Aula Do Carlos Minc

  • November 2019
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CURSO DE FORMAÇÃO ECOLÓGICA Tema: História do Movimento Ambientalista no Mundo e no Brasil e suas principais lutas. Palestrante: Deputado Carlos Minc

Ecologia na História e Perspectivas para o Brasil A colonização das Américas foi moldada a ferro e fogo, dirigida pela ânsia do capital mercantil na acumulação de prata, ouro e especiarias. O extermínio de astecas, maias e incas, que possuíam avançados sistemas de produção agrícola e de organização social, foi uma das conseqüências desta colonização predatória. As florestas foram queimadas e os templos e peças sacras destruídos ou fundidos para confecção de moedas. A atividade mineradora implantada pelos espanhóis escravizou estes povos, desarticulou sua economia, gerou epidemias. Segundo Celso Furtado, a população mexicana de 16 milhões da época da conquista foi reduzida a um décimo deste total um século depois. Recentemente, os povos indígenas das Américas se organizaram de forma mais eficiente buscando uma sobrevivência digna e o resgate de suas origens culturais. No início da colonização portuguesa do Brasil, a população indígena estimada era de 5 milhões. O censo de 1997 registrou apenas 326 mil índios que lutam pela demarcação de suas terras e pelo reconhecimento de seus direitos. Recentemente, anos após os direitos territoriais indígenas serem consagrados na Constituição Federal de 1988, os fazendeiros e garimpeiros ocuparam terras e mataram os Taxáua Makuxi e Wapixana. Mineradoras de cassiterita agrediram o povo Ianomâmi. A Paranapanema invadiu as terras dos Waimiri-Atroari para a mineração do ouro no Amapá. Os suicídios em massa verificados nas aldeias Guarani em Mato Grosso foram causados pela expansão das fazendas, desagregando sua economia, gerando doenças, endividamento, alcoolismo e prostituição. A economia colonial no Brasil foi movida a braço escravo. O tráfico negreiro trouxe entre 1580 e 1850 cerca de 6 milhões de africanos. As viagens de Angola a Pernambuco duravam de sete a oito semanas e os navios transportavam de 300 a 600 escravos, um quinto dos quais morria no percurso. O escravismo colonial criou o mercado de compra e venda de escravos, o trabalho sem remuneração, castigos e ausência de vida familiar. Três séculos de sangria produziram na África desequilíbrios regionais,

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desertos demográficos e atrofia econômica e social até nos dias de hoje. Dos 30 países pior classificados no Índice de Desenvolvimento Humano na ONU, 25 pertencem ao continente africano . A destruição da Mata Atlântica foi o outro lado do escravismo colonial: processou-se simultaneamente ao uso predatório dos escravos nas monoculturas de cana-de-açúcar e de café , ao longo do litoral. O brilhante trabalho de Josué de Castro, "Geografia da Fome", mostra como a monocultura da cana-de-açúcar no Nordeste destruiu quase inteiramente o revestimento vivo, animal e vegetal da região. Este sistema generalizou a erosão, diminuindo o húmus formado pela decomposição orgânica e vegetal e matou quase toda a vida nos rios da zona canavieira. O desflorestamento da região intensificou o ressecamento das terras ao eliminar a floresta que fixava a umidade do solo. Josué de Castro tratou de forma integrada a dinâmica econômico-social e a questão ambiental. A desfiguração dos ecossistemas eliminou alternativas econômicas e fontes de alimentação da população, aumentando a miséria e a sujeição dos trabalhadores ao coronelismo. O mesmo sistema que triturou os negros no escravismo colonial dizimou 90% da Mata Atlântica em 500 anos de latifúndio pecuarista e monocultor predatório. No seu definitivo livro "A ferro e fogo - A história da devastação da Mata Atlântica", Warren Dean demonstrou como a Mata Atlântica foi implacavelmente reduzida de 1 milhão e 84 mil hectares em 1500 para 95 mil hectares em 1990. A questão ecológica tem base cultural e educacional. As práticas predatórias que em nome do lucro aterraram lagoas, poluíram rios, desfiguraram praias e queimaram florestas foram legitimadas pela herança colonial e escravocrata. As grandes metrópoles converteram-se em pólos de atração de capitais, populações e problemas - tal qual colonialistas do espaço nacional drenam recursos e geram no interior áreas de abandono e desequilíbrio. Hoje as grandes cidades sediam a maior parte dos problemas ambientais: lixo e esgoto sem tratamento; poluição visual , sonora e térmica; agressão à saúde do trabalhador pela poluição química dentro das empresas; ocupação irregular de encostas, alimentos contaminados por agrotóxicos, lixo atômico. Quais as perspectivas para o futuro? A informação ambiental e a consciência ecológica avançam, mas será educação ambiental formal e informal implantada que criará bases sólidas para novos valores e novos comportamentos. A legislação ambiental tem avançado muito mais rápido do que nossa capacidade de fazer as leis conhecidas e respeitadas. As alternativas tecnológicas, econômicas e urbanísticas serão a grande defesa do meio ambiente, que não pode depender apenas de um fiscal em cada esquina. As tecnologias mais limpas devem ser priorizadas no momento da tomada de decisões nos investimentos em ciência e tecnologia, o que depende da entrada em cena dos sindicatos, associações e universidades. As novas cidades e redes urbanas enfrentam o desafio de sua transformação, através da ecologia urbana, em cidades do cidadão associado, alternativa ao congestionamento , falência e envenenamento da população. Há acúmulo teórico, científico e experimental que fundamente tais mudanças. Mas esta autêntica revolução cultural dependerá de bases sociais e alianças políticas que viabilizem o sonho possível e inadiável do desenvolvimento socialmente justo e ecologicamente sustentado.

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Os desafios da Ecopolítica no Brasil O movimento operário, quando deu sinais de vida, identificava nas máquinas o seu inimigo. Afinal foram as máquinas que, tornando obsoletos os instrumentos de trabalho do artesão, possibilitaram o aumento das cadências de trabalho e substituíram milhares de trabalhadores, lançados no desemprego. Por isso, na Europa que plantava indústrias no início do século passado, os operários revoltados quebravam as máquinas. Os perversos e sutis mecanismos sociais de apropriação do produto do trabalho e de sujeição da classe trabalhadora eram ainda, em grande parte, desconhecidos. O movimento feminista, que despontou nos anos 1960 sacudindo os valores estabelecidos das sociedades machistas e conservadoras da Europa e dos EUA, tendia a identificar no homem um inimigo, no momento sexual da penetração uma forma de dominação. Uma de suas palavras de ordem era: “A cada estupro, uma castração.” As lutas pela igualdade de direitos, pelo direito de dispor do próprio corpo e contra todas as formas de discriminação colocaram posteriormente para o movimento feminista a questão de uma nova relação solidária entre homem e mulher, fundada em um profundo reaprendizado recíproco e conjunto. O movimento ecológico não fugiu a esta regra. Quando os ecologistas abriram uma fenda verde no reducionismo e economismo predominantes em praticamente todas as principais correntes de pensamento do mundo chamado desenvolvido, seu brado trazia a marca da recusa. A recusa do progresso armado, a recusa da felicidade consumista veiculada nos almanaques publicitários dos grandes magazines, a recusa do automóvel transformando em símbolo sexual e estandarte civilizatório , a recusa em aceitar a destruição da natureza como a necessária contrapartida do desenvolvimento, a recusa do trabalho alienante como parâmetro de responsabilidade ou de dignificação. Como a grande cidade havia se tornado a sede da indústria que agredia a natureza e os cidadãos, e que produzia em escala a poluição e o desperdício, os ecologistas pregavam a volta ao campo, às comunidades rurais. Como a medicina moderna e a invasão farmacêutica produziam dependências, intoxicavam, geravam novas enfermidades, os ecologistas propunham a volta à medicina natural, à automedicação, ao parto em casa. Como a televisão alienava, mentia, transformava o cidadão num canal receptor de mensagens dirigidas do poder, os ecologistas propunham que não se comprassem aparelhos de TV. Como a escola oferecia uma educação bitolada, massificada, decoreba, que atrofiava a inteligência e a imaginação das crianças, muitos ecologistas passaram a educar seus filhos em comunidades, onde se aprendia, por exemplo, a conhecer o canto submarino das baleias, como no belíssimo filme Jonas que terá 20 anos no ano 2000 de Alan Jones. Mas, da mesma forma que os operários compreenderam que destruindo algumas máquinas não eliminavam as relações que os oprimiam, e que as feministas elevaram para um patamar superior sua apreensão das origens do machismo que impregna ambos os sexos, os ecologistas se deram conta das tremendas dificuldades de organizar comunidades e mundinhos ecológicos com leis próprias de convivialidade fraternal no meio das sociedades tecnoburocratizadas, fundadas no industrialismo-consumismo, na centralização e o desperdício.

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As comunidades agrícolas, sem meios de pesquisa de tecnologias alternativas, cedo enfrentavam sérios problemas de organização precária e de produção insuficiente. As escolinhas comunitárias careciam de material didático alternativo, de professores com formação pedagógica e experimentados nos diferentes campos do conhecimento. Muitos ecologistas padeceram de graves doenças prolongadas e mesmo faleceram por recusarem as soluções da medicina tradicional para problemas que a medicina natural, a acupuntura ou a homeopatia ainda não apresentavam alternativas eficientes. Não assistir à televisão alienante, afinal, não diminuiu necessariamente o grau de alienação das comunidades isoladas, que recusavam o contágio da civilização poluente e agressora. As ilhas dos crusóes ecológicos nem sempre desembocaram em arquipélagos alternativos, mas marcaram com a sua recusa uma crítica radical dos valores da sociedade moderna e afirmaram com seus exemplos o vigoroso desejo de viver diferente. Caleidoscópio multidimensional A ecologia da era da recusa tinha os olhos facetados da abelha, uma visão fragmentar das malhas visíveis e invisíveis do tecido sócio-territorial. O horizonte de mira não ultrapassava via de regra o bairro, a poluição localizada, a paisagem querida da infância, desfigurada por vias rápidas e espigões, o riacho convertido em esgoto, a pracinha em estacionamento. Quando o alvo de atuação não era circunscrito à localidade, era apreendido por uma luneta ecológica dirigida a uma espécie animal ameaçada de extinção, como a baleia, aos grandes petroleiros que petrolhavam as praias, aos remédios que comprovadamente provocavam novas doenças. Tudo isso aparecia desconectado. Tratava-se de uma sucessão de crimes perversos e incompreensíveis. O farol da indignação ecológica iluminava o locus da agressão e obscurecia o funcionamento das conexões políticas e econômicas dos processos predatórios. Talvez tenham sido as memoráveis jornadas pacifistas e antinucleares do final dos anos 70, início dos anos 80, na Europa nos EUA, que aproximavam e conectaram de fato as tão diversas componentes do que conhecemos por movimentos ecológicos a alternativos. A ameaça concreta, palpável, próxima como um cão vivo debaixo dos lençóis, debaixo da camisa, da pele, o Cão sem plumas de João Cabral, iluminaram à lança-chamas os elos obscuros da moderna espoliação tecnocrática militarizada. A ameaça nuclear-autoritária, belicosa, machista e chauvinista colocou nas ruas, de mãos dadas, coloridos cordões de senhoras pacifistas, imigrantes estrangeiros discriminados, hippies, físicos nucleares, feministas, psicanalistas alternativos, comunidades rurais, ecologistas, socialistas libertários e rebeldes de múltiplas causas. A organização militarista da sociedade fortalece a hierarquia, as rígidas normas, a uniformização (no seu duplo sentido), ameaça a natureza, o direito à diferença e, em síntese, a própria vida. Esta ameaça coloriu as praças e avenidas com tão diversos grupos sociais, ideológicos e comportamentais. Mas afinal, o que a defesa das baleias tem a ver com os psicanalistas? Em que a defesa das florestas se identifica com os socialistas autogestionários? Em que o direito a dispor do próprio corpo responde às angústias dos físicos nucleares?

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Para avaliarmos os desenhos psicodélicos do Caleidoscópio Multidimensional, apresentamos uma adaptação livre da abordagem de Ivan Ilitch sobre o espaço da Autonomia. Mais adiante nos apoiaremos neste referencial para a leitura das propostas ecológicas recentes para a cidade, a região e a Constituinte. As encruzilhadas da economia, da ciência e da vida quotidiana.

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Socialização Planejamento Apropriação social Coletividade

Autonomia, controle do tempo e do espaço pelos cidadãos. Gestão do corpo e da vontade. Liberdade de opções.

Tecnologias duras, pesadas, centralizadas, poluentes, dominadas por especialistas, grande escala, soluções homogêneas, conexões militaristas. Y’ Heteronomia, ampliação do trabalho alienado. Restrição dos espaços convencionais. Intervenção do estado ou do mercado na limitação das liberdades dos cidadãos. Z’

Z

Y Tecnologias doces Brandas alternativas, não poluentes, descentralizadas, diversificadas, com sistemas, energéticos renováveis.

X’

Mercado Lucro Individualismo Concorrência Privatização

Estes caminhos cruzados assinalados na figura traduzem algumas das polarizações verificadas quanto às opções de organização societal, tomadas uma a uma, em cada eixo. O desafio é a sua percepção simultânea e integrada numa abordagem multidimensional. Apropriação Social O eixo XX’ expressa a oposição clássica Esquerda-Direita, ou SocialismoCapitalismo segundo os parâmetros de referência formulados em meados do século XIX. No sentido X’ o Capital é justificado coo um empreendimento privado referendado no mercado livre, testado na concorrência que penaliza os projetos ineficientes e anti-sociais. O lucro é a premiação social do risco e do êxito empresarial, e sua contrapartida é a criação de empregos e a oferta de produtos de boa qualidade, sendo seus preços formados pela oferta e pela procura. O sentido oposto X aponta a propriedade privada dos meios de produção como a base da sujeição do trabalho e das relações de exploração, e defende uma opção coletivista. O mecanismo do lucro dirigindo os investimentos é responsabilizado pelas crises cíclicas que lançam milhões de trabalhadores no desemprego e na miséria. A orientação socialista defende a apropriação social da produção pela coletividade, o que supõe a socialização do aparato econômico e o planejamento como meio da sociedade orientar a produção segundo suas aspirações.

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O princípio do planejamento social como eixo diretor da economia transferiu para o interior do aparato de estado a luta pela reorganização da vida econômica e social. Este aparato se robusteceu progressivamente, resistindo as previsões sobre sua tendencial diluição. Ao contrário, a ação do estado no socialismo realmente existente penetrou mais a fundo na normação da vida cotidiana, dos princípios éticos e morais, na disciplinação de corpos e mentes. A apropriação coletiva do produto social esbarrou também no desenvolvimento de estruturas tecnológicas fundadas no gigantismo, na reificação da divisão do trabalho e subordinadas ao comando de especialistas. Para o funcionamento desta engrenagem produtiva complexa, Lenin apelou para o taylorismo e Trotsky para a militarização do trabalho. A autogestão dos produtores associados sobre as fábricas e a sociedade encontrou barreiras intransponíveis no estado asfixiante e nos complexos tecnológicos centralizados, hierarquizados, poluentes, em suma, reprodutores das relações sociais de sujeição e de apropriação do maistrabalho que os haviam engendrado. O confronto contido no eixo XX’ foi basicamente centrado sobre o estatuto da propriedade das unidades econômicas e sobre suas leis gerais de funcionamento. A natureza e as implicações qualitativas das opções tecnológicas estiveram ausentes neste debate secular. Ofuscada também foi a discussão das condições necessárias para o exercício real da autogestão e para a ampliação dos espaços de autonomia e de liberdade. Tecnologia, dominação e autogestão O eixo YY’ trata das opções tecnológicas e de seus impactos sobre a organização territorial e o patrimônio ecológico e acerca do poder de controle efetivo dos cidadãos sobre as decisões econômicas. Certos contornos desta problemática foram delineados na Revolução Cultural Chinesa com os grandes debates acerca da oposição Campo-Cidade, da oposição Trabalho Intelectual – Trabalho Manual, da subordinação da Agricultura à Indústria. A grande manipulação de massas, o autoritarismo e o esquematismo dominantes sufocaram a percepção destas contradições. A questão ecológica e a autonomia não foram suscitadas, e as oposições acima mencionadas foram enfrentadas burocraticamente. Por exemplo, obrigando-se aos cientistas e intelectuais a participarem dos trabalhos de faxina por certas horas, sob coação. A estrutura tecnológica, e as contradições que ela incorpora, resistiram sem muito esforço à tentativa de subvertê-las por métodos administrativos autoritários. Esta concepção levada às últimas conseqüências fundamentou, anos mais tarde, a trágica evacuação forçada de Pnon-Phen pelo Kmer Vermelho. Esta via de enfrentar o mal (a cidade corrompida) pela raiz não deixa de lembrar o primarismo dos operários que partiam as máquinas opressoras há dois séculos atrás... A discussão sobre a organização territorial do aparato econômico e da sua gestão vieram à tona na Iugoslávia a partir do seu rompimento com a URSS em 1948. Em 1950 são criados comitês de gestão no interior dos conselhos operários, democratizando o poder nas unidades produtivas. A reforma de 1965 aumentou a margem de independência das fábricas em relação ao governo, abriu a economia ao capital externo e produziu elevadas taxas de crescimento econômico.

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Este crescimento no entanto seguiu os padrões tecnológicos capitalistas vigentes na Europa, cuja conseqüência foi a de aumentar as desigualdades regionais existentes na Iugoslávia, aumentar muitíssimo o êxodo da população para a Alemanha e de multiplicar rapidamente os índices de poluição. Em 1947 a relação do rendimento por habitante entre as regiões mais desenvolvidas e as mais pobres na Iugoslávia era de 3 para 1; em 1967 esta relação passa a ser de 5 para 1. Em 1971 havia 672 mil trabalhadores iugoslavos no estrangeiro, sendo 413 mil fixados na Alemanha Federal, segundo as estatísticas oficiais. O investimento estrangeiro se concentrou nas indústrias químicas, metalúrgicas e na borracha, sem medidas de proteção quanto aos impactos sócio-ambientais. Estas informações, ainda que superficialmente analisadas, indicam que o aumento do controle dos produtores diretos sobre o processo produtivo apenas ao nível das unidades econômicas, por si só, não garante a reconversão da sociedade, das desigualdades, das injustiças, da poluição, do alargamento dos espaços globais de autonomia. A questão da tecnologia, por exemplo, não pode ser deixada de lado. Em resposta ao aumento da poluição, ao gigantismo e à contraprodutividade social dos grandes complexos industriais, surgiram nos países capitalistas várias correntes questionando o crescimento a qualquer custo, rediscutindo a eficácia das chamadas economias de escala, ou economias de aglomeração, e rejeitando opções tecnológicas poluentes, concentradoras ou fundadas no consumo voraz de matérias-primas não renováveis. A partir do Relatório Meadows – Os Limites do Crescimento, obra coletiva do M.I.T. adotada pelo Club de Roma em 1972, reconheceu-se que o desperdício e a poluição deixaram de representar apenas um problema para a população, para as condições de vida e de consumo, e passaram a afetar as próprias bases de reprodução da esfera produtiva. Proliferaram estão idéias sobre a descentralização da economia e da diminuição da escala das unidades, como a proposta de Schumacher, em Small is beautifull (O Negócio é ser Pequeno – Zahar, 1980). Surgiram diversas propostas de tecnologias adaptadas, de desenvolvimento a partir da escala local, formuladas em fins da década de 70 por geógrafos como Friedmann, Stohr e Taylor. Estes foram os mesmos que, 15 anos antes, haviam apoiado os pacotes tecnológicos e grandes projetos do Banco Mundial na África e na Ásia, que redundaram em conhecidos fracassos, previstos com grande antecedência por René Dumont. Pensadores e cientistas de diversas áreas, com preocupações sócioambientais, começaram a dirigir esforços para pesquisas de fontes alternativas de energia, a partir do sol, do mar, dos ventos, do calor da terra (geotérmica). Agrônomos desenvolveram pesquisas na área da agricultura orgânica e ecológica; engenheiros estudaram formas de aumentar a durabilidade dos produtos e promover a reciclagem dos resíduos e dejetos, em oposição às práticas predatórias de produção da obsolescência precoce planejada. Toda esta busca de alternativas tecnológicas trouxe embutida uma carga subversiva considerável, e ao mesmo tempo enfrentou os fortes limites impostos pelo funcionamento do sistema. O professor René Dumont, em uma aula dada em Paris, em 1974, nos falava destes limites ao comentar a existência de uma base militar americana na África, movida à energia solar. A fonte de energia menos poluente, mais democrática, mais

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descentralizável sustentava uma base militar imperialista de dominação sobre povos do Terceiro Mundo. Moral: a tecnologia não é neutra, mas ela por si só não faz milagres. O possível potencial transformador das tecnologias alternativas foi, no entanto, detectado pelo Relatório Meadows, que procurou restringi-lo: “uma solução técnica pode ser definida como uma solução que requer uma mudança nas técnicas das ciências naturais, exigindo pouco ou nada no que diz respeito às mudanças nos valores humanos ou nas idéias de moralidade” (Meadows, Donella e alli – Limites do Crescimento, ed. Perspectiva, S. Paulo, 1978, p. 148). Ocorre que a inovação tecnológica é também uma inovação nos processos de dominação social, e está impregnada de significância cultural, ética e política. Por isto a discussão do eixo YY’, travada de forma independente dos outros eixos, assume um caráter a-histórico e mistificador. A importante distinção feita por Bettelheim entre a propriedade jurídica definida nas leis, e a propriedade real, fundada no direito efetivo do cidadão dispor, influir, determinar o que será produzido, como, para quem, a que preço, em que processo de trabalho (Calcul Economique et Formes de Propriété, ed. Maspero, 1973, Paris) abre nova perspectiva para a relação entre tecnologia e autogestão efetiva. Afinal, nem todo aparato se presta à apropriação real autogestionária. André Gorz mostra que mantidas as formas tecnológicas vigentes no sistema capitalista e no socialismo realmente existente, tanto os meios de produção, como uma parte considerável da própria produção, não se prestam à apropriação coletiva, real e concreta por parte dos produtores diretos associados (A. Gorz – Adieux au proletariat, ed. Galillée, Paris, 1980). Autonomia – a Reversão da Lógica produtivista Por fim, temos a discussão da autonomia e da heteronomia no eixo ZZ’, introduzida pelos pensadores libertários, críticos do socialismo realmente existente e das sociedades capitalistas pós-industriais , como Ivan Ilitch, André Gorz e Jean_Pierre Dupuy. Este campo de reflexão não se prende à estrutura da propriedade e da distribuição dos bens (contida em XX’) ou às bases tecnológicas da produção (YY’); trata das esferas da vida cotidiana auto-reguladas pelos cidadãos, dos horizontes dos espaços de liberdade. A autonomia é a capacidade, a margem de ação, o poder dos indivíduos, comunidades e grupos sociais de disporem e decidirem sobre sua educação, seu lazer, sobre o seu meio ambiente, sua alimentação, suas tendências religiosas, sexuais, sua forma de atuação política e sindical, sem coação e restrições impostas pelos poderosos mecanismos do mercado, ou pela ação normativa do Estado. Os espaços heterônomos são, ao contrário, aqueles em que as normas de funcionamento são reguladas pelo poder do Estado, das empresas, das grandes instituições, e que escapam do poder de reversão ou de controle dos grupamentos individualizados. É a esfera do trabalho assalariado, do funcionamento das repartições, dos organismos policiais, da produção massificada e dos serviços estandartizados oferecidos no mercado. A autonomia é o poder de opor à hetero-regulação centralizada uma autoregulação descentralizada: a adoção sempre que possível de soluções técnicas e econômicas controláveis pela comunidade, não destruidoras do

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meio ambiente vital, passíveis de serem autogeridas pelos trabalhadores e moradores das regiões. A imposição das soluções heterônomas amplia a desqualificação das atividades que não são organizadas e dirigidas diretamente para a produção mercantil de escala. Desqualifica o saber do autodidata, da memória oral da comunidade, o saber secular das medicinas tradicionais, o espaço vivido nos bairros que é desfigurado pelas autoestradas. A sucessiva captura de atividades realizadas no seio da família, da comunidade e da cooperação pela esfera mercantil é acompanhada pelo estabelecimento de novas normas e códigos de poder, pelo aumento da disciplina e da hierarquia nas decisões, e pela crescente militarização de distintas instâncias do tecido societal. Em síntese: pelo fortalecimento do estado e do capital, e pela sujeição dos produtores, consumidores e comunidades a esta lógica inexorável, por alguns chamada progresso. O eixo XX’ elude esta dimensão. A direita e esquerda clássica se debatem entre o plano e o mercado, sem discutir a imposição de modelos estandartizados de vida, de consumo, de comportamentos castradores da vontade e da imaginação das pessoas e grupos comunitários. A disciplinação de corpos e mentes, o consumismo e o apelo ao produtivismo aproximam mais do que afastam estas correntes, que se digladiam quanto ao estatuto da propriedade (jurídica) dos meios de produção. O Desafio da Ecopolítica A moderna ecologia política do Terceiro Mundo enfrenta problemas distintos daqueles que se apresentam aos Verdes da Europa: trata-se de defender políticas alternativas e soluções ecológicas para os graves problemas dos nossos povos: a fome, a miséria, o desemprego, a alienação e a estrutura agrária. O desafio é o de dirigir a ação política de forma a responder SIMULTANEAMENTE orientações no sentido da apropriação social (X), das tecnologias alternativas (Y) e da autonomia (Z) nos eixos da economia, da ciência e da vida cotidiana. Caso o programa ecopolítico secundarize a orientação da apropriação social, ele se moverá no espaço X’ ZY, de modernização e democratização do capitalismo. Por outro lado, a esquerda tradicional que absolutiza o eixo X em nome do primado do econômico e da luta de classes, é cegamente acrítica do espaço XY’Z’, universo do socialismo realmente existente, fundado na tecnologia heavy e na heteronomia regida pela filosofia reguladora do estado. A proposta Verde de ecodesenvolvimento, ao situarse no espaço definido pelas orientações XYZ, avança políticas da reforma agrária ecológica e da reforma urbana ecológica, entre outras. Reforma Agrária Ecológica A reforma agrária ecológica entrelaça a transformação radical da estrutura latifundiária com a mudança efetiva do modelo agrícola. Trata-se de extinguir o monopólio da terra e o poder político dos velhos e novos coronéis e suas milícias privadas, mas de superar simultaneamente o modelo de agricultura predatória, organizada a partir da monocultura, do desmatamento, do uso intensivo de agrotóxicos e do empobrecimento tanto do fundo de fertilidade dos solos quanto da diversidade dos ecossistemas.

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A reforma agrária ecológica pressupõe, como condições políticas básicas, o reforço do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, do movimento sindical rural e das organizações cooperativas, democratizadas e redimensionadas. Pressupõe o redirecionamento de toda a estrutura de pesquisa científica e tecnológica no sentido de opções fundadas no combate biológico às pragas, no manejo ecológico dos solos, nos sistemas de agricultura integrada. As cooperativas criadas a partir de uma reforma agrária ecológica podem organizar sistemas policulturais, reintegrando agricultura, pecuária e silvicultura, em autênticos arquipélagos energéticos, produzindo energia através do álcool de cana, de sorgo, da mandioca, e biogás a partir de dejetos animais. A utilização do vinhoto em tanques de aguapé e, em seguida, como base da piscicultura, evita a poluição dos rios e incrementa a produção de proteína animal e vegetal. O biodigestor alimentado de esterco produz, além do biogás, biofertilizante, substituindo o fertilizante importado e aumentando a autonomia das unidades agrícolas autogeridas. Estas cooperativas integradas permitem a modernização da pecuária, com confinamento de gado alimentado com resíduos da produção, produção de álcool, grãos, aquacultura e piscicultura. Esta complementaridade evita a competição, e também a poluição e a dependência externa. Garante emprego todo o ano, e não apenas na safra, como no sistema atual que mantém 2 milhões de bóia-frias, desempregados 6 meses do ano. Este sistema se organiza a partir dos princípios da reciclagem, ou reaproveitamento, diversidade, complementariedade, autonomia e descentralização. Ele é uma alternativa à agricultura química e à especialização de grandes áreas de sistemas monocultores. Tal sistema só será viável com a democratização do crédito agrícola, eliminação de várias etapas especulativas da comercialização, reforço do poder local e dos mercados regionais. E isto tudo depende do avanço das propostas ecopolíticas nos diversos campos. Estas propostas não se encontram apenas nas cabeças dos pensadores ecologistas, libertários e alternativos. O IV Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, da CONTAG, reuniu-se em Brasília em abril de 1985, com cerca de 4 mil delegados; eu participei como observador convidado e verifiquei, com grande alegria, a ressonância destas teses no movimento sindical: seis páginas das resoluções são consagradas à reforma agrária ecológica. Transcrevo algumas resoluções para ilustrar: 128 – que seja implantado um serviço de pesquisa que indique alternativas viáveis, que atenda ao interesse da pequena propriedade como um todo, estimulando novos sistemas de produção, utilizando recursos naturais. 129 – que as tecnologias preconizadas para os pequenos produtores considerem suas condições econômicas e sociais, como também as condições ecológicas da região, e que a introdução da mecanização não seja prejudicial à ocupação da mão de obra, incentivando-se o uso da tração animal, adubação orgânica, controle biológico de pragas e a policultura. 132 – que seja implantado o zoneamento agroclimático, com participação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, de modo que o plantio de culturas temporárias, permanentes e o reflorestamento recaia somente em áreas indicadas pelo zoneamento. 140 – que o movimento sindical apoie as legislações estaduais e municipais relativas à proteção do meio ambiente e uso de agrotóxicos. Que seja reforçada a legislação relativa à proteção do meio ambiente, estabelecendo

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sanções e penalidades mais rigorosas para os casos de aplicação de defensivos que causam prejuízos a terceiros e aos bens públicos, como também para os casos de poluição dos rios por detritos industriais. 141 – que a distribuição e uso dos defensivos sejam submetidos a severo controle através da proibição da fabricação daqueles comprovadamente tóxicos, especialmente os clorados, como também a proibição de importação daqueles já condenados em outros países; será responsabilidade da Contag realizar o levantamento destes produtos e divulgá-los aos Sindicatos de Trabalhadores Rurais. 145 – que na implantação de destilarias de álcool nos municípios sejam previamente definidos os depósitos de vinhoto. 147 – que seja proibida a propaganda de agrotóxicos. 151 – que o governo crie um departamento especializado em controle biológico de pragas para todo o país. 174 – que as cooperativas sejam descentralizadas, de forma a facilitar a participação dos associados, tanto na administração, quanto nas eleições, sem interferência do governo. 206 – que seja substituída a polícia florestal por um conselho florestal que possua um corpo técnico formado por profissionais especializados com função educativa de preservação ecológica. A grande consciência ecológica expressa neste congresso que representou 6 milhões de trabalhadores rurais talvez seja uma boa resposta para aqueles que insistem que a causa ecológica é restrita às elites nos países subdesenvolvidos, onde a maioria sequer tem emprego, educação e assistência médica. São precisamente estes trabalhadores rurais que se intoxicam com os agrotóxicos, e que se endividam com os preços destes insumos – que sempre sobem mais rápido do que os preços dos produtos agrícolas que vendem, reproduzindo a chamada troca desigual e a conhecida deterioração das relações de troca. Os trabalhadores rurais não usam, nas suas resoluções, a terminologia do ecodesenvolvimento ou o conceito de reforma agrária ecológica, mas suas propostas apontam para as soluções fundadas na descentralização, autonomia, cooperativismo, ecotécnicas, reciclagem, diversidade cultural, controle direto dos produtores, que constituem precisamente o cerne da concepção ecopolítica de reforma agrária. Ao mesmo tempo que avançam na luta pela terra, os trabalhadores rurais têm participado da criação de Centros de Tecnologia Alternativa com o apoio da Fase – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional, dos Sindicatos, e de várias outras entidades. No nordeste, um dos centros que está mais avançado é o de Feira de Santana; em Ouricuri, Pernambuco e em Quixeramobim, Ceará, foram também implantados Centros de Tecnologias Alternativas que pesquisam e difundem para os pequenos agricultores as soluções tecnológicas melhor adaptadas aos ecossistemas regionais, de mais baixo custo, usando insumos locais, diminuindo a dependência de compras externas. Na região sul é onde os CTAs estão mais desenvolvidos, com generalização de hortas biológicas, biodigestores, combate biológico às pragas. Em Minas Gerais, os agricultores da comunidade de Passagem que utilizaram os compostos orgânicos no plantio do milho obtiveram produtividade superior à alcançada com os adubos químicos. O Sindicato de Trabalhadores Rurais de Virgolândia, também em Minas, se esforça na busca de alternativas tecnológicas para os agricultores, para manter sua condição de produtores,

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pois o modelo tecnológico adotado no país tem levado esta gente a abandonar suas atividades pelos altos custos da produção ou pelo endividamento bancário. Ecologia Urbana A reforma urbana ecológica aponta para uma cidade mais democrática, mais humana e mais respirável: a cidade do cidadão. Não é apenas a cidade onde os aluguéis e transportes sejam mais baratos e cada família tenha direito a um lote, mas também uma cidade mais arborizada, mais silenciosa (e mais alegre), menos verticalizada, menos agressiva, menos fumacenta. A cidade verde, das ciclovias, das áreas de lazer, com suas referências históricas defendidas da especulação imobiliária. A cidade do cidadão não será regida pela elevação dos gabaritos, nem pela apropriação de suas áreas de expansão pelos espertos proprietários de terrenos espectantes; não será a cidade do automóvel, comandada pelos interesses do transporte privado, poluidor, engarrafador, que exige a abertura de sucessivas vias rápidas que transformam bairros de residência em bairros de passagem. Será a cidade regida pelo Direito de Vizinhança, onde os cidadãos sejam consultados sobre as alterações do uso do solo projetadas para cada obra importante em suas ruas. A Assembléia Permanente de Defesa do Meio Ambiente do Rio de Janeiro lançou o Decálogo de Defesa Ecológico do Rio, para interferir politicamente na sucessão municipal de 1985. Cerca de 30 grupos ecológicos, associações de geógrafos e biólogos, e a Famerj ao longo de 3 meses de discussões elaboraram uma proposta imediata de atuação ecopolítica. O programa é exeqüível e foi assinado em campanha pelo atual prefeito, embora não esteja sendo aplicado. Este Decálogo não contempla todos os fundamentos da reforma ecológica, dado que esta supõe condições políticas, sociais e culturais que não estão dadas. É um programa de curto prazo de defesa do patrimônio ambiental da população, da democratização da qualidade de vida e da ampliação dos direitos dos cidadãos. Transcrevemos na íntegra o Decálogo, por ser um documento histórico, já que pela primeira vez o movimento ecológico no Brasil conseguiu expressar uma visão de intervenção globalizante na ecologia urbana, ainda que de forma esquemática e com horizonte temporal limitado. Decálogo para a Defesa Ecológica Do Rio de Janeiro 1 – Uso do solo Reativar a COMISSÃO MUNICIPAL DE ZONEAMENTO, garantindo a participação das Associações de Moradores e das entidades de defesa do meio ambiente. A participação popular nos planos, propostas e programas permitirá o controle sobre os empreendimentos públicos e privados quanto aos seus impactos sócio-ambientais que afetam a saúde da população e o patrimônio cultural-ambiental. Esta Comissão será articulada com Câmaras das Administrações Regionais, ouvindo a população dos bairros concernidos por obras. Aprovar e ampliar o DIREITO DE VIZINHANÇA, garantindo aos moradores o prévio conhecimento das obras projetadas para seus bairros e seus respectivos impactos sócio-ambientais.

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2 – Transportes Tratar os transportes como um serviço público, tal como o abastecimento de água, a iluminação pública, etc. e não subordiná-lo à lógica do lucro, que acarreta freqüentemente no seu não-funcionamento à noite, no mal atendimento aos bairros populares, e no não controle da emissão de poluentes, principal fator de poluição do ar na cidade. Rever os contratos de concessão às empresas particulares, para evitar a superposição de linhas, o que produz engarrafamentos, aumenta a poluição sonora e do ar. Estabelecer o sistema de calhas exclusivas para transporte público. Controlar rigorosamente a emissão de poluentes. Incentivar e manter meios de transportes, como bondes, microônibus, etc. Substituir o diesel por gás natural nos veículos de transporte público e na totalidade da frota da Comlurb. Substituir no prazo máximo de 4 anos a frota de ônibus do município por ônibus adequados a toda a população, inclusive aos deficientes, idosos, grávidas e crianças, do tipo Padron com câmbios automáticos (menos barulhentos) e controle de velocidade. 3 – Desmatamentos, queimadas e encostas Elaborar e executar imediatamente um plano de emergência de contenção de encostas. Revisão do corpo técnico da diretoria do Instituto de Geotécnica, que possui maioria de técnicos de formação geotécnica e carece de pessoal na área biológica. Elevar a taxação municipal sobre os grandes lotes desmatados em encostas e conceder incentivos fiscais aos proprietários que mantiverem áreas florestadas. Realizar convênios de órgãos da Prefeitura (Departamento de Parque e Jardins, etc.) com o IBDF para fiscalização sistemática de áreas protegidas por lei, com vistas a reprimir a ocorrência de desmatamentos ilegais e queimadas. Delegar competência, através de conveniamento, às associações de defesa do meio ambiente para fiscalizar desmatamentos e queimadas. Reativar o Departamento de Parques e Jardins e o Horto Municipal; criar viveiros de mudas nas regiões do município. Implementar um plano de arborização das vias públicas e das áreas municipais, consultando a Comissão Municipal de Zoneamento Urbano e dando preferência a árvores frutíferas. Criar e implementar o Programa CADA FAMÍLIA UMA ÁRVORE, reduzindo 1% do IPTU por árvore, para quem plantar e mantiver árvores em frente de sua casa. 4 – Drenagem de águas pluviais e esgotos sanitários Ampliar, aperfeiçoar e estender para todo o município a organização de mutirões, pagos pela Prefeitura, utilizando os desempregados de cada bairro e favela. Construção e manutenção de instalações adequadas para drenagem das águas pluviais, segundo um cronograma apresentado à população dos bairros e discutido com as associações de moradores. Instalação de fossas sépticas e de biodigestores, com programas de educação e de apoio para sua utilização e conservação. 5 – Lagos, restingas e manguezais Não conceder Alvarás de Construção nas orlas das lagoas, restingas e manguezais, implementando a Lei 3.438, de 17/07/1941. Reexaminar licenças concedidas, submetendo os relatórios obrigatórios de impacto ambiental à Comissão Municipal de Zoneamento Urbano. Implementar e

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expandir a criação de áreas municipais de proteção e de preservação ambiental. Estimular, através de convênios, estudos e projetos, a recuperação dos ecossistemas de lagoas, restingas e manguezais. 6 – Poluição Sonora Subordinar a instalação de atividades, eixos viários, etc. ao estudo prévio dos impactos da poluição sonora, nos planos de zoneamento, consultada a população através da Comissão Municipal de Zoneamento Urbano. Cumprir rigorosamente a Lei 646 que determina a gradação de nível de tolerância do ruído segundo o tipo de zona urbana (na zona residencial estes níveis de tolerância têm de ser muito mais restringidos). Implementar uma fiscalização eficiente; aplicar multas exemplares e divulgá-las à população. Ajudar a tornar a cidade silenciosa e alegre. Estimular proteção acústica para atividades e a despoluição sonora no interior dos locais de trabalho (12% dos metalúrgicos sofrem de surdez adquirida). 7 – Preservação do patrimônio histórico e natural Consultar as comunidades e associações de moradores para a inventariação dos locais, objetos e elementos constitutivos da memória dos bairros para a definição do patrimônio histórico, cultural e paisagístico, incorporando também o gosto e o afeto da população como fatores de definição dos bens de valor estético e cultural. Incrementar a criação de corredores culturais em várias regiões da cidade. Estender e ampliar continuamente o tombamento de bens e áreas de valor histórico, cultural e natural. Defender intransigentemente as áreas tombadas contra a sua descaracterização provocada pela especulação imobiliária. 8 – Saúde pública, consumo e abastecimento alimentar urbano Incrementar os Conselhos Comunitários de Saúde, e através deles promover amplas discussões com médicos sanitaristas, técnicos e com as populações locais acerca das causas das doenças, incluindo as determinadas por condições sócio-ambientais e redutíveis por saneamento básico. Adotar e divulgar medidas de prevenção contra as doenças endêmicas. Realizar esforço conjunto do Município e do Estado para instalação rápida e coordenada de saneamento básico em todos os bairros; idem para incrementar o controle de vetores (roedores e insetos) sobretudo nas favelas e bairros populares. Apoiar, aperfeiçoar e dinamizar programas que garantam a propriedade da terra para os moradores e a urbanização das favelas, como forma de incentivar a mobilização da população no empenho de defesa do seu meio ambiente. Articular convênios e cooperação com o governo estadual para proceder ao contínuo e efetivo controle da qualidade dos alimentos consumidos pela população, desde a sua produção até a sua comercialização. Consultar permanentemente as associações de defesa do consumidor e verificar imediatamente todas as denúncias feitas, tomando publicamente as medidas pertinentes. Implementar campanhas de educação por uma alimentação mais simples, barata e saudável, advertindo contra os riscos de agrotóxicos e aditivos, como por exemplo os corantes e acidulantes.

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9 – lixo urbano Promover a coleta diária de lixo em todas as favelas a partir do 1º semestre de 1986. Promover a localização mais adequada dos aterros de lixo urbano, impedindo vazamento para a Baía de Guanabara, rios e lagoas. Incrementar a reciclagem sistemática do lixo urbano. Incentivar as atividades de papeleiros e garrafeiros com vistas à reciclagem. Incentivar também a construção de biodigestores para o aproveitamento do gás metano. Utilizar os recursos da Comlurb para o apoio permanente das obras e mutirões comunitários. 10 – Educação ambiental reformulação dos programas de ciências e de geografia para propiciar um conhecimento mais profundo dos ecossistemas e da importância da preservação ambiental. Abrir as escolas para a comunidade, democratizando seu funcionamento e ampliando sua participação nos problemas concretos do bairro e da cidade. Promover o estudo da história dos bairros nas escolas. Projetar filmes e organizar debates sobre a ecologia e as formas de proteger a vida e o meio ambiente, com participação de entidades ecológicas. Desenvolver sistemáticas campanhas públicas através dos veículos de comunicação social acerca das agressões verificadas contra o meio ambiente e a população, como os desmatamentos, as queimadas, a privatização de praias e a agressão à fauna e à saúde pública. Divulgar os procedimentos que devem ser adotados para a defesa deste nosso tesouro vivo que é a natureza. Realizar campanhas para comprometer clubes, escolas, empresas e órgãos públicos com a preservação ambiental, repartindo os custos da conservação de praças e jardins, parques e vias públicas, em troca da permissão de colocação de discreta propaganda. Começar as campanhas com o exemplo dos órgãos públicos, que hoje são poluidores, corruptíveis, permitem construções ilegais em encostas, concedem Alvarás a empresas sem análise da declaração de impactos ambientais, em suma, são cúmplices da degradação do nosso espaço vital e convivencial. A leitura do Decálogo nos remete aos eixos cruzados da economia, da tecnologia e da vida cotidiana que adotamos como quadro de referência. Tomemos como exemplo o ponto 2, com as propostas para os transportes. O tratamento dos transportes coletivos como um serviço público, fornecido pelo estado, nos coloca no eixo XX´ com a orientação para a apropriação social. As propostas de uso do microônibus, de ônibus com chassis padronizados e de mudança do combustível do diesel para o gás natural, 80% menos poluente, nos colocam no eixo YY´ com a orientação para as tecnologias mais compatíveis com o meio ambiente e com a saúde dos cidadãos. As propostas de degraus mais baixos, roletas mais largas, funcionamento à note, atendimento dos bairros populares situam-se no eixo ZZ´ com a orientação da autonomia. Se um indivíduo mora em bairros onde o ônibus não passe à noite, sua capacidade autônoma de deslocamento, de participação em atividades políticas ou culturais noturnas fica totalmente bloqueada. O mesmo vale para crianças, mulheres grávidas e deficientes, para quem o desenho do ônibus inviabiliza ou torna extremamente penoso o transporte. Esta abordagem simultânea é um bom exemplo metodológico dos princípios do ecodesenvolvimento. Este supõe para sua viabilização uma série de condições culturais e políticas que se reúnem no bojo de lutas sociais, de

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lutas pela reorientação da pesquisa tecnológica, de lutas cotidianas pelo alargamento dos espaços autônomos dos cidadãos. Este tratamento, ainda que sumário, permite uma releitura da secular discussão entre a Privatização versus a Estatização das empresas, esta tantas vezes reificada e identificada como propriedade dos cidadãos. No caso do Rio, a encampação por parte do governo estadual de cerca de 20% da frota de transporte coletivos privados, que se seguiu às demandas do Decálogo Ecológico, das lutas da Famerj e das associações de moradores da Baixada, manteve inalteradas várias características do seu funcionamento. Por exemplo, o turno único de motoristas, o mal funcionamento à noite, a fumaça negra, regulável com simples ajustes de motores, os ônibus sobre desconfortáveis chassis de caminhão. O enfoque proposto de abordagem conjunta e simultânea dos eixos da apropriação social, da tecnologia alternativa e da autonomia abre um viés que suplanta a clássica paralisia do movimento social face às empresas públicas. Estas são geralmente poupadas pela esquerda ortodoxa e economicista que tem seu horizonte limitado à esfera da apropriação jurídica, que as empresas públicas, em tese, garantem à população. A Assembléia Permanente de Defesa do Meio Ambiente do Rio lançou o programa S.O.S. Baía de Guanabara, depois de 5 meses de estudos aprofundados de todas as causas da poluição e da destruição da baía. Chegamos à conclusão que os principais responsáveis eram justamente os órgãos públicos, como o Ministério do Interior, que realizava aterros ilegais, a Comlurb, que não recolhia o lixo da Baixada, e que jogado nos rios chegava à baía, e a Cedae, que lançava esgotos sem tratamento na baía. Entre as empresas poluidoras a principal é justamente a Petrobrás, através das refinarias de Manguinhos e de Duque de Caxias, embora ela gaste vultuosos recursos de publicidade em defesa da ecologia do país, do verde e amarelo. Estas questões todas colocam para a corrente ecopolítica uma preocupação mais ampla com o desdobramento das lutas ecológicas, que se expressam em algumas teses que serão defendidas na Assembléia Nacional Constituinte. Vejamos a seguir algumas delas. A Ecopolítica na Constituinte A ecopolítica não se restringe à defesa da natureza. Uma sociedade militarizada, racista e machista contraria todos os princípios da ecologia política, e implica, inclusive, na relação predatória com o patrimônio ambiental da população, base da sua qualidade de vida. O leque das propostas ecopolíticas vai desde a democratização dos meios de telecomunicação e a permissão de rádios livres, até o fim aos subsídios para o complexo industrial militar. Muitas destas propostas implicam na ampliação da cidadania, através da invenção de direitos, liberdade e da autonomia. Enumeramos a seguir algumas das propostas mais diretamente relacionadas com a luta ecológica: 1º - o desenvolvimento econômico deve atender à expectativa de justiça social e de preservação do equilíbrio ecológico, ou seja, do ecodesenvolvimento. Em nome do crescimento não se pode permitir que vidas humanas sejam ceifadas ou mutiladas, e que ecossistemas sejam irremediavelmente afetados.

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2º - a Constituição em matéria ambiental deve corresponder ao erguimento de uma paliçada defensiva dos indivíduos e associações perante o poder econômico e o poder do Estado. 3º - a Constituição deve explicitar: a – o direito de todo cidadão a gozar de um ambiente sadio e equilibrado, desfrutando de qualidade de vida, e ao cidadão deve ser assegurada a tutela sobre o seu patrimônio ambiental; b – a concessão de recursos, créditos e incentivos deve ser condicionada aos estudos prévios dos impactos ambientais dos projetos e às atitudes dos estabelecimentos em relação à defesa ambiental, levando-se em conta a sua função social; c – a preservação e manejo dos recursos naturais deve ser de utilidade pública e de interesse social, contando para tal com a participação e o controle da sociedade, e feito sem que seja lesado o interesse geral da comunidade. 4º - as políticas nacionais de pesquisa científica e tecnológica devem estar prioritariamente dirigidas à produção de tecnologias ecologicamente seguras, à reciclagem, ao uso de fontes de energia não poluentes e ao ecodesenvolvimento. As tecnologias passíveis de serem descentralizadas e apropriadas pelas comunidades e cooperativas, á reconversão dos projetos agressores à população e ao meio ambiente e à tecnologia da despoluição. 5º - descentralização do Controle e da Gestão do Meio Ambiente. A União edita normas gerais de defesa ambiental e proteção à saúde pública, mas os estados membros devem ter competência para adequar as normas nacionais às necessidades e peculiaridades de cada região. Quanto ao controle dos projetos com impacto nas águas, no solo e no ar, os municípios devem Ter poder de prévia análise desses impactos, e de estabelecer exigências defensivas para sua implantação. 6º - que seja prevista na Constituição a forma plebiscitária de consulta, para os grandes projetos ou programas que atinjam significativamente a qualidade de vida das populações regionais. 7º - que seja assegurada, às entidades de defesa do meio ambiente nãogovernamentais, a paridade em todos os órgãos colegiados ambientais oficiais, em relação aos representantes do Estado, ou seja, que a sociedade civil tenha representação igual à do Estado nos órgãos deliberativos de controle do meio ambiente. 8º - definição precisa para os delitos ecológicos. Reconhecimento do ecocídio como crime, objeto inadiável de justiça penal universal. Caracterização destes delitos como crimes de perigo concreto. 9º - obrigatoriedade de informação regular à população de todas as repercussões ambientais, poluição, agressão, originadas por empresas públicas e por empresas privadas. Divulgação pública das penalidades impostas e dos prazos dados à implantação de sistemas de controle de poluição e de reciclagem. 10º - estabelecimento de limites ao direito de propriedade, restringindo seu uso às normas e condições estabelecidas para a garantia do patrimônio ambiental da sociedade, da saúde pública e dos direitos ecológicos dos cidadãos, enumerados acima. 11º - reorganização do sistema nacional de contabilidade, de forma a que sejam computados os custos ambientais inerentes às grandes obras e projetos. Ao lado dos valores de amortização ou depreciação dos prédios e

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equipamentos, a sociedade deve computar a depreciação ecológica inerente às atividades econômicas. 12º - estabelecimento de taxas para o uso empresarial do meio ambiente, destinadas ao Fundo de Depreciação Ecológica. Este será aplicado na reconstituição das condições ambientais. Estas teses estão sendo objeto de intensa discussão no movimento ecológico e nos diversos segmentos organizados da sociedade. Elas apontam no sentido da transparência de informações, na descentralização do exercício da gestão pública e no aumento dos direitos de cidadania. Nosso país só terá um desenvolvimento ecologicamente viável numa sociedade profundamente democrática, onde a população tenha poder de fato sobre a organização da economia e do uso do espaço; onde tenha o poder de inventar novos direitos que ampliem seus espaços de autonomia e da liberdade.

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