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flUsando a internet para a participação cidadã: as experiências de orçamento participativo digital no Brasil Nina J. Best Manuella Maia Ribeiro José Carlos Vaz 1. Introdução A chamada “sociedade da informação” tem sido vista como uma possibilidade de aumentar a participação cidadã e propiciar uma nova dimensão e espaço de interação entre governo e sociedade que seja pautada pela transparência, accountability e o controle social. Entretanto no que tange à participação, existem poucos estudos sobre experiências de participação com a utilização das tecnologias da informação e comunicação (TICs). Esse artigo é fruto da pesquisa denominada "Electronic Local Governance: Latin American Perspectives", realizada pela rede internacional LogoLink, coordenada pelo Instituto Pólis, em São Paulo, Brasil, cujo objetivo foi investigar os diferentes usos das ferramentas e aplicações de governança eletrônica democrática nos entes subnacionais (Estados e Municípios) da América Latina para promoção de direitos e inclusão social. O artigo apresenta quatro experiências de Orçamento Participativo (OP) desenvolvidas em municípios brasileiros, Porto Alegre (RS), Ipatinga (MG), Belo Horizonte (MG) e Recife (PE), que utilizaram as novas tecnologias em diferentes etapas na realização do OP. As experiências de OP, que propõem a participação direta dos cidadãos na definição das prioridades do investimento público, são amplamente conhecidas. Tradicionalmente, o OP é desenvolvido em diversas etapas com a realização de assembléias populares que discutem e deliberam a alocação de determinados recursos financeiros previamente definidos pela Prefeitura. Em regra geral, a participação cidadã no OP ocorre desde a definição das propostas (e em alguns casos, prioridades de políticas públicas) que serão eleitas, até o monitoramento da execução das propostas vencedoras por conselhos ou comissões de fiscalização. Apesar de não ter sido a primeira experiência de OP, a experiência do município de Porto Alegre, iniciada há 20 anos, é considerada um marco do reconhecimento nacional do instrumento. A partir dessa experiência, o OP se espalhou não só pelo Brasil, mas obteve também uma projeção internacional como uma ferramenta de inclusão social e participação cidadã, sendo implementada em diversos países no mundo como Portugal, Argentina, Peru, México, e até nos EUA, onde governos subnacionais em déficit tem experimentado a implementação do OP para, junto à população, definir cortes prioritários no orçamento local e definir como melhor alocar recursos públicos. É importante observar que não existe uma receita exclusiva para a implementação do OP, e que em cada versão, o OP assume características apropriadas ao seu local de realização, assim como responder aos interesses daqueles que estão à frente do processo. Consideramos que os quatro casos apresentados nesse estudo, ao utilizarem as TICs na realização do OP Digital em suas localidades, vão além das exigências mínimas de 1
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participação do OP, buscando maneiras inovadoras de complementar o modelo tradicional e ampliar a participação dos cidadãos ao longo das diferentes etapas do OP. O surgimento de tais experiências se torna mais fácil, uma vez que vivemos numa era de grande desenvolvimento das TICs, e o conseqüente barateamento e difusão dessas tecnologias, em especial da internet. A metodologia empregada para esta pesquisa baseou-se na identificação bibliográfica sobre os conceitos-chave, discussão sobre a relação entre a governança local e a participação cidadã, e na realização de estudos de caso e inspeções estruturadas dos sítios dos municípios bem como entrevistas com gestores destes municípios quando necessários para a obtenção de maiores informações no período entre setembro e dezembro de 2008. A primeira parte deste trabalho irá levantar alguns dos principais pontos em relação à governança eletrônica e seu potencial na ampliação de direitos e cidadania. Em seguida serão apresentados os casos estudados sobre o uso de TICs no OP de quatro municípios brasileiros, que irão demonstrar o impacto da utilização das TICs em processos participativos. Apresentaremos também, no âmbito desta pesquisa, os resultados obtidos a partir das respostas de um questionário implementado com participantes da atividade “Repensando o OP”, em sua oitava edição realizada no Instituto Polis em março de 2009, onde verificamos o interesse e conhecimento sobre a utilização das TICs nos processos de Orçamento Participativo. A partir destes estudos de caso, foi elaborado um estudo panorâmico comparativo entre as experiências que aponta uma série de questões emergentes na temática e pistas para a continuidade das pesquisas em torno do assunto. Tais questões referem-se à contribuição efetiva das TICs para a promoção da participação cidadã e do controle social sobre os governos locais através de portais e serviços web vinculados aos OPs. Argumentamos que com o uso da internet, as experiências de OP podem ampliar a participação e permitir que milhares de cidadãos, que antes não participariam do processo, deliberem sobre a melhor alocação dos investimentos públicos em seus municípios. Observamos que nenhum dos casos estudados utiliza a internet em todas as suas etapas do OP, e, portanto concluímos que enquanto há um trade-off entre a deliberação presencial e a ausência deste tipo de espaço no campo virtual, por um lado, por outro, como veremos, os cidadãos votam e assumem um papel de tomadores de decisão de fato, uma vez que as propostas mais votadas serão implementadas pela prefeitura. 2. Governança Eletrônica Não existe um consenso sobre o termo governança, que segundo Vale (2006, apud Pereira 1998), pode ser entendido como a “capacidade do Estado de transformar em realidade, de forma eficiente e efetiva, as decisões tomadas”. Ao delimitar essas afirmações pode-se afirmar que o conceito de governança vai além do governo, suas instituições e dos processos decisórios e de ação governamental, para retratar diversos elementos de atuação que ocorrem na interface das relações entre governo e sociedade. Relações essas que precisam ser fundamentadas no controle e na prestação de contas, ou seja, em maior transparência e participação tanto na formulação, no acompanhamento e na apresentação de informações de interesse públicos. Sendo assim, a governança não deve se dar somente por um viés unilateral partindo do governo, mas sim por uma interação constante entre Estado e 2
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sociedade. Para Diniz (1996, apud Ribeiro), a definição conceitual de governança vai além da capacidade de ação governamental, isto é, engloba elementos de participação, sendo assim “a capacidade da ação do Estado na formulação e implementação de políticas públicas e consecução das metas coletivas utilizando-se de mecanismos de incrementação da participação dos cidadãos”. A governança eletrônica por sua vez, também reflete um caráter amplo no que diz respeito à delimitação conceitual. Há ainda linhas de pensamento que se mantêm em um conceito mais aberto como o de Rezende, Frey (2005)17: “A governança eletrônica ou e-governança (egov) pode ser entendida como a aplicação dos recursos da TI na gestão pública e política das organizações desse tipo”. Quando transferida à governança eletrônica, a visão de Diniz pode ser interpretada como a capacidade de ação governamental, através do uso de tecnologias de informação e comunicação para a realização de políticas visando uma maior e melhor participação dos cidadãos. Para Vaz (2005), governo eletrônico não pode ser entendido de maneira determinística, e muito menos como um campo neutro de atuação governamental. Falar de governança eletrônica no Brasil é todavia conturbado. Se por um lado temos uma sociedade que devido às condições socioeconômicas e culturais é mantida às margens do acesso as novas tecnologias, por outro lado, temos outra sociedade que é tecnologicamente atualizada e conectada, estabelecendo assim o digital gap, onde cada vez mais a viabilidade do desenvolvimento de recursos tecnológicos, assume um papel cada vez mais dominante no desenvolvimento do país. A qualidade e a extensão da dinâmica das relações entre governo, cidadãos e sociedade civil organizada, estabelecidas pelo uso das TICs tem que ir além da análise do uso de recursos tecnológicos para avaliar as dinâmicas dos processos sociais nos quais os cidadãos interagem com o governo na luta por melhoras na qualidade de vida e acesso à direitos básicos, e entender esta interação digitalizada como uma forma de ampliar direitos e cidadania. Para Vaz (2005), as TICs podem servir para melhorar a qualidade das relações entre governos e cidadãos pelo seu potencial de promotores de direitos, como por exemplo, o direito à informação, ao serviço público, ao seu próprio tempo, de ser ouvido pelo governo, ao controle social sobre o governo e à participação na gestão pública. Os três primeiros direitos estão relacionados ao desempenho público dos serviços e ao acesso aos direitos individuais. Os últimos três direitos mencionados estão relacionados ao exercício dos direitos coletivos, e é neste ponto que a governança eletrônica pode potencialmente promover a ampliação dos direitos do cidadão na gestão pública, e transformar os processos de deliberação, tomada de decisão, monitoramento e avaliação do OP, ampliando o direito à participação na gestão pública e democratizando o acesso às ferramentas de informação e comunicação, garantindo um maior número de participantes nestes processos democráticos participativos. 3.Experiências de Orçamento Participativo Digital no Brasil Nos últimos anos, foi possível observar o uso da internet por alguns governos locais para reforçar e/ou complementar as iniciativas de OP. Uma das justificativas para este movimento é, apesar do digital gap existente, o uso da internet é considerado como uma oportunidade para a ampliação da participação dos cidadãos no OP. As experiências brasileiras aqui estudadas utilizam a internet em diferentes etapas do OP, desde a consulta à população 3
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para propor os empreendimentos que disputarão no OP até a votação. Enquanto observamos que nenhum caso utiliza a internet em todas as etapas do OP, observamos que somando os diferentes usos da internet nos casos estudados, seria possível utilizar a internet em todas as etapas. Tabela 1 - Uso das TICs em processos de Orçamento Participativo
Experiência
Prestação Contas Orçamento Participativo
de Orçamento Orçamento do Popular Ampliado Participativo Digital
Orçamento Participativo Internet
TIC
Consultas Uso da Internet personalizadas para coletar as para o propostas para o monitoramento do Orçamento Orçamento Participativo Participativo
Uso da Internet para votação do Orçamento Participativo
Uso da Internet para votação do Orçamento Participativo
Localidade
Porto Alegre
Ipatinga
Belo Horizonte
Recife
1.420.667
238.397
2.412.937
1.533.580
Disponibilizar o andamento das obras escolhidas no Orçamento Participativo
Debate público do orçamento Municipal para desenvolvimento da infra-estrutura da cidade
Orçamento Participativo com votação através da Internet.
Orçamento Participativo com votação através da Internet.
População
Destaque
Organização dos Dentro do próprio Dentro do próprio Dentro do próprio Dentro do próprio governos e sítio do município sítio do município sítio do município sítio do município portais
Tendências
Construir um Utilizar as TIC's Portal para para o envio de controle das propostas do OP. obras e serviços do OP
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Usar as TIC's para deliberação do OP (processo distinto ao OP tradicional)
Usar as TIC's para deliberação do OP (processo integrado – etapa complementar – ao OP tradicional)
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Como podemos observar na Tabela 1, Porto Alegre utiliza a Internet como ferramenta complementar ao OP presencial, criando um espaço para divulgação das informações referentes ao OP que permite acompanhar a execução e andamento das obras e serviços decididos através do OP desde 1990. O acompanhamento das informações no site é um adicional ao OP que garante um maior controle sobre a sua implementação, além de ser um recurso relevante para a sua transparência. Em 2001, Ipatinga incorporou ao OP do município a indicação de demandas pela Internet, onde os cidadãos cadastrados no sítio eletrônico municipal podem indicar propostas que serão votadas em conjunto com as propostas apresentadas nas reuniões presenciais do OP tradicional. Também já utilizaram a Internet para o monitoramento e informações sobre o OP através do site e do e-mail. No ano de 2006, Belo Horizonte realizou sua primeira experiência de votação online do OP, onde cidadãos poderiam votar em determinadas obras pré-selecionadas pela Prefeitura através da internet. Já em Recife, desde 2007 é possível votar nas ações do OP pela internet. Em contraste com o exemplo do OP Digital de BH, o OP Internet de Recife faz parte do OP presencial, e não é considerado como um processo de OP distinto. Veremos a seguir os quatro casos em um pouco mais de detalhe: 3.1 Porto Alegre A experiência de Porto Alegre, iniciada em 1989, é referência nacional e internacional do OP. Avritzer (2006) argumenta que o OP em Porto Alegre emerge da conjunção de características e condições únicas da relação entre a sociedade civil e as características políticas dos governantes locais. Essa experiência usa a internet como ferramenta auxiliar ao OP tradicional, ou seja, a internet não é usada para a deliberação, mas para prover informações gerais sobre o OP do município. O sítio de Porto Alegre não pode ser avaliado sem considerar a mobilização da sociedade civil em torno de OP, uma vez que há uma forte tradição participativa e uma liderança comprometida com resultados. Além de divulgar as informações referentes ao funcionamento do OP, a Prefeitura de Porto Alegre utiliza a internet para fornecer informações sobre a execução e andamento das obras e serviços decididos pela população e realizados através do OP desde 1990. O sistema permite realizar diferentes tipos de consultas: pelo número de demanda; por ano e municipais organismo encarregado da obra ou serviço; por região, ciclo do OP, e por questão temática. O uso das TICs no caso de Porto Alegre amplia o acompanhamento do OP pela internet para além dos delegados e líderes no OP, mas também para qualquer cidadão interessado. O acompanhamento das informações no site é um adicional ao OP que possibilita o controle sobre a sua implementação e um recurso relevante para a sua transparência. 3.2 Ipatinga O OP de Ipatinga se tornou, ao longo dos anos, um importante espaço de debate público em torno de orçamento municipal para desenvolvimento de projetos de investimento em infraestrutura. Em 2003, US$ 1,2 milhão foi alocado para o OP para projetos de desenvolvimento de seus bairros e quase US$ 12 milhões para projetos de desenvolvimento de longo prazo incorporado nos quatro anos. O valor total alocado neste ano era quase $ 13 milhões, o que 5
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significa mais de 13,5% do orçamento total do município para o ano de 2004. A partir de 2001, foi incorporada ao OP de Ipatinga a indicação de demandas pela internet. Antes denominado Orçamento Interativo, atualmente é chamado de Orçamento Popular Ampliado (OPA). Todo o cidadão, maior de 16 anos, cadastrado no sítio pode indicar prioridades para o OPA. Para garantir um maior número de participantes, computadores foram disponibilizados em locais públicos pela cidade, facilitando a participação na indicação das demandas ao OPA daqueles cidadãos sem acesso à internet. As propostas online são votadas em conjunto com as propostas apresentadas no OP presencial. O conjunto de propostas é assunto de discussão e deliberação nas assembléias regionais após o governo avaliar a viabilidade técnica e financeira. Os cidadãos poderão verificar durante a apresentação online todas as propostas apresentadas. 3.3 Belo Horizonte O OP em Belo Horizonte consiste em um processo deliberativo pela população sobre prioridades de obras da Prefeitura realizadas no município desde 1994. O programa, em sua versão tradicional, já completou 15 anos e recebeu inúmeros prêmios de reconhecimento. Em 1996, além do OP tradicional, a prefeitura de BH criou também o OP Habitação, seguido em 2006 pelo OP Digital. O OP Digital realizado pela Gerência do Orçamento Participativo (GEOP) na Secretaria de Planejamento em parceria com outros órgãos municipais, possui recurso próprio e separado do OP presencial no valor de R$ 20.250.000,00 na primeira edição em 2006 e R$ 50.000.000, 00 em 2008. O período estabelecido para votação no sítio do OP Digital varia em torno de um a dois meses. A base de dados do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) foi utilizada, podendo votar os cidadãos com título de eleitor emitido no município. O funcionamento do sítio OP Digital é dividido em duas etapas: a primeira de debate e discussão, onde dentro do próprio site oficial havia espaço disponível para criação de fóruns e grupos de discussão, e a segunda etapa de votação. Em 2006, a votação era exclusivamente online, enquanto em 2008, o telefone também foi utilizado para votação. Houve um acompanhamento online da votação, possibilitando ao cidadão que acabara de votar ter uma confirmação do seu voto, e visualizar, em tempo real, o resultado das votações, permitindo a observação da colocação dos empreendimentos no período de votação. Isso possibilitou que ocorressem diversos exemplos de mobilização da sociedade para que suas obras fossem selecionadas, como por exemplo a reforma da Praça Raul Soares e adjacências (Regional Centro-Sul) em 2006, onde os comerciantes do Mercado Central, que fica ao lado da Praça, instalaram computadores e fizeram campanha para atrair eleitores. Em menos de 24 horas essa obra passou da terceira posição para a primeira. O voto pela internet permite uma ampliação do número de eleitores, uma vez que os cidadãos poderiam votar de qualquer computador que tivesse acesso à internet. A Prefeitura também disponibilizou, em ambas edições do OP digital, aproximadamente 158 pontos de votação gratuitos por toda a cidade localizados em hospitais, escolas, caminhões itinerantes, entre outros, que contavam com monitores para auxiliar em caso de dúvida quanto ao funcionamento do sítio ou da votação.
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Em 2006, o OP Digital superou as expectativas da Prefeitura quanto ao número de participantes: o número de votantes foi de 172.938 totalizando 503.266 votos. Apesar de ser esperada uma média de 6 a 9 votos por votante, o resultado foi inferior com uma média 2,83 votos por votante, foi observado que os votantes não votavam em obras distantes da região onde moram. Enquanto em 2008 foram totalizados 124.320 votos, sendo 112.837 (90,76%) através da Internet e 11.483 (9,24%) por telefone. 3.4 Recife O OP de Recife utiliza a internet como ferramenta complementar para votação desde 2007. O OP Internet faz parte do OP tradicional, que é realizado anualmente, e permite votar nas 10 obras já priorizadas no OP presencial nas micro-regiões do município, sendo todas as ações votadas pela internet e urnas eletrônicas credenciadas nas plenárias regionais. Os votos computados pela Internet são somados aos votos das plenárias e urnas eletrônicas. No ano de 2008, o cidadão pode escolher uma das 180 ações votadas nas 18 micro-regiões, tendo a oportunidade de alterar a ordem de prioridades. Também podem votar em uma das três prioridades já definidas em cada uma das sete plenárias temáticas, ou seja, podem votar em até 7 prioridades, no máximo um voto por temática. Primeiramente, são votadas as ações. Cada cidadão pode votar em até uma ação por micro-região. Por último, podem votar nas prioridades temáticas como mulheres, direitos humanos e cultura. Foram três as oportunidades de participar na escolha das prioridades temáticas, no OP presencial, nas urnas eletrônicas e finalmente pela internet, garantindo assim, um voto por cidadão. Para votar pela Internet era necessário se cadastrar com as seguintes informações: número de RG; número de CPF e endereço completo. O período de votação pela Internet é de 15 dias, e ocorreu após a realização das plenárias e a da votação por urna eletrônica. Em 2008 votaram pela Internet 22.856 pessoas, aproximadamente 25% dos participantes neste ciclo do OP. 4.Revisando o OP Digital As experiências acima mostram que a internet pode ser uma ferramenta para a expansão do OP além da tradicional forma presencial, com perspectivas de real ampliação da participação cidadã pelos benefícios e facilidades proporcionadas pelos usos das TICs. Por exemplo, uma pesquisa realizada em 2003 por Oliveira, Vaz e Cary sobre a experiência de Ipatinga mostrou que novas pessoas estão fazendo parte dos processos do OP, tanto na apresentação de propostas quanto na presença das reuniões. A classe média e os jovens adotaram o OP Digital e tem se mobilizado para participar das reuniões presenciais e disputar a alocação dos recursos disponíveis. No entanto, não é possível dizer que a participação de novos setores aconteceu exclusivamente devido ao uso da internet, uma vez que a cultura de participação destes setores é reconhecidamente fraca e não é possível colocar os novos participantes no mesmo nível de compromisso que o tradicional método de reuniões populares.
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O caso do OP Digital de Belo Horizonte foi o que envolveu mais pessoas em um processo de participação no OP. Em 2006, a meta original do governo para as votações na internet eram de 100.000 pessoas, de acordo com dados oficiais da cidade, enquanto as reuniões presenciais foram freqüentadas por 34.463 pessoas em 2007/2008, superando as expectativas da Prefeitura e o número de participantes em relação ao OP presencial, as votações na internet mobilizaram um número expressivo de 172.938 pessoas. Também observamos um aumento do número de pessoas no processo de OP de Recife, que inclui, além do voto pela internet (terceira etapa), uma etapa anterior de votos por urna eletrônica. Quanto à utilização das TICs no processo do OP, as etapas encontradas foram as seguintes: ● Uso da Internet para coletar as propostas do OP (Ipatinga) ● Uso da Internet para a votação do Orçamento Participativo (Belo Horizonte e Recife); ● Uso da Internet para o monitoramento do OP (Porto Alegre); O uso da internet para coleta de propostas somente é realizada no município de Ipatinga. Apesar do uso da Internet para o monitoramento se destacar em Porto Alegre, os municípios de Belo Horizonte e Recife também disponibilizam uma série de informações sobre os empreendimentos aprovados no OP. O uso da Internet para o acompanhamento feito pelo cidadão para o OP é de extrema importância para a promoção do controle social. Além de permitir pesquisa no banco de dados do site, o acompanhamento do OP permitia o monitoramento pelos cidadãos através de informações enviadas por e-mail ao sítio governamental do OP, trazendo mais uma inovação ao processo: o controle social via o uso de TICs, que não só amplia o número de pessoas que irão fazer o acompanhamento e monitoramento das obras, uma vez que os cidadãos locais, representantes do OP e lideranças comunitárias fazem o monitoramento presencialmente, e divulgam as informações via internet para que toda a população tenha acesso ao andamento do OP. A publicação de informações sobre ações aprovadas e o desenvolvimento dos projetos executados pelo OP contribui para a elevação do nível de abertura do governo, que pode ser visto como um indicador de accountability governamental. O segundo nível de controle básico foca na eficácia das despesas e o combate à corrupção, tentando evitar demandas extremamente técnicas e dar menor atenção ao OP engajado pelos delegados da sociedade civil e organizações. Também é importante observar que o único município que possui um OP separado e somente digital é Belo Horizonte. Enquanto nos demais há somente um Orçamento Participativo, que utiliza a Internet em determinadas etapas do processo de OP tradicional. O OP de Recife inova ao permitir mais de uma possibilidade de participação no Orçamento Participativo além da deliberação presencial em assembléias, mas também votar por urna eletrônica ou Internet, garantindo maiores possibilidades do cidadão participar no processo de OP.
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A observação das experiências mostrou que nenhuma delas usa a internet em todas as etapas do OP, ou seja, desde a proposição de propostas até a deliberação e monitoramento. Uma das questões a se verificar é o porquê de nenhum destes municípios adotarem um processo de OP totalmente virtual. Não é fácil avaliar o quanto o OP Digital afeta o equilíbrio e o poder de relacionamento entre governo e sociedade civil. Poucas experiências foram realizadas e, portanto, não há informação suficiente disponível para apontarmos algo. No entanto, podemos levantar algumas perguntas. No caso de Belo Horizonte, podemos ver que algumas iniciativas conseguiram influenciar os resultados da deliberação virtual. Estas iniciativas foram organizadas principalmente por setores que tradicionalmente não se envolviam nas reuniões presenciais como a associação de comerciantes da Regional Centro-Sul. Até certo ponto, estes setores mudaram o equilíbrio de poder em seu favor, em detrimento dos tradicionais participantes do OP, até mesmo os tradicionais grupos dominantes das reuniões presenciais do OP. A deliberação virtual permitiu a substituição das reuniões presenciais, o que significa uma intermediação que não exige contato direto. No caso de Belo Horizonte, a Administração Regional propôs os projetos que seriam votados pelos cidadãos na deliberação online. Portanto, podemos nos questionar se eles continuarão com este poder de escolha das obras no próximo OP Digital ou será que a Sociedade Civil clamará por este direito de escolha como ele ocorre no OP Presencial, em que todas as decisões desde as propostas até as escolhas das obras são definidas pelos cidadãos? Outra questão pertinente para estudo é quais são as restrições e dificuldades para a utilização das TICs em processos participativos. Sobre as restrições e riscos da utilização da Internet no OP, foi realizada pelos autores em março de 2009 uma pesquisa no evento “VIII Repensando o Orçamento Participativo”, ação conjunta do Instituto Pólis e Fórum Paulista de Orçamento Participativo, com 42 pessoas, que correspondem a 63% dos presentes no evento, sobre o uso da Internet no Orçamento Participativo. A maior parte dos presentes (85%), que se dividia entre pessoas do governo e sociedade civil, participa ou já participou de experiências de OP. Quanto ao uso das TICs nas diferentes etapas do Orçamento Participativo, os resultados apontam as seguintes conclusões: ● 81% dos participantes da pesquisa são a favor do uso da Internet para a coleta de propostas para OP como meio complementar aos encontros presenciais (plenárias, conselho do OP etc.); ● 42,85% não concordam com o a votação pela Internet em nenhuma etapa do OP; ● 57,1% são a favor do uso da Internet para a prestação de contas do OP como meio complementar; Estas respostas são oriundas de um questionário fechado realizado aos participantes deste evento. Também foi realizada uma série de questões abertas que tinham o objetivo de observar os benefícios e os limites da utilização da Internet no OP. Cada participante poderia 9
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citar até três benefícios ou limitações. Os principais benefícios do OP Digital citados pelos participantes da pesquisa foram: Categorias Informação
Descrição Citações Respostas que citaram como 26 benefício do OP Digital o maior acesso à informação. Comunicação Respostas que citaram como 17 benefício do OP Digital a maior possibilidade de comunicação entre os diversos atores relacionados ao OP. Participação Respostas que citaram como 15 benefício do OP Digital a maior participação dos cidadãos. Praticidade Respostas que citaram como 12 benefício do OP Digital a maior praticidade. Divulgação Respostas que citaram como 9 benefício do OP Digital a maior divulgação do OP. Capacitação e Inclusão Respostas que citaram como 9 Digital benefício do OP Digital a promoção da capacitação e inclusão digital. Governo Respostas que citaram como 6 benefício do OP Digital melhorias no governo. Outros Outras respostas. 4 Elaborado pelos autores
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Porcentagem 26,5% 17,5%
15,5%
12,5% 9% 9%
6% 4%
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As principais limitações apresentadas foram: Categorias Exclusão Digital
Descrição Citações Respostas que citaram como 20 limitação do OP Digital a exclusão digital. Perda da Participação Respostas que citaram como 15 limitação do OP Digital a perda da participação da população. Falta de informação, Respostas que citaram como 8 conhecimento e limitação do OP Digital a capacitação falta de informação, conhecimento e capacitação dos participantes. Segurança e Credibilidade Respostas que citaram como 6 limitação do OP Digital a segurança e a credibilidade do meio digital. Enfraquecimento do OP Respostas que citaram como 5 limitação do OP Digital o enfraquecimento do OP Presencial. Falta de Respostas que citaram como 5 Interesse/Despreparo do limitação do OP Digital a Governo falta de interesse e/ou o despreparo do governo. Custos Respostas que citaram como 3 limitação do OP Digital os custos para a sua realização. Participação Respostas que citaram como 2 Restrita/Superficial limitação do OP Digital a perda do debate na participação. Outros Outras respostas. 7 Elaborado pelos autores
Porcentagem 28,00% 21,00%
11,00%
8,50%
7,00%
7,00%
4,50% 3,00%
10,00%
Os principais benefícios citados estão associados as possibilidades de maior acesso á informação, comunicação e participação proporcionado pelas TICs. Enquanto as principais limitações citadas foram a exclusão digital, a perda de participação e falta de informação, conhecimento e capacitação devido à exclusão ainda existente na utilização das TICs.
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O uso da Internet para o OP em todas as etapas do processo foi bastante rechaçado pelos participantes desta pesquisa, a Internet é aceita como um meio complementar ao OP, principalmente, no que tange à consulta de propostas e monitoramento. Cabe ressaltar a necessidade de estudos para compreender os impactos do uso das TICs no OP tanto nos participantes do OP presencial quanto na população que, normalmente, não participa desses processos. Uma das questões que foram refletidas é a possibilidade do OP Digital diminuir a discussão quando ele se resume a deliberação do OP. Poderia haver um trade-off entre qualidade do debate no OP e deliberação online? Apesar de não se pode negar que, em termos numéricos, o OP Digital pode ampliar a participação cidadã como demonstram os casos de Recife e Belo Horizonte, mas ainda não há estudos de seus impactos na ampliação da educação desses participantes quanto aos seus direitos de cidadania e na ampliação do debate público, que é um dos pilares do OP presencial. 5.Considerações Finais A partir dos estudos dessas quatro experiências, podemos apontar que não é fácil chegar a conclusões definitivas sobre o tema, afinal são poucas as iniciativas e muito inovadoras, além do que elas podem ser consideradas a evolução recente dos já consolidados OPs. Talvez só com a disseminação desta prática para outros municípios, teremos um conjunto maior de pesquisas e, portanto, seremos capazes de construir uma melhor avaliação dos impactos do OP Digital como promotor de direitos de cidadania, entre eles, o controle social e a participação na gestão pública. Além disso, o único meio de estabelecer prós e contras do OP Digital depende do ponto de vista que se adota. Há muitas partes interessadas afetadas por esta inovação: o governo, a burocracia, prefeitos e vereadores das cidades locais, líderes da sociedade civil, lideranças da sociedade civil do OP presencial e outros. Seguramente é necessário mais investigações para encontrar todas as implicações sobre todos estes setores envolvidos no OP. No entanto, mesmo evitando uma análise de prós e contras podemos resumir algumas conclusões a partir dos estudos de caso. Ao fazê-lo, nós adotamos um pressuposto para este estudo, alegando que a disseminação do OP Digital poderia fomentar e reforçar os direitos dos cidadãos a ser ouvido pelo governo, do controle social sobre a administração e também a participação política. Os casos brasileiros prevêem alguns indícios sobre como o OP Digital pode melhorar o acesso dos cidadãos a esses direitos. Eles exploraram duas principais formas através das quais o OP digital se apóia para atingir públicos mais amplos: consulta e votação. Ambos são mostrados como viável mesmo em grandes cidades e atrair mais pessoas e novos setores sociais para o OP como o caso de Belo Horizonte e Ipatinga. O acompanhamento do OP através da Internet também existe, apesar de não terem sido estudados quanto à profundidade das informações presentes nos portais governamentais, pelo menos, demonstram reais possibilidades de tornar a informação disponível para o acompanhamento 12
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destes processos participativos. A Internet pode facilitar a interação entre governo e cidadãos no OP através de uma maneira menos complexa para os cidadãos que poderiam ou participar das deliberações ou apresentar propostas. É possível dizer que a tecnologia abre um novo espaço para regular as pessoas não envolvidas na sociedade civil e organizações sociais. Então, o OP Digital poderia atingir públicos mais amplos, incluindo aqueles que não participam das reuniões presenciais pelos elevados custos de transação ou que tenham barreiras culturais, sociais ou políticas para participarem do OP, tais como os jovens. Do ponto de vista do governo, o uso da Internet no OP é claramente mais eficiente: o governo pode usar uma ferramenta acessível para interagir com um ampliado leque de cidadãos que não participam das reuniões presenciais. Também é um método seguro e, pelo menos nas quatro experiências mostradas, a expansão foi feito sem o estresse causado quando recebe fortes críticas nas reuniões presenciais do OP. Em certo sentido, o governo pode usar a Internet para ouvir OP das pessoas apenas o que eles querem ouvir, sem a cabeça de ter que diretamente interagir com a população. Embora essa limitação aponte para um desequilíbrio de poder, é claro que o OP Digital realmente pode ampliar o acesso à participação no OP. Ele é percebido que a profundidade de participação produzida pelas ferramentas da Internet é um custo-benefício entre a deliberação presencial e virtual. Considerando que o OP digital não foi capaz de proporcionar um compromisso em longo prazo organizado, pode ser usado para melhorar cada participação na deliberação. O OP Digital não deve substituir o espaço para alianças, negociação e discussão que a reunião presencial do OP proporciona. Beneficiando-se de experiências anteriores e da política e infra-estrutura institucional, não há provas de que a Internet tenha por si só o poder de tornar mais eficaz e participativo, ampliando dados quantitativos e alcançar todos os cidadãos na discussão do OP. Vários autores concluem que o espaço virtual participativo não substitui outros espaços de relações políticas. Uma das restrições ao OP Digital é a transparência do processo e do uso das TICS para evitar que esta modalidade de OP se torne um espaço apenas de legitimação das decisões governamentais, e se constitua como um real espaço virtual de participação cidadã legítima Observamos que nenhum dos casos estudados utiliza a internet em todas as suas etapas do OP, e, portanto concluímos que enquanto há um trade-off entre a deliberação presencial e a ausência deste tipo de espaço no campo virtual, por um lado, por outro, como veremos, os cidadãos votam e assumem um papel de tomadores de decisão de fato, uma vez que as propostas mais votadas serão implementadas pela prefeitura.
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[email protected] Manuella Maia Ribeiro Graduando do Curso de Gestão de Políticas Públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH/USP). Foi bolsista de iniciação científica com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no período de Agosto/2007- Julho/2008 com a seguinte pesquisa: “Como o governo eletrônico pode aumentar a transparência das compras governamentais?”. Participa do grupo de estudos em governo eletrônico da USP orientado pelo Prof. Dr. José Carlos Vaz desde março de 2007. Participa da pesquisa ELECTRONIC LOCAL GOVERNANCE – LATIN AMERICAN PERSPECTIVES da Rede Internacional Logolink/Instituto Pólis desde setembro de 2008. Premiada no I Prêmio Lice no 7º Encontro Nacional de Estudantes de Administração Pública com o artigo “Perspectivas para o Controle Social e Transparência nas Compras Eletrônicas” e no III Concurso de Monografias da Controladoria Geral da União (CGU) com a monografia “O Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação como 15
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Ferramentas de Combate à Corrupção: ComprasNet e o Portal da Transparência”. E-mail para contato:
[email protected]. José Carlos Vaz Professor e vice-coordenador do Curso de Gestão de Políticas Públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP).Bacharel em Administração pela FEA-USP, Mestre em Administração Pública e Doutor em Administraçào e Sistemas de Informação pela EAESP – Fundação Getúlio Vargas. Coordenador do Comitê Executivo Internacional da Rede LogoLink. E-mail para contato:
[email protected]
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