a casa que toca o c�u. - parte 1: black coffee and cocaine. eu odeio o meu pai,nao sei bem o motivo,mas eu o odeio.as vezes acho que odeio a mim mesmo.eu o amo...mas ele est� morto. eu nunca fui um anjo,para falar a verdade eu acredido que nem o mais puro dos querubins em sua sagrada ordem celestial � de fato um anjo,mas,isto n�o vem ao caso. a verdade � que eu ja fui feliz.j� me senti vivo,com direito a percep��o de odores e todo o tipo de sentimento,mas isto foi muito antes de tudo se tornar diferente.e agora nada mais pode ser mudado.eu j� pulei da ponte. a dor � uma extravag�ncia abstrata,n�o tem forma definida.mas eu conheci sua fonte e bebi cegamente a sua ess�ncia,as cicatrizes que carrego podem provar.ent�o entorpecido maravilhei-me com tudo o que me foi concedido.fui prisioneiro,culpado e sentenciado sem nunca ter sido julgado,mas fui julgado e condenado tamb�m,por�m j� n�o importava mais.estava entorpecido por completo.o sapatinho de cristal que me fez t�o feliz num curto e alucin�geno per�odo de exist�ncia agora n�o cabe mais em meus p�s,abandonado sob a g�lida face de um luar indiferente narro fatos,estes que precognizaram a minha queda. aquela linda crian�a j� n�o habita mais em meu peito,deve ter fugido para algum lugar pr�ximo ao sol,e aquecido testemunhou minha morfologia � fase adulta que de tempos em tempos voltava-se para o c�u esperan�oso,mas,sem nunca obter qualquer sinal de afeto.n�o acredito mais em milagres,tampouco reden��o.cresci assim, tornei-me rig�do como um tronco,floresci na lama,por�m diferente da bela flor de lotus impregnei-me com toda a sujeira asquerosa que havia ao meu redor,sou apenas humano,prost�tuido como todo o resto.tamb�m sou parte de lama. agora eu estou aqui sozinho neste lugar imundo que eu insisto em chamar de lar. abandonado,aprisionado,eu apaguei a minha mem�ria para tudo que eu costumava ser.de uma certa maneira eu removi os meus olhos e assim eu podia ver um novo conceito de liberdade atrav�s do vazio da minha solid�o,por vezes no escuro eu sentia que n�o precisava mais deste corpo. entorpecido,aben�oado pelo efeito das drogas que me fazem lembrar e esquecer.de uma certa maneira eu removi o meu cora��o e assim eu sentia como se pudesse voar deixando para tr�z os fragmentos da vida. estava chovendo bastante e da minha janela eu n�o via mais flores,apenas espinhos.todos os p�ssaros estavam em sil�ncio.em v�o eu gritava,e como resposta apenas o som da minha propria voz reverbando atrav�s da dist�ncia.todos deveriam estar adormecidos nas sombras de suas vidas enquanto eu permanecia acordado observando a noite tornar-se dia. caminhei at� a porta e deslumbrei-me com o brilho agonizante de um sol morimbundo e como um animal amedrontado enquanto hectares de sua floresta s�o consumidos pelas chamas num per�odo de estiagem eu corri.eu realmente conjuguei o verbo correr em todas as varia��es poss�veis. j� havia cruzado varios pontos da cidade e ainda nao havia visto ningu�m,tudo estava vazio,n�o havia o som dos carros,das pessoas em seus trajetos sabe-se l� para onde,n�o haviam os vendedores ambulantes com seus artigos sup�rfluos,nada.tudo t�o quieto que voc� poderia ouvir o seu proprio batimento card�aco.n�o havia fundamento,a vida numa cidade desaparecer assim,nem mesmo os medigos ou os vagabundos com suas drogas baratas haviam sido deixados.carros e motos parados no meio das ruas e avenidas,lojas abertas e ningu�m para o atendimento,bem ao menos eu n�o ouviria aquela frase:"seu cart�o foi recusado senhor,gostaria de efetuar o pagamento em dinheiro?".isto deixa infinitas possibilidades,se n�o h� ningu�m para vender tamb�m n�o haveria ningu�m para reclamar o fato de n�o se pagar. j� estava anoitecendo e o sil�ncio era tanto que era quase poss�vel ouvir o som das chamas do sol ardendo por detr�s das colinas enquanto aquela tonalidade avermelhada gradualmente tornava-se negra.a fome,a solid�o e o medo caminhavam ao
meu lado,sentia frio.saciei minha fome numa lanchonete de franquia,comida podre com sabor de felicidade e em seguida voltei para casa.a escurid�o permeava o lugar e os fantasmas da minha mente juntamente com as incertezas quase n�o me deixavam respirar,mas eu adormeci,adormeci e sonhei. eu raramente lembro dos meus sonhos,at� porque eu nunca sei realmente se estou acordado ou sonhando.mas deste eu lembro...eu caminhava por uma densa floresta,haviam p�ssaros cantando nas copas das �rvores e o c�u estava azul e l�mpido.havia um riacho de �guas cristalinas que ligava a um lago,dava para ver os peixes nadando sobre o espelho d'agua como se fossem p�saros,e ao meu redor tamb�m,surrealismo elevado � quinta pot�ncia,criaturas divinas aben�oadas duas vezes.cruzei a pequena ponte de madeira que dava acesso a um caminho rumo a um colina ent�o veio ao meu encontro com passos acelerados uma pequena coelha cinza,e ela disse:"mergulhe,nada faz sentido sem riscos.a porta est� aberta e voc� � bem vindo." sem compreender a menssagem mesmo assim eu segui o meu caminho e para a minha surpresa no ponto mais alto daquela colina havia apenas uma pequena casa e um p�ssaro negro sobre o telhado.atravessei a porta e no interior daquela constru��o de poucos c�modos havia apenas uma cadeira e uma mesa,e sobre a mesa um peda�o de papel e uma caneta.da janela o p�ssaro me observava em cada movimento,parecia querer me dizer alguma coisa. ent�o eu despertei,ainda era noite e eu estava realmente assustado e da janela do meu quarto meus olhos escaneavam cada pedacinho do cen�rio buscando algum sinal,uma vela acesa num outro quarto distante,um cachorro esfomeado saciando sua fome numa lata de lixo de algum beco escuro.ent�o eu ouvi vozes e como se os meus ouvidos tivessem sido estuprados recuei e esperei amanhecer. n�o consegui dormir,nem ao menos fechar os meus olhos.uma manh� chuvosa l� fora e tudo estava desfocado,sem cor,como se tivesse sido tingido de cinza e eu vagava pelas ruas em busca de respostas,talvez um corpo ca�do,estuprado.quem sabe um assassinato,qualquer coisa que justificasse a noite anterior,mas tudo estava vazio.j� havia anoitecido quando voltei para o meu quarto,e,t�o certo quanto o fato de que tudo na vida est� sujeito � mudan�as,� altera��es sem pr�vio aviso,eu agora tinha plena convic��o de que n�o estava mais s�,estava tudo estampado bem � minha frente,como uma propaganda de refrigerante.eu podia ver uma luz tenue,perdida na escurid�o,na janela de um edif�cio qualquer,eu ouvia o som quase imperceptivel de vozes propagando-se atrav�s da distancia,n�o era sonho,tampouco alucina��o.eu queria voar at� l�,queria mostrar que estava vivo,eu queria destruir alguma coisa.mesmo que para a maioria das pessoas em sua busca incessante pelo orgasmo eterno o sentido da vida se resumisse a uma vitrine de uma grife famosa inuminada pela gra�a de um deus monet�rio,ainda assim eu n�o queria estar mais sozinho.tampouco me importava o fato de n�o ser t�o aben�oado assim. eu ainda lembro dos tempos de crian�a,esperan�oso sa�a pela casa antes do raiar do sol naquelas manh�s de natal em busca de algum presente deixado pelo bom velhinho,eu me sentia assim agora,e tal como numa daquelas manh�s esquecidas da minha infancia eu estava perambulando pelas ruas em busca do arcano misericordioso,mas nada fora deixado,exatamente como todas aquelas manh�s.desiludido,eu caminhei pela alameda dos meus sonhos partidos.nunca me senti realmente parte de algo,sempre vivi paralelamente � tudo.� certo que tive amigos,uma vida social normal,por�m nada realmente me interessava por completo,talvez isto seja uma d�diva.o fato � que eu sempre me adptei. n�o era alucina��o,faziam alguns dias que eu n�o usava drogas eu realmente estava vendo.atrav�s de uma vitrine emba�ada algo que era t�o espantoso e maravilhoso como a exist�ncia humana por si s�.Uma jovem,linda,perfeita,t�o maravilhosa que chegava a ser surreal,exuberante ao extremo.ela estava radiante diante de um espelho com um vestido negro,fruto de um bom momento da mais alta costura.a sensa��o de que tudo estava inerte � gravidade zero fora interrompida pelo impacto violento de um objeto contra a minha face,a dor,mesclada com a distor��o desfocada que rapidamente tornava-se negra precognizou uma queda.abstrato,calmo,me sentia como uma crian�a adormecida ap�s uma suave
can��o.uma estrada deserta,sob o sol numa manh� de inverno,passos incertos rumo ao desconhecido e o infinito.uma vis�o,um flash,e novamente um sentimento toma isto de mim,vertigem.enfim despertei,havia dor,havia sangue.mas estava vivo,e me sentia feliz. ainda hoje me pergunto o que teria me atingido.embora eu saiba perfeitamente que foi ela. desfigurado de todas as formas que j� assumi eu agora caminhava ao seu lado numa idolatria semelhante a de um inseto noturno em busca da luz.nem mesmo o seu passado prom�scuo conseguia desfocar a sua imensur�vel beleza.todos os seus atos tornaram-se apenas coadjuvantes na sua exist�ncia.a radia��o que eu sentia vinha de seu corpo e queimava,ardia,era verdadeiramente extasiante.estavamos muito al�m do sol,entre a dor e o prazer,num momento insano que remete � liberdade mais pura,meus olhos se perdiam num cen�rio onir�co onde eu pude ver as suas asas.asas de um anjo desconhecido,ca�do,prost�tuido. eu pagaria o pre�o que fosse para te-la comigo,e paguei.nossos corpos encontravamse com mais frequencia que poder�amos imaginar,er�mos as duas �ltimas pessoas no mundo e nada poderia nos separar. sempre no final de cada tarde quando j� estav�mos altos,num estado alterado de consci�ncia olhav�mos as estrelas surgindo no c�u ent�o nossos olhos se encontravam,sentiamos livres para ir mais al�m. er�mos anjos e tamb�m dem�nios,e sobre os nossos ombros carregav�mos d�divas e maldi��es. como crian�as subindo numa �rvore,quer�amos atingir o galho mais alto e quando enfim alcan��vamos queriamos uma �rvore mais alta ainda.as agulhas penetravam fundo,iam muito al�m das veias,de fato chegavam a perfurar a alma e no curto per�odo em que ating�amos um orgasmo espiritual sent�amos completos para logo em seguida ter nossos galhos partidos e cair.nada pod�amos fazer,j� hav�amos amputado nossas asas. numa noite sem estrelas ela veio at� n�s,um anjo narc�tico de asas partidas,e,como um sopro de vida,partiu. tudo aquilo que amamos um dia fora destruido pelo que nos tornamos.sei que agora o amor est� realmante morto fora da minha mem�ria,mas l� ainda h� tra�os do que eu costumava ser.sinto as paredes erguendo-se ao meu redor enquanto me arrasto pelas cinzas do que tento esquecer,ainda sinto sua presen�a.n�o h� mais beijos de boa noite,no lado escuro do quarto ela adormeceu e n�o mais acordou. dia ap�s dia eu sinto como se estivesse me tornando pedra,eternamente perdido,frio,eu quero tocar o sol.as drogas tornaram-se anjos,guardam a minha sanidade.eu a vejo em meus sonhos,linda,dan�ante por campos ensolarados,uma sensa��o quase tang�vel.e ent�o eu acordo,e do galho mais alto,sonho um pouco mais.
por
marcelo de carvalho