Brasil Arquitetura Escola pública, Santo André, SP
No teto, o shed deixa passar a luz, que se reflete em superfícies coloridas e vaza para os pavimentos inferiores
Desenho do centro educacional rompe caos urbano desolador
O Centro Educacional de Santo André (Cesa), no Jardim Santo André, vai além de sua função imediata. Projetada pelo escritório Brasil Arquitetura, a edificação é o único equipamento público - e de qualidade, vale destacar - existente nas imediações. O contraste entre o que resta da vegetação dos morros vizinhos, a caótica ocupação urbana local e a escola realça ainda mais a solução arquitetônica.
Numa das extremidades, o teatro em forma cilíndrica segue a curvatura da via pública que envolve o terreno
Localizado na periferia da cidade do ABC paulista da qual herdou o nome, o Jardim Santo André praticamente não diverge muito de outros bairros (talvez seja até uma licença urbanística chamá-los assim) cuja formação se deu de forma semelhante: loteamentos e ocupações irregulares, os quais, depois de determinado tempo, não é mais possível reverter sem arcar com custos econômicos e sociais tão tremendos que acabam se tornando inviabilizadores de qualquer ação. Consolidadas as ocupações, começam as demandas por serviços e equipamentos públicos, em um cenário, na maioria das vezes, desolador. Quando bem-sucedidas, intervenções arquitetônicas podem atenuar o desconforto dessa paisagem. Esse é o caso da unidade desenhada pelos arquitetos do escritório Brasil Arquitetura para a prefeitura de Santo André. Idealizado para alunos de quatro a dez anos, o Cesa Jardim Santo André procurou fazer da arquitetura uma forma de alterar esse quadro.
Na face norte, o fechamento com cobogós deixa entrar a iluminação, mas alivia a incidência de luz solar. A solução é recorrente nos projetos do escritório
Jardim Santo André, a unidade do Cesa contrasta com a ocupação urbana desordenada e a cobertura vegetal remanescente nos morros
Esse objetivo paralelo à missão principal da escola aparentemente foi atingido com êxito. Pouco mais de um ano após a ocupação, o edifício mantém-se bem conservado e é visível a identificação existente entre a escola e a comunidade que a cerca. Espaços e equipamentos do centro educacional são franqueados ao uso dos moradores no período noturno e nos fins de semana, com cursos de alfabetização para adultos, computação, grupos de música, teatro, poesia, leitura, reuniões etc. Para Francisco Fanucci, sócio do Brasil Arquitetura, embora a identificação da comunidade com a edificação fosse um elemento adicional, era importante cumpri-lo através da arquitetura. Não foram poucas as dificuldades superadas para atender à proposta, no entanto, uma vez que o terreno é de difícil ocupação e possui desnível acentuado. A implantação ajustou-se à irregularidade topográfica (uma ladeira curva envolve praticamente todo o lote), com acessos estabelecidos em três pisos.
Aberturas irregulares dinamizam a fachada do edifício escolar
Na disposição dos espaços, pátio coberto, cozinha e refeitório - este último estendendo-se para o exterior - foram alocados no pavimento térreo. Nesse mesmo patamar fica o auditório de múltiplo uso com 250 lugares, além dos vestiários da quadra poliesportiva. As 16 salas de aulas foram distribuídas no primeiro andar, e no segundo piso localizam-se a administração, biblioteca, sala de computadores, além de mais quatro classes. Lajesjardins cobrem esse pavimento - e não se trata, nesse caso, apenas de solução construtiva, mas de integração arquitetura/pedagogia: ali as crianças cuidam de hortaliças, frutas e flores, como parte das atividades educativas. No topo do conjunto, lajes-jardins e espaço para as atividades pedagógicas de cultivo e cuidados com horta
Em função da topografia, o projeto dispôs acessos em vários níveis. Na foto, a entrada pela face sul, no pavimento mais alto
A estrutura da edificação é modulada, formada por uma malha com vãos longitudinais de seis metros e transversais de sete (laterais) e cinco metros (central), fechados por lajes invertidas de concreto aparente. “A modulação é rígida. No entanto, ela não determina uma ortodoxia de espaços”, argumenta Fanucci. “As paredes internas desenvolvem-se de maneira independente dessa malha, livres do superado esquema corredor-portas, impessoal e frio, como em hospitais ou nas prisões”, ele justifica. Pelo mesmo motivo, as salas de aulas têm formatos diferentes e as circulações possuem identidade espacial, em vez de corredores. No topo do conjunto, aberturas zenitais do tipo shed, à semelhança de antigas edificações industriais, capturam e trazem para dentro da escola a luz solar. A iluminação reflete em paredes coloridas e, por áreas vazadas, comunica-se com outros pavimentos. As salas de aulas têm grandes caixilhos, que proporcionam luz e ventilação naturais abundantes. Na vedação externa, paredes do tipo cobogó em cerâmica funcionam como anteparo à insolação nas grandes janelas da face norte e protegem a escola do vandalismo no lado sul, próximo à calçada.
A modulação rígida da edificação não determina o engessamento espacial. As paredes são independentes da estrutura e inexiste o tradicional esquema corredor-portas
O Cesa do Jardim Santo André foi um dos projetos vencedores da 5ª Bienal de Arquitetura de Brasília, realizada em novembro de 2006, na capital federal.
Texto resumido a partir de reportagem de Adilson Melendez Publicada originalmente em PROJETODESIGN Edição 325 Março de 2007
Corredor que leva ao palco do teatro, localizado numa das extremidades do edifício
Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz formaram-se pela FAU/USP em 1977 e 1978, respectivame nte. Eles são sócios no escritório Brasil Arquitetura, que, em 2007,
O uso de cobogós alivia a insolação no interior da sala de aulas
Ficha Técnica Cesa Jardim Santo André Local Santo André, SP Início do projeto 2003 Conclusão da obra 2006 Área do terreno 6.500 m2 Área construída 5.500 m2 Arquitetura Brasil Arquitetura Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz (autores); Bruno Levi, Cícero Ferraz Cruz e Gabriel Grinspum (colaboradores) Paisagismo Prefeitura de Santo André / Depave Vera Lúcia Paiva Ribeiro Luminotécnica Reka Acústica Davi Akkerman Estrutura e fundações F. T. Oyamada Engenheiros Associados e Cepollina Engenheiros Consultores Elétrica WM Hidráulica MDH Conforto térmico Ecoclima Construção Projeção Fotos Nelson Kon
A criatividade contorna a escassez de recursos: no teto do auditório, painéis de madeira empregados nos alojamentos da obra transformaram-se em solução para melhorar a acústica