais feridas e têm permanecido aberta do que o bombardeio aliado a Caen. Esse sentimento é ainda evidente nos dias de hoje, quando visitamos o Memorial de Caen, no norte da cidade. Numa região repleta de comemorações francesas, britânicas e americanas, este memorial
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é uma exceção. Mas porque seria uma exceção? Qualquer tentativa de responder a esta questão, deve incluir a pergunta: Porque Caen foi objeto de um bombardeio aliado? Vamos então, procurar examinar os diversos fatores que levaram os aliados a bombardear a cidade e capturá-la em seguida. Vamos analisar também os planos para o Dia-D e a importância tática de Caen no rumo da guerra. O planejamento estará focado no contexto da estratégia do poder aéreo, com particular referência ao pensamento do apoio a tropa terrestre. O artigo também focará nas estruturas de comando e controle e examinará as tensões que aconteceram. O processo da decisão será posicionado no contexto do progresso da guerra aérea e terrestre, para em seguida mostrarmos como o andamento dos eventos resultou na necessidade do bombardeio aéreo, sua execução e eventual efetividade. O planejamento para a invasão As perspectivas de uma invasão séria ao continente europeu, já era planejada nos terríveis dias dos anos de 1940 e 1941. A França havia caído, e embora a Batalha da Inglaterra tivesse sido vencida, a Batalha do Atlântico Norte mostrava quão tênue era a sobrevivência britânica. O ataque alemão à Rússia fazia necessário que um segundo front fosse aberto, de modo a aliviar a pressão no leste. Durante muitos meses, os ataques do Comando de Bombardeio da RAF foi a única opção aliada. A entrada dos Estados Unidos na guerra, seguida do ataque japonês a Pearl Harbour, fazia o segundo front não apenas vital, mas inevitável. A pergunta chave era a seguinte: onde este segundo front aconteceria. Os americanos aceitaram a política de priorizar a Alemanha, mas as demandas populares por vitórias contra os japoneses, fazia com que a abertura de front acontecesse rapidamente. Churchill e seus assessores consideravam que uma invasão através do Canal da Mancha (Operação Sledgehammer), era naquela época algo ainda de muito risco. A decisão tomada foi a de se lançar a Operação Torch na África do Norte, postergando então, a volta aliada ao continente europeu. Entretanto, os planos para uma eventual invasão, denominada Operação Roundup, já começaram a ser traçados em abril de 1942, sendo
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esta tarefa atribuída ao General Sir Bernard Paget (Comandante em Chefe das Forças na Inglaterra) e ao Capitão Lord Loius Mountbatten (Chefe das Operações Combinadas). Os planos iniciais mostravam o potencial da região da Normandia, como uma alternativa viável de um ataque a região do Pas de Calais, que parecia ser a escolha mais óbvia para o local do desembarque, tanto para os alemães como também para os aliados. A Conferência de Casablanca em janeiro de 1943, mostrou a prevalência dos militares britânica sobre seus colegas americanos, com a decisão de se manter o esforço no Mediterrâneo, com a realização da Operação Husky, a invasão as Sicília. De modo a não se perder o foco numa invasão através do Canal da Mancha, o Tenente General Frederick Morgan foi designado Chefe do Estado Maior do Supremo Comando Aliado, e em julho de 1943, os planos básicos de uma invasão através da Normandia já estavam traçados, inclusive com data marcada: 1º de maio de 1944. A Conferencia de Casablanca foi seguida de outra similar realizada em Quebec, no mês de agosto de 1943, e nela a Operação Overlord era o assunto principal, sendo que a escolha do Comandante Supremo - COSSAC, o tópico mais importante. As especulações iniciais afirmavam que o Comandante deveria ser um britânico, e Churchill defendia a indicação do General Sir Alan Brooke (Chefe do Estado Maior Imperial e do Comitê dos Chefes de Estado Maior). Durante a conferência, Churchill abrandou sua posição, ao declarar que, como a superioridade numérica era americana, eles deveriam garantir essa posição chave. Por trás dos panos havia uma suspeita de que nem Churchill nem Brooke estavam completamente convencidos da necessidade da Operação Overlord. A indicação obvia americana deveria ter sido a do General George C. Marshall, Chefe do Estado Maior do Exército dos Estados Unidos, mas o Presidente Roosevelt ficou relutante em liberar seu importante conselheiro, e por isso o General Dwight D. Eisenhower, tornou-se então a opção. Churchill também já havia deixado bem claro que Eisenhower era a única opção aceitável a Marshall e sua indicação foi formalmente anunciada no dia 6 de dezembro de 1943. O Major General Omar Bradley foi indicado para comandar as tropas terrestres americanas, e a competição para comandar as tropas britânicas, canadenses, australianas e afins estava entre o Tenente General Bernard Montgomery e o General Sir Harold Alexander. Churchill defendia Alexander, enquanto que Brooke defendia Montgomery. Brooke tinha
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também dúvidas sobre a visão estratégica de Alexander. A preferência de Eisenhower era por Alexandre, pois considerava Montgomery uma pessoa temperamental e difícil de ser controlada. A decisão por Montgomery foi anunciada no dia 22 de dezembro de 1943, com Alexandre permanecendo no front italiano. O Air Marshal Sir Arthur Tedder foi designado como Sub-Comandante Supremo: o poder aéreo seria fator crítico de sucesso na aventura européia !!! A primeira impressão de Eisenhower sobre os planos da Operação Overlord era de que as forças atribuídas eram em número insuficiente. Montgomery chegou às mesmas conclusões. O COSSAC foi consideravelmente expandido com novas faces e o planejamento detalhado das operações entrou numa nova fase. Nesta fase, Montgomery vislumbrou a necessidade de captura dos principais centros rodoviários da região – Caen e Bayeux – que controlavam os cruzamentos dos rios Odon e Orne, captura esta que evitaria a possibilidade dos alemães enviarem reforços. Esta região seria vital para a construção de aeródromos, que permitiriam a operação dos caça-bombardeiros bem próximos à linha de frente. Montgomery também insistia na utilização de tropas aérotransportadas, lançadas nos flancos da área, de modo a prevenir contraataques alemães sobre as cabeças-de-praia. Outro elemento do pensamento de Montgomery era o ataque simultâneo a Caen - suas terras altas, e a Cherbourg – desembarque pelo Cotentin. Montgomery desconsiderou o risco de divisão de suas forças e logicamente, não alcançando concentração suficiente de tropas sobre Caen. Não obstante, ele acreditava que a batalha seria ganha ou perdida no setor britânico, com considerável potencial dos aliados serem repelidos por pesados contra ataques de blindados alemães. Conforme o plano ficava maduro, a importância da captura de Caen tornava-se mais e mais evidente. Os aliados teriam que capturar Caen e suas pontes. A cidade não poderia ser deixada para trás. Com sua coragem característica, Montgomery queria que a cidade fosse conquistada ainda no Dia D.
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A estratégia aérea Os planos para utilização do poder aéreo em geral e para sua aplicação em especial na Operação Overlord, foram também discutidos nas conferências de Casablanca e de Quebec. O COSSAC vislumbrava a campanha aérea em quatro fases. A primeira era o contínuo bombardeio estratégico da Alemanha. A segunda ou fase preparatória, focava os ataques nos alvos de comunicação, baterias de defesa costeira e nos aeródromos. A prioridade da terceira fase seria o apoio direto à esquadra de invasão. A quarta fase focaria na interdição dos movimentos e na interrupção dos reforços inimigos. A Conferência de Casablanca deu o tom da utilização do Poder Aéreo para o restante da guerra. O primeiro objetivo seria a obtenção do domínio do ar, com a total destruição da Luftwaffe. O segundo seria a formação de grandes forças táticas capazes de dominar o campo de batalha com um poder de fogo nunca visto. Havia, entretanto, pouco consenso na utilização da força de bombardeio. Uma das diretrizes da Conferência de Casablanca dizia: O objetivo primário será a progressiva destruição do sistema militar, econômico e industrial alemão, bem como da moral da população, a tal ponto que a capacidade de resistência armada seja totalmente disimada. Essa diretriz norteou alguns dos comandantes aliados, em especial o Air Marshal Sir Arthur Harris, Comandante do Comando de Bombardeiros da RAF, que focou suas aeronaves em alvos industriais alemães. A USAAF – Unites State Army Air Force, sob o comando do Tenente General Carl Spaatz, também foi permitida atacar alvos vitais alemães, como as refinarias e parques de tancagem de derivados. Harris via a utilização de seus bombardeiros contra alvos de defesa da praia como um desastre. A aplicação doutrinária da força de bombardeiros, ficou ainda mais complicada com a indicação do Air Marshal Sir Trafford Leigh-Mallory como Chefe da Força Aérea Expedicionária Aliada - AEAF, que possuía apenas experiência na caça. Para facilitar a segunda fase das operações pré Overlord, Leigh-Mallory colocou a AEAF sob o comando do Air Commodore Kingston-McCloughry, que acreditava que os ataques contra ferrovias e suas facilidades, eram a maneira mais eficiente de acabar com o potencial alemão de envio de
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reforços. Cerca de 75 alvos desse tipo foram identificados, e atacados, embora Harris afirmasse que seus bombardeios não possuíam capacidade de atacar esse tipo de alvo com a precisão necessária. Entretanto, no dia 6 de março de 1944, 263 aeronaves do Comando de Bombardeiro lançaram 1.258 toneladas de bombas contra o entroncamento de Trappes, no sudeste de Paris, colocando-o fora de ação por mais de um mês. O Planos dos Transportes foi formalmente aceito pelos Chefes do Estado Maior e em seguida diretrizes foram emitidas para os comandantes dos bombardeios no dia 15 de abril. Mesmo tendo sido contrariado, Harris trabalhou forte e o plano obteve considerável sucesso. Até o Dia D, o Comando de Bombardeio da RAF e a 8ª Força Aérea do USAAF, haviam realizado 22 mil saídas, lançando 67 mil toneladas de bombas sobre 80 alvos. Os alvos foram deliberadamente escolhidos de modo que os danos colaterais fossem minimizados, e obtendo-se o máximo de resultados. Historiadores afirmam que os franceses não concordavam com essas operações. A terceira fase da campanha aérea foi realizada a nível tático, com as aeronaves sob comando do Air Marshal Sir Arthur Coninghan (2ª Força Aérea Tática) e do General Loius Brereton da 9ª Força Aérea da USAAF. Os alvos atacados iam desde Pas de Calais até a Península de Cotentin. Nessa época, a Luftwaffe estava batida em todos as frentes, e só se preocupava com os céus sobre a terra natal. Comando e Controle: assunto vexado de personalidades O suprimento de bons comandantes durante uma guerra é algo sempre limitado. Harris permaneceu em seu posto. Montgomery era uma prima donna e também não se relacionava com Tedder, principalmente após as experiências da campanha do Norte da África. Mas a maior de todas as dissensões era entre Coningham e Montgomery. No deserto os dois militares até que tinham trabalhado juntos muito bem, tornando-se um exemplo de cooperação entre as forças, mas agora na Normandia, Coningham achava que Monty o havia desprezado. Coningham, entretanto, era um dos mais experientes e capazes comandantes disponíveis, e Tedder pressentiu que ele poderia ser utilizado como um escudo contra Monty.
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Ambos os militares da força aérea consideravam que Monty não tinha feito bom uso do poder aéreo durante a campanha do deserto e que ele necessitava de uma equipe forte. Este sentimento era também sentido pelo Air Vice-Marshal Harry Broadhurts, que havia se destacado na Batalha da Inglaterra, no Norte da África, na Sicília e na Itália. Ele considerava que esta desavença entre Monty e Coninghan era muito improdutiva e que deveria ser minimizada ao máximo. A batalha de egos alcançou seu ponto culminante, quando da necessidade de se definir locais a serem capturados, logo após a invasão, para a instalação de aeródromos, de onde o poder aéreo poderia ser empregado em sua máxima capacidade. Essa necessidade havia sido colocada como prioritária por Leigh-Mallory em reuniões no início de março de 1944. As aeronaves táticas, se operassem a partir da Inglaterra, teriam muito pouco tempo de vôo sobre a Normandia, e essa era um dos pontos fortes para a invasão em Pas de Calais, e Leigh-Mallory via a aviação tática como fator chave para empurrar o avanço das tropas até o Rio Sena. Durante esta fase de planejamento, Monty se recusava a fazer promessas que não conseguiria cumprir, embora as demandas por essas áreas coincidiam com as prioridades operacionais de Monty. Uma eventual impossibilidade de capturar Caen e suas redondezas, seria munição para que os aviadores atacassem Monty. O atraso em capturar Caen também exasperava os americanos, que começaram a suspeitar que Monty era cauteloso demais. A importância do setor britânico não havia se modificado, mas no dia 30 de junho Monty já começava a falar em cercar a cidade em vez de ataca-la diretamente. Esta falta de progresso já produzia rumores de uma substituição de Monty, principalmente por seus opositores particulares. Bradley por exemplo acreditava que esse era o típico pensamento de Monty – super precaução, muita promessa e pouca ação. A partir do Dia D As condições da maré no Canal da Mancha, davam aos aliados uma pequena janela para a invasão em junho de 1944. Uma forte tempestade, tirou a possibilidade da mesma ser realizada na manhã de 5 de junho. O chefe da meteorologia aliada, o Group Captain Satgg, conduziu naquele dia, uma das mais tensas reuniões da guerra, onde deu alguma esperança a Eisenhower e a Montgomery, de que na manhã do dia seguinte o tempo melhorasse. A
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surpresa, fator essencial para a operação estava garantido, não só por causa do mau tempo, mas também porque Rommel, comandante alemão da costa francesa, estava em Berlim, também por causa da meteorologia, já que não acreditava que os aliados iriam arriscar um desembarque sob aquelas condições. No Dia D, o apenas o Comando de Bombardeio da RAF realizou mais de mil saídas, lançando cerca de 5 mil toneladas de bombas bem como outro tanto de tiras “window” para atrapalhar os radares alemães. A armada aérea foi reforçada por levas de aeronaves de transporte e de planadores, levando paraquedistas que seriam lançados no flanco das forças de desembarque. As tropas britânicas desembarcariam às 07:00 horas, com o 1º Corpo tendo como missão captura Caen e assegurar a cabeça de praia sobre o Rio Orne. O movimento em direção ao interior, a partir da praia Sword, não aconteceu tão rápido como previsto, pois foram detidos por uma fortificação alemã apelidada de “Hillman”. A noite chegou, e uma combinação dessa defesa com tropas da 21ª Divisão Panzer, efetivamente interrompeu o avanço britânico em direção a Caen. Os problemas foram agravados, pela maré alta, que restringiu os espaços disponíveis na praia, prejudicando o desembarque dos blindados ingleses. Ordem de Hitler, enviada a todos os comandantes, para que não cedessem um centímetro do terreno, significava que as tropas lutariam até a morte, mas também estariam prejudicados pelo domínio aéreo aliado, que impedia qualquer tipo de ressuprimento. O contra ataque era essencial na doutrina militar alemã, mas divididos no campo da batalha, com algumas exceções, as tropas de infantaria e de cavalaria (blindados), eram rapidamente dizimadas. Mesmo assim, algumas unidades blindadas alemães, lutaram com brutal determinação que o avanço britânico foi muito pouco. Imaginemos se a aviação alemã, pudesse ter auxiliado o exército. Com toda certeza os fatos teriam sido muito mais difíceis e críticos para os aliados. Em junho, Monty realizou três tentativas de tomar Caen. A primeira delas, foi através de um assalto direto, conforme planejado, realizado nos dias 7 e
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8 de junho. Ele então, tentou cercar a cidade, numa operação realizada no dia 13 de junho. A Operação Epson, então, aconteceu no dia 25 de junho, através de uma penetração direta por forças reforçadas, envolvendo três corpos de exército. Todas falharam. O único ponto positivo dessas três tentativas, foi que impediram os alemães de montar um contra-ataque ao longo do Rio Odon, pois foi ali que a maioria dos combates ocorreu. No início de julho, Monty estava perdendo tempo e sem idéias. Caen estava tornando-se estrategicamente sem importância, visto que os alemães já não mais recebiam reforços e o Exército dos Estados Unidos fazia progressos para oeste. Entretanto, para se avançar a sudeste, Caen não poderia ser deixada de lado e teria que ser capturada. O Plano Charmwood ganhou força, em especial a utilização do poder aéreo para subjulgar a cidade. O bombardeio a Caen A primeira sugestão de se utilizar bombardeios pesados para acabar com o impasse de Caen, foi feita no dia 14 de junho, quando Leigh-Mallory voou até a Normandia para se encontrar com Monty. O relacionamento entre os dois militares não era bom, porque o aviador havia se recusado a autorizar a utilização do poder aérea em missões, por ele consideradas, de alto risco. Monty, por seu lado, defendia a utilização de bombardeios estratégicos em apóio direto a tropas terrestres, como já acontecera na Itália (Monte Cassino no dia 15 de fevereiro de 1944 e Cassino no dia 15 de março de 1944). Esse procedimento foi discutido no quartel general do 2º Exército, sob o comando do General Dampsey, mas durou pouco, com a chegada de Tedder, Coninghan e Broadhurst. Nem o Comando de Bombardeio da RAF, nem a USAAF eram a favor do plano. Seus argumentos eram que a natureza do terreno, impedia a identificação da linha de bombardeio e dos alvos em si, podendo causar baixas nas tropas aliadas. E mais, a concentração de alvos era tão pequena, que não justificava o desvio de tantos recursos. A política e os egos pessoais teriam sido suficientes para fazer o plano morrer. Na realidade, o problema prático falava por si só. O poder aéreo continuava a ser utilizado taticamente contra alvos particulares, em especial pontos de defesa muito fortes. O mais relevante era que a idéia núcleo permanecesse dominante para uso futuro.
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Como Monty já colocava suas forças alinhadas com o Plano Charmwood, tentou mais uma vez a utilização de apoio dos bombardeiros pesados. As defesas alemães eram sabiamente muito fortes e a inteligência informava que elas haviam sido recentemente reforçadas. Os planos de Monty previam a utilização dos bombardeiros, de modo a destruírem as defesas alemães, nos subúrbios nordestes de Caen, criando uma rota de ataque. Uma reunião, no dia 7 de julho, aconteceu em Stanmore, com a presença de Leigh-Mallory. Normalmente Tedder participava dessas reuniões, mas excepcionalmente foi Eisenhower que foi, provavelmente para ter certeza de que Monty receberia apoio a suas necessidades e não teria justificativas para um insucesso. Com pouca discussão, a reunião aprovou a utilização de 450 bombardeiros, para uma missão naquela noite. O Comando de Bombardeio lanço seu primeiro ataque às 22:00 horas daquele dia, lançando bombas de 1.000 libras, sendo que a maioria delas, com temporisador de seis horas, de modo a explodirem quando do início do ataque terrestre. A operação durou cerca de uma hora, com 467 aeronaves lançando 2.300 toneladas de bombas. A concepção do ataque fora idêntica a outro rejeitado em junho, embora com os alvos reduzidos a apenas dois. A região alvo foi uma área de 4,5 por 1,5 km, e cuidados foram tomados para evitar fraticídeo, que por outro lado permitiu que alguns pontos de defesa ficassem intocados. O resultado Dois dias de intensos combates mostraram que os defensores não haviam sido atingidos pelos intensos bombardeios aéreos, como esperado. A parte norte da cidade, foi parcialmente conquistada pelo Corpo de Exército Nº 1. A vitória de Montgmory foi parcialmente ofuscada, já que ele conquistou uma cidade em ruínas mas a elevados custos. Os alemães sofreram um pouco com os bombardeios, mas retiraram-se para o sul e entrincheiraram-se, ao longo do rio, bem como permaneceram ocupando as elevações ao sul e a leste da cidade. As áreas onde seriam construídos os aeródromos não foram conquistadas e as que foram continuaram sob fogo da artilharia alemã. O avanço pela Normandia era enganoso como nunca, e apesar do apóio da imprensa, a pressão sob Montgomery continuava.
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O primeiro resultado claro do pesado bombardeio sofrido por Caen, foi que, pela primeira vez, os soldados observaram de perto o resultado de uma força de bombardeio. Os generais aliados, em especial Dempsey ficaram chocados com o estrago causado na cidade, bem como os bombardeiros foram atingidos pela anti-aérea, já que alguns tiveram que realizar pouso forçado na área. Montgomery não parava de dizer que foi graças ao bombardeio que a cidade fora conquistada, ao mesmo tempo em que agradecia publicamente o apoio recebido por Leigh-Mallory. Imediatamente após a conquista da cidade, um relatório foi realizado, e observou-se que não havia sinal de pontos de fortificação alemã, nem de tanques ou fatalidades na área sugerida pelo exército para ser bombardeada, mas em outras áreas, sim, que deveriam ter sido realmente o alvo dos bombardeios. O efeito sobre o moral da tropa aconteceu positivamente, mas foi passageiro. O relatório conclui que, o ataque aéreo, foi muito mais um desejo pessoal de Montgomery do que uma real necessidade. O bombardeio criou uma grande quantidade de entulho que atrapalhou em muito o avanço por Caen, restringindo a movimentação dos blindados, reduzindo o número de caminhos que os alemães teriam para defender e permitindo a ação de atiradores de elite contra os infantes expostos. O entulho impediu uma rápida ocupação das pontes sobre o Rio Orne, que foram destruídas pelos defensores. A população fora avisada pelos alemães para evacuar a cidade, mas apenas 25% da mesma o fez. Conclusões A eficácia do ataque aéreo contra Caen aparenta ter sido algo entre desprezível e contra-produtivo. O efeito na população civil foi devastador. O efeito moral, em ambos os lado, foi transitório, com os alemães continuando a combater com a já usual ferocidade por dois dias. O processo decisório foi precipitado e totalmente descoordenado. Não se tem um base lógica para apoiar esse bombardeio. Podemos afirmar apenas que Montgomery estava pressionado, pois não conseguia cumprir o planejado. Pressionado não só por Eisenhower mas também por Churchill. Fala-se inclusive numa carta onde o Primeiro Ministro Britânico diz ou ele avança ou
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perderá o comando. Por tudo isso é que os franceses denominam Caen de a cidade mártir.
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