At Em Psicoterapia-eric Berne.pdf

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ANÁLISE TRANSACIONAL EM PSICOTERAPIA

Eric Berne

ÍNDICE Apresentação da Edição Brasileira......................................................................................... 3 Prefácio................................................................................................................................... 6 Agradecimentos...................................................................................................................... 8 Introdução............................................................................................................................... 9 1. CONSIDERAÇÕES GERAIS.......................................................................................... 12 PARTE I Psiquiatria da Análise Individual e Estrutural 2. A ESTRUTURA DA PERSONALIDADE...................................................................... 17 3. A FUNÇÃO DA PERSONALIDADE............................................................................. 23 4. PSICOPATOLOGIA........................................................................................................ 28 5. PATOGÊNESE ................................................................................................................ 34 6. SINTOMATOLOGIA ...................................................................................................... 40 7. DIAGNÓSTICO............................................................................................................... 46 PARTE II Psiquiatria Social e Análise Transacional 8. RELAÇÃO SOCIAL........................................................................................................ 57 9. ANÁLISE DE TRANSAÇÕES ....................................................................................... 63 10. ANÁLISE DE JOGOS ................................................................................................... 69 11. ANÁLISE DE ARGUMENTOS.................................................................................... 82 12. ANÁLISE DE RELAÇÕES ........................................................................................... 91 PARTE III Psicoterapia 13. TERAPIA DAS PSICOSES FUNCIONAIS.................................................................. 97 14. TERAPIA DAS NEUROSES....................................................................................... 107 15. TERAPIA DE GRUPO ................................................................................................ 116 PARTE IV Fronteiras da Análise Transacional 16. ESTRUTURAS MAIS REFINADAS DA PERSONALIDADE ................................. 135 17. ANÁLISE ESTRUTURAL AVANÇADA .................................................................. 141 18. TERAPIA DE CASAMENTOS................................................................................... 149 19. ANÁLISE DE REGRESSÃO ...................................................................................... 159 20. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E TÉCNICAS ........................................................ 165 Apêndice - UM CASO CONCLUÍDO, COM ACOMPANHAMENTO ("FOLLOW-UP") POSTERIOR ...................................................................................................................... 176

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Apresentação da Edição Brasileira

Apresentar hoje em dia Eric Berne ao público brasileiro é algo que me parece anacrônico por ser ele um nome sobejamente conhecido. Quando, em 1973, num congresso internacional, ouvi falar pela primeira vez de "Análise Transacional" (A.T.), tive a impressão de tratar-se de tratar-se de uma "americanada", ou seja, algo que fazia parte do estilo "Como fazer bons negócios" ou "Como fazer amigos" ... ou psicologia banal para grande consumo. Chamar o Superego freudiano de Ego “Pai”, o Ego de “Adulto” e o Id ou Es de “Crianças”, não me pareceu, na época, digno de nota. Apesar disso, como sempre fui um curioso dos novos rumos das psicoterapias e um revoltado contra o posicionamento do psicanalista ortodoxo, alvo silencioso e impessoal da transferência do paciente, decidi criar na época um grupo de estudos sobre a obra berniana, que começava a infiltrar-se no Brasil. Mais tarde, após estudos mais aprofundados, sob a orientação de colegas argentinos e americanos que haviam sido alunos de Berne, transformei meus preconceitos em admiração pelo trabalho do autor. A A.T. humanizava profundamente a comunicação terapeuta-paciente, colocados num plano de igualdade. Dava muita ênfase à comunicação, criando os interessantes conceitos de transações, posições existenciais e jogos psicológicos, que evitam a verdadeira intimidade. Os conceitos de "Estados de Ego", apesar de filhos do berço psicanalítico, transformam-se de conceitos abstratos em realidades visíveis e palpáveis, como expressões de sentimentos ligados ao aqui e agora ou aí e então. Através dos estados do Ego flui a energia psíquica dentro da pessoa, como também na comunicação interpessoal. A vivacidade de Berne e seu fino humor judaico tornam o estudo de um assunto às vezes árido e difícil como a psicopatologia, uma leitura amena e cheia de graça, fácil de ser compreendida não somente por especialistas como também por seus pacientes. Berne faz com que seus próprios assistentes dentro do hospital psiquiátrico usem com seus clientes uma terminologia coloquial e simples, pois geralmente psicológico não é doença e o comportamento inadequado e improdutivo deve e pode ser explicado a esses pacientes. O psiquiatra deixa de ser o clínico que põe linhas divisórias claras entre saúde e doença mental e o psicanalista abandona sua posição sofisticada e hiperculturalizada. Essa comparação banalizada é freqüentemente mal-entendida em ambientes psiquiátricos e psicanalíticos e daí a A.T. criticada como simplista, quando na realidade é uma forma simples de enfrentar a terrível complexidade da problemática humana. Um grande mestre faz com que a matéria a estudar pareça fácil, tornando-a clara ao estudante. Nesse sentido, Berne foi sem dúvida um grande mestre, pois sua Escola cresceu, e de São Francisco expandiu-se para o mundo, principalmente após sua morte prematura, em 1970.

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Como seu construto teórico e suas técnicas ativas, a A.T. é hoje mais uma ferramenta para a saúde mental e a psicoterapia. Versões dos livros de Berne para o português são necessárias e bem-vindas, numa época em que já tanta gente estuda e se trata pela linha do genial canadense. São Paulo, outubro de 1984 Livio Tulio Pincherle

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IN MEMORIAM Patris Mei David Medicinae Doctor et Chirurgiae Magister Atque Pauperibus Medicus Montreal, Canadá, 1882-1921

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PREFÁCIO Este livro expõe os contornos de um sistema unificado de psiquiatria individual e social, conforme os ensinamentos colhidos durante os últimos cinco anos no Seminário de Terapia de Grupo do Hospital Mount Zion de São Francisco, na Conferência de Psiquiatria Social em São Francisco e, mais recentemente, no Hospital Estadual de Atascadero e no Instituto de Neuropsiquiatria Langley Porter. Esta abordagem atualmente está sendo usada por terapeutas e assistentes sociais nas atividades com grupos em vários contextos institucionais e também na prática particular, para trabalhar com quase todos os tipos de distúrbio mental, emocional e caracteriológico. O interesse crescente que ela desperta e a disseminação mais ampla de seus princípios indicam a necessidade deste livro, pois tem sido cada vez mais difícil atender aos pedidos de conferências, separatas e correspondência. O autor teve o privilégio de visitar hospitais psiquiátricos em aproximadamente 30 países diferentes da Europa, Ásia, África e das ilhas do Atlântico e do Pacífico, encontrando a oportunidade de testar os princípios da análise estrutural em vários contextos raciais e culturais. A precisão e o valor desses princípios vêm-se revelando adequados, sob condições de trabalho particularmente rigorosas, e que necessitaram da colaboração de intérpretes para tratar de pessoas de mentalidade muito exótica. Já que a análise estrutural é uma teoria mais geral do que a psicanálise ortodoxa, o leitor será mais honesto para consigo mesmo e para como o autor, se resistir, inicialmente pelo menos, à tentação compreensível de tentar adequar a primeira à última. Se o processo fosse inverso, como deveria ser, descobrir-se-ia que a psicanálise se coloca facilmente, em termos metodológicos, como um aspecto altamente especializado de análise estrutural. Por exemplo, a análise transacional, aspecto social da análise estrutural, revela vários tipos diferentes de "transações cruzadas". Os fenômenos variados de transferência são quase todos agrupados em apenas um desses tipos, chamado aqui de "Transação Cruzada Tipo I". No texto, haverá outros exemplos da relação entre a psicanálise e a análise estrutural.

SEMÂNTICA Mais adiante, o termo análise transacional será empregado para designar o sistema total, incluída a análise estrutural. Em determinados contextos, este termo será usado em seu sentido mais escrito, significando a análise de transações simples. Psiquiatria Social é expressão que denota o estudo dos aspectos psiquiátricos de transações específicas ou conjuntos de transações que ocorrem entre dois ou mais indivíduos em especial, num dado momento e lugar. A epidemiologia psiquiátrica comparativa, ou a comparação dos problemas psiquiátricos de vários grupos sociológicos, culturais ou nacionais, que às vezes também chamada "psiquiatria social", pode adequadamente, e talvez melhor e de modo mais preciso, ser denominada pelo termo "psiquiatria comparativa". (Este problema de nomenclatura foi abordado pelo autor em

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1956, que faz referência ao uso anterior da expressão "psiquiatria comparativa", por Yap, em 1951.) O pronome ele freqüentemente se refere a seres humanos em geral, de qualquer sexo. É, num contexto técnico, significa "é regularmente, enquanto ocorrer a experiência do autor". Parece ser significa "parece ser pra mim, a partir das observações repetidas, mas ainda não o suficiente para que eu tenha certeza". As pessoas reais serão designadas por "adulto", "pai" e "criança". Quando estas palavras aparecem com letra inicial maiúscula, como Adulto, Pai e Criança, indicarão estados do ego, e não pessoas. Os adjetivos correspondentes são "parental",* "adulto" e "infantil", ou "de criança", às vezes com letra maiúscula, às vezes não, de acordo com o contexto. Psicanálise e seus cognatos são palavras utilizadas neste livro para indicar o que é conhecido como psicanálise "ortodoxa", isto é, a resolução de conflitos infantis através do uso sistemático da associação livre, trabalhando com fenômenos de transferência e resistência, conforme os princípios de Freud. Convém, lembrar, de qualquer maneira, que depois de 15 anos, o movimento psicanalítico e o autor oficialmente se separaram (nos termos mais amigáveis), há alguns anos atrás, e que dos psicanalistas ortodoxos, aproximando-se mais dos pontos de vista de Federn (1952) e seu discípulo Edoardo Weiss (1950).

*

Deve-se usar o termo "parental" (como adjetivo correspondente a "Pai"), significando tão-somente "referente ao Pai", sem qualquer sentido que envolva a noção de paternal. (NT)

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AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, a todos os que, em São Francisco, me encorajavam com o seu interesse pela análise transacional, nos estágios iniciais: Dr. R. J. Starrels, que seguiu seu desenvolvimento quase que ab initio; Dr. Martin Steiner, que organizou os primeiros seminários no Hospital Mount Zion; e Eugênia Prescott, do Departamento de Saúde de São Francisco, que organizou o primeiro seminário noturno. Sou particularmente grato aos que me convidaram ou permitiram que eu colocasse minhas idéias antes do julgamento crítico de seus assistentes e que eu as demonstrasse na prática clínica: Dr. Norman Reider, do Hospital Mount Zion; Dr. Donald Shaskan, da "Veterans Administration Mental Hygiene Clinic"; Dr. M. Robert Harris, do Instituto de Neuropsiquiatria Langley Porter; e Drs. Reginald Rood e Visctor Arcadi, do Hospital Estadual de Atascadero. Os desdobramentos mais dinâmicos acorreram nos seminários de Psiquiatria Social de São Francisco. Foi muito gratificante encontrar pessoas presentes aos seminários, semana após semana, durante meses e mesmo por anos até o final, apesar de freqüentemente terem de viajar longas distâncias e, em muitos casos, com considerável sacrifício de cronogramas de trabalho. As pessoas que contribuíram regularmente com suas críticas e adendos, e/ou aplicaram a análise estrutural e transacional em seus próprios grupos ou casos individuais, relatando-me os resultados, foram as mais úteis na definição das formulações. Entre elas incluem-se: Viola Litt, secretária dos seminários; Barbara Rosenfeld, que dedicou muitas horas semanais à análise transacional e contribuiu com muitas idéias úteis; Harold E. Dent; Dr. Franklin Ernest; Margaret Frings; Dr. Gordon Gritter; Dr. John Ryan; Myra Schapps; e Claude Steiner. Também sou grato aos que têm contribuído ou assistido com bastante regularidade à Conferência Clínica da Península de Monterey sobre Psiquiatria (para prestigiar uma experiência semanal agradável, informal e esclarecedora, com um título formal): Dr. Bruno Klopfer, Dr. David Kupfer, Dr. Herbert Wiensenfeld e enfermeira Anita Wiggins. Esta poderia ser ampliada para incluir os que assistiram aos seminários vez ou outra, e que, por suas perguntas e observações, estimularam a reflexão posterior. Também apreciei as oportunidades oferecidas por todos os diretores de programa de todos os encontros para os quais fui convidado a falar. E agradeço ao que se dispuseram a atuar como observadores em grupos de terapia, pois, graças a eles, pude determinar se minha versão do que acontecia era apenas fantasia minha ou se alcançava um certo consenso real. Acima de tudo, agradeço aos pacientes, que me revelaram as estruturas de suas personalidades e me ofereceram o ensejo de elaborar os princípios da análise transacional. Finalmente, devo agradecer aos que, de modo direto, muito me ajudaram a escrever este livro. Aos aproximadamente cem clínicos que o leram cuidadosamente e me deram sugestões; a minha esposa, por me manter num ritmo regular e por sua paciência em suportar as muitas noites que passei em meu escritório; e a Allen Williams, por seus serviços conscienciosos e inteligentes como secretária. Carmel-by-the Sea, California Abril de 1960 8

INTRODUÇÃO Um estado do ego pode ser descrito fenomenologicamente como um sistema coerente de sentimentos relacionados a um dado sujeito e operacionalmente como um conjunto de padrões coerentes de comportamento; ou, ainda, do ponto de vista pragmático, como um sistema de sentimentos que motiva um conjunto de padrões de comportamento afins. Penfield (1) demonstrou que em indivíduos epiléticos as memórias se conservam em sua forma natural como estados do ego. Através da estimulação elétrica direta do córtex temporal, exposto de qualquer lado, ele conseguiu evocar esses fenômenos. "O sujeito sente de novo a emoção que a situação nele produziu originalmente e está ciente das mesmas interpretações, verdadeiras ou falsas, que ele próprio dera à experiência na primeira ocasião em que ocorrera. Assim, a recordação evocada não constitui uma reprodução fotográfica das cenas e eventos do passado. É uma reprodução do que o paciente viu, ouviu, sentiu e compreendeu". Ele observou, mais tarde, que tais evocações eram diferenciadas e "não se confundiam com outras experiências semelhantes". Posteriormente, ele demonstrou que dois estados diferentes do ego podem ocupar a consciência simultaneamente, como entidades psicológicas distintas, uma das outras. Em um caso de tal revivescimento "forçado" sob estímulo elétrico, o paciente gritou que estava ouvindo pessoas rirem. O próprio paciente, entretanto, "não se sente inclinado a rir diante do gracejo, seja ele qual for. De algum modo, ele estava duplamente consciente de duas situações simultâneas. Sua exclamação mostrou sua imediata compreensão da incongruência das duas experiências - uma no presente, a outra forçada em sua consciência, a partir do passado". Ou seja, o paciente estava ciente de que estava na sala de operação e endereçava sua exclamação ao médico, mas, ao mesmo tempo, quando tal memória é forçada na sua consciência, "parece-lhe ser uma experiência presente". Somente depois de concluída a experiência ele consegue reconhecê-la como uma memória vívida do passado. Tal memória é "tão clara como se tivesse ocorrido 30 segundos após a experiência original". No momento do estimulo, o paciente "é, ele próprio, tanto ator como espectador". Penfield, Jasper e Roberts (2,3) enfatizam a diferença entre o revivescimento de tais memórias completas, isto é, o despertar de um completo estado do ego, e os fenômenos, isolados que ocorrem sobre estimulação do córtex visual e auditivo, ou a memória de conversa e palavras. Eles salientam que o registro temporal envolve importantes elementos físicos, como a compreensão do significado da experiência e a emoção que ela pode ter despertado. Penfield, entretanto, não usa o termo "estado do ego". Kubie, (1) em seus comentários sobre esses experimentos, observa que o sujeito é, a um só tempo, o observador e o observado e que tanto o reservatório arquipalial como o neopalial são atingidos.* "A lembrança é essencialmente total, envolvendo muito mais do

*

Em neuroanatomia, entende-se "reservatório arquipalial" como a memória para fatos antigos e "reservatório neopalial" como memória para fatos recentes “. A experiência de Penfield, narrada no trecho, refere-se ao revivescimento de fatos antigos como se ocorressem no presente. (Nota do revisor técnico)

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que ele é conscientemente capaz de recapitular, aproximando-se da totalidade de lembrança que às vezes se pode obter com pacientes sob hipnose". O passado é tão iminente e vívido quanto o presente. O que se evoca é uma recordação específica de uma experiência específica. A memória verbal ou neopalial parece servir como uma memória cinematográfica que cobre as memórias sensoriais ou "viscerais" das mesmas experiências. O que Kubie quer dizer é que os eventos são vivenciados simultaneamente sob duas formas, "arquipalial" e "neopalial". É oportuno observarmos a colocação de Cobb, no mesmo simpósio, (4) a de que "o estudo das emoções é, atualmente, uma ocupação médica legítima", que ele relaciona com a fisiologia do "arquicórtex". É fato conhecido dos psicólogos, isto é, dos estudiosos da mente, qualquer que seja a sua formação, que se podem reter estados do ego completos, permanentemente. Federn (5) foi um dos primeiros a salientarem, no campo psiquiátrico, o que Penfield mais tarde demonstrou em seus famosos experimentos neurocirúrgicos - que a realidade psicológica se baseia em estados do ego completos e diferenciados. Ele observa que o termo "estado do ego" encontrou resistência quando introduzido. Era mais fácil para as pessoas continuarem a pensar em termos conceituais ortodoxos do que mudar para uma abordagem fenomenológica. Weiss, (6) principal seguidor de Federn, tem esclarecido e sistematizado a psicologia do ego deste último. Weiss descreve estado do ego como "a realidade verdadeiramente revivescida de um ego mental corporal, com os conteúdos do período vivido". Neste sentido, Federn fala dos "estados do ego do dia-a-dia". Weiss ressalta exatamente o que Penfield provou: que os estados do ego dos primeiros níveis de idade permanecem latentes dentro da personalidade. Isso já foi muito bem estabelecido clinicamente pelo fato de que tais estados do ego "podem sofrer nova catexia* diretamente sob condições especiais; por exemplo, na hipnose, nos sonhos e na psicose". Ele também observa que "dois ou mais estados do ego podem lutar para manter uma integração e podem conscientemente existir a um só tempo". A repressão de memórias ou conflitos traumáticos é possível, em muitos casos segundo Federn, apenas através da repressão de todo o estado do ego pertinente a eles. Os primeiros estados do ego mantêm-se preservados num estado potencial, aguardando nova catexia. Além disso, ao falar de catexia de estados do ego, Federn diz que é a própria catexia que é vivida como sentimento do ego. Isso se relaciona ao problema do que constitui "o eu". Weiss fala do "estado do ego infantil residual da pessoa adulta, que geralmente permanece em catexia, mas, em qualquer evento, sofre facilmente outra catexia", um tipo de "ego infantil". Por outro lado, há outro tipo de influência que ele chama de "presença psíquica". É "a imagem mental de outro ego", às vezes um ego parental que afeta as emoções e o comportamento do indivíduo. Ele descreve várias situações em que (a) o estado do ego infantil residual, (b) o estado do ego atual, ou (c) a presença psíquica, respectivamente, podem determinar a resposta do indivíduo. Mais recentemente, Chandler e Hartman, (7) trabalhando com LSD-25, demonstraram a impressionante semelhança entre a reativação farmacológica de estados *

Berne usa "catexia" para denominar o potencial energético dos estados do ego. A maior ou menor catexia de um estado do ego determina sua maior ou menor dominância sobre as atitudes e comportamentos de cada indivíduo. Pode-se, assim, falar de "labilidade de catexia". (Nota do revisor técnico)

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arcaicos do ego e o que esse obtém através de estimulação elétrica do córtex, embora, como Penfield, eles não utilizem o termo “estado do ego”. Eles descrevem a mesma experiência simultânea de dois estados do ego - um orientado para a realidade atual externa e psicológica, o outro "revivendo" (mais do que relembrado) cenas datadas de até antes do primeiro ano de vida - "com grande nitidez de cores e outros detalhes, e o paciente se sente de volta à situação e vivencia os afetos em toda a intensidade original". Há outros autores cujo trabalho também se relaciona com o assunto "estados do ego", mas as observações mencionadas servirão para voltar a atenção do leitor para esse fenômeno. As análises estrutural e transacional, temas desta obra, baseiam-se unicamente em observação clínica e experiência com pacientes, deixando de lado as idéias preconcebidas. Sob estas condições, o estudo dos estados do ego completos emergiu como abordagem "natural" para a psicologia e a psicoterapia. Mas, conforme lembrou Federn, já que a maioria dos terapeutas está treinada a pensar e trabalhar em termos conceituais ortodoxos, a abordagem naturalista nem sempre é totalmente explorada. Ao buscar na literatura confirmação para as descobertas da análise estrutural e transacional, o autor ficou satisfeito ao descobrir, ou redescobrir, que estava seguindo os passos de dois mais notáveis de seus mestres (Penfield e Federn). A pertinência dos extratos aqui reunidos ficará evidente no curso do texto que se segue.

REFERÊNCIAS 1. Penfield, W.,"Memory Mechanisms", Arch. Neurol. & Psychiat. 67:178-198,1952, com discussão de L. S. Kubie et al. 2. Penfield, W. & Jasper, H., Epilepsy and the Functional Anatomy of the Human Brain. Little, Brown & Company, Boston, 1954, Cap. XI. 3.

Penfield, W. & Roberts, L., Speech and Brain - Mechanisms. Princeton University Press, Princeton,

4.

Cobb, S., "On the Nature and Locus Of Mind", Ref. 1, 172-177.

5.

Federn, P., Ego Psychology and the Psychoses. Basic Books, Nova York, 1952.

6.

Weiss, Edoardo, Principles of Psychodynamics. Grune & Stratton, Nova York, 1950.

1959.

7. Chandler, A. L. & Hartman, M. A., "Lysergic Acid Diethylamide (LSD-25) as a Facilitating Agent in Psychotherapy". A. M. A. Arch Gen. Psychiat. 2: 286-299, 1960.

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1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

1.

A BASE LÓGICA

As análises estrutural e transacional oferecem uma teoria sistemática e consistente da personalidade e da dinâmica social derivada de experiência clínica, e uma forma dinâmica e racional de terapia que é facilmente compreendida pela grande maioria de pacientes psiquiátricos e, naturalmente, adaptada a eles. As psicoterapias convencionais podem ser divididas basicamente em duas classes: as que envolvem sugestão, confiança e outras funções "parentais"; e as abordagens "racionais", fundadas em confrontação e interpretação, tais como a terapia não-diretiva e a psicanálise. As abordagens “parentais” têm o defeito de negligenciar ou anular as fantasias arcaicas do paciente, de maneira que, no final das contas, o terapeuta, com muita freqüência, perde o controle da situação e se vê surpreso ou desapontado com o resultado final do caso. As abordagens racionais destinam-se a estabelecer controles internos; com os métodos usuais, isto pode levar muito tempo e, neste intervalo, não só o paciente mas também seus colegas e pessoas intimamente ligadas a ele ficam expostos aos resultados de seu comportamento imprudente. Se o paciente tiver filhos pequenos, o período prolongado de tratamento pode influir de modo decisivo no desenvolvimento do caráter dos filhos. A abordagem estrutural-transacional ajuda a superar estas dificuldades. Tendendo a aumentar rapidamente a capacidade do paciente de tolerar e controlar suas ansiedades e circunscrever seu ato impulsivo, ela apresenta muitas das vantagens da terapia "parental". Ao mesmo tempo, por proporcionar ao terapeuta o conhecimento total dos elementos arcaicos da personalidade do paciente, ela não perde nenhum valor da terapia racional. Esta abordagem tem-se mostrado particularmente válida em certos casos em que é notoriamente difícil a aplicação eficaz das terapias convencionais. Estes casos incluem os psicopatas de vários tipos; esquizofrênicos latentes, intermitentes ou limítrofes, maníaco-depressivos; e adultos mentalmente retardados. Do ponto de vista educacional, as análises estrutural e transacional são mais fáceis de ensinar, com bons resultados, do que muitas abordagens clínicas. Os princípios poder ser assimilados em dez semanas e, com um ano de supervisão, qualquer clínico ou pesquisador bem qualificado pode tornar-se bastante competente na teoria e na prática de tais métodos. O treinamento psicanalítico formal pode suscitar, pelo menos no inicio, uma forte resistência aos princípios da análise estrutural, a menos que o indivíduo tenha um interesse especial na psicologia do ego. A auto-avaliação neste sistema está livre de algumas das dificuldades da autopsicanálise, tornando relativamente fácil, para quem a pratica, detectar e controlar elementos arcaicos ou prejudiciais em suas próprias respostas.

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2.

PROCEDIMENTO

Tanto no trabalho individual como no de grupo, este método avança por estágios claramente definíveis e que, pelo menos esquematicamente, se sucedem uns aos outros, de modo que terapeuta e paciente podem, a qualquer momento, estabelecer a posição terapêutica com uma certa precisão: isto é, o que já conseguiram e qual poderá ser o próximo passo. A análise estrutural, que precede a transacional, ocupa-se da identificação e da análise dos estados do ego. A meta deste procedimento é estabelecer a predominância de estados do ego que avaliam a realidade e libertá-los da contaminação de elementos arcaicos e estranhos. Feito isto, o paciente pode proceder à análise transacional: primeiro, a análise de transações simples, depois a análise de séries estereotipadas de transações e, finalmente a análise de operações complexas longas que, freqüentemente, envolvem várias pessoas e, em geral baseiam-se em fantasias bastante elaboradas. Um exemplo é a fantasia de salvadora, desenvolvida pela mulher que se casa com um alcoólatra após o outro. A meta desta fase é o controle social: isto é, o controle da própria tendência do indivíduo de manipular outras pessoas de modo destrutivo ou imprevidente, e de sua tendência a responder sem discernimento ou opção às manipulações de outrem. No decorrer dessas operações terapêuticas, os estados arcaicos do ego, traumaticamente fixados, foram identificados, mas não resolvidos. Ao final deste programa, o indivíduo estará numa situação particularmente favorável, por causa do predomínio da avaliação da realidade, para tentar a resolução das distorções e conflitos arcaicos. A experiência mostra que tal seqüência não é essencial ao sucesso terapêutico do método, e a decisão de empregá-lo ou não se torna um problema de julgamento clínico e de liberdade circunstancial.

3.

A LINGUAGEM

Embora a exposição teórica seja complexa, a aplicação das análises estrutural e transacional exige um vocabulário esotérico de apenas seis palavras. Exteropsique, neopsique e arqueopsique são vistos como órgãos psíquicos que se manifestam fenomenologicamente como estados do ego exteropsíquico (identificativo), neopsíquico (de processamento de dados) e arqueopsíquico (ex. regressivo). Na linguagem coloquial, referimo-nos a estes tipos de estados do ego como Pai, Adulto e Criança, respectivamente. Estes três substantivos formam a terminologia da análise estrutural. Os problemas metodológicos envolvidos na passagem de órgãos a fenômenos e a substantivos não são relevantes nas aplicações práticas. Certos conjuntos de manobras sociais parecem combinar tanto as funções defensivas quanto as gratificantes. Tais manobras são comumente chamadas passatempos e jogos. Alguns deles, que proporcionam, de imediato, ganhos primários e secundários,

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tendem a tornar-se lugar-comum; o jogo de "PTA",* por exemplo, prevalece nos E.U.A., onde os pais se reúnem em festas ou encontros de grupo. Outras operações mais complexas baseiam-se num extensivo plano de vida inconsciente que se chama argumento, como evocação dos argumentos teatrais, que são derivativos intuitivos desses dramas psicológicos. Estes três termos - "passatempo", "jogo" e "argumento" - formam o vocabulário da análise transacional. Demonstraremos que o Pai, Adulto e Criança não são conceitos como Superego, Ego, Id, ou como construtos jungianos, mas realidades fenomenológicas; enquanto passatempos, jogos e argumentos não são abstrações, mas realidades sociais operacionais. Uma vez compreendidos os significados psicológico, social e clínico desses seis termos, o analista transacional, seja ele médico, psicólogo, cientista social ou assistente social, estará em condições de usá-los como instrumentos terapêuticos de pesquisa ou clínicos, de acordo com suas oportunidades e qualificações.

NOTAS É impossível fazer uma classificação rígida das psicoterapias, devido à flexibilidade de todos os terapeutas experientes. A divisão em tipos "parental" e "racional" corresponde, grosseiramente, ao esquema dado em 1943 por Giles W. Thomas, (1) que baseou sua classificação na de Merrill Moore (1942). K. E. Appel (2) divide a psicoterapia em "Abordagens Psicológicas Sintomáticas ou Diretas", incluindo hipnose, sugestão e persuasão moral (Dubois), persuasão (Déjerine), autoridade, direção e vontade; e "Abordagens que envolvem Reorganização da Personalidade", incluindo a psicobiologia (A. Meyer), o "estudo da personalidade", a psicanálise e suas modificações, e a terapia do "crescimento dinâmico" às quais atualmente acrescentaríamos a terapia não-diretiva (Rogers). Estas duas divisões correspondem, novamente de maneira aproximada, às abordagens "parental" e "racional", respectivamente. Um terceiro tipo, que é uma categoria especial, é a ludoterapia, para crianças, que às vezes, pode ser nem parental nem racional, mas "infantil". A possibilidade de ensino e de aprendizagem do presente sistema é ilustrada pelo fato de que os estudiosos da análise transacional agora a estão aplicando em terapia individual e de grupo numa variedade de ambientes, com pacientes psiquiátricos em geral, assim como com as várias categorias especiais que serão descritas ou mencionada no texto. (Mais recentemente, ela está sendo usada por enfermeiras psiquiátricas, funcionários do governo encarregados de vigiar delinqüentes em liberdade condicional, clérigos e pessoal do Exército da Marinha.) Com relação à auto análise, o comentário existente é de que "o problema com a auto-análise é a contratransferência". (Há, pelo menos, meia dúzia de psiquiatras cada um

*

PTA = Psychotherapy for Transactional Analysis, um jogo psicológico que os pais adotam com freqüência em reuniões sociais. (Nota do revisor técnico)

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dos quais reconhecerá modestamente que deu origem, a este aforismo). Esta dificuldade pode ser manipulada com bastante eficácia pelo procedimento estrutural. Quanto ao vocabulário, "neopsíquico" e "arqueopsíquico" encontram-se no "Dicionário, Psiquiátrico", de Hinsie & Shatzky; (3) "arquipalium" e "neopalium" são, por sua vez, termos neurológicos bem estabelecidos pelo uso. (4)

REFERÊNCIAS 1. 166-180, 1943.

Thomas, G. W. "Group Psychotherapy: A Review of the Recent Literature". Psychosom - Med, 5:

2. Appel, K. E. "Psychiatric Therapy". In Personality and Behavior Disorders. (Ed. By J. M. Hunt) Ronald Press Company, Nova York, 1944, pp.1107-1163. 3.

Hinsie, L. E. & Shatzky, J. Psychiatric Dictionrary. Oxford University Press, Nova York, 1940.

4. Tilney, F. & Riley, H. A. The Form and Functions of the Central Nervous System. Paul B. Hoeber, Nova York, 1928.

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PRIMEIRA PARTE

PSIQUIATRIA DA ANÁLISE INDIVIUAL E ESTRUTURAL

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2. A ESTRUTURA DA PERSONALIDADE

Mrs. Primus, jovem dona-de-casa, foi enviada por seu médico de família, para uma entrevista de diagnóstico. Depois de permanecer sentada, ela começou a rir. Um momento mais tarde, parou, olhou friamente o médico, depois desviou de novo os olhos e, outras vez, voltou a rir. Esta seqüência repetiu-se três vezes ou quatro vezes. Então, um tanto repentinamente, ela parou de rir baixo, ficou em pé, ereta, diante de sua cadeira, puxou a saia para baixo e virou a cabeça para a direita. Após observar esta nova atitude por um curto período de tempo, o psiquiatra perguntou-lhe se ela estava ouvindo vozes. Ela concordou com a cabeça sem virá-la, e continuou a ouvir. O psiquiatra interrompeu-a novamente para lhe perguntar qual era a sua idade. Seu tom de voz cuidadosamente calculado, conseguiu prender a atenção da paciente. Ela virou-se para encará-lo, dominouse e respondeu a sua pergunta. Em seguida, ela respondeu a uma série de outras questões pertinentes, de modo conciso e objetivo. Dentro de pouco tempo, houve informações suficientes para permitir uma tentativa de diagnóstico de esquizofrenia aguda e para possibilitar que o psiquiatra concatenasse alguns dos fatores precipitantes e alguns dos aspectos gerais de seus antecedentes recentes. Depois disso, não foi feita mais nenhuma pergunta, durante certo tempo, e ela logo voltou a cair em seu estado inicial. O ciclo de risinhos, olhadelas furtivas e atenção meticulosa às suas alucinações repetiu-se, até que lhe foi perguntado de quem eram as vozes e o que lhe estavam dizendo. Ela respondeu que parecia ser a voz de um homem e que ele a chamava de nomes horrorosos, palavras que ela nunca tinha ouvido antes. Então, a conversa voltou-se para sua família. Ela descreveu seu pai como um homem maravilhoso, marido atencioso, pai adorável, querido na comunidade, e assim por diante. Mas logo veio à tona que ele bebia bastante e era diferente nestes momentos. Usava linguagem baixa. O psiquiatra perguntou a natureza dessa linguagem. Então ocorreu à paciente que ela o tinha ouvido usar alguns dos mesmos termos insultuosos que a voz da alucinação estava usando. Esta paciente exibiu, com bastante evidência, três diferentes estados do ego. Estes foram identificados pelas diferenças em sua postura, maneiras, expressões faciais e outras características físicas. O primeiro, caracterizou-se pelo acanhamento, acompanhamento de risadinhas, reminiscentes de uma menininha de determina idade; o segundo foi a postura meticulosamente íntegra, como a de uma colegial quase que surpreendida em algum pecado sexual; no terceiro, ela conseguiu responder a perguntas como mulher adulta que era, e foi capaz de demonstrar que neste estado sua compreensão, memória e capacidade de pensar de maneira lógica estavam intactas. Os dois primeiros estados do ego possuíam uma qualidade arcaica, já que ambos tinham sido apropriados a algum estágio anterior de sua experiência. Mas eram inadequados à realidade atual da entrevista. No terceiro, ela mostrou considerável habilidade em ordenar e processar idéias e percepções relativas a sua situação imediata: o 17

que pode ser facilmente entendido como funcionamento "adulto", algo de que uma criança, nem uma colegial sexualmente agitada seriam capazes. O processo de "dominar-se", ativado pelo tom responsável do psiquiatra, representava a transição dos estados do ego arcaicos a este estado do ego adulto. O termo "estado do ego" pretende tão-somente designar estados da mente e seus padrões afins de comportamento tal como estes ocorrem na natureza, e evita, num primeiro momento, o uso de conceitos como "instintos", "cultura", "superego", "animus", e assim por diante. A análise estrutural apenas admite que tais estados do ego podem ser classificados e esclarecidos, e que, no caso de pacientes psiquiátricos, este procedimento "é bom". Na busca de um quadro de referência para a classificação, descobriu-se que o material clínico evidenciou a hipótese de que os estados do ego infantis existem como relíquias no adulto e que, sob certas circunstâncias, eles podem ser revividos. Como já observamos na introdução, este fenômeno tem sido relatado repetidamente em conexão com sonhos, hipnose, psicose, intoxicantes farmacológicos e estimulação elétrica direta do córtex temporal. Mas a suposição de que tais relíquias podem exibir uma atividade espontânea também no estado normal de vigília.

O que realmente acontecia era que os pacientes podiam ser observados ou se observarem, passando de um estado mental e de um padrão de conduta a outro. De modo característico, havia um estado do ego qualificado por uma avaliação da realidade e um reconhecimento racional razoavelmente adequados (processos secundário) e outro distinguido por pensamento autista, medos arcaicos e expectativas (processo primário). O primeiro correspondia ao modo de funcionamento usual de adultos responsáveis, enquanto o segundo se assemelhava à maneira como crianças pequenas de várias idades assumiam seus interesses. Isto levou à suposição da existência de dois órgãos psíquicos, uma neopsique e uma arqueopsique. Pareceu apropriado e aceitável à generalidade dos indivíduos interessados chamar as manifestações fenomenológicas e operacionais desses dois órgãos de Adulto e Criança, respectivamente. A Crianças de Mrs. Primus manifestava-se de duas formas diferentes. A que predominava na ausência dos estímulos era a menina "má" (sensual). Seria difícil conceber 18

que Mrs. Primus, neste estado, assumisse as responsabilidades de uma mulher sensualmente madura. A semelhança de seu comportamento com o de uma menina era tão impressionante que este estado do ego poderia ser classificado como arcaico. Num certo ponto, uma voz percebida como proveniente do exterior a fazia voltar a ser pequena, e ela desviava-se para o estado do ego de "boa" menininha (íntegra). Os critérios anteriores permitiram classificar este estado também como arcaico. A diferença entre os dois estados do ego que a "má" menina era indulgente em sua expressão mais ou menos autônoma, mas fazendo o que lhe ocorria naturalmente, enquanto a "boa" menina procurava adaptar-se ao fato de que estava sendo punida. Ambos os estados, o natural e o adaptado, eram manifestações arqueopsíquicas e, portanto, aspectos da Criança de Mrs. Primus. A intervenção do terapeuta provocou uma mudança para um sistema diferente. Não apenas seu comportamento, capacidade de resposta, senso de realidade e modo de pensar, mas também sua postura, expressão facial, voz e tônus muscular, adquiriam um padrão mais familiar na medida em que o estado do ego adulto da dona-de-casa responsável era reativado. Este desvio, que ocorreu repetidamente durante a entrevista, constituía uma breve remissão da psicose. Daí ser possível entender a psicose como um desvio de energia psíquica, ou, para usar o termo comumente aceito, uma catexia do sistema Adulto para o sistema Criança. E também descrever remissão como uma inversão do desvio. A derivação da voz alucinada, com suas obscenidades "não familiares", teria sido evidente para qualquer observador preparado, em vista da mudança que ela provocou no comportamento da paciente. Restava apenas confirmar a hipótese, e este foi o propósito de se dirigir a discussão para a sua família. Como já observamos, a voz estava usando a linguagem do pai da paciente, para muita surpresa sua. Esta voz pertencia à exteropsique ou sistema parental. Não era a "voz de seu Superego", mas a voz de uma pessoa real. Isto enfatiza o ponto de que Pai, Adulto e Criança representam pessoas reais que existem agora ou que já existiram, e que têm nomes legais e identidades cívicas. No caso de Mrs. Primus, o Pai não se manifestou como um estado do ego, mas apenas como uma voz alucinada. No início, é recomendável concentrar as atenções na diagnose e diferenciação do Adulto e da Criança; a consideração do Pai pode ser beneficamente adiada em termos de trabalho clínico. Dois outros casos ilustram bem a atividade do Pai. Mr. Segundo, que foi o primeiro paciente que estimulou a evolução da análise estrutural, contou a seguinte história: Um menino de oito anos, que passava férias no rancho vestindo roupa de vaqueiro, ajudou o peão a desarrear um cavalo. Quando eles terminaram, o peão lhe disse: "Não sou realmente um vaqueiro. Sou apenas um menino". E depois, acrescentou: "É exatamente assim que me sinto. Não sou, na verdade, um advogado. Sou apenas um garotinho". Mr. Segundo era um advogado criminalista bemsucedido, de alta reputação, que edificou sua família decentemente, fazia um trabalho comunitário útil e era socialmente popular. Mas, no tratamento, ele freqüentemente assumia a atitude de menino. Às vezes, durante a entrevista, perguntava: "Você está falando como o advogado ou o garoto?" Quando ele não estava em seu escritório ou no tribunal, o menininho era bastante hábil para reassumir o comando. Ele ia para uma cabana nas montanhas, longe de sua família, onde tinha um suprimento de uísque, morfina, fotos

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pornográficas e armas. Lá, ele cedia às suas fantasias de criança, fantasias que ele tinha tido pequeno, e exercia tipos de atividade sexual comumente rotuladas "infantis". Mais tarde, depois que ele esclareceu, até certo ponto, o que nele era Adulto e o que era Criança (pois realmente era advogado às vezes e nem sempre um menininho), Mr. Segundo introduziu seu Pai na situação. Isto é, depois que suas atividades e sentimentos tinham sido separados nas duas primeiras categorias, havia certos estados residuais que não se adequavam a nenhuma das duas. Estes tinham uma qualidade especial que lembrava o modo como ele via seus pais. Foi necessária a instituição de uma terceira categoria que, em teste posterior, se revelou de grande validade clínica. Estes estados do ego careciam de qualidade autônoma tanto do Adulto quanto da Criança. Parecia que eles tinham sido introduzidos de fora e apresentavam um ressaibo de imitação. Foi possível identificar a manifestação individualizada de três diferentes aspectos seus no fato de ele manipular dinheiro. A Criança, avarenta ao extremo, tinha pouquíssimos recursos para assegurar uma prosperidade que se media em centavos; apesar do risco para um homem de sua posição, neste estado ele chegava a roubar chicletes e outras coisas sem valor em armazéns, exatamente como fizera quando criança. O Adulto manipulava grandes somas como a perícia, previsão e sucesso de um banqueiro, e estava disposto a gastar dinheiro para fazer mais dinheiro. Mas um outro lado seu tinha fantasias de se desfazer do dinheiro para o bem da comunidade. Ele descendia de família devota e filantrópica e realmente doava grandes somas para caridade com a mesma benevolência de seu pai. Quando diminuía o entusiasmo filantrópico, a Criança assumia a situação, com ressentimentos vingativos em relação a seus beneficiários, seguida pelo Adulto, que se perguntava por que diabos ele queria arriscar suas economias por razões sentimentais. Um dos aspectos mais difíceis da análise estrutural, na prática, é fazer o paciente (ou estudioso) ver que a Criança, Adulto e Pai não são idéias de fácil manejo ou neologismo interessantes, mas se referem a fenômenos baseados em realidades concretas. O caso de Mr. Segundo demonstra este ponto com bastante clareza. A entidade que roubava goma de mascar não foi chamada Criança por conveniência, ou porque as crianças sempre roubam, mas porque ele próprio roubara goma de mascar quando criança, com a mesma atitude alegre e usando a mesma técnica. O Adulto foi chamado Adulto não porque estava desempenhando o papel de um adulto, imitando o comportamento de um homem grande, mas porque exibia provas de realidade de alta eficiência em suas operações legais e financeiras. O Pai não foi chamado Pai porque é tradicional dos filantrópicos serem "paternalistas" ou "materialistas", mas porque o paciente realmente imitava o comportamento e estado de espírito de seu próprio pai em suas atividades filantrópicas. No caso de Mr. Troy, um esquizofrênico compensado que se submetera a tratamento com eletrochoque depois de sofrer um colapso durante um combate naval, o estado parental estava tão bem estabelecido que o Adulto e a Criança raramente se mostravam. Na verdade, inicialmente ele era incapaz de compreender a idéia da Criança. Mantinha uma atitude crítica uniforme na maior parte de seus relacionamentos. As manifestações infantis dos outros, que davam mostras de ingenuidade, charme, vivacidade ou bobagens, provocavam nele uma reação de desdém, reprovação e punição. No grupo de terapia que freqüentava, ele se caracterizava por sua atitude de "Matem os pequenos bastardos". Era igualmente severo para consigo mesmo. Seu objetivo, no jargão do grupo, parecia ser "evitar que sua própria Criança se intrometesse onde não fosse chamada". Esta é 20

uma atitude comum em pacientes que passaram por tratamento com choque elétrico. Eles parecem culpar a Criança (talvez corretamente) pela "surra" que receberam, o Pai entra em alta catexia e, freqüentemente, com a ajuda do Adulto, reprime severamente a maioria das manifestações infantis. Havia algumas exceções curiosas para a atitude de desaprovação de Mr. Troy. Em razão de irregularidades heterossexuais e do álcool, ele se comportava como um pai sabichão complacente, e não como tirano, distribuindo com liberdade a todas as jovens e homens das redondezas o benefício de sua experiência. Seus conselhos, entretanto, eram prejudiciais e baseavam-se em preconceitos banais que ele era bastante incapaz de corrigir, mesmo que seu erro ficasse demonstrado várias vezes. Não foi surpresa saber que, quando criança, ele tinha sido desdenhado e castigado por seu pai por eventuais exibições de ingenuidade, charme, euforia e frivolidade, e que ouviria histórias de excessos sexuais e alcoólicos. Assim, seu estado do ego parental, fixado como capa protetora, reproduzia, de algum modo, as atitudes de seu pai. Este Pai fixado não admitia tolerância em relação às atividades do Adulto e da Criança, a não ser dentro dos limites nos quais o pai de Mr. Troy podia manipular. A observação de tais personalidades fixadas é instrutiva. O Pai constante, visto em pessoas como Mr. Troy; o Adulto constante, encontrado em cientistas objetivos e sérios; e a Criança constante freqüentemente exemplificam de maneira satisfatória algumas das características superficiais destes três tipos de estados do ego. Alguns profissionais ganham a vida através da exibição pública de um estado do ego constante: os clérigos, com Pai; os diagnosticadores, com o Adulto; e os palhaços, com a Criança.* Os casos apresentados até agora demonstram a base teórica da análise estrutural, que contém três absolutos pragmáticos e três hipóteses gerais. "Absoluto pragmático" significa uma condição para a qual não tenha havido nenhuma exceção. 1- Que todo indivíduo foi criança um dia. 2- Que todo ser humano, com um funcionamento suficientemente bom do tecido cerebral, é potencialmente capaz de uma adequada avaliação de realidade. 3- Que todo indivíduo que sobrevive até a idade adulta teve pais ou alguém in loco parentis. As hipóteses correspondentes são: Que os vestígios da infância sobrevivem na vida posterior como estados do ego completos (relíquias arqueopsíquicas). 1- Que a avaliação da realidade é função de estados do ego distintos e não de "capacidade" isolada (funcionamento neopsíquico). 2- Que o comando pode ser assumido pelo completo estado do ego de um indivíduo exterior, segundo se percebe (funcionamento exteropsíquico). *

(As histórias de casos apresentados neste livro são fragmentárias. Aspectos distintos do mesmo caso são usados em diferentes momentos, para ilustrar pontos específicos. As referências a cada paciente individual foram coletadas no "Índice de Pacientes", que anexamos para a conveniência de leitores que queiram seguir um caso específico através do texto.)

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Em resumo, a estrutura da personalidade é encarada como compreendendo três órgãos: a exteropsique, a neopsique e a arqueopsique, conforme mostra na Figura 1A. Estes se manifestam fenomenológica e operacionalmente como três tipos de estados do ego chamados Pai, Adulto e Criança, respectivamente, conforme a Figura 1B.

NOTAS Termos psicanalíticos como "processo primário", "processo secundário" e "testes de realidade" estão mais concisamente elucidados em An Outline of Psychoanalysis, de Freud. (1) A relação das alucinações com os conteúdos mentais arcaicos, especificamente "imagens primárias", tem sido discutida pelo autor. (2) Os casos de Mrs. Primus e Mr. Segundo foram relatados em obra anterior. (3) Já que eu tive vários advogados em minha prática clínica recente, devo enfatizar que, em face de tentativas de identificação, Mr. Segundo não é um deles. Na vida real, ele permanece em anonimato seguro, em outra profissão, a quase 5.000 quilômetros de meu consultório.

REFERÊNCIAS 1.

Freud, S. An Outline of Psychoanalysis. W. W. Norton & Company, Nova York, 1949.

2.

Berne, E. "Primal Images and Primal Judgment". Psychiat. Quart. 29:634-658, 1955.

3.

Berne, E. ""ego States in Psychotherapy". Amer. J. Psychother. 11:293-309, 1957.

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3. A FUNÇÃO DA PERSONALIDADE

1.

REAÇÃO A ESTÍMULOS

Assim como vários órgãos do cérebro e do corpo, também os diferentes sistemas da personalidade reagem diferentemente a estímulos. A exteropsique é criteriosa de um modo imitativo e busca fortalecer conjuntos de padrões emprestados. A neopsique ocupa-se sobretudo da transformação de estímulos em peças de informação e do processamento e arquivo dessa informação com base na experiência prévia. A arqueopsique tende a reagir de maneira mais brusca, baseada no pensamento pré-lógico e em percepções pouco diferenciadas ou distorcidas. Na verdade, cada um desses aspectos percebe o ambiente de forma diversa, de acordo com sua função, e, portanto, reage a um conjunto diferente de estímulos. Um exemplo bastante simplificado, porém ilustrativo, é a reação das pessoas diante das histórias populares sobre defraudadores. Estas provocam uma reação Parental, moralista, em apenas alguns indivíduos. Em maior número de pessoas, desperta um interesse mais concreto, Adulto, a respeito de como se realizou a fraude. Talvez a reação mais comum seja o pensamento ingênuo e infantil, embora usualmente não expresso: "Seria interessante fazer isso”. Na linguagem da análise transacional, o Pai, que critica o fato, joga o papel de Desonra; o Adulto, o de Fiscal; e a Criança quer jogar o de Polícia e Ladrões. Os três aspectos também reagem entre si. O Pai pode ficar excitado (isto é, aflito) com as fantasias da Criança, e a Criança pode ser extremamente sensível a estímulos inibitórios do Pai. Esta relação é, comumente, uma réplica da relação original criança-pai que o indivíduo vivenciou.

2.

O FLUXO DA CATEXIA

Mrs. Tettar, uma dona-de-casa de 22 anos, foi encaminhada para o tratamento no intenso estado de agitação que a acometeu após o nascimento de seu segundo filho. Uma de suas manifestações mais freqüentes durante as seções terapêuticas eram os seus resmungos compulsórios. Perguntava com freqüência ao terapeuta o que fazer a respeito da saída de sua empregada, ou se deveria internar-se num hospital. Logo foi possível mostrar-lhe que, embora superficialmente suas perguntas representassem uma busca Adulta de informação, em outro nível elas constituíam uma tentativa de sua Criança de manipular o terapeuta de algum modo. A paciente respondeu expressando ressentimento para com sua mãe por tê-la mimado. Deu exemplo de como ela pedia à mãe que fizesse as coisas por ela, mesmo podendo tê-las feito sem a ajuda de ninguém. Achava que sua mãe não deveria continuar assim.

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À medida que este problema foi trabalhado durante a sessão, a atitude da paciente foi modificando-se gradualmente. Relaxou-se a tensão de seu rosto, sua voz ficou mais segura e, em vez de se lamuriar, tornou-se sociável e mostrou-se alegre e comunicativa, tal como convinha a sua idade, segundo afirmou. Mas, quando ia saindo pela porta, ao final da sessão, em companhia do terapeuta, recaiu no seu estado mental anterior e recomeçou suas queixas. Então, de repente, virou-se, sorriu alegremente e disse: "Lá vou eu outra vez!" Tais desvios no estado do ego, que podem ser prontamente observados tanto em pessoas sadias como em pacientes, podem ser explicados através do conceito de energia psíquica, ou catexia, com base no princípio de que, num dado momento, aquele estado do ego que é catexizado de um certo modo terá o poder executivo ou de comando. Num primeiro momento, será suficiente falar simplesmente de "fluxo da catexia". Os dados fornecidos a respeito de Mrs. Tettar podem ser explicados, neste sentido, dizendo-se que ela chegou com uma Criança em alta catexia; esta catexia gradualmente fluiu da Criança para Adulto, até que o Adulto assumiu o comando, mas, na hora em que ela saiu, a catexia foi drenada à Criança, e, quando ela conseguiu conter-se, fluiu abruptamente de volta para o Adulto. Os ciclos de comportamento e atitude de Mrs. Primus também podem ser explicados de modo semelhante.

3.

FRONTEIRAS DO EGO

Quando se diz que a catexia flui da Criança para o Adulto e vice-versa, neste conceito ou metáfora está implícito que existe algum tipo de fronteira entre os dois estados do ego. Embora esta implicação talvez possa ser pensada em termos neurológicos, ainda não temos a possibilidade de sua verificação fisiológica, de modo que nos restringiremos a considerar os fenômenos psicológicos. Em seu estado pré-psicótico e durante as remissões que ocorriam no decorrer da terapia, Mrs. Tettar estava ciente de certas obsessões, fobias e compulsões que eram distônicas do ego. Em tais ocasiões, sua obsessão por limpeza, seu modo de sujeira e compulsões de lavar as mãos um certo número de vezes seguidas geralmente eram percebidas por ela como se não fizesse parte do seu "eu real". Neste tipo de raciocínio, sua mente dividia-se em dois sistemas: "Eu real" e "Eu não real". O "Eu real" era capaz de avaliar a realidade com relação a sujeira e limpeza; o "Eu não real" não. O "Eu real" conhecia coisas sobre higiene (sobretudo se considerávamos que seu marido trabalhava em saúde pública) que uma criança seria incapaz de avaliar, enquanto o "Eu não real" era guiado pelo pensamento mágico característico de uma criança em determinada fase específica de desenvolvimento. Assim, o "Eu real" era tipicamente Adulto e o "Eu não real" era caracteristicamente Criança. A visão da própria Mrs. Tettar desses dois aspectos diferentes de sua personalidade trazia implícita a existência de uma fronteira entre eles, já que, em sua mente, certas formas de comportamento e sentimento pertenciam a um sistema que ela percebia como seu eu real e outras formas pertenciam a um sistema que estava fora deste. A multiplicação desses relatos justifica a suposição de que cada estado do ego é um tipo de entidade diferenciada,

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de alguma forma, do resto dos conteúdos psíquicos, inclusive de outros estados do ego que existiram há muitos anos ou há poucos momentos, ou que estão simultaneamente ativos. A maneira mais conveniente e provavelmente mais correta de se dizer isto é falar de cada estado do ego como possuidor de uma fronteira que o separa de outros do ego. Portanto, podemos considerar um conjunto de círculos um bom modo de representar a estrutura da personalidade conforme aparece na Figura 1B.

4.

O PROBLEMA DO EU

Ao considerarmos o fato de Mrs. Tettar lavar as mãos como distônico do ego, pretendemos nos referir especificamente ao ego Adulto. Pois, em seu estado psicótico inicial, quando o "Eu real" de Mrs. Tettar era a Criança, o fato de ela lavar as mãos tornavase sintônico do ego: ou seja, nessas ocasiões ela aceitava suas próprias racionalizações artificiais para este comportamento, e isto era de esperar, uma vez que as próprias racionalizações vinham da Criança. Em seu estado neurótico, estas razões eram ouvidas pelo Adulto, que discordava, enquanto, em seu estado psicótico, elas eram ouvidas pela mesma personalidade que as elaborara. Em outras palavras, o fato de Mrs. Tettar lavar as mãos era distônico do ego Adulto e sintônico do ego Criança, de modo que para ela percebê-lo, num dado momento, como distônico ou sintônico, dependia de qual fosse seu "Eu real" naquele momento. O problema agora gira em torno do que determina o "Eu real". Evidentemente, isto não depende do poder de comando, já que quando ela estava lavando as mãos ou procurando pequenas sujeiras de modo relutante, em sua condição não-psicótica, sua Criança comandava, mas o Adulto ainda era vivido como "Eu real". A compreensão clínica nesta área pode ser obtida pela postulação de três estados de catexia: atado, desatado e livre. É possível a analogia com um macaco numa árvore. Se ele fica inativo, sua posição elevada somente lhe dá energia potencial. Se ele cai, sua energia potencial transforma-se em energia cinética. Mas, sendo um ser vivo, ele pode saltar e, então, deve-se levar em conta um terceiro componente, a energia muscular, a fim de compreender como ele chega ao chão. Enquanto permanece inativo, a energia física está atada, digamos assim, em sua posição. Ao cair, esta energia pe desatada e, quando ele pula, adiciona, um terceiro componente pela livre escolha. Juntas, a energia cinética e a muscular poderiam ser chamadas de energia ativa. A catexia atada, então, corresponde à energia potencial, a catexia desatada à energia cinética e a catexia livre, à energia muscular: e a catexia desatada e a livre juntas compõem o que chamamos de catexia ativa. As fronteiras do ego são concebidas como semipermeáveis em quase todas as condições. Elas são relativamente impermeáveis para a catexia atada e desatada, enquanto a catexia livre pode passar, com relativa facilidade, de um estado do ego para outro. Podemos, assim, resumir a situação psicológica da seguinte maneira: (a) o estado do ego em que predomina a catexia livre é percebido como o Eu; ou, como diz Federn, (1) "é a própria catexia que é vivenciada como sentimento do ego"; (b) o poder de comando é absorvido por esse estado em que a soma líquida da catexia desatada e da livre (catexia 25

ativa) é maior num dado momento. Estes dois princípios são ilustrados pelo caso de Mrs. Tettar, em seus três diferentes estados clínicos. 1. No estado sadio, seu "antigo eu", a Criança, contém apenas catexia atada e é, portanto, latente, enquanto o Adulto está carregado com catexia livre e, assim, é vivido como seu "Eu real". O adulto também tem o poder de comando, já que contém a maior soma de catexia ativa (desatada mais livre). 2. Em seu estado neurótico de lavar as mãos, a catexia livre ainda reside no Adulto, ao passo que a criança contém catexia desatada. Esta catexia desatada predomina quantitativamente sobre a catexia ativa do Adulto. A Criança, portanto, detém o poder de comando, embora o Adulto ainda seja vivenciado como "Eu real". 3. Em seu estado psicótico, a criança contém catexia desatada e também a catexia livre que está sendo drenada do Adulto. Isso deixa o Adulto relativamente vazio de catexia ativa. Logo, a criança tanto detém o poder de comando como é vivida como o "Eu real".

5.

DESLOCAMENTO DO ESTADO DO EGO

Os deslocamentos do estado do ego em tal sistema dependem de três fatores: das forças atuantes em cada estado; da permeabilidade das fronteiras entre os estados do ego; e da capacidade de catexia de cada ego. É o equilíbrio quantitativo entre esses três que determina a condição clínica do paciente e, também, indica os procedimentos terapêuticos (ou os procedimentos corruptivos exploradores). No caso de Mrs. Tettar, a terapia foi planejada de modo a trabalhar estes três fatores, um após o outro. Primeiramente, o terapeuta tentou ativar o Adulto, como no caso de Mrs. Primus, enfatizando a avaliação da realidade. Supôs-se que a neopsique, enquanto sistema, estivesse intacta; o problema era aumentar sua catexia ativa (isto é, a desatada mais livre). Os aspectos de transferência e sociais desempenharam seu papel nesta mobilização. Em segundo lugar, o terapeuta tentou esclarecer e fortalecer a fronteira entre o Adulto e a Criança, a fim de "capturar" esta catexia aumentada do Adulto. Em terceiro, ele tentou aumentar a capacidade de catexia da Criança, tanto absoluta como relativamente, por meio da resolução de conflitos infantis, de modo a fazer com que a criança estivesse menos apta a tornar-se ativa em momentos inoportunos e de uma forma não saudável. As técnicas reais usadas não são pertinentes a esta discussão, cujo propósito é apenas ilustrar a importância do estudo dos fatores que influenciam os deslocamentos do estado do ego. Os princípios envolvidos com freqüência são reconhecidos de modo intuitivo pelos próprios pacientes; este aspecto particular será discutido mais tarde. Neste ponto, devem ficar claras duas distinções que comumente causam dificuldade. O Pai pode funcionar ou como estados do ego ativo ou como influência. No caso de Mr. Troy, o Pai era tanto o que comandava quanto o "Eu real", e funcionava como um estado do ego ativo. Isto significa que ele se comportava como Pai. Por outro lado, quando Mrs. Primus abaixou a barra de sua saia, seu estado do ego ativo era o de uma criança submissa, enquanto o Pai, na forma de vozes alucinadas, atuava apenas como uma influência. Ela não

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se comportava como pai, mas sim como o pai teria gostado que ela fizesse. Assim, quando o Pai é mencionado, devemos distinguir entre estado do ego ativo ou influência Parental. É a influência Parental que determina se a Criança adaptada ou a Criança natural é ativa em um dado momento. A Criança adaptada é um estado do ego arcaico que está sob influência Parental, enquanto a Criança natural é um estado do ego arcaico que esta livre de tal influência ou tenta libertar-se dela. É a diferença, por exemplo, entre uma criança obediente e uma criança que tem acesso de raiva. Novamente, é preciso deixar claro o que se pretende dizer como o estado Criança.

NOTAS As discussões de Freud sobre "energia psíquica" e catexia (Besetzungsenergie) estão entre suas mais obscuras discussões. Algumas das dificuldades talvez se devam a seus tradutores. (2) Colby (3) tem tentado resolver alguns desses problemas. O caminho mais simples é aceitar totalmente o conceito de catexia e tentar correlacioná-lo com suas próprias observações.

REFERÊNCIAS 1.

Weiss, Edoardo, loc. Cit., p.37

2.

Por ex., Freud, S., An Outline of Psychoanalysis, loc. cit., p.44 ss.

3.

Colby, K. M., Energy & Structure in Psychoanalysis, Ronald Press, Nova York, 1956.

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4. PSICOPATOLOGIA

A análise estrutural torna possível a sistematização de uma patologia geral para distúrbios psiquiátricos. A patologia refere-se às reações de organismos vivos a doenças. O estudo de entidades nosológicas específicas e de mecanismos de defesa particulares pertence ao campo da patologia especial. No momento, estamos interessados em reações mais gerais, que envolvam toda a organização psíquica ou que sejam comuns a amplas categorias de distúrbios. A patologia estrutural ocupa-se das anomalias da estrutura psíquica, sendo as duas mais comuns a exclusão e a contaminação. A patologia funcional refere-se à instabilidade de catexia e à permeabilidade das fronteiras do ego.

1. EXCLUSÃO A exclusão manifesta-se por uma atitude estereotipada, possível de previsão, que é imperturbavelmente mantida por tanto tempo quanto possível, em face de qualquer situação ameaçadora. O Pai constante, o Adulto constante e a Criança constante, todos resultam primariamente da exclusão defensiva dos outros dois aspectos complementares, em cada caso. Os ganhos transacionais secundários tendem a reforçar a exclusão. O Pai excludente é classicamente encontrado em esquizofrênicos "compensados" e, nestes casos, a exclusão constitui a principal defesa contra a confusa atividade arqueopsíquica. Tais pessoas têm a maior dificuldade para reconhecer a existência da Criança, uma vez que o objeto da exclusão é controlar e negar esse aspecto. A estabilidade de tal exclusão foi demonstrada por Mr. Troy, por um período de seis anos em terapia de grupo, após ter recebido alta num hospital naval. A estrutura de seu Pai altamente catexizado já foi descrita. O Adulto e a Criança só emergiam sob as circunstâncias mais favoráveis. Quando os procedimentos se tornavam um seguro lugar-comum, o Pai de Mr. Troy relaxava o suficiente para o Adulto fazer uma tímida exibição. Então ele era capaz de discutir, de modo honesto, a temperatura, as notícias, as horas e as ironias de seus assuntos pessoais. Seu jeito era agradável e seguramente trivial. (1) Dizia que estava com calor, que os negros eram boas pessoas, mas que era necessário vigiá-los, que ninguém tinha aprendido nada desde a última guerra e que sempre que ele resolvia lavar o seu carro chovia. Às vezes, como o Boeotian Oread, ele conseguia dizer algo mais, neste estado do ego, ou repetia vigorosamente as últimas palavras que lhe diziam, por exemplo: "Ter de vigiá-los"; "última guerra"; "chove". Mas, no momento em que uma controvérsia o

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amedrontava, o Adulto como catexia fraca se retratava diante do dogmatismo hostil do Pai, e este retomava o seu lugar. Por outro lado, quando o terapeuta falava, ele respondia com complacência, inclinando-se respeitosamente e numa postura diferencial. Esta era a Criança adaptada, comportando-se do modo como devia, sob a vigilância observadora do Pai alerta. Mas, se o terapeuta ameaçasse a hegemonia Parental, com uma atitude indulgente para com qualquer de seus pecadinhos infantis (não-sexuais, mas impetuosos), a Criança era rapidamente excluídas dos procedimentos, e o Pai assumia imediatamente a sua política do "chega de bobagem e matem o pequeno bastardo". O grupo estava bastante convencido de que o Pai Troy tinha realmente tentado fazer isso uma ocasião, querendo atirar a Criança Troy de um penhasco, a menos que tivesse sido a Criança exasperada que tivesse tentado eliminar o Pai. Em todo o processo, ele demonstrava a fraca (desatada) catexia de seu Adulto e Criança e a força catastrófica do Pai em seu estado "compensado". Tal personalidade está representada na Figura 2A, que foi desenhada na lousa para proveito de Mr. Troy numa fase apropriada de seu tratamento, mais ou menos na época em que ele começou a distinguir as crianças reais, usando o gênero "ele" ou "ela", em lugar de se referir aos bebês de seu ambiente indiscriminadamente como "ele".*

A personalidade de Mr. Quint ilustra outro tipo de estrutura. Como cientista social, ele se saía muito bem com projetos experimentais e com máquinas de calcular. Por um lado, ele estava destituído do encanto, da espontaneidade e do humor característicos da criança sadia e, por outro, ele era incapaz de tomar partido, com a convicção ou indignação que é encontrada em pais sadios. A hipótese sem valor era seu instrumento favorito; em festas, ele era incapaz de compartilhar do divertimento, e, em momentos de necessidade, ele não conseguia nem agir como pai de sua esposa, nem oferecer e seus alunos uma influência paternal. Por apresentar um Adulto excludente, ele funcionava quase que somente como planejador, coletor de informação e processador de dados, construindo uma reputação bem merecida como elemento de qualidades superiores nesses assuntos. Este

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Em inglês it, pronome pessoal neutro, na 3ª pessoa do singular. (NT)

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Adulto era seu "eu real", e ele tinha um sério compromisso com o processamento de dados como meio de ganhar a vida. Assim, em quase todas as situações, ele conseguia manter a Criança e o Pai sob o domínio cruel da intelectualização. Infelizmente, a exclusão falhava em suas atividades sexuais, porque aí os aspectos excluídos ficavam tão altamente carregados com catexia desatada que o Adulto perdia o controle. O resultado era que "ele" (isto é, o Adulto, que ainda era o seu "eu real") sentia-se caótico e desamparado na batalha subseqüente entre a Criança e o Pai ativados. Este fato torna clara a função defensiva da exclusão. Como ele descobriu, para seu desespero, o relaxamento em favor da Criança terminava em comportamento impulsivo, e qualquer tolerância para com as atitudes parentais desaguava em autocensura e depressão. A estrutura da personalidade do Dr. Quint está representada na Figura 2B. A Criança excludente, conforme aparece na Figura 2C, é com mais freqüência observada socialmente em personalidades impulsivas narcisistas, como certos tipos de prostitutas de "alta classe" e, clinicamente, em alguns tipos de esquizofrenia ativa, em que tanto os estados do ego racionais (Adulto) e de julgamento ou de nutrição (Pai) estão afastados. Em muitos casos, pode haver fracas exibições do Adulto ou do Pai, mas facilmente eles se dissipam diante de ameaças e se reinstala a Criança sedutora ou confusa. São as prostitutas e os esquizofrênicos "inteligentes" e "cooperadores". Em outros momentos, pode haver manifestações surpreendentes de perspicácia "natural" e moralidade básica, mas elas são essencialmente infantis por natureza, se comparadas com o comportamento de crianças reais, ou como os estudos de Piaget (2,3) mostrarão. O problema clínico apresentado por tais exclusões patológicas demonstra tanto a função como a natureza do estado do ego soberano. As tentavas de se comunicar com os aspectos excluídos são frustradas pela resposta idiossincrática do Pai, Adulto ou Criança defensivos: religiosidade, intelectualização, ou lisonja, pseudocomplacência, por exemplo. A característica operacional dessas personalidades é que, sob condições ordinárias, todas as suas respostas manifestadas originam-se de um único sistema. Os outros dois sistemas estão desautorizados. Por muito tempo foi impossível chegar ao Adulto ou à Criança de Mr. Troy, ou o Pai e à Criança de Dr. Quint. O desespero dos homens que tentam apelar para a moralidade ou racionalidade de mulheres impulsivas narcisistas é um exemplo notável das dificuldades criadas pelos fenômenos de exclusão. Convém enfatizar que os estados do ego excludentes não são papéis. A questão de papeis será discutida mais tarde.

2. CONTAMINAÇÃO A contaminação assume a configuração de certos tipos de lesão. Por um lado, e de ilusões, por outro. O diagrama da Figura 3A representa a estrutura de uma lesão. O que se nota é que parte do Pai penetra no Adulto e se inclui nas fronteiras do ego Adulto.

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O filho de um missionário tentou provar que toda dança é pecaminosa, referindo-se às condições de uma ilha do Pacífico onde seu pai tinha estado em 1890. Às vezes ele era capaz de reconhecer que esta conclusão do ego Adulto sintônico, que ele vivenciava e defendia como se fosse racional, era, na realidade, uma lesão Parental. Depois do tratamento, esta, juntamente com outras lesões, foi relegada ao Pai por meio de um realinhamento das fronteiras do ego Adulto, conforme mostra a Figura 3B. Na prática, isto significa que, sob circunstâncias ordinárias, ele era capaz de discutir sobre dança e atividades afins, racionalmente, com a filha adolescente e com a esposa, mas, sob certos tipos de tensão, o Adulto era destruído e o Pai reassumia, reinstalando, assim, a sua intransigência. Quando o Adulto era reativado, ele era capaz de olhar objetivamente o que tinha acontecido. E, na medida em que o Adulto se fortalecia, os vociferantes episódios Parentais tornavam-se cada vez menos freqüentes. Mas o pré-requisito para isso foi a descontaminação terapêutica original do Adulto, isto é, diferença entre as Figuras 3A e 3B. Uma mulher tinha a impressão de que estava sendo espionada no banheiro. Sua condição clínica permitia detectar uma ilusão, mas por acaso havia uma prova de que isto ocorrera realmente. Entretanto, o material de sua infância oferecia uma base para o diagnóstico da ilusão, embora a mulher insistisse em citar uma evidência lógica para provar que havia um ninho de espiões em seu quintal. A estrutura de sua ilusão está representada na Figura 3C. aqui houve uma contaminação do Adulto pela Criança. No curso do tratamento, ela percebeu em outras conexões que havia um aspecto arcaico de sua personalidade que não era sintônico do ego Adulto. Deste modo a existência da Criança nela estava estabelecida. Mais tarde, ele era capaz de perceber a natureza arcaica de suas provas concernentes aos espiões. Assim, seu Adulto podia ser descontaminado e seu sistema ilusório relegado à Criança. Depois do realinhamento dos limites de seu ego Adulto, como mostra a Figura 3D, as ilusões não continuaram sintônicas do ego Adulto por muito tempo. A partir deste ponto, apenas se o Adulto fosse desautorizado, as ilusões poderiam reaparecer como tais. Mas, com o crescente esclarecimento e fortalecimento do ego Adulto, os seus limites tornaram-se cada vez mais firmemente estabelecidos e mais difíceis de romper. Assim, ela era capaz de resistir a quantidades crescentes de tensão e seus intervalos lúcidos foram aumentando gradualmente. A Figura 3E representa uma dupla contaminação e a Figura 3F, o resultado, após tratamento. A julgar por esses diagramas, parece que o Adulto está contraído depois do tratamento, mas convém lembrar que a situação, na realidade, assemelha-se mais a um diagrama tridimensional. As contaminações não são subtraídas do Adulto, mas deslocadas. Metaforicamente, é como tirar as partes cheias de musgo de um navio, de modo que depois fique menos difícil dirigi-lo. O diagnóstico de uma contaminação simples exige o reconhecimento de quatro áreas da personalidade, enquanto o da dupla envolve cinco, como indicam as flechas na Figura 3G. Um item originado da Área P é reconhecido pelo Adulto um produto Parental, enquanto um proveniente da Área C é percebido como produto da Criança. Os itens que procedem das Áreas PA, A e AC, no entanto, são todos vivenciados como tais. É aqui que o terapeuta executa o seu serviço, corrigindo o diagnóstico errado do paciente e ajudando-o a alcançar a descontaminação e o realinhamento de fronteiras. As técnicas, mecanismos,

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problemas e precauções terapêuticas envolvidas na mudança da situação representada na Figura 3E para a representada na Figura 3F serão discutidos em momento oportuno.

3. PATOLOGIA FUNCIONAL Existem alguns pacientes que podem ou teimar na manutenção de um estado do ego ou desviar-se de um para outro, oportuna e rapidamente. Mrs. Sachs, por exemplo, era socialmente célebre, de um lado, por apegar-se obstinadamente a certos preconceitos raciais e familiares a qualquer custo e, de outro, pelo fato de, na vida conjugal, lamentar-se, acusar e reprimir o marido por agressão passiva com a mesma insistência, até conseguir o que queria. Às vezes, depois que esta Criança obstinada teimava com tal intensidade por três ou quatro noites, ela ficava com enxaqueca. Em tratamento, a situação era bastante diferente. Uma palavra do terapeuta poderia transformá-la de fanática indignada em Criança queixosa e outra poderia mantê-la, por pouco tempo e transitoriamente, como Adulto racional, capaz de avaliar o seu comportamento anterior com considerável grau de objetividade. Mas um deslize de sua parte possivelmente provocaria o ressurgimento do Pai hostil e arrogante ou da Criança nadando em sua própria miséria. É como se houvesse uma baixa viscosidade no fluxo entre a catexia atada e a desatada em cada estado, e a catexia livre também era lábil. Assim, em 32

tratamento, o Eu real costumava desviar-se rapidamente de um para outro estado do ego, e cada um deles poderia ser carregado e descarregado com considerável facilidade. Mas sua vida exterior demonstrava também que cada estado do ego era capaz de reter a carga ativa e manter o poder de comando durante um longo período em circunstâncias especiais, o que evidenciou a existência de fronteiras do ego bastante firmes. Portanto, parece possível falarse de labilidade de catexia sem defeito nas fronteiras do ego, em certas personalidades. Na verdade, essas qualidades, se organizadas de maneira adequada, pode, formar a base para um funcionamento altamente eficaz e adaptável. O tipo complementar com boas fronteiras do ego e catexia lenta também existe; trata-se de pessoas que demoram para começar ou parar de jogar, pensar ou moralizar. A permeabilidade das fronteiras do ego, também tem seus dois pólos. O mecanismo de exclusão só está disponível para as pessoas que têm fronteiras de ego rígidas. Assim, alguns esquizofrênicos têm dificuldade em "compensar" ou em conservar sua compensação. As pessoas astênicas, que perdem identidade, que deslizam de um estado para outro sem muita intensidade, têm fronteiras frouxas do ego. A Criança e o Pai, embora sejam ambos fracos, penetram ou irrompem os limites do ego do Adulto, com um pouco de dificuldade, e o eu real desvia-se sob pequenas tensões. Mrs. Sachs tinha uma Criança desleixada, mas absolutamente, desordenada. Em pessoas com limites frouxos do ego, a personalidade dá a impressão de ser relaxada.

REFERÊNCIAS 1. Cf. Harrington, A. The Revelations of Dr. Modesto. Alfred A. Knopf, Nova York, 1955. Esta é uma daquelas sátiras curiosas que podem ser levadas a sério com bastante facilidade. Trata do "centralismo", um método comum de lidar com pessoas. 2.

Piaget, J., The Construcion of Reality in the Child, basic Books, Nova York, 1954.

3.

Piaget, J., The Moral Judgement of the Child. Harcourt Brace & Company, Nova York, 1932.

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5. PATOGÊNESE

A vida somática pode ser concebida como um continuum em que o estado geral do corpo se modifica de momento a momento, de acordo com os princípios de fluidez e homeostase biológicas. Clinicamente, entretanto, é mais conveniente considerar os efeitos dos vários estímulos e sistemas especiais e isolar os períodos do continuum. A vida psíquica seria um continuum semelhante, consubstanciado em um único estado do ego que se modifica, de momento a momento, de modo abrupto ou maleável. Aqui, novamente, os clínicos em geral acham útil considerar sistemas e períodos especiais. Os períodos psicológicos naturais são delineados pela natureza, com erupções de atividade intercalada entre períodos de relativo descanso, Comumente, a psique recebe durante o dia o bombardeio de estímulos internos e externos, nem todos eles passíveis de "assimilação" de uma só vez. O período de sono subseqüente oferece a oportunidade para esta assimilação. Assim, um dia pode ser convenientemente tomado como "unidade do ego". A partir deste ponto de vista, a função dos sonhos é assimilar as experiências do dia anterior. O novo dia, então, começa com um estado do ego relativamente arejado, e o processo se repete. Se algo é insuscetível de "assimilação", os sonhos tendem a tornarem-se repetitivos e o ego desperto começa a estagnar.* Este conceito é bastante familiar. A gênesis das personalidades patológicas pode ser ilustrada por uma metáfora simples. As experiências de cada dia, uma unidade do ego, são comparáveis ao simples arremesso de uma moeda, que é polida durante a noite. Uma vida idealizada, livre de traumas, consistiria, então; da superposição de tais moedas em uma pilha cada qual carregando a marca da mesma personalidade, mas uma um pouco diferente das outras, e todas colocadas de modo que toda a coluna ficasse reta e perfeita como na Figura 4A. Um estado traumático do ego, no entanto, seria como uma moeda deformada, que inclinaria a coluna a partir do ponto onde se encontra, independente de quão perfeitas fossem todas as moedas subseqüentes, como na Figura 4A. Se houvesse estados do ego com trauma periódico, todos da mesma direção, até correr o risco de cair, como na Figura 4C. Se os traumas fossem de naturezas diferentes, então, a pilha formaria um ziguezague em determinados pontos, de tempos em tempos, e, por acaso, poderia terminar apontando verticalmente outra vez, mas com uma instabilidade inerente, como na Figura 4D. Em qualquer caso, as inclinações teriam um efeito algébrico aditivo na mudança do equilíbrio e da direção da coluna. Traduzindo esta metáfora em termos clínicos, um trauma anterior poderia desviar a pilha da linha vertical; um posterior poderia desviá-la mais ainda; e um traumatismo subseqüente poderia levá-la a uma instabilidade cada vez maior, mesmo que a moeda do topo em alguns casos pudesse não revelar as inclinações subjacentes. O importante é que, a fim de corrigir a situação, seria necessário retificar apenas uma ou duas moedas. *

Depois que publicamos isto, apareceu o trabalho de Dement sobre privação de sonho. (4)

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É evidente que, quanto mais embaixo estiver a moeda inclinada, maior será o efeito sobre a estabilidade final. Neste ponto, seria possível falar de diferentes tipos de moedas: os pennies da infância, os níqueis do período latente, os quarters da adolescência e os dólares de prata da maturidade. Aqui, um penny inclinado poderia eventualmente fazer com que milhares de dólares de prata caíssem no caos. Este penny inclinado simboliza o que se referiu acima como sendo Criança. A Criança é o estado do ego inclinado que se fixou e mudou a direção de toda a porção subseqüente do continuum. Mais especificamente, ela ou é uma única unidade do ego grosseiramente retorcida (uma verdadeira moeda falsa), ou uma série de unidades do ego levemente inclinadas (um conjunto de "pennies" originários de uma matriz defeituosa). No caso da neurose traumática, a Criança é aquele estado do ego confuso que foi fixado no dia X do mês Y do ano Z, da infância do paciente. No caso das psiconeuroses, é o estado do ego enfermo que retorna dia após dia, sob condições adversas semelhantes, do mês A para o mês B do ano C, na infância do paciente. Em qualquer indivíduo, o número de estados do ego arcaico patológico fixados (ou séries de estados do ego): um ou dois, e, em casos raros, talvez três. Deixamos a exploração que fizemos da metáfora das moedas, que se presta a muitos outros casos além dos mencionados, a critério do leitor. Uma integrante da família Hept ensinou perversões sexuais a seu neto desde se 39º até seu 42º mês. Toda manhã ele se deitava na cama com ela, em estado de expectativa e excitação, estado este que a avó o tinha instruído a dissimular, caso entrasse alguém no quarto, e a esperar que sua mãe saísse de casa para o trabalho. Este estado do ego complexo se fazia seguir por um estado de abandono sexual. Um dia o sedutor e amante ficou audacioso que fez uma tentativa com sua mãe, quando ela se enxugava após o banho. O fato confirmou a crescente suspeita que antes surgiria tão grotesca e fantasiosa à mãe que ela se julgara louca. Seu horror foi tão grande que o garotinho caiu em estagnação. Todo o seu estado de ego, altamente carregado, tornou-se fixo e desintegrou-se do resto da personalidade. Neste sentido, tal momento épico marcou o nascimento da sua Criança.

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Aqui, o trauma decisivo não foi a sedução, mas a reação da mãe. Quando a personalidade do menino foi analisada, mais tarde, nos componentes Pai, Adulto e Criança, a Criança, que se manifestava, às vezes, tanto fenomenológica como socialmente, consistia de um estado do ego que reproduzia, em catexia total, todos os momentos presentes no quarto da avó. Era o estado do ego Criança real entre 38 e 41 meses de idade que um dia realmente existira. Embora o próprio menino tivesse desaparecido irrevogavelmente como um fenômeno único no universo, seu estado do ego persistia imutável, para ressurgir, com pleno vigor, em certas ocasiões. Seu Pai reagia a seu próprio comportamento infantil e ao comportamento semelhante de outras pessoas, com a atitude específica de horror manifestada por sua mãe no banheiro (Figura 5A). Faltou oportunidade para observar se a Criança fora excluída do Adulto, assim como o Pai, o resultaria em neurose traumática (Figura 5B), ou se certos elementos da Criança eram sintônicos do ego Adulto por contaminação, o que constituiria neste caso uma perversão carregada de arrependimento (Figura 5C). Se tivesse sido a própria mãe a seduzi-lo, então algum elemento da Criança poderia vir a ser não somente sintônico do ego Adulto mas também sintônico do ego Pai, formando uma perversão "psicopata" (Figura 5D). Por outro lado, se o episódio com a mãe não tivesse ocorrido, o paciente sofreria provavelmente apenas um acréscimo do leve traumatismo diário, o que resultaria numa psiconeurose.

Miss Ogden seduzida por seu avô, com seis anos de idade, depois que seu Pai Edípico tinha sido fixado. Este Pai, no entanto, foi desautorizado durante o evento, de modo que ela coopera com a sedução, até certo ponto. Ela escondeu o segredo de sua mãe, porque já previa a ausência de compreensão da parte dela. O elemento sexual do estado do ego daquele dia ficou excluído (do Adulto), enquanto o elemento segredo permanecia, como se fosse, no momento, sintônico do ego Adulto. Quando o estado do ego completo, isto é, sua Criança total, se manifestava em sonhos, ressurgia, com poucas variações, o estado do ego real de uma menininha real que existira às 15 horas de 12 de outubro de 1954, a hora da sedução. Em vigília, ela era rigorosamente assexuada, não usava maquilagem e vestia-se com a austeridade de uma freira. Sendo o seu segredo patológico sintônico do ego Adulto, 36

no entanto, ela o racionalizou. E, já sua mãe era reservada, ele era também sintônico do ego Pai; assim, o segredo de Miss Ogden não só era patológico mas também "psicopático". Em certa ocasião, ela contou uma longa história sobre uma antiga colega de classe, de uma escola situada a 4.800km de distância, mas referiu-se a ela como "esta pessoa" e recusou-se a divulgar seu primeiro nome ou mesmo a mencionar seu sexo inicialmente, porque "eventualmente ela poderia ser vista e então se saberia quem ela era". De qualquer forma, a paciente acrescentou: "Minha mãe me ensinou a nunca mencionar nomes, e eu acho que não se deve fazê-lo." A estrutura de uma neurose de caráter é semelhante à de uma "psicopatia", e até aqui as evidências indicam que a distinção entre ambas é estabelecida provavelmente pelo ambiente social. Um cacique das ilhas Fiji que, há um século, comia pessoas, batia em suas esposas ou fazia seus servos comerem vidro moído para ofendê-los, parece ter sido visto por seus contemporâneos como um mau caráter, mas não um "psicopata" criminal. (1) Atualmente, os governos coloniais chamam freqüentemente seus assessores psiquiátricos para consultas, em casos de conduta bárbara de seus súditos. Na verdade, a análise estrutural leva a algumas conclusões surpreendentes sobre pessoas "normais", que estão, entretanto, de acordo com o julgamento clínico competente. Em termos estruturais, uma pessoa "feliz" é aquela em que os aspectos importantes do Pai, do Adulto e da Criança são todos sintônicos entre si. Um jovem médico com problemas conjugais sentia-se feliz em seu trabalho. Seu pai também era médico, respeitado por sua mãe, de modo que seu Pai, sem conflito interno, aprovara sua carreira. Seu Adulto estava satisfeito, porque ele era interessado e competente em sua especialidade e gostava de fazer um bom trabalho. A curiosidade sexual de sua Criança era bem sublimada e bem gratificada em sua própria prática. Portanto, o Pai, o Adulto e a Criança, todos se respeitavam e cada um recebia satisfação apropriada em sua profissão. Mas, como pais e crianças nem sempre concordam em tudo, às vezes ele ficava bastante infeliz quando estava fora do consultório. A moral é que se pode definir uma pessoa feliz, mas ninguém pode ser feliz o tempo todo. É desconcertante, no entanto, ter de reconhecer que a mesma análise se aplica aos "criminosos saudáveis" dos campos de concentração. O mito de que estas pessoas seriam fundamentalmente espíritos torturados é confortante, mas alguns observadores bem qualificados acham que a suposição é infundida. (2) A seguinte anedota ilustra a estrutura da personalidade "feliz" levada a sua conclusão lógica: Um jovem chegou à sua casa um dia e disse à mãe: "Estou tão feliz! Acabo de ser promovido!" A mãe o congratulou e, quando abriu a garrafa de vinho que estava guardando para esta ocasião, ela perguntou qual era a nova colocação dele. "Esta manhã", disse o jovem, "eu era apenas um guarda no campo de concentração, mas esta noite serei o novo comandante!" "Muito bem, meu filho", disse sua mãe. "Veja como o eduquei!" Neste caso, como no caso do jovem médico, o Pai, o Adulto e a Criança estavam, todos interessados e gratificados por sua carreira, de modo que ele encontrou os requisitos para a "felicidade". Ele preencheu as ambições de sua mãe em relação a ele com racionalização patriótica, enquanto obtinha a satisfação para seu sadismo arcaico. À luz

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desse fato, não é de surpreender que, na vida real, muitas dessas pessoas possam apreciar boa música e literatura em suas horas de lazer. Este exemplo desagradável suscita algumas questões sérias sobre certas atitudes ingênuas acerca da relação entre a felicidade, a virtude e a utilidade, incluindo o aspecto grego da "boa mão-de-obra". (3) Também é uma ilustração eficaz para as pessoas que querem saber "como educar seus filhos", mas não podem especificar claramente para que elas querem educá-las. Não basta o desejo de educálas a fim de que sejam "felizes". Outro tipo de personalidade "normal" pode ser descrito estruturalmente: o da pessoa "bem organizada". Nesses termos, bem organizada é a pessoa que tem fronteiras do ego bastante definidas, mas não impermeáveis. Ela pode estar sujeita a graves conflitos internos, mas é capaz de distinguir Pai, Adulto e Criança, de maneira que cada um seja capaz de funcionar de um modo relativamente estável. (Distinção é um termo mais saudável e menos categórico que exclusão). Um professor escocês, com excelente histórico profissional, bebeu um quarto de litro de uísque quase todas as noites durante 30 anos, embora toda manhã chegasse à escola na hora certa e trabalhasse bem. Ele era capaz de segregar seu Adulto completamente durante o dia de trabalho, de modo que o fato de ele beber permaneceu mais ou menos secreto através de gerações de alunos afáveis. Em casa, o Adulto era desautorizado e sua Criança assumia enquanto bebia. Seu Pai permaneceu com catexia fraca através de todos esses anos, mas, durante uma certa fase de sua vida, este aspecto assumiu o comando de maneira tão absoluta quanto a Criança se acostumara a fazer. Durante este período ele não bebeu uma única gota, até ninguém sabe quando. Mas tornou-se um terror para seus alunos, porque eles agora se confrontavam não com o Adulto, mas com o seu Pai. Por causa da desaprovação do Pai em relação ao fato de ele beber, este homem não foi feliz durante seus anos de uísque, mas era bem organizado. O conceito de "maturidade" tem uma conotação especial na análise estrutural. Desde que se admita que todas as pessoas, em bom estado clínico, têm um Adulto completamente formado, não se pode falar em "pessoa imatura". Há pessoas cuja Criança tem o poder de comando, de modo que seu comportamento é o de um indivíduo que ainda não alcançou a maturidade; mas, desautorizado ou não, o Adulto em tais indivíduos pode ser desenvolvidos através de intervenções terapêuticas, e então seu comportamento torna-se "maduro", como no caso de Mrs. Primus. Assim, o comportamento pode ser "imaturo", mas um indivíduo (possivelmente bloqueado por um defeito orgânico de desenvolvimento) jamais o será. Um rádio desligado não pode tocar, entretanto, a sua potencialidade é total e esta pode ser ativada ligando-se a tomada. Não é correto para um paciente supor, pelo fato de não haver música no consultório durante a entrevista, que o médico não tenha rádio ou que possua apenas um rádio quebrado. Na experiência do autor, não somente os neuróticos têm um Adulto bem formado, mas também cada pessoa com problema mental, cada esquizofrênico crônico e cada psicopata "imaturo". O problema não está no fato de a pessoa "ser" imatura, mas sim em que é difícil encontrar um modo de fazer com que o Adulto fique "ligado". Por causa da infeliz semântica das palavras "maduro" e "imaturo" neste país,* a melhor política é cancelá-las do vocabulário clínico. Atualmente, apenas os biólogos as *

O autor refere-se aos E.U.A. (NT)

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usam de uma forma Adulta objetiva: no restante da população, o Pai parece ter preenchido esses termos para aumentar seu próprio vocabulário.

REFERÊNCIAS 1.

Derrick, R. A., A History of Fiji. Printing & Stationery Dept., Suva, 2ª ed. Ver., 1950.

2.

Cohen, Elie, A., Human Behavior in the Concetration Camp. W.W. Norton & Company, Nova York,

3.

Verifique o que Platão, Aristóteles e Kant dizem da felicidade, passim.

4.

Dement, W., "The Effect os Dream Deprivation", Science 131: 1705-1707, 1960.

1953.

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6. SINTOMATOLOGIA

Mais uma vez é desejável que tenhamos, de início, uma visão geral do assunto, a fim de compreendermos melhor os fenômenos especiais neste campo. Os diagramas estruturais, que são necessariamente desenhados em duas dimensões, representariam melhor a situação se fossem tridimensionais; ou mesmo, para que pudessem tornar-se clinicamente inteligíveis, tivessem quatro dimensões. Entretanto, há aspectos suficientes para nos fazer pensar em duas dimensões. O Pai foi colocado no topo e a Criança embaixo, intuitivamente. Esta intuição teve boas origens morais. O Pai é o guia das aspirações éticas e voracidades empíricas; e a Criança é o purgatório, e, às vezes, um inferno, para as tendências arcaicas. Este é um modo de pensar que surgiu naturalmente em todas as épocas e nações. Freud prefaciou seu livro sobre interpretação de sonhos com uma citação retirada de Virgílio: “Se eu não posso curvar os deuses do céu, deslocarei o inferno”. Esta hierarquia moral é reforçada por seu significado clínico. O Pai é o membro mais fraco, o Adulto é desautorizado com menor facilidade e a Criança parece quase infatigável. Sob a influência do álcool, por exemplo, o Pai é o primeiro a ser anestesiado, de modo permitir que a Criança, reprimida ou inibida, passe a expressar-se de maneira mais flutuante ou livre, suscetível de levar socialmente a crescentes satisfações ou insatisfações. Em seguida vai o Adulto, e assim as técnicas sociais e os julgamentos objetivos da realidade física começam a desvanecer-se. É somente com a dose mais forte que a Criança desvencilhada, confundida por sua própria liberdade, começa a surgir conforme o inconsciente intervém. O ditado segundo o qual as pessoas revelam seu verdadeiro eu quando estão bebendo significa que a Criança adaptada, que ouve os ditames do Pai e do Adulto, dá lugar à Criança natural, à medida que os níveis superiores de funcionamento vão desaparecendo. Após o efeito da anestesia, a ordem pode, com maior ou menor clareza, ser invertida, de acordo com o princípio de ortriogênese de Federn. (1) Admitindo-se certas complexibilidade e idiossincrasias, a situação é semelhante no adormecer. O ser moral da vigília dá lugar, no estado hipnótico, a um sonhador amoral, mas prático. Em vez de pensar no que ele deveria fazer ética, prática e prazerosamente, o sonhador começa a pensar no que gostaria de fazer, sem se importar com problemas morais, mas mantendo sua imaginação próxima a realidades possíveis. Quando vem o sono, não somente a ética e a proibição mas também o mundo objetivo da realidade com suas possibilidades físicas e sociais limitadas caem no esquecimento, de modo que a Criança fica relativamente livre para prosseguir no seu caminho mágico de sonhos. Na verdade, certas relíquias do funcionamento do Pai e do Adulto podem estar evidentes mesmo antes da elaboração secundária, (2) mas sua ocorrência não viola o princípio hierárquico. Elas se devem à presença, na própria criança, de influências parentais arcaicas e da consciência da realidade. Isto era o que diferencia formalmente o fenômeno do estado do ego Criança do conceito Id. A Criança significa um estado da mente organizado que existe ou realmente já

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existiu, enquanto Freud descreve o Id como “um caos, um caldeirão fervente de excitação, sem organização e sem vontade unificada”. (3) Sintomas são exibições de um único estado do ego definido ativo ou excluído, embora eles possam resultar de conflitos, combinações, contaminações entre diferentes estados do ego. A primeira tarefa sintomática na análise estrutural, portanto, é decidir qual estado do ego está realmente exibindo o sintoma. Em alguns casos, isto é simples, em outros, é necessário um alto grau de perspicácia e de experiência em diagnósticos. A atitude irritável de Mr. Troy com relação à impetuosidade imitava a de seu pai, e era claramente Parental. O pedantismo do Dr. Quint e a mania de fazer segredo de Miss Ogden requerem um estudo mais cuidadoso. O resultado da desautorização do Pai de Mr. Troy foi o comportamento de beber muito e de impulsão, ambos manifestados da Criança, como o eram os acessos de raiva do Dr. Quint, e a ansiedade somática de Miss Ogden em face de uma ameaça. Isto significa que certos aspectos “caracteriológicos” em cada caso eram exibições de um estado do ego, enquanto certas manifestações “sintomáticas” eram exibições de outro. Tendo em mente estes princípios, deveria ser possível analisar os sintomas psiquiátricos em termos estruturais, incluindo os que exigem a atividade simultânea de dois estados do ego. Alucinações são geralmente exibições do Pai, conforme exemplificam as vozes ouvidas por Mrs. Primus. Dois dos tipos mais comuns de alucinações são palavras obscena e a determinação fatal. Tanto a acusação “você é um homossexual” como a ordem “você deve matá-lo!” podem seguramente ser vistas como memórias revividas e não distorcidas de elocuções parentais. Enquanto a voz em si emana do Pai, a audiência provém da Criança e, às vezes, também do Adulto contaminado. Em estados de confusão, tanto os que significam o início de um episódio de esquizofrenia aguda ou um pânico homossexual, quanto os provocados por tóxicos, o Adulto é desautorizado e a Criança, amedrontada, fica sozinha para ouvir. Em algumas condições paranóides, o Adulto ativo, mas contaminado, concorda com a Criança que a voz realmente está lá. Nos casos mais raros, onde a voz é a da Criança, é novamente o Adulto contaminado que concorda que a voz lá está realmente. Isso pode ser esclarecido pela Figura 6A, em que existem somente três estados do ego, mas quatro regiões. Se o “Eu real”, em um dado momento, é o Adulto, então as vozes que emanam ou da Criança ou do Pai podem ser percebidas como vindas de fora da personalidade, caso elas sejam processadas pela área contaminada. O teste de realidade nesta região é falho, porque a área é vivenciada como pertencente ao Adulto, enquanto, na realidade, é uma intromissão da Criança irreal. Com o auxílio topológico adequado, esta é uma situação bastante plausível, do ponto de vista neurológico. Se as verbalizações forem processadas pela área clara do Adulto, então elas serão percebidas não como alucinações, mas como “a voz da consciência” ou como “recordações infantis”, e serão reconhecidas como fenômenos internos. Nesta hipótese, alguma outra coisa será processada pela área falha, resultando em algum outro tipo de psicopatologia. Ilusões são, geralmente, exibições da criança, mas elas surgem da área contaminada da Figura 6A, contida dentro do limite do ego Adulto. Portanto, elas são sintônicas do ego Adulto, e isto significa que o teste de realidade não pode ocorrer, a menos e até que a 41

fronteira entre o Adulto e a Criança possa ser realinhada, como na Figura 6B, caso em que as ilusões se tornam distônicas do ego Adulto e não serão por muito tempo mais vivenciadas como ilusões, e sim como idéias estranhas, enquanto o Adulto ainda permanece como “Eu real”. O Adulto, então, com efeito, diz: “Parte de mim pensa que é assim, mas eu acho que seja assim”. Mas, se o Adulto ficasse desautorizado e a Criança tornar-se o “Eu real”, novamente o indivíduo dirá: “Eu acho que é realmente assim”, uma vez que a idéia não é agora sintônica com o “Eu real”. No caso de Mr. Troy, cujo era o “Eu real”, os derivativos do que eu tinha sido ilusões durante seu estado psicótico (porque, então, a Criança era o “Eu real”) eram veementemente repudiados de um modo parental típico, como “idéias tolas e imbecis”, com sua implicação paternal usual de “mate o pequeno bastardo que tem maus pensamentos”. Os limites do ego parecem funcionar como membranas complexas de permeabilidade altamente seletiva. Lesões dos limites entre o Adulto e a Criança podem dar origem a qualquer grupo especial de sintomas, os quais podem ser chamados “sintomas de fronteira”: sentimento de irrealidade, estranheza, despersonalização, jamais vu, déjà vu, e seus análogos, como o famigerado déjá raconté. Sua malignidade, como a de outros sintomas, depende da distribuição da catexia livre. Se o Adulto for o “Eu real, esta série de sintomas pertence, pelo menos pela duração, à “psicopatologia da vida cotidiana”; se a Criança for o “Eu real”, ela se torna parte do arranjo psicótico. Em qualquer caso, são patognomônicos de lesões de fronteira, que variam desde leves e benignas até malignas e intratáveis. O paciente que ouve cuidadosamente o médico e depois diz: “Mas por que eu deveria ouvi-lo, já que você não existe?” – está manifestando uma extrema perda do senso de realidade. Aqui, o da fronteira do ego Adulto-Criança. Portanto, o processamento de dados neopsíquicos, que ainda pode ser eficiente, não pode influenciar a Criança.

A Criança trata o Adulto como se este não existisse e o sentimento de irrealidade do mundo exterior é um derivativo secundário desta situação. Esta hipótese é provada em tais casos, se descobre que o paciente como uma criança real corta sua comunicação com as pessoas que o rodeiam. Agora, o Adulto ouve e compreende perfeitamente bem o que o médico diz, mas a Criança não é influenciada pela informação obtida pelo Adulto e, 42

portanto, se sente justificada ao dizer que não existe tal informação, isto é, que o médico não existe. Portanto, os apelos à razão em tais casos, embora bem recebidos pelo Adulto, geralmente não podem alterar a opinião da Criança, que se isolou. Curiosamente, a estrutura do alheamento é idêntica à do insight. Aqui, o mundo externo perde seu significado anterior, devido à exclusão da Criança pelo Adulto. O processamento de dados arcaicos da Criança é interrompido e o Adulto sente a perda como uma alienação. Assim, como sentimentos de irrealidade, a Criança é o “Eu real”, e com sentimentos de alheamento o “Eu real” é Adulto; os dois tipos de sentimentos se devem a uma esclerose funcional da fronteira intermediária. O insight, no processo de psicoterapia, surge quando Adulto é descontaminado e se restabelece o limite adequado entre ele e a Criança. Então, tanto o alheamento quanto o insight baseiam-se num reforço da fronteira Adulto-Criança, com o Adulto como “Eu real”, mas no primeiro caso o reforço é patológico e no último, é o restabelecimento de processos normais. (O insight pode referir-se à fronteira Pai-Adulto, mas não nos ateremos a esta hipótese por ora.) A exclusão da Criança no alheamento foi demonstrada por Mr. Ennat, um biólogo de 24 anos, solteiro. Ele se queixava de que um dia, quando estava caçando, subitamente tudo lhe pareceu sem sentido, e continuou assim desde então. Ele prosseguia na engrenagem de sua rotina diária sem qualquer incentivo ou gratificação conscientes. Seu Adulto buscava explicação e alívio por meios intelectuais. Ele começou a especular sobre as origens do universo, da vida e de si mesmo em termos filosóficos. Sua escolha da profissão, naturalmente, desde o início se dirigia para a resposta a essas questões, e parecia ter sido motivada pela curiosidade sexual infantil. Aparentemente, sua vida monástica tinha provocado um emaranhado de tensão sexual na Criança. A sexualidade da Criança se orientava em torno do sadismo, e esta não era uma situação saudável. Ao mesmo tempo, a raiva da Criança contra seu pai crescia em intensidade. Sua solução para ambas as tensões era a exclusão da Criança, e por ela Mr. Ennat estava pagando um preço penoso. Embora sentisse que para ele nada tinha sentido (isto é, para seu Adulto), era evidente que a Criança ainda se encontrava repleta, atribuindo significado ao que o rodeava. De tempos em tempos, quando alguém do grupo lhe fazia uma pergunta sobre seus sentimentos, ele batia o pulso violentamente na coxa e gritava: “Eu não sei por que me sinto assim!” Ele (isto é, seu “Eu real” Adulto) não estava consciente de que estava batendo o pulso na coxa, e expressou grande e convincente surpresa quando isto lhe foi apontado. A pesquisa indicava que seu gesto era uma relíquia relacionada com suas aventuras durante o primeiro treino de toalete. Assim, enquanto o Adulto não via sentido no que ocorria ao seu redor, a sua Criança achava os mesmos eventos plenos de significado. O sentimento de alheamento se devia ao fato de que não havia nenhuma comunicação entre a arqueopsique e o neopsique. Na despersonalização, os estímulos somáticos podem ser processados de um modo verdadeiro, mas distorcido, pela Criança confusa. Estas distorções, no entanto, são incompreensíveis para o Adulto, porque elas permanecem distônicas do ego Adulto. Se elas se tornam sintônicas do ego Adulto, então são transformadas de sentimentos de despersonalização em ilusões de mudança corporal, o que significa que o Adulto ajuda a Criança através da racionalização das supostas mudanças. Os protestos contra os “sentimentos” são manifestações Adultas, enquanto as “ilusões” são exibições da Criança. A imagem somática distorcida não é um fenômeno novo, mas permanece oculto desde a 43

infância, até que uma lesão da fronteira Adulto-Criança do ego permitia que ela escoe para dentro da área neopsíquica, onde causa confusão. A demonstração desta hipótese está em encontrar, na fase precursora, a indicação de uma pequena ruptura cujos efeitos se localizam permanente ou temporariamente pelas medidas defensivas. Os sintomas examinados até agora – alucinações, ilusões e sintomas de fronteiras – são todos caráter esquizóide. Na hipomania há uma exclusão do Pai pela Criança com a cooperação de um Adulto contaminado, de modo que o julgamento neopsíquico, embora enfraquecido, ainda tem influência. Se surgir a mania, então o Adulto, assim como o Pai, tem seu poder aumentado pela Criança hipercatexizada, que, assim, tem um campo claro para sua própria atividade frenética. A exclusão, no entanto, é como um espelho unilateral: o Pai ultrajado, mas temporariamente incapacitado, pode observar tudo que está ocorrendo. A Criança leva vantagem com o desamparo do Pai, mas está bem ciente de que está sendo observada. Daí as ilusões de referência e registro. Se chegar o dia do ajuste de contas, este poderá ser terrível. Depois que a criança estiver exausta, o Pai pode tornar-se igualmente hipercatexizado e exigir sua revanche. Não há contradição entre os aspectos estruturais da psicose maníaco-depressiva e a teoria psicanalítica. (4) A psicanálise lida com mecanismos genéticos, enquanto a análise estrutural se relaciona com a catexia de precipitados antropomórficos: as relíquias do bebê que um dia existiu realmente, numa luta com as relíquias dos pais que também existiram concretamente um dia. A luta aqui é descrita em termos antropomórficos justamente por conservar a sua qualidade pessoal: não é uma batalha entre forças conceituais abstratas, e sim uma réplica das brigas reais da infância pela sobrevivência entre pessoas reais. Pelo menos este é o modo como o paciente a vivencia. Os sintomas neuróticos, como os psicóticos, são exibições de um único estado do ego definido, embora eles possam resultar de conversão é uma exibição da Criança, que é excluída do Adulto por uma forma seletiva especial de exclusão conhecida como repressão. Isto pode capacitar o Adulto a iniciar sua atividade com um duplo estado de ânimo. A terapia consiste em derrubar a barreira de modo que a Criança e o terapeuta possam conversar na presença do Adulto ativo. Se o terapeuta se deixar seduzir pela Criança e desautorizar o Adulto pelo uso de drogas e hipnose, poderá passar uma hora divertida junto com o paciente, mas o resultado terapêutico dependerá da atitude definitiva do Adulto e do Pai em relação a este procedimento, que, por sua vez, depende da habilidade do terapeuta. As desordens de caráter e as psicopatias são manifestações da Criança. Estruturalmente, ambas têm a cooperação do Adulto. A presença ou a ausência de remorso é que mostram se o Pai está em conflito ou de acordo. As neuroses de impulso, que podem envolver transações aparentemente semelhantes e ter os mesmo efeitos sociais, são estruturalmente diferentes, sendo erupções da Criança sem a cooperação nem do Adulto nem do Pai.

REFERÊNCIAS 1.

Federn, P., loc. cit.

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2.

Freud, S. The Interpretation of Dreams. MacMillan Company, Nova York, 4.ª edição, 1945, p. 389 ss.

3.

Idem. New Introductory Lectures on Psycho-Analysis. W. W. Norton & Company, Nova York, 1933,

p. 104. 4. Cap. XVII.

Fenichel, O. The Psychoanalytic Theory of Neurosis, W. W. Norton & Company, Nova York, 1945,

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7. DIAGNÓSTICO

1.

PREDISPOSICÕES PARA A APRENDIZAGEM

Embora Mr. Ennat, o jovem biólogo, batesse seu pulso sobre a coxa três ou quatro vezes durante cada encontro de grupo, o terapeuta deixou que este fenômeno passasse despercebido por várias semanas. Despercebido, isto é, por seu Adulto, que pode ter estado preocupado com o conteúdo do que Mr. Ennat estava falando; ou talvez o gesto lhe parecesse tão característico de Mr. Ennat que fora descuidadamente negligenciado como um “hábito” ou uma irrelevância, uma mera trivialidade na Gestalt da sua personalidade contínua. Mas, evidentemente, a Criança do terapeuta estava mais alerta, em certas ocasiões, depois que Mr. Ennat repetira o gesto, gritando, em resposta a uma questão de algum membro do grupo: “Eu não sei por que faço isso!” O doutor perguntou: “Você alguma vez molhou a cama quando era pequeno?” Mr. Ennat chocou-se com a pergunta, e respondeu que sim. O doutor perguntou se seus pais alguma vez tinham dito algo a respeito. Mr. Ennat confirmou, dizendo que eles costumavam pergunta-lhe vergonhosamente por que o fazia. “E o que você dizia?” – perguntou o doutor. Eu costumava dizer: “Eu não sei por que faço isso!” – respondeu Mr. Ennat, batendo em sua coxa. Foi neste ponto que Mr. Ennat ficou surpreso ao verificar que habitualmente batia na coxa desde que viera para o grupo. Esta anedota ilustra a tarefa do terapeuta ao diagnosticar estados do ego. Seu Adulto deveria ter notado rapidamente, e geralmente o fazia, erupções ocultas de outros estados do ego latentes em gestos e entonações desnecessários e geralmente inconscientes. Este tipo de alerta fazia parte de seu equipamento profissional como diagnosticador. Conseqüentemente o levou a perceber que os gestos de Mr. Ennat representavam uma atividade espasmódica da parte Criança do terapeuta, intuitiva e subconscientemente (1) – e não deliberada e consciente como seu Adulto – foi capaz de perceber adequadamente as conexões instintivas do gesto (2) e sua origem na infância de Mr. Ennat. A diagnose de estados do ego é uma questão de acuidade de observação mais sensibilidade intuitiva. A primeira é passível de aprendizagem, enquanto a última apenas pode ser cultivada. A habilidade para este tipo de diagnose, no entanto, não depende nem de treinamento profissional nem de nível intelectual, mas sim de fatores psicodinâmicos. Os que não têm medo de saber, mesmo quando não sabem como sabem, terão sucesso, enquanto as pessoas que têm medo de cognição sem insight (2) o farão mal. Mr. Dix, cujo Q.I. na Escala Bellevue-Wechsler foi entre 85 e 90 em dois testes espaçados de um ano, tornou-se particularmente habilidoso e acurado em diagnosticar os estados do ego de seus companheiros pacientes. Recém-chegados ao grupo inicialmente 46

tendiam a tratá-lo e de um modo protetor, devido à sua aparente ingenuidade e à sua inaptidão e limitações verbais. Esta atitude tendeu a ser substituída por piedade e consideração quando eles descobriram que Mr. Dix não só era limitado em inteligência, mas também ainda um pouco confuso por sua esquizofrenia, em regressão. Entretanto, com o conhecimento posterior, havia a mudança radical para uma atitude respeitosa, ao se impressionarem com a perspicácia de Mr. Dix em diagnosticar corretamente o que eles estavam fazendo no grupo. Logo eles pararam de tratá-lo como um frágil artigo de vidro e não hesitaram por muito tempo em discutir com ele como se fosse um ser humano comum. Acredita-se que a falta de insight para diagnosticar, após uma exposição adequada, deriva de resistências e não de incapacidade. O Dr. Endicott era um médico clínico inteligente e cheio de sucesso que sofria sintomas somáticos. No grupo, ele tendia a assumir o papel de co-terapeuta, empregando a terminologia padrão e a teoria psicológica que aprendera na Escola de Medicina. Ele discutiu a sarcasticamente. Nada que o grupo pudesse fazer o levaria a examinar-se com mais cuidado. Quanto maior a pressão dos outros membros menos bem-educados, mais polissilábicas eram suas réplicas. Uma ocasião, ele sucumbiu ante a pressão dessas pessoas “inferiores” e saiu da sala. Quando retornou, duas sessões depois, ele ainda era seu Eu antigo. Ele precisava ser parental de uma forma médica pseudo-adulta, a fim de excluir sua Criança amedrontada. (Seu pai também tendia a ser arrogante.) Em resumo, ele exibia o mesmo tipo de resistência contra a análise estrutural de Mr. Troy, mas detinha armas mais poderosas. Infelizmente, o terapeuta foi incapaz de jogar seu jogo intelectual de “Psiquiatria”, que poderia ter feito Dr. Endicott sentir-se temporariamente mais seguro. Já que seu colega relutava em levá-lo a sério, ele tinha de ser sacrificado pela segurança dos outros membros, cuja força os tornou intoleráveis para ele. Ele se recusou a admitir a terapia individual, que poderia ter sido usada no intuito de prepará-lo para assumir seu lugar no grupo. Por fim, ele se retirou da psicoterapia e imediatamente procurou obter um tratamento cirúrgico. Do ponto de vista intelectual, ele era perfeitamente competente para compreender a análise estrutural, mas preferiu sacrificar suas vísceras em lugar de suas resistências. Esta foi uma das primeiras falhas da análise puramente estrutural, antes do surgimento da análise transacional. Mr. Dix e Dr. Endicott representam casos extremos. Em geral, é a atitude da Criança para com o terapeuta ou o professor – e para com os primeiros terapeutas ou professores (o que é, em parte, conhecido sob o termo “transferência” em linguagem psicanalista) – que determina a capacidade limite de diagnóstico do paciente ou aluno, sendo iguais às outras resistências. Os pacientes que passaram anteriormente por psicanálise ou terapia psicanalítica assumem prontamente a análise estrutural com habilidosa manipulação. Certos tipos de médicos como o Dr. Endicott ou de psicólogos como o Dr. Quint, que têm razões para se defender contra qualquer tipo de psiquiatria analítica, não atuam bem. Mas médicos e psicólogos clínicos que disponham de recursos psicodinâmicos para se interessarem atuam muito bem como pacientes, pois estão acostumados a pensar em termos diagnósticos e psicológicos. Os mais interessantes são os estudantes que tiveram psicanálise pessoal ou treinamento psicanalítico. Por razões existenciais, ou pelo fato de eles terem se comprometido com a abordagem psicanalítica; ou porque talvez sintam que suas carreiras 47

dependem da ortodoxia psicanalítica; ou por causa das assim chamadas “necessidades de dependência”, mas facilmente encontradas por estarem bem com seus grupos psicanalíticos locais, às vezes lhes é muito difícil voltar seus poderes de diagnóstico para observação de estados do ego totais, e não para manifestações isoladas do superego, ego, id ou consciência e inconsciente. Neste sentido, a psicanálise pode ser considerada um obstáculo para a análise transacional. (E também para a terapia de grupo, já que hoje não existem dúvidas de que aí a análise transacional é o método a escolher. Poucos psicanalistas ortodoxos defendem a possibilidade de psicanalisar, no sentido formal da palavra, um grupo ou um individuo num grupo. Na verdade, é exatamente este motivo que leva muitos deles a encararem o que os terapeutas de grupo têm a dizer com alguns ceticismos.(3) Entretanto, é fácil compreender a dificuldade que alguns terapeutas psicanalíticos jovens sentem em tocar o quadro de referência que usam ao lidar com pacientes individuais por um quadro novo, quando se confrontam com um grupo). É claro que para residentes de primeiro ano aprendizes, é bastante confuso, algumas vezes, tentar aprender dois sistemas ao mesmo tempo.

2.

CRITÉRIOS DE DIAGNÓTICO

As características do estado do ego Parental podem ser estudadas em encontros de psicoterapia orientados pela análise estrutural (PTA), tanto num auditório de escola como num canto da sala de visitas, durante um coquetel. As características do Adulto são vistas com mais clareza num encontro científico. As da Criança podem ser observadas na escola maternal ou através da leitura dos trabalhos de Piaget.(4) Os estados do ego manifestam-se clinicamente de duas formas: ou como estados da mente coerente completamente catexizados, vivenciados como “Eu real”; ou como penetrações, geralmente ocultas ou inconscientes, na atividade do “Eu real” atual. Um exemplo da primeira é o estado do ego Parental de Mr. Ennat, que constituía uma penetração inconsciente da Criança em estado do ego Adulto. Contaminações representam inclusões padronizadas de um estado do ego em outro, como no caso do filho de missionário cujo Pai penetrou em seu Adulto; ou, em terminologia funcional, cujo ego neopsíquico foi contaminado por um estado do ego exteropsíquico; como outra alternativa, poder-se-ia postular um mecanismo neurofisiológico que respondesse pelos fenômenos observados. Já que determinado estado do ego compreende o comportamento e a experiência total do indivíduo num dado momento, um estado do ego ativo puro de um tipo ou de outro exercia uma influência características em cada um e em todos os elementos do comportamento e da experiência. De modo semelhante, a penetração de um único elemento ou de um conjunto de elementos de um estado do ego latente em um ativo deveria carregar as características do estado do ego que penetra. São estas características que formam os critérios de diagnósticos entre estados do ego e agora deve estar claro que elas são suscetíveis de manifestações em qualquer ato, atitude ou modo de viver. Portanto, os critérios de diagnósticos podem ser procurados em qualquer campo do comportamento involuntário, voluntário ou social, ou ainda detectados por introspecção em qualquer 48

experiência. O terapeuta se preocupa, em primeiro lugar, com os aspectos comportamentais, uma vez que os experimentais lhe são inacessíveis até que o paciente tenha sido educado. Na prática, ele lida principalmente com o paciente que está sentado ou deitado, de modo que a conduta e a postura não estão de imediato disponíveis como indicadores. Conduta – A severa rigidez parental, às vezes com o dedo em riste, e a graciosa flexão de pescoço da mãe logo se tornaram familiares como atitudes Parentais. A concentração circunspecta, freqüentemente com os lábios franzidos ou as narinas levemente dilatadas, são tipicamente de Adulto. A inclinação da cabeça, significando timidez, ou o sorriso que acompanha essa atitude e a transforma em delicadeza são manifestações da Criança. Também pertencem à Criança os sinais de aversão e a fisionomia de mau humor, que o aborrecimento do Pai pode transformar em uma risada relutante e desgostosa. A referência a experiências com os pais, estudantes e crianças pequenas revelará outras atitudes características pertinentes a cada tipo de estado do ego. Um exercício interessante e instrutivo é examinar o texto e especialmente as fotogravuras de um livro de Darwin sobre expressão emocional, (5) com a análise estrutural em mente. Gestos – A origem exteropsíquica do gesto proibitivo é estabelecida quando seu protótipo pode ser localizado entre as figuras parentais na história do paciente. O gesto referencial é geralmente visto como autônomo do Adulto, seja ele um profissional conversando com um colega ou cliente, um chefe instruindo um trabalhador, ou um professor atendendo a um aluno. O gesto de desprezo, quando pragmaticamente inapropriado, é uma manifestação da Criança. As variações não muito sutis podem ser facilmente diagnosticadas por intuição. O gesto indicativo, por exemplo, às vezes acompanha ou uma exortação feita pelo Pai ou uma acusação queixosa feita pela Criança apelando como que a uma figura Parental. Voz – É comum as pessoas apresentarem duas vozes, cada qual com uma entonação diferente, embora no trabalho individual ou de grupo uma ou outra possam ser reprimidas durante longos períodos. Por exemplo, alguém que se apresenta no grupo como “pobrezinho de mim” pode deixar de revelar durante muitos meses a voz oculta da ira Parental (talvez a voz de uma mãe alcoólatra); ou talvez seja necessária uma forte tensão em grupo para que a voz de “trabalhador sensato” de determinado paciente falhe, para ser substituída pela voz de sua Criança amedrontada. Entretanto, as pessoas em casa podem estar bastante habituadas à dicotomia da entonação. Também não é muito raro encontrar indivíduos que tenham três vozes diferentes. Assim, no grupo, pode-se, literalmente, encontrar a voz do Pai, a do Adulto e a da Criança, todas vindas do mesmo indivíduo. Quando a voz muda, em geral não é difícil detectar outras evidências da mudança de estado do ego. Isto é mais dramaticamente ilustrado quando o “pobrezinho de mim” é subitamente substituído pelo fac-símile de sua mãe ou avó enraivecida. Vocabulário – o terapeuta pode funcionar como um inteligente conhecedor de lingüística no país onde reside: pelo menos inteligente o suficiente para distinguir certas palavras e frases características, que são patognomônicas de cada estado do ego. O exemplo mais pertinente no E.U.A. é a distinção entre childish, que é invariavelmente uma palavra parental, e child-like, que é uma palavra Adulta se usada espontaneamente, como em geral o é por psicólogos do desenvolvimento e biólogos. Ela pode ser pseudo-Adulta, no entanto, quando empregada por pacientes empenhados no jogo chamado “Psiquiatria”. 49

As palavras parentais típicas são: bonitinho, filhinho, desobediente, baixo, vulgar, odioso, ridículo e muitos de seus sinônimos. As palavras Adultas são: destruidor, apto, parcimonioso, desejável. Juramentos, exclamações e apelidos são geralmente manifestações da Criança. Os substantivos e verbos são intrinsecamente Adultos, desde que se refiram, sem prejuízo, distorção ou exagero, à realidade objetiva, mas podem ser empregados também pelo Pai ou pela Criança, para atingirem seus próprios objetivos. A diagnose da palavra “bom” é um exercício simples e gratificante de intuição. Com um B maiúsculo implícito, ela é Parental. Quando sua aplicação é realisticamente defensável, é Adulta. Quando denota uma gratificação instintiva, e é na essência uma exclamação, ela vem da Criança, sendo, então, um sinônimo educado de algo como “Mmmmm!”. Ela é um indicador especialmente comum de contaminação e de prejuízos Parentais não expressos que são racionalizados como Adultos. Isto é, a palavra é dita como se tivesse b minúsculo, mas a confrontação pode revelar que fenomenologicamente ela carregava um B maiúsculo. A pessoa que a verbaliza pode ficar zangada, defensiva ou ansiosa diante da confrontação, ou dispor de uma evidência, na melhor das hipóteses, inconsistente e falha. Um fenômeno interessante é o uso do advérbio sentimental hiperbólico que, por alguma razão ainda não muito clara (para o autor), ocorre com mais proeminência entre pessoas com fantasias abertamente sádicas. Um paciente interrompia ocasionalmente seu “relato matutino” pra frisar, com lágrimas sentimentais na voz: “Mas eu sou tão tremendamente feliz!” ou “Sou maravilhosamente popular agora!”. Quando o terapeuta inquiriu: “Quem lhe perguntou se você é popular agora?”, ele respondeu: “Ninguém. Mas este é um ponto interessante. Quem me perguntou? Deve ter sido meu Pai”. Seus pais, de fato, tinham-lhe ensinado a ser sentimentalmente agradecido por suas graças, a pensar quão feliz era, em comparação como os armênios morrendo de fome, o menino que andava de muletas e assim por diante. Em outras épocas, em lugar de interromper sua fluência como que para responder a uma pergunta proveniente de um questionador inaudível, sua Criança deixava escapar uma palavra “no caso de alguém (isto é, seu Pai) poder estar ouvindo”, embora nenhuma pergunta não ouvida houvesse. Ele poderia dizer: “A mulher estava enormemente agradecida – quero dizer, ela estava realmente bastante grata”. Aqui a Criança deixou escapar a palavra “enormemente” e o Adulto corrigiu a hipérbole espontaneamente, já que sua vida profissional ele não era dado a exageros. (Um de seus primeiros sonhos era conseguir tocar uma enorme mangueira de incêndio para que pudesse sentir “o grande jato”.) As categorias e exemplos acima são oferecidos meramente como ilustrações. Há um número muito grande de padrões de comportamento acessíveis aos ser humano. Antropólogos têm compilado longas listas de atitudes.(6) Os que se dedicam ao estudo dos gestos estimam que se podem produzir aproximadamente 700 mil gestos elementares distintos, por diferentes combinações musculares.(7) Há uma quantidade de variações em timbre, altura, intensidade e alcance de vocalização suficiente para ocupar a atenção de escolas inteiras de alunos e professores. Os problemas de vocabulário são tão complexos que são divididos entre várias disciplinas. E existem apenas quatro categorias dos quase inumeráveis tipos de indicadores disponíveis ao diagnosticador estrutural. O único método prático para o pesquisador sério é a observação: observar pais agindo dentro de sua capacidade como pais; adultos agindo em sua capacidade como processadores de dados e

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cidadãos compenetrados e responsáveis; e criança agindo como crianças: mamando, no berço, na escola maternal, no banheiro, na cozinha, na sala de aula e no pátio. Depois de cultivar, o seu poder de observação de intuição, o terapeuta poderá aplicar o que tiver aprendido, para o benefício clínico de seus pacientes.

3.

O DIAGNÓSTICO COMPLETO – UM RESUMO

A discussão heurística da análise estrutural chega agora a uma conclusão. Antes de passar para o campo da psiquiatria social, é aconselhável sumarizarmos e reafirmarmos alguns dos princípios envolvidos. Há três tipos de estados do ego: Pai, Adulto e Criança, que são manifestações dos órgãos psíquicos correspondentes – exteropsique, neopsique, e arqueopsique - ou neles residem. As propriedades significativas desses órgãos são as seguintes: 1. Poder de comando: cada um dá origem a seus próprios padrões idiossincrático de comportamento organizado, o que traz para dentro do campo da psicofisiologia e da psicopatologia e, no final das contas, da neurofisiologia. 2. Adaptabilidade: cada um é capaz de adaptar suas responsabilidades comportamentais à situação social imediata em que o próprio indivíduo se encontra, e isto os mantém no reino das ciências “sociais”. 3. Fluidez biológica: neste sentido, as respostas são modificadas como resultado do crescimento natural e de experiências prévias, o que levanta questões históricas que são do âmbito da psicanálise. 4. Mentalidade: sob este aspecto, eles mediam os fenômenos da experiência e, portanto, são do interesse da psicologia, particularmente da psicologia introspectiva, fenomenológica, estrutural e existencial. O diagnóstico completo de um estado do ego exige que os quatro aspectos acima referidos estejam disponíveis para consideração, e a validade final de tal diagnóstico só será estabelecida quando todos eles tiverem sido correlacionados. A diagnose tende a obedecer clinicamente à ordem fornecida. A. Um estado do ego Parental é um conjunto de sentimentos, atitudes, padrões de conduta que se parecem com os de uma figura parental. A diagnose geralmente é feita, em primeiro lugar, a partir da experiência clínica baseada na observação de condutas, gestos, vozes, vocabulário e outras características. Esta é a diagnose comportamental. Ela é corroborada se o conjunto específico de padrões se revelar especialmente apto a vir à tona em resposta a um comportamento infantil de alguma outra pessoa do ambiente. Esta é a diagnose social ou operacional. Em seguida, ela é outra vez confirmada se o indivíduo puder identificar exatamente a figura parental que ofereceu o protótipo para o seu comportamento. Esta é a diagnose histórica. Finalmente, a diagnose ganha reforço ainda maior se o indivíduo puder revivenciar, com total intensidade e pouca dispersão, o

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momento ou época em que assimilou o estado do ego parental. Esta é a diagnose fenomenológica. O Pai é tipicamente exibido de uma entre duas formas. O Pai prejudicial manifestase como um conjunto de atitudes ou parâmetros não-racionais e aparentemente arbitrários, em geral proibitivos por natureza, que podem ser sintônicos ou distônicos da cultura local. Se eles forem culturalmente sintônicos, há uma tendência a aceitá-los sem ceticismo como racionais ou pelo menos justificáveis. O Pai nutritivo, por sua vez, com freqüência se mostra como simpatia por outro indivíduo, e novamente pode ser ou culturalmente sintônico ou culturalmente distônico. O estado do ego parental deve ser distinguido da influência parental. Tal influência se manifesta quando o indivíduo exibe uma atitude de condescendência infantil. A função do pai é conservar energia e diminuir a ansiedade, por permitir a tomada de certas decisões “automáticas” e relativamente inabaláveis. É particularmente eficaz se as decisões forem sintônicas com a cultura local. B. O estado do ego Adulto caracteriza-se por um conjunto autônomo de sentimentos, atitudes e padrões de comportamento adequados à realidade atual. Já que o adulto ainda é o menos bem compreendido dos três tipos de estado do ego, ele se configura de modo mais caracterizado, na prática clínica, como o estado residual resultante da segregação de todos os elementos detectáveis do Pai e da Criança. Ou pode a inda ser mais formalmente considerado como o derivativo de um modelo de neopsique. Podemos especificar este modelo da seguinte forma: A neopsique é, em parte, um computador de probabilidades autoprogramado, destinado a controlar os estímulos ao lidar com o ambiente externo. Caracteriza-se especialmente pelo fato de seu estado de energia em cada época ser determinado por quão estreitamente as probabilidades computadas correspondem aos resultados reais. Este estado de energia é conhecido como descarga ou sobrecarga. (Ex. Uma luz verde, experimentada com prazer, satisfação ou admiração; ou uma luz vermelha, vivida como “frustração”, desapontamento ou indignação). Esta característica, sob variadas condições de probabilidade, leva em conta, de modo descritivo, o “instinto do poder” e a observação do esforço que visa às qualidades tais como responsabilidade, fidedignidade, sinceridade e coragem. Cada uma dessas quatro qualidades pode ser suficientemente reduzida a uma simples declaração de probabilidade. De acordo com os quatro níveis de diagnóstico, nota-se que o adulto é organizado, adaptável, inteligente e vivenciado como uma relação objetiva com o ambiente externo baseado numa evolução autônoma da realidade. Em cada caso individual, devem ser feitas as concessões cabíveis, tendo em vista as oportunidades de aprendizagem passadas. O Adulto de uma pessoa muito jovem ou de um camponês pode fazer julgamentos muito diferentes dos de um trabalhador profissionalmente treinado. O critério não é a exatidão dos julgamentos, nem a aceitação das reações (que depende da cultura local do observador), mas a qualidade do processamento e dados e o uso que determinado indivíduo em particular faz dos dados disponíveis. C. O estado do ego da criança é um conjunto de sentimentos, atitudes e padrões de comportamento que são relíquias da própria infância do indivíduo. Novamente, a diagnose comportamental em geral é feita de início, com base em experiências clínicas. A diagnose 52

social surge se este particular de padrões tiver grande probabilidade de ser eliciado pelo comportamento de alguém com características parentais. Se o diagnóstico for certo, será corroborado historicamente por memórias de sentimentos semelhantes e comportamentos do começo da infância do indivíduo. A confirmação fenomenológica decisiva, por sua vez, surgirá quando o indivíduo puder revivescer o estado do ego total em sua plena intensidade e com pouca dispersão, o que acontece mais efetiva e dramaticamente se ele puder, no estado de vigília, reviver um momento traumático ou uma época de fixação, possibilitando tanto a ele próprio como ao terapeuta o sentimento de convicção de que se trata de um passo crítico no processo terapêutico. A criança se reveste de uma das seguintes formas. A criança adaptada, que se manifesta por um comportamento inferencialmente sob o domínio da influência paternal, caracterizado por atitudes de condescendência ou retraimento . E a criança natural, que se expressa sob formas autônomas de comportamento, como rebeldia ou auto indulgência. Diferencia-se do adulto autônomo pela preponderância de processos mentais e pelo diferente tipo de experimentação da realidade. A função própria da criança “sadia” é motivar o processamento de dados e a programação do adulto, de modo a obter a maior quantidade de gratificação por si mesma. Neste ponto o leitor consciente certamente terá levantado muitas dúvidas acerca e problemas e possibilidades relativas a estágios do ego que não podem ser trabalhados pela análise estrutural de primeira ordem. Esperamos esclarecer algumas delas no curso desta obra, ao examinarmos a análise as segunda e terceira ordem.

NOTAS A intuição a respeito de Mr. Ennat e o fato de ele molhar a cama constituíam uma imagem do ego, um claro quadro de um estado do ego da infância. Na maioria dos casos (inicialmente, pelo menos) o terapeuta deverá contentar-se com um símbolo do ego menos elucidativo (“Ele parece um cachorrinho que foi surpreendido sujando o tapete”) ou com um simples modelo do ego descritivo (“Ele é um jovem tenso, movido pela culpa e anualmente frustrado”). (8) Fica claro que modelo do ego é produto do adulto observador, enquanto a imagem do ego se relaciona com um aspecto especial de sua criança. (9) Eu preferiria interpretar a similaridade entre os resultados dos dois testes de inteligência de Mr. Dix da seguinte forma. O psicólogo David Kupfer é um aplicador de testes capacitado. Ele foi capaz de provocar uma recatexia do Adulto de Mr. Dix durante o período de teste, mesmo quando Mr. Dix estava num estado de confusão esquizofrênica. Quando ocorreu uma nova catexia com o Adulto ele funcionou otimamente, de forma independente da “condição” de Mr. Dix. Portanto, ele atuava tão bem durante seu período esquizofrênico como quando se recuperava, uma vez que seu Adulto estava estruturalmente intacto em todas as ocasiões. O fato de o adulto funcionar ou não em determinada situação dependia de seu estado de catexia.

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Mr. Dix apresentou-se pessoalmente na Conferência de Psiquiatria da Clínica da Península Monterey, depois de terminado seu tratamento. Os presentes estavam de acordo com o psicólogo, no sentido de que (1) o seu “Q. I” se situava abaixo da média; com o terapeuta, no sentido de que (2) Mr. Dix tinha, recentemente, estado esquizofrênico e que (3) agora se recuperava de modo satisfatório; e com o próprio paciente, no sentido de que (4) a sua recuperação “se devia à” terapia e que tinha uma boa compreensão da estrutura de sua personalidade. Mr. Dix anteriormente se tratara com dois outros terapeutas sem experimentar qualquer melhora. Os outros tinham tentado um tipo diferente de abordagem “parental”, enquanto o autor se ativera de modo firme à análise estrutural. Apesar de tentar proteger ou exortar a criança esquizofrênica confusa, ele se concentrara em tentar descontaminar e provocar uma nova catexia no Adulto intacto do paciente. Dois anos de interrompido o tratamento. O Adulto de Mr. Dix ainda refém de comando, está assumindo a dianteira social e ocupacionalmente e usando a inteligência, em seu nível ótimo anterior, como técnico em engenharia autorizado pelo governo federal. Mais recentemente, Myra Schapps, do Auxílio à Criança Retardada em São Francisco, demonstrou que a análise transacional pode ser compreendida e aplicada com eficácia por adultos com “Q. Is”.que variam de 60 a 80. Formou-se um grupo do Sheltered Workshop com o intuito de tornar tais pessoas capazes de obter e manter empregos. No final do primeiro ano, 91% dos membros do grupo tinham alcançado seu objetivo e estavam, deliberada e corretamente, tendo um bom “controle social” na situação de emprego, assim como a capacidade de analisar suas transações nos encontros de grupo. (10) Existe uma vasta literatura a respeito das relações entre computadores e a função cerebral, que o leitor interessado pode facilmente encontrar nos trabalhos de N. Wiener e W. R. Ashby, Cf. Ref.(11). Poe “estado de energia” da neopsique entendem-se manifestações tais como o fenômeno Zeigarnik. (12) A relação entre estados de ego e a persona de Jung, que também é uma realidade comportamental, social e histórica (e é fenomenologicamente distinta do role-playing), continua a ser estudada e esclarecida. Como uma atitude ad hoc, a persona se diferencia também da identidade mais autônoma de Erikson. As diferenças entre persona, papel e identidade parecem depender das relações entre o estado do ego executivo e o meio ambiente, e até agora parecem ser problemas tanto transacionais como estruturais; talvez girando em torno da distinção entre adaptação em geral e condescendência em particular. Atualmente, aparece mais apropriado tratar “o adolescente” como um problema estrutural e não como uma entidade separada ou estado do ego sui generis. A atitude do Dr. Endicott ilustra a distinção entre papéis e estados do ego. Ele estava jogando o papel de um adulto, mas seu estado do ego era o de um pai (seu pai). Ele adotou o papel de um co-terapeuta médico, mas o fenômeno significativo era a sua arrogância. Portanto, referimo-nos a ele como um pseudo-adulto Parental. As posturas, gestos, metáforas e hábitos de fala têm sido um importante objeto de estudo, desde o início da psicanálise. S.S. Feldman recentemente coletou e discutiu muitos exemplos clínicos fascinantes do uso de clichês, fraseologia estereotipada, interjeições, gestos e outros maneirismos. (13) Há uma interessante discussão das diferenças entre childish e child-like em Modern English Usage, de Fowler.

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REFERÊNCIAS 1.

Berne, E., “Concerning the nature of diagnosis”. Internat. Record of Med. 1965: 283-292, 1952.

2.

Idem, “Primal Images and Primal Judment”. Loc. Cit.

3.

Idem, “’Psychoanalytic’ vs. ‘Dynamic’ GroupnTherapy”. Internat. Jnl. Group Psychother. 10:98-

4.

Piaget, J.loc.cit.

103.

5. York, 1886.

Darwin, C., Expression of the Emotions in Man and Animals. D. Appleton & Company, Nova

6.

Hall, E., T., “The Antropology of Manners”. Scientific American 192: 84-90, 1955.

7.

Pei, M., The Story of Language. J.B. Lippincott Company, Nova York, 1949.

8.

Berne, E., “Intuition V: The Ego Image”. Psychiat. Quart. 31: 611-627, 1957.

9.

Berne, E., “Intuition VI: The Psychodynamics of Intuition”. Psychiat. Quart.

10. Schapps, M.R., Reaching Out to the Mentally Retarded. Lido durante o 86º Congresso Anual da Conferência sobre Bem-Estar Social, São Francisco, 26 de maio de 1959. 91% é uma cifra posterior à citada em seu artigo (63%). 11. Jeffress, L. A., org., Cerebral Mechanisms in Behavior, The Hixon Symposium. John Wiley & Sons, Nova York, 1951. 12. Zeigarnik, B., “Über das Behalten von erledigten und unerledigten Handlunger”. Psychologishe Forschung 9: 1-86, 1927. Discutido extensamente por K. Lewin, Field Theory in Social Science, Harper & Brothers, Nova York, 1951. 13. Feldman, S.S., Mannerirms of Speech and Gestures in Everyday Life. Internacional Universities Press, Nova York, 1959.

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SEGUNDA PARTE

PSIQUIATRIA SOCIAL E ANÁLISE TRANSACIONAL

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8. RELAÇÃO SOCIAL

1.

UMA TEORIA DO CONTATO SOCIAL

A capacidade da psique humana de manter estados do ego coerentes parece depender de um fluxo mutável de estímulos sensoriais. Esta observação constitui a base psicobiológica da psiquiatria social. Em termos estruturais, estes estímulos são necessários, a fim de assegurar a integridade da arqueopsique. Se o fluxo é interrompido ou cai na monotonia, observa-se que a neopsique se torna desorganizada (“O pensamento do indivíduo é enfraquecido”); isto expõe a atividade arqueopsíquica subjacente (“Ele mostra respostas emocionais infantis.”), e, finalmente, a função arqueopsíquica também se desorganiza (“Ele sofre de alucinações.”) (1) Este é o experimento de privação sensorial. O trabalho de Spitz (2) vai um pouco além. Ele demonstra que a privação sensorial no bebê pode provocar não só mudanças psíquicas, mas também deterioração orgânica. Isso mostra quão vital é a manutenção do ambiente sensorial. Além disso, surge um novo fator específico: as formas mais essenciais e efetivas de estímulo sensorial são proporcionadas por manipulação social e intimidade física. Daí Spitz falar de “privação emocional” em lugar de “privação sensorial”. A intolerância a longos períodos de aborrecimento ou isolamento faz surgir o conceito de fome de estímulos, especialmente da espécie de estímulos oferecidos pela intimidade física. Esta fome de estímulos tem uma relação paralela, em muitos aspectos, biológica, psicológica e socialmente, com o apetite alimentar. Expressões como má nutrição, saciedade, gourmet, glutão, maníaco, ascético, arte culinária e bom cozinheiro são facilmente transferidas do campo da alimentação para seus análogos no campo da sensação. Comer demais tem seu paralelo em superestimulação, que pode causar dificuldades no fluxo da psique com estímulos rápidos demais para poderem ser manipulados confortavelmente. Em ambas as esferas, sob condições comuns em que existam amplos suprimentos e possa haver um menu diversificado à disposição, as mudanças serão bastante influenciadas pelas idiossincrasias individuais. A questão das determinantes constitucionais das escolhas de estímulos não é recente. As idiossincrasias que são do interesse imediato do psiquiatra social baseiam-se em experiências arcaicas, em julgamentos neopsíquicos e, particularmente com relação à intimidade física, em prejuízos exteropsíquicos. Estas idiossincrasias introduzem quantidades variáveis de cuidado, prudência e desvio na situação, de modo que apenas sob circunstâncias especiais, o indivíduo fará um movimento direto em direção às formas mais apreciáveis de estímulos proporcionados pelas relações físicas. Na maior parte das vezes ele se conformará com o que puder obter. Ele aprende a lidar com formas mais sutis e mesmo mais simbólicas de manipulação, até que o aceno de cabeça mais simples de reconhecimento possa ser útil a seus propósitos em alguma medida, embora o desejo original de contato físico possa permanecer irredutível. Conforme aumentam as 57

complexidades, cada pessoa se torna cada vez mais individual em sua busca, e são essas diferenças que emprestam variedade ao trato social. A fome de estímulos, com sua sublimação de primeira ordem a convertê-la em fome de reconhecimento, é tão penetrante que os símbolos de reconhecimento tornam-se altamente recompensados e podem ser trocados em todas as reuniões entre pessoas. Retraílos deliberadamente constitui uma forma de comportamento errado chamado grosseria, e a repetição de grosserias é considerada uma justificativa para a imposição social ou mesmo para sanções físicas. As formas espontâneas de reconhecimento, como um sorriso alegre, são recebidas com mais agrado. Outros gestos, como o assobio, a mesura e o aperto de mão, tendem a se ritualizar. Nos EUA, há uma sucessão de expressões verbais, cujos degraus, em sentido ascendente, implicam reconhecimento crescente e proporcionam gratificação cada vez maior. O ritual pode ser resumido tipicamente da seguinte forma: (a) “Alô!” (b) “Como vai?” (c) “Você acha que está muito quente? (d) “Quais as novidades?” (e) “Mais alguma novidade?” As implicações são: (a) Há mais alguém aqui; (b) Há alguém com sentimentos; (c) Há alguém com sentimentos e sensações; (d) Há alguém com sentimentos, sensações e personalidade; (e) Alguém com sentimentos, personalidade e em quem eu tenha mais do que um interesse passageiro. Grande parte da estrutura lingüística, social e cultural gira em torno da questão do simples reconhecimento: pronomes especiais, inflexões, gestos, posturas, presentes e oferendas visam mostrar reconhecimento de status e pessoa. A carta de uma fã de cinema é um dos nossos produtos autóctones. Ela possibilita que a recognição seja despersonalizada e quantificada numa máquina de somar, e a diferença entre uma resposta impressa, mimeografada, fotográfica e pessoal é algo como a diferença entre os vários degraus do ritual de saudação descrito acima. A natureza insatisfatória de tal recognição mecânica evidencia-se no fato de muitos atores preferirem o teatro vivo aos filmes, apesar de um considerável sacrifício financeiro. Este é um exemplo dramático da validade ampliada do princípio de Spitz.

2.

A ESTRUTURAÇÃO DO TEMPO

A simples recognição, no entanto, não é suficiente, uma vez, que, terminados os rituais, a tensão e a ansiedade começam a aparecer. O problema real da relação social é o que acontece depois dos rituais. Portanto, é possível falarmos não somente de fome de estímulos e fome social, mas também de fome estrutural. O problema cotidiano do ser humano é a estrutura de suas horas de vigília. Se elas não forem estruturadas por ele, como tendem a ser na infância, então ele é impelido a encontrar ou estabelecer uma estrutura independente, hora após hora. O método mais comum, conveniente, confortável e utilitário de estruturação do tempo é o que se desenvolve através de um projeto destinado a lidar com o material fornecido pela realidade externa: o que é em geral conhecido como trabalho. Tal projeto é tecnicamente chamado de atividade; o termo “trabalho” é inadequado porque uma teoria

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geral de psiquiatria social deve reconhecer que o intercurso social também é uma forma social de trabalho. Interessamo-nos aqui, por atividades, apenas na medida em que elas ofereçam uma matriz de recognição e outras formas mais complexas de comunicação social. O problema social específico toma a forma de (1) como estruturar o tempo, (2) aqui e agora, (3) com o maior proveito possível, com base (4) nas pessoas e (5) nas idiossincrasias de outras pessoas e (6) nas potencialidades estimadas das situações imediatas e eventuais. O projeto coloca-se na obtenção do máximo de satisfações permissíveis. O aspecto operacional da estruturação do tempo pode ser denominado programação. A programação é suprida por três fontes: material, social e individual. A programação material surge das vissitudes encontradas ao lidar com a realidade externa, e não nos interessa aqui. Já nos referimos à programação social ao discutirmos os rituais de saudação. Ela se estende até o que se pode chamar de passatempos, que em geral, assumem a configuração de discussões semi-ritualísticas de lugares-comuns como o tempo, as propriedades, os eventos atuais ou os assuntos de família. Na medida em que as pessoas de tornam menos cuidadosas, cada vez mais se insinua a programação individual, de modo que os “incidentes” começam a ocorrer. Estes incidentes superficialmente parecem acidentais, e podem ser assim descritos pelas partes interessadas, mas um exame cuidadoso revela que elas tendem a seguir padrões definidos que são sensíveis à escolha e classificação, e que a seqüência está, na verdade, circunscrita por regras e normas não mencionadas. Estas regras permanecem latentes sempre que as amenidades, ou hostilidades, se desenrolem de acordo com elas, mas manifestam-se se for feito um movimento ilegal, provocando um grito simbólico de Traição! Tais seqüências, que em contraste com os passatempos, se baseiam mais na programação individual do que na social, podem ser chamadas de jogos. A vida em família e a vida conjugal podem, durante anos, centrar-se em variações do mesmo jogo. Passatempos e jogos são substitutos do viver real da real intimidade. Por isso, eles podem ser vistos como compromissos preliminares e não como uniões; na verdade. São formas mordazes de jogo. Quando a programação individual, geralmente instintiva, torna-se mais intensa, tanto os padrões sociais como as restrições ulteriores começam a diminuir. Esta condição pode ser chamada de crasis, o que significa um entrelaçamento genuíno de personalidades; ou, mais coloquialmente, podemos denominá-la intimidade. Assim, é possível afirmar que o contato social, esteja ou não engastado numa matriz de atividade, assume duas formas: jogo e intimidade. Até agora, a maior parte de todo intercurso social se apresenta na forma de jogo.

3.

RELAÇÃO SOCIAL

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As manifestações da relação social são chamadas transações. Estas ocorrem especificamente em cadeias: um estímulo transacional procedente de X faz emergir uma resposta transacional de Y; esta resposta torna-se um estímulo para X; e a resposta de X, por sua vez, torna-se um novo estímulo para Y. A AnáliseTransacional ocupa-se da análise de tais cadeias, e , particularmente, de sua programação. Pode-se demonstrar que, uma vez iniciada uma cadeia, a seqüência resultante é altamente previsível, se forem conhecidas as características do Pai, Adulto e Criança de cada uma das partes envolvidas. Em certos casos, como mostraremos mais tarde, o contrário também é possível: dados o estímulo transacional e a resposta transacional iniciais, não apenas a seqüência seguinte mas também algumas das características do Pai, Adulto e Criança de cada uma das partes envolvidas serão inferíveis com um considerável grau de confiança. Enquanto à análise transacional, qualquer tipo de intercurso social é acessível, o grupo de terapia transacional se destina especialmente a eliciar a máxima quantidade de informação relativa à programação idiossincrática de cada paciente, uma vez que sua programação está estreitamente ligada à sua sintomatologia e também, salvo acidentes, determina seu destino social. As características de tal grupo são as seguintes: 1 – Desde que inexista qualquer atividade formal e procedimento estabelecido, não há nenhuma fonte de estruturação para o intervalo de tempo. Portanto, toda programação é restrita a uma interação entre aquela fornecida pela cultura e a determinada por condicionamento especial prévio do indivíduo. 2 – O compromisso é apenas parcial, e é possível que ocorra o alheamento de uma dada resposta ou a retirada de um paciente do grupo, sem sanções. As responsabilidades raramente serão tão sérias ou tão permanentes como as envolvidas em atividades como a construção de uma ponte ou em intimidades tais como a fecundação. Nesses dois aspectos, o grupo assemelha-se a um grupamento social comparável a um coquetel, mas distingui-se pelos dois critérios a seguir: 3 – Existe um compromisso definitivo com uma estrutura de grupo definida. O terapeuta está de um lado e os pacientes de outro, e isto é irreversível. Os pacientes pagam o terapeuta ou obedecem às regras de sua clínica, mas o terapeuta nunca paga os pacientes. (Pelo menos não enquanto terapeuta.) 4 – A população do grupo não é de escolha do paciente, embora ele possa, às vezes, ter o privilégio de selecionar ou rejeitar membros da população de candidatos. Dos dois últimos pontos de vista, o grupo de terapia assemelha-se a muitos grupos de atividades que têm um programa feito, tais como instituições de negócio ou educacionais, mas deles se diferencia pelos dois primeiros critérios.

NOTAS Fome de estrutura. Os experimentalistas afirmam de modo bastante explícito que não é a privação sensorial quantitativa que causa a desorganização, mas algum defeito de

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estruturação, uma “monotonia” que origina “tédio”. (1) A ilustração clássica é oferecida pelos esforços de Robinson Crusoé no sentido de sanar sua confusão verbal na estruturação do tempo e lugar em sua ilha solitária. (3) Crusoé exemplifica intensamente não apenas a fome de estrutura, mas também a fome social. A precisão de seu retrato fictício é mostrada de modo impressionante pelas experiências de isolamentos forçados na vida real: Baron Trenk durante seus dez anos em Magdeburg, Casanova durante seu confinamento em Veneza, e Jonh Bunyan durante seus 12 anos na cadeia municipal de Bedford. A drenagem catética* da neopsique causada por privação de estímulo, social e de estrutura pode ser demonstrada através da comparação de pacientes de bons hospitais estaduais com os de hospitais ruins. A sugestionabilidade arcaica resultante de tais privações aparentemente tem provado ser uma das mais poderosas armas disponíveis a líderes governamentais cruéis no trato com seus adversários políticos de personalidade intransigente. Jogo. Jogar não significa, necessariamente, “brincar”. Na realidade, muitos jogos humanos, como esclarece Huizinga, (4) são acompanhados por genuína intensidade emocional. Isso pode ser observado em qualquer pátio de colégio ou sala de jogos. O ponto essencial do jogo social, no caso de seres humanos, não está no fato de as emoções serem espúrias, mas na construção de que elas são reguladas, uma vez que se impõem sanções a manifestações emocionais ilegítimas. Portanto, o jogo pode até ser muitíssimo perigoso, mas as conseqüências sociais só serão sérias se as regras forem atropeladas. Para uma discussão do acordo “Isto é jogo”, veja Bateson et al.(5) Em seres humanos, o acordo consciente “Isto é jogo” freqüentemente oculta um pacto inconsciente “Isto não é jogo”. Uma variante dele é a verdade dita em forma de gracejos, pelos quais a pessoa que fala se exime de responsabilidades, uma vez que sorriu quando se expressou. De forma similar, o pacto consciente “Isto não é um jogo” (ex. o contrato de casamento) pode esconder um contrato encoberto ou inconsciente do tipo “Isto é um jogo”. Bom exemplo disto é o jogo da “Mulher Frígida”, com sua seqüência complexa, porém ordenada de provocações e recriminações mútuas. O contrato manifesto implica uma união sexual séria, mas o contrato encoberto diz: “Não leve a sério minhas promessas sexuais”. O mesmo se aplica ao jogo do “Devedor”, ocasionalmente deflagrado por certos tipos de pacientes psiquiátricos quando se trata de questões de dinheiro. Jackson e Weakland (6) fornecem um relatório textual do que, a partir do ponto de vista atual, configura o jogo sinistro chamado “Laço Duplo”, desempenhado por famílias “esquizofrênicas”. É interessante notar que as descobertas da pesquisa psicológica moderna e as idéias expressas neste capítulo. Embora atingidas através de um caminho bastante diverso, são semelhantes a algumas das reflexões de Kiekegaard sobre o tédio (7) (1843). Além disso, o controle social, meta comportamental da análise transacional, resulta exatamente do tipo de isolamento opcional que Kierkegaard parece ter em mente, quando discute relações tais como amizade, casamento e negócios. A idéia de um isolamento superficial mas significativo se opõe à pressão para o “estar junto”, que age em ambos os lados, atualmente. Na posição extrema, seria possível dizer que poderiam existir pequenas discórdias, mas sem guerras, caso as pessoas não se reunissem em grupos. Esta não é uma solução prática, mas é um bom ponto de partida para as reflexões sobre guerra e paz.

*

Refere-se ao esvaziamento da catexia da neopsique (estado do ego Adulto). (Nota do revisor técnico)

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REFERÊNCIAS 1.

Heron, W., “The Pathology of Boredom”. Scientific American 196: 52-56, Janeiro de 1957.

2. Spitz, R., “Hospitalism, Genesis of Psychiatric Conditions in Early Childhood”. Psychoanallytic Study of the Child. 1: 53-74, 1945. 3. Berne, E., “The Psychological Structure of Space with some Remarks on Robinson Crusoe”. Psychoanalytic Quart. 25: 549-567, 1956. 4.

Huizinga, J., Homo Ludens. Beacon Press, Boston, 1955.

5. Bateson, G. et al, “The Message ‘This is Plaay’”. Transaction of Second Conference on Group Processes. Josiah Macy, Jr. Foudation, Nova York, 1956. 6. Weakland, J. H. & Jackson, D. D., “Observations on a Schizophrenic Episode”. Arch. Neur. & Psych. 79: 554-574, 1958. 7.

Kierkegaard, S., A Kierkegaard Anthology, org. R. Bretall. Princeton University Press, Princeton, 1947,

pp.22 ss.

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9. ANÁLISE DE TRANSAÇÕES

1.

INTRODUÇÃO

A análise estrutural propriamente dita ocupa-se do domínio (mas não necessariamente da resolução) de conflitos internos, através do diagnóstico dos estados do ego, descontaminação, trabalho de fronteiras e estabilização, de modo que o Adulto possa manter o controle da personalidade em situações de tensão. Uma vez obtido o máximo proveito terapêutico apenas através da análise estrutural, existem três possibilidades de escolha: o fim da terapia como tentativa ou permanentemente, a psicanálise ou a análise transacional. A interrupção da terapia como tentativa foi experimentada, por acordo mútuo, no caso de Mr. Segundo. A psicanálise, em termos estruturais, consiste em livrar a Criança de sua confusão e em resolver os conflitos existentes entre ela e o Pai. O objetivo da análise transacional é o controle social, em que o Adulto retém o poder de comando na relação com outras pessoas que podem estar, consciente ou inconscientemente, tentando ativar a Criança ou o Pai do paciente. Isso não significa que apenas o Adulto seja ativo em situações sociais simplesmente, mas que é ele quem decide quando liberar a Criança ou o Pai e quando retomar o poder de comando. Assim, um paciente poderia pensar: “Nesta festa, ao contrário do que aconteceu no jantar formal da noite passada, tenho condições de beber algumas doses e de me divertir um pouco”. Mais tarde, ele pensaria: “Agora, estou começando a perder o controle, então seria melhor eu para de beber e me acalmar, embora eles estejam tentando encorajar minhas palhaçadas”. A análise transacional realiza-se de modo mais satisfatório na terapia de grupos; ou, em outras palavras, poderíamos dizer que o propósito natural dos grupos de terapia é a análise transacional. (1) Por outro lado, a análise estrutural, que constitui um pré-requisito da análise transacional, também pode ser aplicada na terapia de grupo, e não só na individual. Geralmente é aconselhável, no entanto, manter duas ou três sessões individuais preliminares. A finalidade das sessões individuais anteriores à terapia de grupo, além de questões de rotina tais como o estudo da história do paciente, é introduzir o paciente à análise estrutural. Depois da análise transacional propriamente dita, passa-se para a análise de jogos e, em seguida, para a análise de argumentos. A primeira funciona como um pré-requisito sem o qual as duas podem degenerar em uma espécie de passatempo, em lugar de serem usadas como procedimentos terapêuticos racionais. A análise de jogos é necessária para atingir o controle social. A análise de argumentos, cujo objetivo seria o chamado “controle do projeto de vida”, é tão complexa que este estágio nem chega a ser atingido em muitos grupos de terapia, embora o controle social seja possível sem ela. Em situações especiais, tais como o aconselhamento e a terapia de grupos de casais, pode-se indicar um procedimento especial, denominado “análise de relações”. Em geral costuma-se omitir a análise formal de relações, mas todo terapeuta de grupo., a fim de tornar-se capaz de dar o 63

máximo de si, deveria compreender claramente este procedimento e ter alguma experiência em sua aplicação.

2.

ANÁLISE TRANSACIONAL

Neste ponto, consideraremos um grupo de donas-de-casa, entre 30 e 40 anos de idade, cada uma com um ou dois filhos que participavam de reuniões semanais de uma hora e meia no consultório de seu psiquiatra, o Dr. Q. Ao final de 18 meses, Daphne, Lily e Rosita, que integravam o grupo desde o início, eram os seus elementos mais experientes, enquanto que Hyacinth, Holly, Camélia e Cicel, que se uniram ao grupo nesta ordem, ainda não tinham adquirido tal nível de sofisticação. A figura 7 mostra o diagrama da disposição e a esquematização comum deste grupo. Um dia, Camellia, seguindo uma seqüência prévia de pensamento, anunciou que tinha dito a seu marido que nunca mais manteria relações sexuais com ele e que ele poderia procurar outra mulher. Rosita perguntou com curiosidade: “Por que você fez isso?” Em resposta, Camellia rompeu em lágrimas e replicou: “Foi tão difícil e agora você me critica”. Existem aqui, duas transações que podem se representadas pelos diagramas das Figuras 8A e 8B. Estas personalidades das duas mulheres, em sua representação estrutural, compreendem Pai, Adulto e Criança. O primeiro estímulo transacional é a afirmação de Camellia sobre o que dissera a seu marido. Ela fez este relato em seu Adulto, com o qual o grupo estava familiarizado. Por sua vez, esta afirmação foi recebida por uma Rosita Adulta, que, em sua resposta (“Por que você fez isso?”) evidencia um interesse maduro e racional pelo caso. Como se mostra na Figura 8A, o estímulo transacional foi de Adulto para Adulto, e também o foi a resposta transacional. Se as coisas tivessem continuado neste nível, a conversa poderia ter prosseguido com calma. A pergunta de Rosita (“Por que você fez isso?”) constituía, então, um novo estímulo transacional e pretendia ser um adulto falando com outro. A resposta de Camellia, no entanto, não foi de um adulto para outro, mas de uma Criança respondendo a um pai crítico. A má percepção de Camellia do estado do ego de Rosita, e o desvio em seu próprio estado do ego, resultaram numa transação cruzada e interromperam a conversa, que agora tinha de começar novamente. Isso está representado na figura 8B. Este tipo particular de transação cruzada, em que o estímulo se dirige ao Adulto, enquanto a resposta tem origem na Criança é, provavelmente, a causa mais freqüente de desentendimentos em situações conjugais e de trabalho, bem como na vida social. Clinicamente, ela é definida pela clássica reação de transferência. Na verdade, podemos dizer que esta espécie de transação cruzada constitui o principal problema da técnica psicanalítica. A recíproca ocorre quando um estímulo se dirige ao Adulto e o Pai é quem responde. Assim, qualquer pessoa que fizesse a Mr. Troy uma pergunta racional, esperando uma resposta sensata, poderia ficar desconcertada, ao se ver tratada com base num conjunto de preconceitos dogmáticos, ao ver tratada com base num conjunto de preconceitos

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dogmáticos e mal-formulados, como se não passasse de uma criança retardada necessitando correção. Esta situação está representada na Figura 8C. (O mesmo diagrama pode ser usado, mutatis mutandis, para representar uma reação de contratransferência).

Notar-se-á que, neste esquema, enquanto os vetores não se cruzam, a conversa transcorre regularmente, como uma série de transações complementares. Mas, assim que ocorrer uma transação cruzada, alguém se atrapalha e a relação complementar termina. No caso de Camellia e Rosita, por exemplo, Rosita não consegue dizer mais nada depois que Camellia rompe em lágrimas. Holly, no entanto, começou, de imediato, a confortar Camellia e a justificar sua atitude, exatamente como falaria a uma criança ofendida. Uma versão livre de sua reação seria: “Não chore; querida, tudo ficará bem,. Todos a amamos e aquela mulher estúpida não quis dizer isso”. Camellia respondeu a esta atitude com “autopiedade” e gratidão. Estas transações estão representadas na Figura 8D. Uma vez que a Criança de Camellia agora tenta obter uma resposta parental – exatamente do tipo que Holly lhe dá – o eventual comentário clínico de Rosita: “Este caso de amor poderia continuar para sempre!” é tecnicamente correto. Estas transações mútuas Pai-Criança continuariam, se não tivessem sido interrompidas de fora, até que Holly ou Camellia se cansassem delas e mudassem seu estado do ego, provocando o surgimento de outra transação cruzada que poderia pôr fim à relação complementar. Da maneira como ocorreu, a transação terminou com a intervenção de Rosita, que causou o colapso do Pai de Holly e a ativação de sua Criança machucada e amedrontada. Neste estado, ela não era mais interessante para Camellia, que se isolou num silêncio obstinado. Agora foi a vez do terapeuta intervir. Ele avaliou a situação com cuidado e foi capaz de levar todas de volta a um nível Adulto, de modo que pudesse prosseguir com a análise mencionada acima. Durante esta fase, suas próprias transações com o grupo retornaram ao nível original representado na Figura 8A. 65

A intervenção do Dr. Q. visou, em última análise, estabelecer o controle social. Rosita, a mais sofisticada do grupo, já adquiriu este controle em grande escala, conforme demonstrou com o seu silêncio quando Camellia começou a protestar e choramingar; mas Holly, que era uma novata, imediatamente respondeu às propostas da Criança de Camellia. Rosita tinha a compreensão clara e racional do objetivo do grupo como experiência de aprendizagem. Ela sabia que Camellia nada aprenderia sendo confortada e que Holly também não ganharia nada por confortá-la. Do mesmo modo, os outros elementos experientes do grupo, Daphne e Lily, permaneceram em silêncio, porque sabiam que aquela era a única coisa a fazer; enquanto as duas outras novatas, Hyacinth e Cicely ficaram quietas porque não sabiam assumir qualquer outra atitude.

Importante é ressaltar que este tipo de coisa sempre acontecia com Camellia. Segundo ela afirmou, as pessoas nunca a compreendiam bem e a criticavam; mas, na verdade, era ela quem costumava não compreender as pessoas e criticá-las, Rosita percebeu corretamente que sua própria atitude não tinha sido de crítica a Camellia e que, pelo contrário, era esta que a tinha criticado, de modo implícito, com o seu choro. Ela reteve o controle Adulto da situação, ao não se permitir envolver de modo inconveniente no papel parental de confortar Camellia ou se justificar diante dela. Seu Adulto foi reforçado pelo conhecimento de que sucumbir seria desvirtuar o objetivo terapêutico das reuniões. Camellia demonstrara, mais de uma vez, que era muito hábil em despertar compaixão e desculpas nas outras. As mais experientes do grupo ganhavam, agora, a consciência de que estavam sendo manipuladas no sentido de dar a Camellia algo a que ela não tinha direito, e

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assumiram, assim, o firme propósito de torná-la consciente do que ela estava fazendo. A forma mais eficaz de atingir este objetivo era se recusarem em face das exigências dela. Elas também se conscientizavam, cada vez mais, de quão ansiosamente Holly vislumbrava as oportunidades de ser parental. Assim, Camellia e Holly se contemplavam em certas tendências, tendências estas que, nos dois casos, provocavam uma discórdia conjugal. Holly estava prestes a conseguir o divórcio porque seu marido a explorava, e Camellia enfrentava problemas porque seu marido não a compreendia e a criticava. A análise transacional deste episódio pelo Dr. Q. foi, portanto, pertinente. No decorrer de repetidas análises de situações semelhantes, estas duas senhoras foram se tornando conscientes das atitudes que tendiam a assumir e aos poucos crescia a sua capacidade de controlar tais tendências, tanto no grupo como em casa, o que trouxe benefícios correspondentes a suas situações instrutiva e convincente para as outras novatas, enquanto os elementos experientes foram adquirindo compreensão e perícia no controle social, na medida em que cada incidente servia para fortalecer o seu Adulto. Assim, a análise transacional da relação entre duas integrantes do grupo beneficiou todas as outras, e estes benefícios tiveram resultado muito antes de qualquer uma delas estar pronta para tentar livrar a Criança da confusão ou resolver conflitos subjacentes.

NOTAS É muito difícil apresentar e acompanhar efetivamente os procedimentos dos grupos de terapia. A utilização de um diagrama de disposição é sempre necessária e a lousa é um requisito essencial para tais discussões. Se dispensarmos o diagrama de disposição, é possível que ninguém note sua falta, mas, estando ele à disposição, logo observaremos que todos os presentes o consultam com freqüência durante a discussão, o que demonstra suficientemente a sua utilidade. Além disso, se proporciona a resposta automática a inumeráveis perguntas a respeito da situação física do grupo, possibilitando a economia de tempo. O grupo acima descrito possuiu 15 elementos durante seus 18 meses de existência, com um recorde global de freqüência de 95%. Duas de suas integrantes eram anômalas. Uma foi transferida para outro grupo após uma sessão. Outra era alcoólatra e a única que não tinha filhos: foi a primeira alcoólatra com quem o autor tentou a análise transacional. Revelou-se incapaz de suportar a ansiedade surgida quando as suas companheiras de grupo se recusaram a participar de seu jogo “Alcoólatra”. (Veja Cap. 10.) Depois que elas rejeitaram com firmeza seus pretextos e fizeram uma observação depreciativa sobre ela, não voltou mais; e internou-se voluntariamente, para tratamento num hospital, pela quarta vez. Quatro integrantes, duas delas em condição pós-psicótica, mudaram-se para outras cidades, todas com muita melhora. Outra se afastara temporariamente do grupo, bastante satisfeita. Outra ainda, Verônica, sentiu-se beneficiada o suficiente para empreender uma tentativa sistemática de melhorar o seu casamento, transferindo-se para um grupo de casais junto com o marido. As sete restantes achavam que estavam empregando muito bem o seu

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tempo, dinheiro e esforço, e conseguiram ver melhora em si mesmas e umas nas outras. Destas 13, quatro já vinham de experiências anteriores de terapia com uma ou mais abordagens psicoterápicas, e foram capazes de avaliar, com maior clareza, os resultados obtidos através da análise transacional. Comparando-os com os que tinham conseguido com sua terapia anterior. Suas observações espontâneas confirmaram a própria experiência do autor.

REFERÊNCIAS 1. Berne, E. “Transactional Analysis: A New Effective Method of Group Therapy”. Amer. Jnl. Psychother. 12: 735-743, 1958.

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10. ANÁLISE DE JOGOS

1.

PASSATEMPOS

A parte mais importante do intercurso social é formada de relações. Este fato obtém confirmação especialmente em grupos de psicoterapia onde se proíbem ou inibem tanto a atividade como a intimidade. As relações são de dois tipos: passatempos e jogos. Defini-se passatempo como um compromisso em que as transações são diretas. Quando se introduz dissimulação na situação, o passatempo torna-se um jogo. Com pessoas felizes e bem organizadas, com especial capacidade de divertimento, um passatempo pode ser realizado pelo que tem de interesse e trazer suas próprias satisfações. Com outras, particularmente as neuróticas, ele significa exatamente o que diz a palavra, um modo de passar (isto é, estruturar) o tempo: até que se consiga conhecer melhor as pessoas, até que esta hora tenha passado e, numa escala maior, até a hora de dormir, até as férias, até o início de carisma, salvação ou morte. Existencialmente, um passatempo é uma forma de repelir a culpa, o desespero ou a intimidade, um instrumento fornecido pela natureza ou pela cultura para aliviar o desespero passivo. Falando com maior otimismo, na melhor das hipóteses, ele é algo cuja finalidade se esgota em si mesmo e, no mínimo, serve como um meio de travar conhecimento na esperança de conseguir intimidade com outro ser humano. Em qualquer caso, cada participante o utiliza de modo oportunista, para obter os ganhos primários e secundários que puder através dele. Os passatempos em grupos de psicoterapia são geralmente Parentais ou Adultos, uma vez que sua função é fugir do problema que envolve a Criança. Os dois passatempos mais comuns em tais grupos são variações do “PTA” (Psicoterapia por Análise Transacional) e da “Psiquiatria”. A forma projetiva do “PTA” é um passatempo Parental. Seu tema é a delinqüência, na acepção geral do termo, e pode lidar com delinqüentes juvenis, maridos delinqüentes, esposas delinqüentes, homens de negócios delinqüentes, autoridades delinqüentes ou celebridades delinqüentes. O “PTA” introjetivo é Adulto e lida com as delinqüências socialmente aceitáveis das próprias pessoas. “Por que não consigo ser boa mãe, pai, empregador, trabalhador, amigo, anfitriã?” O lema da forma projetiva é “Não é terrível?”, o da forma introjetiva é “Eu também!” “Psiquiatria” é passatempo Adulto ou, pelo menos, pseudo-Adulto. Em sua forma projetiva, é coloquialmente conhecido como “Eis aqui o que você está fazendo”, e, em sua forma introjetiva, é chamado “Por que eu faço isso?”. Em grupos de análise transacional, os intelectuais podem representar “Que parte de mim disse isso?”, mas um grupo mais experiente logo o abandona, quando se tornar evidente que está se estendendo demais num passatempo dispersivo após a fase de aprendizagem da análise estrutural. Alguns grupos são inclusive mais cautelosos e se limitam a fazer variações de “Conversas Curtas” como “Conversa Fútil” como “General Motors” (comparar carros) e

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“Quem ganhou” (ambos “Conversa de Homem”); “Quitanda”, “Cozinha”, e “GuardaRoupa” (todos conversa de Mulher); “Como é que” (se faz algo), “Quanto” (custa?), “Você já esteve?” (em algum lugar nostálgico), “Você conhece” (isso ou aquilo) ? “ O que foi feito” (do bom velho Joe), “Manhã Seguinte” *(que ressaca!) e “Coquetel” (Eu sei preparar melhor). Os passatempos propriamente ditos pertencem à fase inicial da terapia de grupo, mas, se o grupo não for conduzido de modo adequado, o processo corre o risco de nunca ultrapassar este estágio. O significado dos passatempos é claramente percebido por elementos experientes do grupo, que logo conseguem reconhecer que podem recorrer a eles em três tipos de situações: por ocasião da chegada de um novo membro, quando o grupo está evitando alguma coisa, ou quando o líder está ausente. No último caso, se o grupo continua a se reunir com o terapeuta assistente ou observador, enquanto o titular não está presente, seus integrantes, quando de sua volta, poderão afirmar: “Tudo o que fizemos na sua ausência foi jogar “PTA” e “Psiquiatria”, e, mais do que nunca, pudemos ver que perda de tempo é isto”. Até um grupo de mães, que pode, inicial e compreensivelmente, ter grande dificuldade em abandonar o “PTA”, eventualmente poderá vir a ter a mesma reação. (1) Entretanto, os passatempos têm realmente uma função, a de servir, no início do grupo de terapia, como matriz inócua para tentativas de excursão da Criança. Eles proporcionam um período preliminar de observação sem compromisso, durante o qual os participantes podem unir-se uns aos outros, antes de começarem os jogos. Muitas pessoas são gratas a este período de experiência porque desde que a Criança esteja comprometida em um jogo, ela deve assumir as conseqüências. Alguns grupos, no entanto, suprimem a fase de passatempo e se lançam diretamente aos jogos. Isto pode acontecer em especial quando um elemento audacioso dá o passo inicial de seu jogo, sem um exame preliminar dos jogadores. Tal imprudência geralmente arrasta os outros elementos. Este tipo de ousadia não é, necessariamente, questão de agressividade, mas pode surgir a partir da impulsividade da Criança, da deterioração do Adulto ou do Pai. É, na essência, um sinal de falta de adaptação. Outros elementos presentes podem ser mais agressivos, mas também mais fleumáticos, sensatos ou disciplinados. Os passatempos podem deixar o grupo mais descontraído em momentos de tensão, mas, do ponto de vista analítico, eles são de pouco valor, Podem ajudar a esclarecer para os pacientes as propriedades do Pai e do Adulto, mas a tarefa principal do terapeuta, quando eles ocorrem, é suprimi-los logo que as condições o permitam, de modo a permitir que os elementos do grupo empreendam seus jogos. A banalidade dos passatempos é mostrada nas Figuras 9A e 9B. I. “PTA”, Tipo Projetivo. Holly: Não haveria toda esta delinqüência, não fossem todos estes lares desfeitos. Magnólia: Não é só isso. Mesmo nas boas famílias, atualmente não se ensinam bons modos aos filhos como antes. II. “Psiquiatria”, Tipo Introjetivo. Daisy: Para mim, pintura tem de simbolizar uma mancha. Íris: No meu caso, seria como tentar agradar meu Pai. 70

2.

JOGOS

O jogo mais comum entre casais é coloquialmente chamado “Se Não Fosse Você” e nós o usaremos para ilustrar as características dos jogos em geral. Mrs. Dodakiss queixava-se pelo fato de seu marido não permitir que ela se dedicasse a qualquer atividade social ou desportiva. À medida que ela foi obtendo melhora com o tratamento, seu marido ficou menos seguro de si mesmo e afastou suas proibições. A paciente , então, sentiu-se livre para ampliar o âmbito de sua atividades. Por causa de sua adolescência “carente”, ela sempre desejara ter aulas de natação e dança. Depois de inscrever-se em seus cursos, ela ficou surpresa e temerosa ao descobrir que tinha fobia de piscinas como de pistas de dança, e precisou abandonar os dois projetos.

Esta exposição esclarece, em parte, a estrutura do casamento de Mrs. Dodakiss. Ela escolhera para marido um homem que lhe proporcionaria o máximo de ganhos primários e secundários. Devemos lembrar que Freud (2) nos descreve o modo como uma doença pode proporcionar três tipos possíveis de ganho: o paranósico externo (primário), o paranósico interno (primário) e o epinósico (secundário). Este conceito pode abranger os ganhos

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derivados de relações pessoais. Quando Mrs. Dodakiss escolheu um autocrata para marido, o ganho primário externo era o fato de ele a ajudar a evitar suas fobias; o ganho interno era que ela poderia... etc.”. e isto era não só gratificante, mas também a ajudava a manipular as culpas e ansiedades; os ganhos secundários se situam nas vantagens materiais decorrentes de sua atitude: seu ressentimento “justificável” lhe proporcionava força no controle da vida sexual como marido e de outros aspectos de seu casamento, e arrancava as concessões e os presentes com que ele procurava compensá-la por sua severidade. Mas, já que no momento estamos interessados em psiquiatria social, a vantagem mais relevante pertence a um tipo que se distingue dos outros três: o ganho social. A pergunta cuja resposta descreve o ganho social é a seguinte: Como a situação contribui para a estruturação do tempo do indivíduo? Mr. Dodakiss estabeleceu seu jogo seduzindo o marido (se é que ele necessitava de sedução) a impor proibições. Além de servir aos propósitos já mencionados, estas proibições supriam um reservatório de ressentimentos sempre renovado. A qualquer momento que faltasse o que fazer ou a intimidade se visse ameaçada, este ressentimento fornecia um modo substituto de preencher o tempo com o jogo “Se Não Fosse Você” e seus intermináveis ataques e contra-ataques. Além disso, Mrs. Dodakiss obtinha uma posição privilegiada em seu círculo social feminino, pois ela sempre podia participar das conversas com um sentido de gratificação e realização, jogando o passatempo derivativo “Se Não Fosse Ele”. Assim, sua relação conjugal não apenas lhe proporcionava proteção, controle e gratificação (os ganhos freudianos), mas também o privilégio de jogar “Se Não Fosse Você” e “Se Não Fosse Ele”. Como importante subproduto, a educação emocional dos filhos dos Dodakiss incluía um importante curso intensivo de aprendizagem desses jogos, de modo que toda a família se dedicava a esta ocupação com muita habilidade e freqüência. Um quinto tipo de vantagem é o ganho biológico, decorrente do simples fato de as partes se estimularem umas às outras de alguma forma, removendo o seu isolamento, independentemente da forma ou do conteúdo do estímulo. As vantagens que Mr. Dodakiss obtinha a partir desta situação podem apenas ser imaginados, já que ele passou por tratamento; os parceiros do sexo masculino, neste jogo, geralmente não são do tipo dos que buscam soluções na psiquiatria. Da experiência com casamentos semelhantes, no entanto, podemos supor que seu ganho primário interno fosse sádico ou contrafóbico; seu ganho externo primário, o mesmo que o de sua esposa, ou seja, evitar intimidade sexual sem perda da auto-estima, provocando rejeição; seu ganho secundário era a liberdade para ir caçar; e seu ganho social era o passatempo “Ninguém compreende as mulheres”. A análise transacional de jogos é muito instrutiva para as pessoas interessadas. As transações são de três tipos: complementares, cruzadas e ulteriores. As transações complementares de uma relação bem estruturada e as transações cruzadas de uma relação pobremente estruturada já foram discutidas. Num passatempo, as transações são complementares; portanto, nesta situação a relação é bem estruturada, relativamente simples e pode continuar indefinidamente, enquanto for bem motivada por gratificações. Num jogo, relação também é bem estruturada, sem cruzamentos, mas as transações são ulteriores e ocorrem em dois níveis simultaneamente, o social e o psicológico. A análise do “Se Não Fosse Você” é mostrada na Figura 9C. No nível social, o paradigma é o seguinte:

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Marido (M): Você fica em casa e toma conta dela. Esposa (E): Se não fosse você, eu poderia estar-me divertindo. Aqui, o estímulo transacional é de Pai para Criança e a resposta é de Criança para Pai. No nível psicológico (o contrato conjugal ulterior), a situação é bastante diferente: M: Você sempre deve estar em casa quando eu chegar. Tenho pavor de abandono. E: Eu farei isso, se você me ajudar a evitar as situações fóbicas. Aqui, tanto o estímulo como a resposta são de Criança para Criança. Em nenhum nível existe cruzamento, de modo que o jogo pode continuar indefinidamente, enquanto estiver bem motivado. Portanto, podemos definir transacionalmente um jogo como um conjunto de transações ulteriores. Descritivamente, jogo é um conjunto repetitivo de transações, com freqüência enfadonhas, superficialmente plausíveis, com uma motivação oculta; ou, de forma mais coloquial, uma série de lances com uma cilada ou “truque”. O jogo mais comum em reuniões e grupos de todos os tipos, incluindo grupos de psicoterapia, é “Por Que Você Não...? Sim. Mas...”. Hyacinth: Meu marido nunca constrói nada certo. Camellia: Por que ele não faz um curso de carpintaria? Hyacinth: Sim, mas ele não tem tempo. Rosita: Por que você não lhe compra algumas ferramentas boas? Hyacinth: Sim, mas ele não sabe como usá-las. Holly: Por que vocês não contratam um carpinteiro? Hyacinth: Sim, mas seria dispendioso demais. Íris: Por que você, então, não aceita o que ele faz do modo como ele faz? Hyacinth: Sim, mas tudo poderia desmoronar. “Por que você não...? Sim, mas...” pode ser jogado por qualquer integrante do grupo. Um jogador, que é “ele”, apresenta um problema. Os outros apresentam soluções, cada qual com “Por que você não...?” A cada uma delas, “ele” objeta com um “Sim, mas...” Um bom jogador pode prolongar este jogo com o grupo indefinidamente, até que todos os seus membros desistam e, conseqüentemente, “ele” ganha. Hyacinth, por exemplo, recusou mais de 12 soluções, antes que Rosita e o terapeuta interrompessem o jogo. Já que todas as soluções, salvo raras exceções, são rejeitadas, fica evidente que este jogo deve servir a alguma finalidade oculta. O "truque" em "Por que você não... Sim, mas..." é que ele não é jogo por seu propósito ostensivo (um Adulto que busca informação ou soluções), mas para proporcionar segurança e gratificar a Criança. Numa transcrição, a coisa pode parecer Adulta, mas, ao vivo, é possível observar que "ele" se apresenta como uma Criança incapaz de enfrentar a situação: conseqüentemente, os outros se transformam em Pais sábios, ansiosos por dispensar seus conhecimentos em benefício do desamparado. E isto é exatamente o que "ele" quer, uma vez que seu objetivo é confundir esses Pais, um após o outro. A análise deste jogo é mostrada na Figura 9D. O jogo pode ter 73

prosseguimento porque, ao nível social, tanto o estímulo como as respostas são de Adulto para Adulto, e, ao nível psicológico, eles também são complementares: o estímulo de Pai para Criança ("Por que você não..."), arrancando uma resposta de Criança para Pai ("Sim, mas..."). O nível psicológico pode ser inconsciente para ambas as partes. Diante destas interpretações, é instrutivo prosseguir com o jogo de Hyacinth. Hyacinth: Sim, mas tudo poderia desmoronar. Terapeuta: O que todas vocês pensam sobre isso? Rosita: Aqui estamos nós, novamente, jogando "Por que Você Não... Sim, Mas..." Aposto que você pensaria que saberíamos mais coisas desta vez. Terapeuta: Alguém sugeriu algo em que você ainda não tinha pensado por si só? Hyacinth: Não. Na verdade, já tentei quase tudo que elas sugeriram. Comprei algumas ferramentas para meu marido, e ele fez um curso de carpintaria. Terapeuta: O interessante é que Hyacinth disse que ele não tinha tempo de fazer o curso. Hyacinth: Bem, enquanto estávamos conversando, eu não percebi o que estávamos fazendo, mas agora vejo que estávamos jogando "Por Que Você Não... Sim, Mas" novamente. Então, acho que ainda estou tentando provar que nenhum Pai pode me dizer nada. Terapeuta: E ainda você me pede para hipnotizar você ou lhe dar uma injeção hipnótica. Hyacinth: Você, sim. Mas ninguém mais vai me dizer o que fazer. O ganho social (estruturação do tempo) deste jogo foi claramente indicado por Mrs. Tredick, que se queixava de eritrofobia. Como é comum acontecer, Mrs. Tredick poderia mudar de papel em jogar como sendo "ele" quando como sendo um dos sábios, e isto foi discutido com ela numa sessão individual. Dr. Q.: Por que é que você participa deste jogo, se sabe que ele é uma farsa? Mrs. T.: Se estou conversando com uma pessoa, tenho de ficar pensando em coisas para dizer. Se não fizer assim, fico vermelha. Exceto no escuro. Dr.Q.: Por que você não cora no escuro? Mrs. T.: Para quê, se ninguém pode ver a gente? Dr. Q.: Qualquer hora falaremos sobre isso. Seria uma experiência interessante, se você parasse de jogar "Por Que Você Não..." no grupo. Todos poderíamos aprender algo. Mrs. T.: Mas não posso suportar uma pausa na conversa. Eu sei disso e meu marido também. Ele sempre me diz isso. Dr. Q.: Você quer dizer que, se seu Adulto não tiver uma ocupação, sua Criança aproveita a chance para entrar em cena e torná-la embaraçada? Mrs. T.: É isso. Assim, se puder ficar dando sugestões a alguém ou fazer com que me façam sugestões, então me sinto bem. Fico protegida. Sabe, o enrubecimento agora já

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não me aborrece tanto. Enquanto consigo manter o Adulto no controle, posso adiar o embaraço e, quando isto ocorre, não fico em pânico como antes. Aqui, Mrs. Tredick indica com bastante clareza que teme enfrentar um período de tempo não-estruturado. Sua Criança, embaraçada e sexualmente excitada, previne-se contra chamar a atenção sobre si, enquanto o Adulto puder ficar ocupado numa situação social, e um jogo oferece uma estrutura apropriada para o funcionamento do Adulto. Mas o jogo deve ser adequadamente motivado a fim de mantê-la interessada. Sua escolha deste jogo particular sofre a influência do princípio da economia: ele proporciona os maiores ganhos internos e externos relacionados com os conflitos da Criança a respeito da passividade física. Mas Tredick podia desempenhar, com igual entusiasmo, tanto o papel da astuta Criança de uma outra pessoa; ou melhor, que não consegue fazê-lo, já que nenhuma sugestão jamais será aceita pela Criança e o Pai nunca terá sucesso. O lema deste jogo é: "Não se apavore, o Pai nunca vence". Em última análise, recorre-se uma atitude bissexual ambivalente em relação aos pais reais do início da infância. Outros jogos comuns são "Desastrados", "Alcoólatra", "Perna de Pau", "Tumulto", "Não é Horrível?", "Você me Meteu Nisso", "Lá Vou Eu Novamente" e "Briguem Vocês Dois". Os jogos são escolhidos (ou, freqüentemente, colocados pelos próprios pacientes). de modo a apresentar a veemência convincente tecnicamente desejável e terapeuticamente eficaz. Descritivamente, cada jogo é análogo a uma competição programada, como o xadrez ou o futebol. White dá o primeiro lance, soa o apito, e East dá o chute inicial, a bola entra em jogo etc., cada um encontrando seus análogos, nos primeiros lances, nos jogos sociais. O estímulo de X dá seu segundo lance estereotipado. Após determinado número de lances, o jogo termina com um desfecho, equivalente ao xeque-mate ou ao gol. Portanto, um jogo não é uma atitude nem um passatempo, mas um conjunto de transações complementares exploratórias dirigidas para uma meta final. "Desastrado" nos fornece a oportunidade convincente, mas perigosa, de ver o que acontece se um jogo é interrompido. Neste jogo, a pessoa em questão, "ele", quebra coisas, derrama coisas e faz confusões de vários tipos, e, toda vez, diz: "Sinto muito!". Os lances numa situação típica são os seguintes: 1. White derrama um coquetel no vestido da anfitriã. 2. Black reage, inicialmente, com raiva, mas percebe (a maior parte das vezes apenas vagamente) que, se demonstrar sua raiva, White sairá ganhando. Black, portanto, controla-se e isto lhe dá a ilusão de estar vencendo. 3. White diz: “Sinto muito”. 4. Black resmunga um perdão, reforçando a sua própria ilusão de ter vencido. Depois de queimar a toalha da mesa com seu cigarro, de enfiar a perna da cadeira na cortina de renda e de derramar molho no tapete, a Criança de White está animada porque deu vazão a sua agressão anal e foi perdoada, enquanto Black deu uma gratificante demonstração de resignado autocontrole. Assim, ambos lucram com uma situação infeliz, e Black não estará, necessariamente, ansioso por terminar a amizade com White, o agressor, sempre vence, de qualquer modo. Se Black demonstrar raiva, White poderá continuar aproveitando suas oportunidades. É apenas nestes jogos da vida que uma pessoa pode ganhar sempre, aconteça o que acontecer. "Antidesastrado" é jogado por uma pessoa audaz

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e experiente, da seguinte forma: 1. White esmaga o chocalho do bebê com o salto do sapato. 2. Black, que esperava por isso, simplesmente fica na expectativa. 3. White, um tanto desconcertado pela postura de Black, diz "sinto muito!" 4. Black diz: "Você pode derramar um coquetel no vestido de minha esposa, queimar a toalha da mesa, rasgar a cortina e deixar cair molho no tapete, como fez da última vez, mas, por favor, não me diga "Sinto muito!". 5. Agora que a hostilidade anal de White foi exposta publicamente, tanto os ganhos primários internos procedentes da confusão "socialmente aceitável" como o ganho primário externo de ser perdoado saíram de sua perspectiva. O problema agora está em saber se haverá uma explosão imediata de raiva de White com uma batida de porta ou coisa pior, ou se ele se controlará e deixará a revanche para outra oportunidade. Em qualquer dos casos, Black agora fez um inimigo e White corre o risco de um distúrbio, possivelmente sério, de economia psíquica. A partir deste ponto se verá que, enquanto a descrição de um jogo é remanescente dos humoristas ingleses, (3) os jogos aqui discutidos são de natureza séria. Sua função dinâmica é preservar o equilíbrio psíquico, e sua frustração leva ou à raiva ou a um estado que, em análise transacional, é chamado desespero. (Este é clinicamente diferenciável de depressão, e é semelhante ao desespero existencial.) "Alcoólatra" é complicado, porque, em sua forma clássica, é um jogo em que participam quatro pessoas, todas elas obtendo tanto ganhos primários quanto secundários. Em sua forma completa, o jogo exige um perseguidor, um salvador, um trouxa mudo e a pessoa em questão, "ele". O perseguidor pertence, em geral, ai sexo oposto ao "dele", tipicamente a esposa, e o salvador, do mesmo sexo, é quase sempre um médico. O troxa é uma pessoa mais ou menos indiferente tanto libidinosos como agressivos. Estes papéis podem ser condensados em um jogo com três pessoas ou duas, e é possível também o intercâmbio de personagens. Várias associações estabelecem regras para este jogo e definem os papéis em seus documentos. Para ser "ele", a pessoa toma um drinque antes do café da manhã etc... Para ser um salvador, a pessoa acredita num Poder Superior, e assim por diante. O fato de as pessoas participantes de determinado jogo poderem, potencialmente, jogar qualquer dos papéis deste jogo explica o sucesso das associações de recuperação. Tais organizações podem ter muito sucesso em fazer o indivíduo parar de beber, mas não o curam do fato de jogar o jogo do "Alcoólatra". O que acontece com o indivíduo aparentemente é a sua transferência para o papel de salvador, neste jogo particular, depois que abandona o papel "ele" (personagem principal do jogo). Sabe-se que, no caso de escassez de pessoas para salvar, os que tiverem sido "curados" poderão sofrer uma recaída, (4) o que, na linguagem da análise de jogos, significa que eles regridem a seus papéis originais de "ele" no jogo alcoólatra. Ex-alcoólatras tornam-se melhores salvadores do que pessoas que não bebem, porque eles conhecem melhor as regras do jogo e têm mais experiência em sua aplicação. O jogo é chamado aqui de "Alcoólatras" e não de "Alcoolismo", porque, em certos casos, pode ser jogado sem a garrafa. Isto é, existem certas pessoas que não são viciadas em álcool e jogam essencialmente o mesmo jogo,

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manipulado por quatro pessoas. Em geral há consenso de que as associações recuperadoras (especialmente a dos Alcoólicos Anônimos) proporcionam melhores chances para a pessoa parar de beber do que outras abordagens, inclusive os grupos de psicoterapia. Ao que parece, os alcoólatras não se sentem atraídos pelos grupos de psicoterapia, e não é muito difícil encontrar a razão disto. Se tivermos em mente que o objetivo básico de um grupo é ajudar o indivíduo a estruturar o seu tempo de modo que ele obtenha o máximo de ganhos possível, é fácil compreender que cada pessoa selecionará os grupos que lhe parecerem mais adequados deste ponto de vista, grupos que inicialmente lhe prometam as melhores oportunidades para jogar seu jogo altamente motivado. Se o indivíduo for frustrado nesta busca, ele se afastará do grupo. Assim, os pacientes costumam permanecer em grupos de terapia se ali eles podem jogar seus jogos favoritos ou visualizar uma oportunidade de aprender jogos "melhores"; do contrário, eles se afastam. Um alcoólatra não acha fácil colocar o seu jogo particular num grupo de neuróticos ou psicóticos comuns, e, já que sua capacidade para tolerar frustração é notoriamente baixa, ele logo do "alcoólatra". Com base neste princípio, o alcoólatra só continuará num grupo geral sob duas condições: ou o terapeuta está ciente de que o Alcoólatra está manipulando o grupo com sucesso, sendo que neste caso o paciente não obterá nenhum benefício terapêutico; ou o terapeuta é habilidoso o bastante para ajudar o alcoólatra a tolerar suas frustrações, até que os conflitos subjacentes possam ser atingidos. Uma terceira possibilidade de êxito se abre se houver um grupo constituído apenas de pessoas que estejam jogando, todas, o jogo do alcoólatra. Uma das perguntas mais freqüentes a surgirem depois que os pacientes aprendem o controle social e desistem de seus jogos principais é: "O que eu faço em lugar disso?", isto é, "Como estruturo meu tempo agora?" Com o tempo, a vis medicatrix naturae cuidará deste problema, permitindo à Criança retornar à cena sob alguma outra forma de expressão mais natural e construtiva do que a do jogo original, para surpresa e satisfação do paciente. Isto não significa que o controle social seja uma cura, mas, em casos favoráveis, ele proporciona uma melhora significativa. Certamente, seria desaconselhável para o terapeuta ser tão apaixonado a ponto de tentar fornecer novos jogos para antigos pacientes; ele deve aderir ao lema de Ambroise Paré: "Eu trato dele, mas é Deus quem o cura". Este é o prefácio para a proposta de que alguns alcoólatras "curados" tendem a ser um tanto neutros em termos sociais. Isto se deve a que é difícil para eles resolver "O que fazer em lugar de beber". Já que, na maioria dos casos, eles estão livres para buscar um novo jogo, e, portanto, acham difícil se engajar com as pessoas sem que seja ao seu modo. "Perna de Pau" é um jogo importante em psicoterapia, especialmente porque ele se torna cada vez mais sintônico culturalmente. É o equivalente existencial da declaração legal de insanidade, que não passa de uma versão profissional de "Perna de Pau". Como a psicanálise de fobias, também a análise transacional é uma terapia de ação só que com maior eficácia; mais cedo ou mais tarde, chega-se a um ponto em que o paciente precisa realmente pegar o metrô, atravessar a ponte ou tomar o elevador; a terapia não pode continuar por muito tempo, antes que tal confrontação seja feita. Para a análise transacional, é preferível que isto aconteça o mais cedo possível, e às vezes ela adota a seguinte posição: "Faça primeiro o que for necessário e poderemos analisar o problema depois". O paciente pode responder com algum equivalente psiquiátrico, do tipo "O que você espera de um 77

homem com uma perna de pau?", assim como: "Mas eu não consigo, eu sou neurótico". Na verdade, tudo o que o terapeuta pede é que o presente use o que aprendeu quando estiver bom. Muitos neuróticos mantêm a ilusão de que devem esperar até o "fim" do tratamento, como se fossem receber alguma espécie de diploma que lhes permitisse só a partir de então começar a viver no mundo, e um dos deveres do terapeuta é combater este tipo de inércia, se é que podemos usar este termo para exprimir esta postura. As pessoas acostumadas a ler artigos psiquiátricos populares ou técnicos podem jogar uma versão mais sofisticada de "Perna de Pau", dizendo: "Mas, se eu fizer isso, então não serei capaz de analisar", referindo-se ao problema de se decidir a atuar. Com freqüência, é necessário um estudo clínico bastante aprofundado para determinar se um paciente de fato não está pronto, ou se está jogando "Perna de Pau". Em qualquer dos casos, o terapeuta só deveria ser o anti- "Perna de Pau" sob certas condições: não mais do que uma vez a cada três meses, com o mesmo paciente; apenas quando ele tiver a certeza de que o paciente seguirá sua sugestão; e somente se a sugestão for feita como um Adulto, e não como um Pai. Em muitos casos, o paciente entenderá isso como Parental, mas o importante é que a qualidade Adulta da abordagem esteja clara para o próprio terapeuta e para os outros membros do grupo, se houver outros. Tipos especiais de "Perna de Pau" se revelam particularmente habilidosos para provocar uma contratransferência Parental em terapeutas influenciáveis: o paciente que alega ter inteligência limitada apela para o esnobismo dos terapeutas; o paciente que alega ter saúde delicada, pode apelar para sua simpatia ou insegurança; e o que alega pertencer a um grupo racial minoritário, pode apelar para seus preconceitos. Ilustramos a inconsciência deste jogo, assim como de suas implicações sociológicas contemporâneas, com o seguinte caso: Mr. Segundo se orgulhava de ter conseguido a absolvição de um de seus clientes, lançando mão do recurso de pedir o depoimento de um psiquiatra na defesa. Seu cliente estava sendo acusado de haver faltado seriamente com seus deveres. O psiquiatra testemunhara que o homem era legalmente são, mas que provinha de um lar desfeito e só havia cometido a transgressão por amor à sua esposa, porque ele precisava muitíssimo dela. Seu testemunho foi tão convincente, juntamente com os argumentos de Mr. Segundo, que o júri absolveu o homem. Em análise transacional, a confiabilidade é encarada como uma qualidade social inerente ao Adulto. Portanto, espera-se que o paciente seja confiável dentro dos limites em que seu Adulto é capaz de funcionar num dado momento. Esta é a base lógica para o terapeuta ser o anti- "Perna de Pau", quando indicado, e os pacientes compreendem isto. Se o terapeuta for prudente, não deverão surgir dificuldades nesta manobra. Na experiência do autor, nenhum paciente desistiu do tratamento, sendo lesado, ou se envolveu numa situação de transferência caótica por causa do anti- "Perna de Pau". Em termos estruturais, esta posição baseia-se na premissa de que a Criança pode aprender a partir da experiência; portanto, deve-se encorajar o indivíduo primeiro a viver bem no mundo. Esta premissa, juntamente com a que afirma que todos os adultos, independente do seu grau de perturbação ou deterioração funcional, têm um Adulto completamente formado que, sob condições adequadas, pode ser catexizado, é mais otimista e, na prática, também parece mais produtiva do que as visões convencionais.

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Dentre os outros jogos especificamente mencionados, o "Tumulto", com suas vozes altas e batidas de porta, é, classicamente, uma defesa contra as ameaças sexuais, entre pai e filha ou marido e esposa, por exemplo. Freqüentemente ele é a fase final do jogo de provocação-rejeição-projeção de "Mulher Frígida" ("Tudo O Que lhe Interessa é Sexo"). "Não É Horrível?" é jogado, com seriedade e dedicação, apenas pelos solitários adeptos da cirurgia. "Você me Meteu Nisso" é um jogo manipulado por duas pessoas, que se relaciona com dinheiro, sexo ou crime, entre um ingênuo (Você) e o personagem principal, e o vencedor ostensivo é o agent provocateur. No primeiro, o "Eu" é, tipicamente, um homem, e no segundo, o "Eu" é, tipicamente, uma mulher. "Agora briguem vocês" é uma abertura essencialmente feminina para um jogo que pode ser jogado com qualquer grau de seriedade, desde um gracejo de coquetel até um homicídio. É evidente que os jogos podem ser classificados de várias maneiras. Nosologicamente, "Desastrado" é obsessivo, "Você me Meteu Nisso" é paranóide, "Lá Vou Eu Novamente" é depressivo. Em termos de zona, "Alcoólatra" é oral, "Desastrado" é anal, "Agora Briguem Vocês" é fálico. São ainda classificáveis de acordo com as principais defesas usadas, o número de jogadores ou os "contragolpes". Exatamente como um maço de cartas, um par de dados ou uma bola podem ser usados em vários jogos diferentes, também o podem o tempo, o dinheiro, as palavras, as piadas, as partes do corpo e outros "contragolpes". Os jogos diferem das operações, as quais pertencem à esfera da intimidade. Um jogo, por definição, envolve necessariamente um lance ou um "truque", através de uma transação ulterior. Uma operação é uma transação direta, apenas algo que alguém faz socialmente, como pedir segurança e obtê-la. Ela só se torna jogo, se o indivíduo se apresenta como se estivesse fazendo alguma outra coisa, ainda que na realidade seu objetivo fosse obter segurança, ou se, depois de pedi-la, a rejeita, a fim de fazer com que a outra pessoa fique desconcertada de algum modo. A análise de jogos não só tem função racional, como também apresenta um interesse vital para os procedimentos sérios da psicoterapia individual ou de grupo. Os jogos não devem ser corrompidos por propósitos hedonóstocos e precisam ser manipulados com perfeita correção, pois o prazer evidente que eles proporcionam a muitos dos participantes é um prêmio que o terapeuta consciencioso deveria agradecer e não um assunto sobre o qual se deva polemizar.

NOTAS Freqüentemente me solicitam uma lista de jogos. Já que é necessário um longo período de observação para se chegar a um nome apropriado e aos lances essenciais, e para que as motivações de um jogo se tornem claras, é difícil satisfazer este pedido. O estudo dos jogos ainda se encontra num estágio de acumulação e fluidez. É comum descobrirmos que dois jogos que, à primeira vista, parecem diferentes, são os mesmos, quando lhes extraímos a essência; e jogos aparentemente semelhantes ou idênticos também podem revelar-se às vezes, bastante diversos na essência. As inter-relações dos vários jogos são

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ainda de mais difícil esclarecimento. Nem as questões básicas, como por exemplo, se certa variedade de jogos é um acompanhamento necessário de determinado argumento, ainda não estão satisfatoriamente verificadas. Por enquanto, apenas o argumento do plano de vida conhecido comumente como "Chapeuzinho Vermelho" foi estudado sob este aspecto e, como se poderia esperar, todas as mulheres envolvidas jogam "Agora Briguem Vocês", assim como dois ou três jogos. Mas outros tipos de mulheres também jogam "Agora Briguem Vocês". De qualquer maneira, seria necessário um outro livro para descrever de modo adequado todos os jogos até agora conhecidos. A lista que elaboramos a seguir, somada às já mencionadas, é, portanto, parcial e provisória. 1 - "Faça Algo Por Mim" ("Perna de Pau" com obstinação anal) 2 - "Atormentar" ("Agora que compliquei tanto a vida, já posso desistir"). 3 - "Sou inocente" (O que nega com tranqüilidade) 4 - "Você me Meteu Nisso" (O que nega com frieza) 5 - "O Jogo da Bolsa de Valores" ("Veja, ganhei um ponto... Não pensei que estivesse sendo provocativo"). Aqui surge a questão das variações. Algumas mulheres apontam defeitos na conformação de seus seios. 6 - "Violação" (“Você quer dizer que eu seduzi você; você me violou e eu estou-me queixando"). Aqui surge a questão dos estágios. Em sua forma socialmente mais aceitável, os ganhos decorrem da sedução em si, e o desprezo significa simplesmente que o jogo já terminou. Este é o primeiro estágio. No segundo estágio de "Violação", mais malicioso, a sedução é secundária em relação ao triunfo real, que é obtido a partir do desprezo. Em sua forma mais maligna, o terceiro estágio, que pode terminar em escândalo, homicídio, os ganhos advêm do fato de a pessoa ter sido realmente "violada". 7 - "Agora Peguei o FDP" (Às vezes é uma variação de "Devedor" ou "Credor"). É uma questão de dureza. Seu significado como jogo "Credor" é óbvio. Como jogo sério do "Devedor" os ganhos derivam da "justificação", se o credor exceder os limites estabelecidos pelo devedor para a cobrança. ("Agência de cobrança, sim. Mas eu me vingarei dele por ter contado a meu patrão".). O artigo de S.S. Feldman sobre a "Interpretação Vazia" (5) é uma excelente descrição de um jogo de "Psiquiatria", em que ora o analista, ora a pessoa que está sendo analisada, dá o passo inicial. Em análise transacional, o terapeuta ou o paciente elege o elemento arcaico nessas transações e, em lugar de seguir o Dr. Feldman na busca da "interpretação verdadeira" do conteúdo, buscariam as origens genéticas do jogo em si, no início da história do analista ou das pessoas analisadas. Pode não ser cientificamente correto chamarmos os dois níveis de uma transação ulterior de "social" e "psicológico", mas estes são os termos mais exatos, claros e convenientes de que dispomos, sem apelar a Liddell & Scott para nos fornecer neologismos. A desintegração de grupos de Alcoólatras Anônimos, quando não havia mais alcoólatras a recuperar, foi um fenômeno que observei há muitos anos. (6) Embora o Dr. Hendrick Lindt, cuja experiência neste assunto é mais do que a minha, tenha-me contado em particular que fizera a mesma constatação, a conclusão não é absoluta e a questão, ainda

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está em aberto. Historicamente, o jogo mais complexo que já existiu é "Cortesão", magnificamente descrito por Stendhal em The Charterhouse of Parma. O ganho biológico aponta na direção do trabalho de Spitz, sobre bebês emocionalmente carentes, experiências de privação e os estudos recentes do masoquismo como uma faute de mieux. Comumente, em seminários, chama-se isso de "golpear". Assim, um ritual de cumprimento pode ser descrito como um "ritual de dois golpes", "um ritual de três golpes" etc...

REFERÊNCIAS 1. Berne, E. Starrels, R.J.& Trinchero, A. "Leadership Hunger in a Therapy Group". Arch. Gen. Apychiat. 2: 7580, 1960. 2. Freud, S., "Fragment of an Analysis of a Case of Hysteria". Collected papers. Vol. III. 3. Potter, Stephen, Lifemanship, Henry Holt &Company, Nova York, 1950. Também, do mesmo autor, Theory and Practice of Gamesmanship. 4. Berne, E., A Layman`s Guide Psychiatry and Psychoanalysis. Simon & Schuster, Nova York, 1957. 5. Feldman, S.S., "Blanket Interpretation". Psychoanal. Quart. 17: 205-216, 1958. 6. Berne, E., The Mind in Action. Simon & Shuster, Nova York, 1947.

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11. ANÁLISE DE ARGUMENTOS

Os jogos parecem ser segmentos de conjuntos mais amplos e complexos de transações, chamados argumentos. Os argumentos pertencem à espera dos fenômenos de transferência, isto é, são derivativos, ou, mais precisamente, adaptações, de reações e experiências infantis. Mas um argumento não diz respeito a uma mera reação de transferência ou a uma situação de transferência, (1) freqüentemente dividido em atos, exatamente como os argumentos teatrais, que são derivativos artísticos desses dramas primários da infância. Operacionalmente, um argumento é um conjunto complexo de transações, periódicas por natureza, mas não necessariamente recorrentes, uma vez que um desempenho completo poderia exigir toda uma vida. Um argumento trágico comum é aquele que se baseia na fantasia de salvadora de uma mulher que se casa com um alcoólatra após outro. O rompimento deste argumento, assim como o rompimento de um jogo, leva ao desespero. Já que o argumento busca uma cura mágica do marido alcoólatra, e isto não é plausível, resulta num divórcio de pais alcoólatras, de modo que as origens infantis do argumento são facilmente detectáveis. Um argumento prático e construtivo, por outro lado, pode conduzir a uma grande felicidade, se as outras pessoas que estão na jogada forem bem escolhidas e desempenharem seus papéis satisfatoriamente. Na prática da análise de argumento, o material transacional (intragrupal e social ou extragrupal) é coletado até que se torne clara, para o paciente, a natureza de seu argumento. Os argumentos neuróticos e psicopáticos são quase sempre trágicos, e seguem os aristotélicos de dramaturgia com notável felicidade: há prólogo, clímax e catástrofe, com suas origens históricas, de modo que o controle do destino do indivíduo possa ser desviado desde a Criança até o Adulto, desde o inconsciente arqueo-psíquico até a consciência neopsíquica. No grupo, logo é possível observar o paciente tentando sentir, através de jogos e passatempos, as potencialidades dos outros membros para tomarem parte de seu argumento, e assim primeiramente ele age como um diretor da distribuição de papéis e, depois, como protagonista. Para ser eficiente na análise de argumentos, o terapeuta deve ter uma estrutura conceitual mais organizada do que a que ele acha necessária para se comunicar com o paciente. Inicialmente, não existe nenhuma palavra específica em psicanálise para as experiências originais das quais derivam as reações de transferências. Em análise de argumento, o drama familiar que primeiro é jogado com uma conclusão insatisfatória nos primeiros anos de vida é chamado protocolo. Este é, classicamente, uma versão arcaica do drama de Édipo e é reprimido mais tarde. Sua precipitação reaparece como o argumento propriamente dito, que é um derivativo pré-consciente do protocolo. Em qualquer situação social dada, entretanto, o argumento propriamente dito deve ser ajustado de acordo com as realidades possíveis. Este ajuste é tecnicamente denominado adaptação - a adaptação que o paciente de fato tenta jogar na vida real, manipulando as pessoas à sua volta. Na prática, o

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protocolo, o argumento e a adaptação, todos se enquadram no termo "argumento". Esta é a única das três palavras que realmente é usada no grupo, uma vez que ela se ajusta ao objetivo intencional e é a mais significativa para a maioria dos pacientes. Na busca de caracteres que se adaptem aos papéis exigidos por seu argumento, o paciente percebe os outros membros do grupo através da sua própria forma idiossincrática de ver, geralmente com considerável perspicácia intuitiva. Isto é, ele tende a escolher as pessoas certas para desempenhar os papéis de mãe, pai, irmão e quaisquer outros de que necessita. Quando seu elenco está completo, ele prossegue, tentando extrair das pessoas escolhidas para cada papel as respostas adequadas. No caso de inexistirem pessoas suficientes no grupo, alguém terá de desempenhar um papel duplo. Se houver elementos demais, vários deles poderão ser escolhidos, representando pessoas que desempenham papéis menores no protocolo e cuja presença é facultativa ou não essencial. Mas o indivíduo pode optar por ignorar as pessoas sem nenhuma função em sua adaptação. A motivação para o comportamento do paciente é a sua necessidade de recapitular ou aumentar os ganhos da experiência original. Ou ele busca realizar a repetição da catástrofe original, como na clássica compulsão de repetição; ou ele pode tentar conseguir um final mais feliz. Uma vez que o objetivo da análise de argumento é "encerrar o espetáculo e colocar outro em cena", não é muito importante estabelecer qual dessas alternativas se aplica, ou escolher os conflitos nesta área. Por exemplo: considera-se irrelevante determinar se a mulher que falhou em salvar seu pai alcoólatra está tentando ter sucesso onde falhou antes; ou se sua atitude é ambivalente. O importante é livrá-la da compulsão de reviver a situação e introduzi-la em algum outro caminho. Isto se aplica a qualquer argumento comprovadamente negativo. Mrs. Catters ilustra como surgem, na prática, os problemas da análise de argumentos. Por muito tempo, ela foi improdutiva no divã. Sua principal defesa era uma forma intencional de falar que isolava a Criança, de modo a fornecer poucas indicações que esclarecessem de alguma maneira a sua sintomatologia. Quando ela foi introduzida num grupo de terapia, no entanto, ela entrou em ação quase que imediatamente. Teve participação ativa em "O Que Fazer Com Cônjugues Delinqüentes?" (passatempo que pertence à família "PTA"). Também participou de um jogo animado, "Briguem Vocês Dois", observando com muito prazer os argumentos que conseguiu iniciar com sucesso entre alguns dos homens. E, quando o grupo jogou "Não é Horrível", ela riu muito ao relatar vários episódios sangrentos ocorridos a amigos e conhecidos seus. Deste modo, aconteceu que poucas semanas de terapia de grupo forneceram mais informações sobre ela do que os muitos meses de divã. Mas, sendo os argumentos tão complexos e repletos de idiossincrasias como são, é impossível adequar a análise de argumentos apenas à terapia de grupo, e ainda faltava encontrar uma oportunidade em suas sessões individuais para elucidar o que tinha sido estudado até então. Depois de algum tempo, numa dessas sessões ela se queixou de que não conseguia defender-se contra a agressividade masculina. O terapeuta opinou, com base em material anterior, que uma razão poderia ser que ela ficava tão zangada diante de homens em geral que temia avançar na relação, mesmo que fosse um pouquinho, pelo risco de se surpreender, indo além do que queria. Ela respondeu que era difícil acreditar que pudesse ficar zangada diante dos homens. Mas continuou a relatar fantasias da morte de seu marido, que era piloto de avião a jato: um dia ele poderia sofrer um acidente ou brigar por causa de 83

outra mulher e ser trazido para casa fatalmente ensangüentado e ferido e, assim, ela se tornaria uma figura romântica entre seus amigos, a viúva trágica. Então, Mr. Catters lembrou-se de quão profundamente ferida e zangada, de fato enlouquecida, ela ficara, quando criança, depois do aniversário do seu irmãozinho, a quem seus pais pareciam preferir. Sua zanga se dirigia especialmente contra o pai, e ela pensava: "Papai merece ser morto por alguém e, se isto acontecesse, seria um castigo para mamãe". Ela imaginava que a morte dele também lhe daria uma posição especial entre seus coleguinhas. A imagem de seu pai morrendo era acompanhada por um riso típico de prazer. Havia outras complicações irrelevantes para esta discussão. Em sua forma mais simples, o protocolo era o seguinte: seus desejos de morte contra o pai realizam-se sem qualquer iniciativa da parte dela. A cena do leito de morte oferece seu tipo peculiar de prazer. Isto se repete quando ela dá a notícia a sua mãe e observa a dor desta. Então, ela se torna uma figura romântica para seus companheiros. Este drama se repetia em suas fantasias sobre o marido, mas parecia faltar um elemento: a mãe aterrada. Por isso o terapeuta perguntou-lhe se sua sogra também fazia parte destas fantasias. E ela confirmou, dizendo que, depois da cena do leito de morte, realmente ela sempre se via indo anunciar o desenlace fatal à sogra. Este protocolo contém seis papéis principais: o da própria pessoa, o objeto de amor masculino, a sogra, a rival, o agressor e o auditório; e poderia ser dividido nos mesmos atos e cenas. A escolha que ela fizera em relação ao marido tinha sido parcialmente motivada por sua necessidade mórbida de ciúme, ou, na linguagem em questão, por sua necessidade de distribuir os papéis de seu argumento. Notar-se-á que os ganhos proporcionados pelo argumento duplicam os ganhos decorrentes do protocolo. O ganho primário interno centraliza-se em torno da pessoa que ri morbidamente diante da cena do leito de morte; o ganho primário externo localiza-se no fato de ficar livre do horrível objeto de amor e, simultaneamente, conseguir vingança em relação à figura da mãe. Os ganhos secundários vêm da herança e os sociais, do papel trágico que ela pode desempenhar na comunidade. A adaptação deste argumento no comportamento evidente de Mrs. Catters no grupo manifestou-se através de seus três jogos: "Marido Delinqüente PTA” (Cena 1, o Ciúme); "Briguem Vocês" (Cena 2, a Agressão); e "Não é Horrível?" (Cena 3, o Leito de Morte). Revendo seu comportamento no divã, o hábito de "dar notícias quando algo saísse errado (Cena 4, a Notícia) e as longas discussões a respeito de como parecer charmosa em festas (Cena 5, A Trenodia Romântica) agora faziam parte de seu argumento. Depois que tudo foi trabalhado durante um bom tempo (embora não exatamente na seqüência ordenada apresentada aqui), a paciente compreendeu, com bastante clareza, a natureza de um argumento e pôde ver como ela passara a maior parte de sua vida lutando por conservar esta espécie particular de drama em curso. Ao passo que antes ela se conduzira sem qualquer escolha, por uma compulsão arcaica inconsciente, ela agora se encontrava em condições de exercer controle social sobre grande parte de seu comportamento com as pessoas. Contudo, embora seu Adulto tivesse uma nova compreensão do significado de suas ações e relações, as tramas em si persistiam. Mas sua posição melhorou não apenas em termos sociais, mas também terapeuticamente, uma vez que agora estava mais claro tanto para a paciente como para o terapeuta o tipo de tramas com que tinham de trabalhar. A 84

sexualização da morte, que fez com que se tornasse um hobby para ela visitar cemitérios, não era mais do que um fenômeno isolado, mas poderia ser manejado com a compreensão crescente do modo como ele se ajustou ao seu destino total; e isto aconteceu também, com outras características e sintomas. Este é um argumento que não é atípico de um neurótico, embora possa parecer mórbido para quem não está costumado a trabalhar com tais dramas arcaicos. O que relatamos a seguir constitui a representação real de um argumento cujo protocolo nunca ficou completamente esclarecido, em razão de dificuldades técnicas. Mr. Kinz, solteiro, de 25 anos, foi à Nova York para se divertir num fim de semana. Chegou nas primeiras horas da manhã, cansado e um tanto nervoso, de modo que ele próprio se medicou com barbitúricos e álcool e foi em busca de um bar aberto àquela hora. Lá, no bar, ele começou a conversar com alguns homens mal-encarados, e julgou que eles podiam encontrar-lhe uma garota. Mostrou-lhes que tinha apenas dez dólares, mas eles disseram que seria suficiente. Convidaram-no a entrar num carro e o levaram para um lugar ermo, perto de um rio. Durante a conversa, ele contou que trazia consigo uma faca de caça, e um deles pediu para vê-la. Alguns minutos mais tarde, eles pararam o carro. O homem que estava no banco de trás agarrou o pescoço de Mr. Kinz, enquanto o outro colocou a lâmina da faca em sua garganta. Eles exigiam dinheiro e, com alguma dificuldade, Mr. Kinz conseguiu tirar a carteira do bolso. Então, eles o soltaram e foram embora, acenando um até logo amigável. Mr. Kinz enxugou o sangue da garganta e procurou um policial. Mas, contou-lhe o caso de tal modo, e sua aparência, naquele momento, estava tão desrespeitável, que a polícia não se impressionou. Eles anotaram alguns detalhes e, então, o dispensaram com indiferença. Depois de denunciar o roubo, Mr. Kinz tomou o café da manhã, em seguida, sem se importar com a aparência, apresentou-se na porta da empresa de seu pai. O porteiro não o conheceu e, com as sobrancelhas erguidas, mandou um empregado anunciá-lo. Seu pai o recebeu na biblioteca, onde estava sentado com alguns sócios bem-sucedidos e negociantes conservadores. Mr. Kinz não se preocupou em explicar sua aparência e, quando o pai o questionou, disse, de modo casual, que quase lhe tinham cortado a garganta. O pai deixou-o usar sua sala no andar superior e emprestou-lhe algumas roupas limpas. Mr. Kinz limpou-se todo, desceu e agradeceu educadamente ao pai e seus amigos, e continuou andando, à procura de mais divertimento. É interessante notar que os dois bandidos não mostraram nem o mais leve sinal de preocupação com a possibilidade de Mr. Kinz dar um alarme realmente perigoso, ou então ficar enfurecido ou perder a cabeça. Ainda quando contava a história, Mr. Kinz primeiro negou que tivesse provocado o assalto ou que algumas de suas ações precedentes tinham sido de certo modo incomuns. Aparentemente, o que mais lhe interessava era fazer uma espécie de teste com seu pai, ou seja, saber se e como ele o rejeitaria, ao procurá-lo na empresa. É evidente que Mr. Kinz escolheu bem o seu elenco. Não é fácil encontrar na vida real homens dispostos a cortar a garganta de outros por dez dólares. Ele não somente os isentou de culpa como lhes forneceu uma arma real para assassiná-lo, enquanto estava procurando uma mulher sexualmente disponível. O protocolo para esta parte do argumento não é conhecido. Mas o último ato era mais familiar. Mr. Kinz fora uma criança precoce e,

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uma vez, quando era pequeno, entrara bruscamente numa sala, onde seu pai estava sentado com alguns amigos, para lhes mostrar sua habilidade mais recente. Os homens não se impressionaram, e ele, nunca esqueceu a depressão experimentada naquela ocasião. De qualquer forma, Mr. Kinz fez de uma seqüência particular uma espécie de ofício: ser derrubado violentamente por causa de uma mulher e, então, apresentar-se para seu pai. Ele se expôs, intencionalmente, às mais perigosas situações sexuais possíveis. De tempos em tempos, quando seu Adulto estava no controle, ele era um moço gentil, amável, agradável e tímido. Depois de alguma experiência, é possível adquirir considerável perspicácia de diagnóstico em análise de argumento. O exemplo a seguir ilustra a visão telescópica de todo um argumento em poucos segundos.

Mrs. Sayers, uma dona-de-casa de 30 anos, estava sentada num sofá, com Mrs. Catters entre ela e uma mesa de canto, como mostra a Figura 10. Era um grupo de principiantes, e Mrs. Sayers tinha acabado de levar um bom tempo relatando seus problemas com o marido. A atenção agora tinha-se voltado para Mr. Troy. No meio de uma conversa entre Mrs. Catters e Mr. Troy, Mrs. Sayers atravessou seu braço diante de Mrs. Catters para alcançar um cinzeiro sobre a mesa de canto. Quando ela voltava o braço, perdeu o equilíbrio e quase caiu do sofá. Recuperou-se a tempo, riu em tom de súplica, murmurou "Desculpem-me!", e voltou a sentar-se para fumar. Nesse momento, Mrs. Catters desviou a atenção de Mr. Troy o suficiente para murmurar: "Perdoe-me!" De modo descritivo, este desempenho pode ser dividido nos seguintes passos: 1. Enquanto outras pessoas estão conversando, eu decido fumar. 2. A fim de não perturbar a pessoa ao meu lado, pego meu próprio cinzeiro.

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3. Quase caio. 4. Recupero-me em tempo, rio e me justifico. 5. Alguém se justifica também, mas eu não respondo. 6. Torno a sentar e fecho-me em meus próprios pensamentos. Uma visão mais subjetiva interpreta este incidente como uma seqüência de transações, algumas autísticas, algumas evidentes. 1. As outras pessoas me ignoram, então eu finjo me afastar. 2. Mostro ostensivamente quão tímida sou. 3. Como de costume, eu faço bem isso. 4. Tendo mostrado quão tola sou, recupero-me e me justifico. 5. Estou tão confusa em minha inépcia, que faço com que outra pessoa se sinta preocupada. 6. Agora eu realmente me afasto. O patético desta situação é o pequeno lucro externo. Tudo o que Mrs. Sayers tem para ficar agradecida, como resultado de seus esforços, é o fato de Mrs. Catters ter murmurado "Perdoe-me!", e esta é a história da vida de Mrs. Sayers - uma pessoa atraente e conscienciosa fazendo muito esforço para conseguir "trocados" psicológicos. E freqüentemente seu esforço era vão. Nem todo mundo seria tão educado como Mrs. Catters; envolvidas, outrossim, numa conversa, algumas pessoas poderiam nem ao menos dar a Mrs. Sayers um mero reconhecimento trivial. Seu argumento, neste caso adaptado, dentro de poucos segundos, por um mecanismo de integração notavelmente eficiente a uma situação especial dentro do grupo, tinha sido desempenhado em vários períodos de tempo, variando desde um momento até vários anos, tanto no casamento como no trabalho de Mrs. Sayers, resultando em diversas separações de seu marido e em perdas de um emprego após outro. O drama original baseiase nas primeiras experiências. A primeira experiência traumática, o protocolo, não foi restabelecida dentro do âmbito limitado de seu tratamento, mas as versões posteriores, ou palimpsestos, podem ser reconstruídas a partir de sua história. 1. Já que meus irmãos atraem mais atenção do que eu, finjo-me afastar da vida familiar. 2. Mas, de tempos em tempos, eu tento obter algum reconhecimento, demonstrando ostensivamente estar de acordo com minha mãe alcoólatra, que afirma que não sou nada importante. 3. Por causa da minha grosseria, mamãe me despreza. A combinação é quase desastrosa. 4. Meu pai, ineficaz mas adorável, salva-me do desastre. Penso como devo parecer tola a minha mãe e meus irmãos. Por causa disso, e do meu prazer em conseguir atenção, eu rio. Então, eu pareço ter sido exigente e agressiva demais, e peço desculpas. 5. O que eu realmente quero é que eles mostrem que estão sentidos por sua

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negligência. Mas, se eles o fazem, não suporto agradar-lhes por duas razões: em primeiro lugar, faz-me sentir exigente, como acima; e, em segundo lugar, se estou esperando por isso, posso-me desapontar. Assim, se eles me mostram isso, o fato se registra como gratificante, mas eu finjo não tomar conhecimento dele. 6. Em qualquer caso, a situação toda é tão insatisfatória que agora eu realmente me afasto. Há pelo menos três diferentes palimpsestos primários neste argumento: oral, préedípico e edípico. A versão edípica é mais ou menos esta: "Como é chato ser menina! Só posso obter poucas satisfações disponíveis e então me retirar e lamber minhas feridas". Não foi difícil ver esta versão sendo desempenhada mais ou menos todo ano com o marido desdenhoso que ela mesma escolheu e em sua vida profissional, onde era ocasionalmente necessário haver alguma leve distorção paranóide, a fim de fazer as pessoas que trabalhavam com ela adequarem aos papéis exigidos por seu argumento. O que surpreende é o quanto este incidente simples e aparentemente inocente revelou, quando os rápidos desvios de atitude foram isolados e analisados. A dramaturgia deste pequeno teatro caleidoscópio em seis atos é essencialmente trágica: apesar da emoção conseguida, ela termina numa trenodia infeliz*, e reflete a qualidade de vida de Mrs. Sayers. A história enfatizou e explicou o caráter autista das transações e tornou clara a análise estrutural: a Criança saudosa que é empurrada por um Pai intrapsíquico e salva pelo outro; a quebra momentânea de Adulto que premia o comportamento dela; e o lapso decisivo na fantasia arcaica. Com base na análise transacional, na análise dos jogos e na análise de argumento, é possível estabelecer uma teoria dinâmica do convívio social, cujos complementos foram anteriormente colocados na teoria biológica e existencial. Em qualquer grupo social, incluindo o caso limite de duas pessoas, o indivíduo lutará para se engajar em transações adequadas a seus jogos favoritos; ele lutará para jogar jogos que se relacionem com o seu argumento; e lutará para jogar o maior ganho primário de cada relacionamento. Coloquialmente, ele escolherá ou selecionará companheiros que lhe prometam proporcionar os maiores ganhos primários: para relações casuais, pessoas que, no mínimo, participarão em transações favoráveis; para relações mais estáveis, pessoas que jogarão os mesmos jogos, para relações íntimas, pessoas que tenham condições de preencher os papéis do argumento dele. Desde que a influência dominante na convivência social é o argumento e desde que este surge e se adapta a partir de um protocolo baseado nas primeiras experiências do indivíduo com seus pais, aquelas experiências do indivíduo com os pais são os principais determinantes de todos os relacionamentos e de toda escolha de companheiros. Esta é uma afirmação mais geral do que a teoria da transferência familiar que nos vem em mente, porque se aplica a qualquer relacionamento em qualquer agrupamento social; isto é, a qualquer transação ou série de transações não completamente estruturada pela realidade externa. É útil porque está sujeita a comprovação por qualquer observador qualificado em qualquer lugar. Este teste não requer nem um período prolongado de preparação, nem uma situação incomum. *

Ode fúnebre

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Apesar de inicialmente todo ser humano encarar o mundo como escravo de seu argumento, a grande esperança e o grande valor da raça humana residem no fato de o Adulto poder ficar insatisfeito com tais lutas, quando elas não valham a pena.

NOTAS Alguns dos argumentos que vêm possibilitando um estudo adequado têm encontrado, até agora, protótipos temerosos na literatura grega; enquanto o argumento comum conhecido como "Chapeuzinho Vermelho" é uma adaptação da vida moderna real que, implicitamente, segue certas versões da lenda popular. As cenas intermediárias do argumento de Mrs. Sayers são uma boa ilustração do conceito de masoquismo de Berliner. (1) Quando Mrs. Sayers retornou mais tarde para tratamento, ela retinha uma memória vívida desta interpretação. A qualidade necessária para o observador que deseja testar esta teoria da relação é o treino clínico, ou, no mínimo, a aptidão clínica. O observador que prescindir desta qualificação se depara com uma situação negativa não mais significativa do que a de um indivíduo não treinado no uso do telescópio astronômico que falha na descoberta de uma nave espacial, ou a de uma pessoa que não tenha treino no uso do microscópio eletrônico, ao falhar no registro de genes. Na verdade, em geral é necessário mais treino, cuidado e esforço para se observar claramente os fenômenos clínicos do que para se usar quaisquer desses instrumentos de modo adequado. O padrão de dignidade distingue-se da integridade pessoal ou do preconceito moral e é visto como um fenômeno Adulto, em lugar de Parental, por causa de sua universalidade histórica e geográfica, seu desenvolvimento aparentemente autônomo e suas relações com as estimativas de probabilidade de comportamento. Dentre todas as colocações da literatura referentes à neurose de transferência, as de Glover (2) aproximam-se de argumento. Por exemplo: "a história do desenvolvimento do paciente, que conduz à neurose infantil, é reinterpretada na sessão de análise - o paciente joga o papel de ator-diretor, utilizando-se (como uma criança numa escola maternal) de toda a propriedade teatral que a sala analítica contém, e, em primeiro lugar, e principalmente, do próprio terapeuta. (3) Mas Glover fala apenas do que ocorre na sala do psicanalista.

REFERÊNCIAS 1. Berliner, B., "The Role of Object Relation in Moral Masochism". Psychoanalytic Quart. XXVII: 38-56, 1958, e outros. 2. Glover, E., The Technique of Psycho-Analysis. International Universities Press, Nova York, 1955, Caps. VII & VII.

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3. Hinsie, L.E., & Shatzky, J. Loc. cit. citado com base em "Neurose de Transferência".

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12. ANÁLISE DE RELAÇÕES

A análise de relações é usada sobretudo no estudo das relações conjugais e ligações de vários tipos. Nessas situações, podem-se conseguir algumas previsões e confirmações úteis e convincentes. Na prática, entretanto, deve ser empregada reservada e criteriosamente, porque ela facilmente pode representar para o paciente uma intrusão injustificada em sua autonomia de decisão. Mas, como "dever de casa" para o estudante ou terapeuta, constitui um exercício válido para o estabelecimento de uma distinção mais clara entre os três estados do ego. No caso de Mr. Kinz, a análise de relações revelou-se uma intervenção especialmente indicada quando ele estava no processo de formação de uma nova ligação que prometia terminar até mesmo mais desastrosamente do que de costume. Por causa de sua tendência a representar seu argumento perigoso repetidas vezes, julgou-se aconselhável, de tempos em tempos, sacrificar a rigidez técnica na tentativa de impedir o que seria uma tragédia iminente. Parecia melhor, por exemplo, ter um paciente vivo, com uma relação terapêutica levemente prejudicada, do que um paciente morto sacrificado na causa de uma terapia asséptica. A situação era análoga à do cirurgião que tem de abandonar a incisão inicial de uma simples operação de apendicite, a fim de fazer uma massagem direta no coração de um paciente superanestesiado. A relação entre Mr, Kinz e o terapeuta era suficientemente clara para que os pavores externos pudessem ser distinguidos das tentativas sinistras de atrair a proteção parental do terapeuta. Neste caso, Mr. Kinz não estava alimentando a ligação com o objetivo de alarmar o terapeuta. Ele tinha outro jogo em mente, que fazia com que ele negligenciasse as possibilidades mais sérias. Pela descrição de Mr. Kinz, a jovem em questão, Miss Ullif, ao que parece não estava clinicamente muito distante do suicídio, e, já que Mr. Kinz, em razão de sua séria depressão subjacente e de seu sentimento de futilidade, era um bom candidato a sugestões nesta direção, o caso iminente tinha um prognóstico nitidamente doentio. Mr. Kinz, no entanto, via isso à sua maneira usual, como algo que poderia levar ao casamento; uma vez mais era "o que lhe convinha", e o problema era abordado com base nisso. A esta altura, ele tinha uma boa compreensão de análise estrutural e a hora parecia propícia para ele começar a adquirir alguma medida de controle social, aplicando o que sabia. Também estava começando a tomar ciência de que as relações entre as pessoas não são acidentais ou amorfas, mas apresentam motivação e estruturas definidas que determinam seus rumos e funções. Dois diagramas estruturais foram elaborados no quadro negro, como se vê na Figura 11a, um representando Mr. Kinz e o outro, Miss Ullif. As características do Pai, Adulto e Criança de Mr. Kinz eram familiares tanto para ele como para o terapeuta, e o paciente foi encorajado, naquele momento, a fazer uma descrição livre de Miss Ullif. Seus pensamentos, condensados em um parágrafo, surgiram na seguinte direção: Onde quer que ela fosse, os homens a perseguiam, e, embora possa parecer bastante

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estranho, não com propósitos sexuais, mas a fim de cuidar dela. Eles foram juntos ao Carnegie Hall. Na metade do concerto, ela disse que estava cansada demais para continuar a ouvir. Por sua vez, ele estava justamente começando a se interessar por boa música e não compreendeu bem o fato. Ela sempre está precisando de dinheiro e provavelmente gostaria de um homem rico, mas não desejaria saber de onde vinha seu dinheiro. Ela é confusa. Foi a um psiquiatra, mas desistiu, porque ele era frio demais. Queria ser música. Mr. Kinz, como seu pai, interessava-se mais por negócios e achava que as mulheres também deveriam ser mais práticas. Ela também queria ser pintora. Ele olhou para alguns dos quadros que ela tinha pintado e sentiu que eles mostravam a confusão dela, e lhe disse isto, diante do que ela se ressentiu. Ela não suporta críticas. É tão sensível que, de tempos em tempos, se tranca no quarto por alguns dias e fica longe de todas as pessoas. Ela esperava que ele compreendesse isso, mas ele lhe disse que não se achava em condições de suportar. Neste ponto, foi possível instaurar a análise, fazendo questões suplementares, quando conveniente. O diagrama do quadro negro foi alterado da forma da Figura 11A para a Figura 11B. A Figura 11B representa a relação, teoricamente perfeita e inexistente, em que cada aspecto de uma pessoa tem uma relação complementar com cada aspecto da outra, de modo a permitir a ocorrência de transações satisfatórias em todos os nove vetores possíveis em ambas às direções. Se, por exemplo, o Pai de Kinz dirige um estímulo transacional à Criança de Ullif, esta última dará uma resposta satisfatória e vice-versa. Isto significa, na verdade, que todas as transações entre as duas pessoas serão complementares. O primeiro vetor que se investigou foi Pai de Kinz - Criança de Ullif. Ao discutir sobre seu Pai, algumas vezes Mr. Kinz não foi preciso o bastante e mencionou atitudes que pertenciam mais a seu Adulto ou a sua Criança. Estes descuidos foram cuidadosamente esclarecidos e enfatizou-se a necessidade de examinar um aspecto de cada vez. Não se poderia permitir que nenhuma confusão ficasse de fora, sob pena de se desvirtuar o propósito de uma análise de relação definida. Quando esta dificuldade foi abordada, emergiu o fato de que Mr. Kinz via Miss Ullif como uma espécie de criatura abandonada, um objeto sem dono que necessitava de proteção. Mr. Kinz era famoso por sua generosidade Parental; na verdade, muitas das situações embaraçosas em que se envolvera tinham sido provocadas por esta sua atitude. Miss Ullif, por sua vez, era bastante receptiva a relações deste tipo. Concluiu-se, portanto, que o vetor Pai de Kinz - Criança de Ullif era conjuntivo. Mas havia uma exceção digna de ser levada em conta: quando ela se isolava, o Pai dele se sentia frustrado, porque, então, ele não podia tomar conta dela. Por conseguinte, em termos globais, havia ali elementos disjuntivos e antipáticos. O primeiro passo na estruturação da Figura 11C, a análise real da relação, foi o de conservar o vetor P de Kinz - C de UllifIII, como na Figura 11B, marcandoo, porém com uma barra. O material disponível para o estudo do vetor Pai de Kinz - Adulto de UlliII envolvia, principalmente, o desejo de Miss Ullif de ser pintora. Do ponto de vista Parental, Mr. Kinz não simpatizava com isso, imitando a atitude de seu pai a esse respeito. Conseqüentemente, P de Kinz - A de Ullif foi apagado do diagrama da relação. Kinz P-Ulli PI não era promissor e também foi apagado; os dois amigos revelavam pouca tendência a praticar virtudes juntos, ou a cuidar juntos de outras pessoas. O vetor Adulto de Kinz - Criança de UllifVI centrava-se em torno do modo de vida

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de Miss Ullif. Em termos racionais, ele criticava o desleixo doméstico dela, seus hábitos alimentares pobres, seu isolamento, sua intolerância à crítica, e ela se ressentia com isto. Portanto, A de Kinz - C de Ullif foi eliminado como disjuntivo. Adulto de Kinz - Adulto de Ullif não era melhor. Ela se interessava pelas artes, ele por negócios e aviação, e não conseguiam conversar por muito tempo com muito entusiasmo a respeito dos projetos de cada um. Adulto de Kinz - Pai de UllifIV era neutro, porque ela não mostrava atividade Parental perceptível na relação; não lhe oferecia nenhum conselho maternal nem lhe dava apoio em seus empreendimentos.

Criança de Kinz - Pai de UllifVII também foi eliminado pela mesma razão. Ela não tentava protegê-lo em sua negligência nem o censurava por elas; tampouco mostrava qualquer inclinação para discuti-las de modo racional, o que também eliminou Criança de Kinz - Adulto de UllifVII. Restou apenas a combinação Criança de Kinz - Criança de Ullif para ser estabelecida. O argumento de Mr. Kinz já foi descrito e, do ponto de vista da mulher, ele exige seduzi-la e depois abandoná-la de alguma maneira violenta desagradavelmente e que envolva uma terceira pessoa. Por outro lado, o jogo de Miss Ullif parecia tender a explorar e seduzir o homem repetidas vezes e, em seguida, no caso, fortes conflitos com relação a qual deles iria seduzir, explorar e abandonar o outro, a relação C de Kinz - C de UllifIX tem pouco valor representativo de uma relação viável. O resultado final desta análise foi que restou apenas um vetor conjuntivo, a relação P de Kinz - C de UllifIII, como demonstra a Figura 11C. Mr. Kinz constatou que a relação 93

não era promissora e rompeu com ela. A relação de Mrs. Catters com uma de suas amigas, Mrs. Beth também foi analisada, por motivos que não vêm ao caso no momento. Traçou-se novamente as Figuras 11A e 11B, nos momentos apropriados, e o resultado final aparece na Figura 11D, com os vetores enumerados por algarismos romanos, na mesma ordem anterior. Estas duas cuidavam uma da outra em caso de doença e se animavam em caso de depressão, de modo que Pai de Catters - Criança de BethIII e Pai de Beth - Criança de CattersVII eram relações complementares e conjuntivas. Elas também trocavam conceitos e conselhos Parentais relacionados a vários projetos práticos, satisfazendo as necessidades de Pai de Catters - Adulto de BethII e Pai de Beth - Adulto de CattersIV. As discussões racionais dos mesmos problemas foram mutuamente satisfatórias para Adulto de Catters Adulto de BethV. Depois de freqüentarem festas juntas, começavam a deliciar-se com cochichos de conteúdos morais e maliciosos, Pai de Catters - Pai de BethI e Criança de Catters - Criança de BethIX, respectivamente. Suas discussões surgiam quando uma delas tentava justificar-se perante a outra por algum ato impulsivo; esta relação se traduzia nos vetores Adulto de Catters - Criança de BethVI e Adulto de Beth - Criança de CattersVIII, uma vez que a censura Parental recíproca (P → CIII, VII) é que era responsável pelas dificuldades. Portanto, eliminou-se Adulto de Catters - Criança de BethVI e Adulto de Beth - Criança de CattersVIII. Neste caso, a relação tinha ema estrutura excepcionalmente estável, com sete dos nove vetores conjuntivos. A história e as vicissitudes de sua amizade longa e feliz confirmaram os resultados da análise. O relato apresentado acima representa o tipo mais elementar de análise de relações e uma forma mais avançada de análise só seria tentada com um paciente em raras ocasiões. É fácil constatar que existem fatores adicionais qualitativos e quantitativos a serem considerados numa abordagem mais profunda. Em termos qualitativos, há, no mínimo, quatro possibilidades numa "relação": algumas pessoas sentem-se "bem" juntas; algumas sentem prazer em brigar ou discutir entre si; algumas não se podem suportar; e algumas não têm absolutamente nada a se dizer. Estas possibilidades podem ser caracterizadas, respectivamente, como simpatia, antagonismo, antipatia e indiferença, e são facilmente compreendidas a partir do ponto de vista da análise de jogos. Representam, nesta ordem, jogos conjuntivos, jogos conflitivos ou papéis irreconciliáveis (freqüentemente idênticos) no mesmo jogo, e jogos que não são relevantes uns em relação aos outros. Uma análise qualitativa levaria uma consideração à natureza dos vetores. A Figura 12 A é um exemplo de análise qualitativa; aí, as qualidades são representadas por sinais convencionais: simpatia, por uma linha forte, antagonismo por uma linha em ziguezague, antipatia, por uma linha obstruída, e indiferença, por uma linha fina. O aspecto qualitativo diz respeito à intensidade de cada vetor, e isso também pode ser representado em um diagrama. Neste caso, seria aconselhável o uso de linhas duplas, uma vez que os vetores poderiam diferir completamente em força: ex., Pai de Catters Criança de Beth era mais forte do que a Criança de Beth - Pai de Catters. Quando Mrs. Beth ficava doente, ela não sentia tanta necessidade de atenção de Mrs. Catters quanto esta tinha necessidade de cuidar dela, como mostra a Figura 12B. Uma terceira complicação refere-se à quantidade material disponível. A análise de 94

um casamento de longa duração exige contínua vigilância e reavaliação, à medida que a terapia evolui.

Estas dificuldades, no entanto, em geral só são significativas de um ponto de vista acadêmico. A partir deste prisma, a análise de relações pode parecer interminável e indeterminada e, portanto, de valor questionável. Mas na prática o tipo simples de análise encontrado nos casos de Mr. Kinz e Mrs. Catters é surpreendentemente informativo, e constitui um instrumento valioso de previsão e confirmação, com uma segurança retrospectiva da ordem de 80 a 90%. Tanto o que ocorre em várias ocasiões no decorrer de uma "relação" como seu resultado final podem ser previstos com considerável segurança, com base neste procedimento. Uma vez que na realidade não existe o que se chama "relação" no sentido popular e estático da palavra, mas apenas certas influências predominantes que variam de tempos em tempos entre nove vetores possíveis, é necessário fazermos a análise de relações, se o objetivo e compreender a sua viabilidade.

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TERCEIRA PARTE

PSICOTERAPIA

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13. TERAPIA DAS PSICOSES FUNCIONAIS

1. PSICOSES ATIVAS As psicoses funcionais incluem todas aquelas condições comumente diagnosticadas como maníaco-depressivas e esquizofrênicas. Para fins terapêuticos, entretanto, elas não são classificadas como entidades nosológicas diferentes, mas como estados estruturais. Neste sentido, as psicoses existem em duas formas: ativa e latente. As psicoses latentes recebem vários nomes: psicoses compensadas, psicoses de remissão, esquizofrenias de ambulatório e personalidades pré-psicóticas ou limítrofes. Às vezes, as personalidades esquizóides se enquadram nesta classificação. Existe uma psicose ativa quando a Criança tem o poder de comando e também é vivenciada como "Eu real", enquanto o Adulto é desautorizado. Em casos de desordem de caráter, psicopatia e paranóia, o Adulto é totalmente contaminado pela Criança e coopera com ela, mas não é desautorizado, de modo que a execução, se não a motivação, está sujeita a uma avaliação da realidade de tipo limitado. O mesmo se aplica a hipomania e à depressão leve. Qualquer uma destas condições pode progredir até uma psicose ativa. A situação do Pai varia e é um forte determinante da forma específica de psicose. Nas condições cíclicas maníaco-depressivas, por exemplo, o Pai, em forte catexia é primeiramente excluído por uma criança triunfante, (1) e, mais tarde, volta a despertar com toda a sua força. A interrupção de uma psicose ativa pode ser definida como o restabelecimento do Adulto como poder de comando e como "Eu real". Quando se consegue isso, o diagnóstico muda para psicose latente, que exige uma abordagem terapêutica diferente. Este processo já foi ilustrado nos casos de Mrs. Primus e Mrs. Tettar. Mr. Troy introduz uma complicação porque, embora clinicamente sua psicose fosse latente, não estava, de acordo com a definição, interrompida; seria melhor chamar essa psicose de compensada em vez de latente, já que no caso dele, era o Pai, e não o Adulto, que tinha o controle e era vivido como "Eu real". A distinção é importante porque mesmo que a psicose fosse latente, ela não deveria ser trabalhada como tal. Para se tratar uma psicose latente é necessário que se tenha o Adulto funcionando como aliado terapêutico. Tal aliado não estava disponível no caso de Mr. Troy. Durante muito tempo, portanto, o único recurso foi o de apoiar o Pai dominador e nada se podia fazer, de modo sistemático, pela Criança, que estava "trancada no guarda-roupa". Passaram-se vários anos até que o Adulto se tornou ativo o suficiente para auxiliar a Criança frustrada a sair da confusão, em face dos protestos do Pai. Embora as "pequenas curas" descritas nos casos de Mrs. Primus e Mrs. Tettar não tenham tido muito valor clínico por serem instáveis demais, elas exemplificam, no entanto, os princípios envolvidos no tratamento de psicoses ativas. Estes princípios são determinados por equilíbrios catéticos.

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A psicose depende da retenção do domínio da catexia pela Criança. Enquanto prevalecer esta situação, é difícil atingir o Adulto, pois tudo o que for dito é primeiramente processado pela Criança. A situação é bastante análoga à de se ter de chegar até um Adulto mandando mensagens através de um menino confuso. Na melhor das hipóteses, o resultado dependerá do fato de a criança ser hostil ou favorável ao remetente e não ajuda em nada a objetividade das mensagens, pois a criança pode estar confusa demais para compreender a situação, razão pela qual as psicoses tóxicas agudas raramente são acessíveis à psicoterapia. O paciente (ou seja, a Criança, naquele momento) simplesmente não pode ser atingido. Esta analogia enfatiza, novamente, que a consideração pragmática básica é a realidade social e fenomenológica dos estados do ego e também fornece duas regras terapêuticas iniciais: (1) A psicoterapia deve ser iniciada somente durante os períodos de confusão mínima; (2) Não se deve fazer nenhum movimento terapêutico ativo, e deve-se lhe dar tempo para fazê-lo. Todos os bons terapeutas conhecem estar regras tanto intuitivamente como a partir da experiência clínica, mas a sua base lógica torna-se um pouco mais clara em termos estruturais. As aparentes exceções, como dos casos de Risen, (2) mais atestam do que contradizem esses princípios gerais, e convém que os procedimentos excepcionais sejam empregados por especialistas. (3) A razão de se sentar com o paciente por longos períodos em atitude tranqüilizadora, como fazia FrommReichmann, (4) é compreensível quando consideradas estas regras. Também se torna evidente o motivo pelo qual é aconselhável a mudança de terapeuta se o paciente for incapaz de relaxar sua atitude hostil para com determinado indivíduo. Devido à agudeza de percepção pessoal da criança, é possível que seja melhor considerar os casos em que, por alguma razão, o paciente provavelmente seja justificado. O terapeuta não precisa se sentir embaraçado com isto, já que não se pode esperar que uma pessoa seja capaz de ganhar a amizade de todos os meninos ou meninas do mundo. Depois dos períodos de atividade, a catexia ativa (isto é, desatada + livre) da Criança tende a esgotar-se, deixando o Adulto relativamente mais acessível. Se você der, inicialmente, a certo tipo de criança a oportunidade de livrar-se de seus problemas, ela fica mais disposta a levar sua mensagem de modo correto. Se primeiro você lhe permite chorar, ela pode, então, tornar-se sua amiga, e não apenas levar mensagens, mas, até mesmo, levar você até seus adultos, diretamente. Na verdade, se você tomar a iniciativa na hora certa, ela pode permitir ser deixada de lado. E, ser agradável com uma criança é, com freqüência, uma boa forma de atrair a tenção de seus adultos, se você deseja falar com eles de adulto para adulto, especialmente quando o assunto for a própria criança deles. Estas considerações indicam uma terceira regra para o tratamento das psicoses ativas. (3) Deixe primeiro a Criança agir à sua maneira. E (4) o avanço inicial até o Adulto dever ser feito em linguagem Adulta, bem compassada, firme e compreensível. A catexia da Criança está, agora, relativamente esgotada e a catexia do Adulto está sendo adequadamente reativada; assim, com um pouco de sorte, se pode restabelecer a dominação do Adulto. Cada vez que isto acontece, há um efeito cumulativo. Mas o resultado último dependerá de como a Criança vê todo o procedimento. E, se as influências externas continuam a pressioná-la, então as dificuldades podem tornar-se insuperáveis. Portanto, em muitos casos, seria aconselhável que as pessoas do ambiente do paciente se submetessem a terapia, e a terapia de grupo pode constituir o meio de se conseguir isto. Até agora vimos as generalidades que se incluem nas fases iniciais da psicoterapia

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de psicoses agudas, e as idiossincrasias devem ser trabalhadas à medida que surgirem. Se estas regras parecem banais é por serem justas, e a análise estrutural pouco pode ter contribuído para que se chegasse a esta fase, além de ter fornecido uma forma mais clara de falar a respeito. As idiossincrasias, naturalmente, são inumeráveis e apresentam graus variados de dificuldade. Mrs. Primus não poderia ir além do primeiro estágio, porque foi impossível continuar o tratamento durante a entrevista de diagnóstico. Nada lhe foi dito durante a fase de aproximação mais confusa, porque a paciente poderia ter percebido o motivo disto ou seja, a rejeição, o que talvez aumentasse a sua confusão. O terapeuta não falou até que (1) ela teve a oportunidade de se dominar na presença das vozes; foi-lhe dado tempo (2) para que o observasse, antes de ele dizer qualquer coisa, e a primeira pergunta dele, a respeito das vozes, foi dirigida à Criança dela, dando-lhe alguns indícios da atitude dele; apenas depois de dar à Criança de Mrs. Primus a oportunidade de avaliá-lo e (3) expressar-se, ele tentou falar a seu Adulto; quando ele o fez, (4) foi de modo firme e objetivo, calculado para atrair a atenção do Adulto, perturbando o menos possível a Criança. A idiossincrasia de Mrs. Tettar era o fato de ela ser incapaz de tolerar o término de uma entrevista. A solução foi (3) confortar e tranqüilizar a Criança nesse momento, e então mencionar a questão no início de uma entrevista, (1) depois que seu Adulto se tornará suficientemente bem restabelecido, de modo a poder manter o controle durante a primeira metade de cada sessão. Seu progresso já tinha atingido um meio termo que lhe permitia lidar com este problema. Outras idiossincrasias também podem ser trabalhadas segundo essas regras. Se a paciente ataca de surpresa o terapeuta com um punhado de fezes, este pode apenas esquivar-se e então (2) deixá-la ver como se sente diante da situação. Se ele não consegue agradá-la, ou se ela não simpatiza com ele, é melhor que ele abandone o caso. Se a criança insiste para ambos se sentarem no chão, antes que o terapeuta possa falar ao Adulto, então pode ser melhor (3) ele concordar com a Criança e, depois, (4) falar ao Adulto e não à Criança. Isso significa que o terapeuta não tenta "analisar" porque a Criança quer que seja desta forma, pois ainda não existe nenhum (1) Adulto ativo para auxiliar esta análise; mas se de qualquer maneira o terapeuta articula um tipo de análise, esta só pode ser mencionada como se ele falasse de um algo normal e comum. Ele pode comentar (em tom não-Parental) que o fato de se sentarem no chão lhe parece estranho, ou que ele, por sua vez, pegará uma almofada e, se a paciente quiser, poderá pegar outra. Entretanto, se o terapeuta disser: "Eu também gosto de me sentar no chão", ele estará jogando com a Criança; e se disser: "Sentemo-nos em almofadas", estará falando como um pai para a Criança, com grande probabilidade de ser semelhante a um dos próprios pais da paciente. E, nos dois últimos casos, haverá o distanciamento de seu objetivo se este for chegar até o Adulto. Enquanto é relativamente simples explicar a técnica de restabelecimento do Adulto, o aspecto teórico oferece maiores dificuldades. A abordagem mais conveniente, neste ponto, é afirmar que, numa psicose ativa, o Adulto está sem catexia como se dormisse, mas pode ser recatexizado através de estímulos sensoriais e sociais adequados. A estimulação seletiva mais apropriada à neo-psique é uma questão ou observação firme e objetiva, que é calculada para evitar a estimulação simultânea de qualquer dos outros dois sistemas.

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2. PSICOSES LATENTES Como tudo que é latente, a psicose latente não existe, só se pode dizer que existe. Diz-se que existe uma psicose latente quando se pode deduzir que a capacidade de contenção da Criança está defeituosa. Dependendo das condições de fronteira, ou haverá áreas de atividade patológica onde o Adulto está fortemente contaminado, ou explosões, quando o Adulto está temporariamente desautorizado, ou ainda ambas as coisas. O tratamento das psicoses latentes envolve dois objetivos e constitui um dos testes mais difíceis de habilidade terapêutica no campo da psiquiatria. Primeiramente, a fronteira entre o Adulto e a Criança dever ser realinhada e fortalecida. Este é um problema para a análise estrutural. Se o Pai está em alta catexia, como em conduções maníaco-depressivas, então, o terapeuta e, mais tarde, o Adulto do paciente, têm a tarefa adicional de atuar como escudo entre a Criança e o Pai, nos momentos em que um está sendo intransigente com o outro. O segundo objetivo é a tarefa psicanalítica de tirar a Criança da confusão. No caso de Mr. Segundo, o Pai tinha relativamente pequena influência, porque seu pai morrera quando ele era muito novo e suas relações com outros homens tinham-se desenvolvido pouco, enquanto sua mãe era astênica e quase não lhe dava atenção, de modo que as influências extero psíquicas eram fracas. Na verdade, com algumas exceções, o Pai de Mr. Segundo era muito artificial e fictício. Qualquer catexia em seu sistema exteropsíquico centrava-se sobretudo em torno de imagens de propriedade e dinheiro. Seu tratamento, portanto, apontava quase que exclusivamente para a relação entre o Adulto e a Criança. As primeiras três tarefas que foram executadas com êxito, porque seu Adulto estava com boa catexia em circunstâncias normais, foram (a) descontaminar o Adulto, (b) esclarecer e (c) fortalecer sua fronteira com a Criança. Quando ele dizia ou fazia algo desatinado demais ou muito abaixo de sua capacidade intelectual, era-lhe sugerido que esta era uma atitude um tanto infantil (não "pueril") para uma pessoa com suas qualidades. Por exemplo, a idéia de que o Departamento de Narcóticos o desculparia por guardar consigo a morfina que alguns de seus clientes tinham deixado com ele era, a princípio, sintônica do ego Adulto, mas não foi difícil confrontá-lo com o conhecimento que ele próprio tinha das leis, quando tentou racionalizá-la. Ele também procurou justificar o fato de ter ingerido uma dose ocasional da droga, dando exemplos de como ele era mentalmente sadio; para ele, isto significa que não havia o menor perigo de se viciar. Novamente, com tato e no momento oportuno, ele foi levado a ver como esta prática lhe era prejudicial. O processo de descontaminação está ilustrado na Figura 13. A Figura 13A representa seu estado inicial em relação à morfina em que certas idéias arcaicas, que na realidade pertencem à Criança, estão incluídas dentro da fronteira do ego Adulto e são, portanto, racionalizadas e percebidas como o Adulto. A Figura 13B representa a situação depois da descontaminação, em que a área sombreada não existe mais. Isto significa que as idéias a respeito da morfina são, agora, distônicas do ego Adulto, em vez de sintônicas tanto da Criança como do Adulto. A descontaminação propriamente dita pára neste ponto. Uma vez que o Adulto compreenda claramente a situação, deixa-se que ele tome sua própria decisão da melhor 100

forma que puder, a respeito de guardar ou não e tomar ou não a morfina. O ganho terapêutico primário consiste apenas no fato de que, se ele decide fazer uma coisa ou outra, deve fazê-lo sabendo que sua posição é racionalmente insustentável. Ele pode continuar tentando enganar as autoridades, mas não conseguirá enganar a si mesmo durante muito tempo. Isso faz com que lhe seja mais difícil prosseguir, mas talvez o resultado mais importante seja a sua preparação para as fases subseqüentes. (Transacionalmente, sua pseudo-estupidez era parte de um jogo, mas este aspecto foi propositalmente negligenciado, como acontece com todos os psicóticos latentes, durante a fase estrutural inicial do tratamento.)

Depois que se descontaminaram tantas áreas quanto possível, o Adulto de Mr. Segundo era capaz de avaliar, com muito maior clareza, muitas de suas ações passadas. A fase seguinte buscou esclarecer e fortalecer a fronteira entre o Adulto e a Criança. Neste caso, procurou-se promover "discussões" separadas com cada um deles. Encorajando a Criança a falar, o terapeuta a ouvia como um Adulto compreensivo e psicodinamicamente treinado: isto é, alguém que compreendia as necessidades orais. Quando falava o Adulto de Mr. Segundo, o terapeuta o ouvia como um experiente observador da sociedade: isto é, alguém que conhecia as leis sobre narcóticos. Todas as transações cruzadas intercorrentes foram analisadas em pouco tempo. Por exemplo, o terapeuta perguntou à Criança: "Como você se sente me contando tudo isso?". O paciente respondeu: "Sinto-me como se estivesse dizendo a você que fosse embora e não me aborrecesse". E acrescentou, em seguida: "Na verdade, não quero dizer isso!" O terapeuta perguntou quem dissera esta última frase e o paciente respondeu: "Nós dois!", referindo-se ao Adulto e à Criança. O terapeuta, então, perguntou ao Adulto se ele realmente acreditava que ele, terapeuta, o abandonaria, porque a Criança tinha dito: "Não me amole!" Naturalmente Mr. Segundo, "na verdade", não acreditava. Ele só acreditava nisto quando havia uma nova contaminação momentânea do Adulto pela Criança, que estava tomada de pânico em razão da própria ousadia e subitamente via o terapeuta como um Pai crítico, em lugar de encará-lo como um Adulto objetivo. A fronteira Adulto-Criança do paciente não pôde resistir ao súbito surgimento da ansiedade e cedeu por um breve instante. A discussão que se seguiu ajudou-o a reforçar a fronteira ainda fraca. A situação pode ser esclarecida com a consulta das Figuras 14, A, B e C. Não havia nenhuma necessidade de o terapeuta desenhá-las para o paciente, uma vez que, na ocasião, este já

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estava bastante acostumado a este tipo de análise e era capaz de fazê-la mentalmente de modo bastante adequado. A atividade é um aspecto essencial da análise estrutural. O Adulto assemelha-se a um músculo, que se fortalece com o exercício. Uma vez bem encaminhadas as fases preliminares de descontaminação e esclarecimento, espera-se que o paciente exercite o controle Adulto. Ele deve aprender a manter o Adulto no comando das ações por períodos relativamente longos. A Criança está disposta a cooperar, até certo ponto, por três razões: em primeiro lugar, pelos ganhos da realidade, que ela aprende a apreciar; em segundo lugar, porque se lhe permite trabalhar à sua maneira, sob circunstâncias mais ou menos destrutivas; e, em terceiro lugar, porque ela tem a liberdade de falar com o terapeuta se tiver qualquer objeção a fazer. O que o Adulto adquire não é um domínio exclusivo, mas a faculdade de exercê-lo, cada vez maior. É ele, e não a Criança, quem decide, com a eficiência crescente, quando a Criança tem de assumir.

Assim, não se exige que o Adulto e a Criança cedam às exigências Parentais do terapeuta, mas tão-somente que cumpram os compromissos voluntários do próprio Adulto. O terapeuta não está tentando conter o paciente; isto não lhe compete; é uma questão 102

Parental, algo para um padre ou uma mãe fazer. Ele está interessado em tornar o paciente capaz de manter o seu próprio compromisso Adulto; circunscrever os seus excessos, dentro dos limites economicamente possíveis, procurando ajudar o paciente a fazê-lo por meio de suas técnicas profissionais. É uma questão Adulta; o Adulto do paciente e o Adulto do terapeuta concordam em trabalhar juntos nesta questão, sem "intimidades" ou "cumplicidade" sentimental de um em relação ao outro; talvez, melhor dizendo, com um "desapego" cheio de dignidade. Ambos estão cientes de que o terapeuta é um terapeuta e não um chefe de pessoal nem um professor de jardim de infância. Esta objetividade é necessária, se se deseja eliminar a barreira principal, o jogo "Perna de Pau". ("O que espera de um homem com uma perna de pau? O que se espera de um neurótico?". Mr. Segundo revelava-se particularmente inclinado a fazer este jogo, já que um de seus deveres profissionais era ajudar os seus clientes a jogá-lo, alegando insanidade, quando preciso). Se necessário, o terapeuta deve lembrar ao paciente que ele não é "um neurótico", mas um indivíduo com uma Criança confusa e com catexia fraca, por outro, e que seu objetivo, neste estágio, é fortalecer aquele Adulto e aumentar sua destreza, através de repetidos exercícios. São esses exercícios que fortalecem a fronteira, agora tornada clara, entre o Adulto e a Criança. No caso de Mr. Segundo, eles se limitaram inicialmente a questões pequenas e relativamente fáceis. Mr. Segundo logo se saiu tão bem que foi capaz de adiar as atividades intensas e potencialmente negativas de sua Criança, até que essas atividades puderam ser liberadas sob condições relativamente inócuas. Sua vida profissional e social durante a semana foi organizada; a Criança surgia a cada dois fins de semana mais ou menos, quando Mr. Segundo se retirava para seu chalé na montanha para "pescar". Assim, domava-se a Criança, mas sem frustrá-la, insultá-la ou abusar dela, enquanto o Adulto era fortalecido por suas experiências de realidade progressivamente aperfeiçoadas: mais horas de trabalho, maior eficiência, mais satisfação profissional, maior número de causas ganhas, menor embaraço, melhora na vida social e familiar e redução do temor racional da ruína. Simultaneamente, a Criança temia cada vez menos a perda de processos e outras ocorrências desagradáveis, e ela, também, parecia aprender a partir da realidade, exercendo uma pressão decrescente sobre o Adulto. Exatamente como numa situação real entre um adulto e uma criança, quando o adulto pode demonstrar que ele é capaz de cuidar melhor de suas coisas se ficar sozinho para fazê-lo à sua própria maneira, a relação entre eles ficou mais bem definida e talvez mais distante, mas melhorou. A esta altura, a meta da análise estrutural tinha sido atingida. Havia, então três caminhos abertos à escolha do paciente: parar o tratamento, continuar coma análise transacional num grupo de terapia ou submeter-se a psicanálise. Ele escolheu a primeira solução. Ausentou-se por dois anos, durante os quais se envolveu numa situação cada vez mais complexa. Arranjou um sócio advogado e sua mulher teve outro filho. Suas indulgências tornaram-se menos freqüentes, mas a sua necessidade ocasional de comportarse indulgentemente começou a preocupá-lo cada vez mais, de modo que ele acabou retornando para um tratamento psicanalítico. A resolução genética dos conflitos orais exigia que a Criança falasse livremente ao Adulto e ao terapeuta, e seu tipo de comunicação já tinha sido estabelecido. Portanto, a análise estrutural a que se submetera previamente deixava-o seguro. Do ponto de vista prático, o tratamento anterior desviou a ruína em perspectiva que

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muito provavelmente teria tomado conta do paciente durante as fases preliminares de psicanálise ortodoxa, se esta tivesse sido o procedimento inicial. Do modo como se operou, a experiência psicanalítica foi um luxo e não uma necessidade, e as indicações eram de que o paciente poderia ter continuado a viver indefinidamente uma vida relativamente feliz, apenas com os frutos da análise estrutural. A terapia das psicoses latentes, portanto, tem dois objetivos. A cura pragmática consiste em estabilizar a dominação do Adulto, de modo que as exibições da Criança só ocorrem em situações sob um esquizóide ou personalidade limítrofe num "esquizofrênico de fins de semana", na pior das hipóteses. A cura, no sentido psicanalítico, equivale a acabar com a confusão da Criança e resolver seus conflitos internos e seus conflitos com o Adulto e o Pai. O diagnóstico estatístico do caso de Mr. Segundo não influencia a abordagem terapêutica, que é baseada apenas em considerações estruturais. Era terapeuticamente irrelevante diagnosticá-lo como um esquizofrênico limítrofe, um depressivo suicida latente, um neurótico impulsivo, um viciado ou um psicopata. O importante era a diagnose estrutural: um Pai com catexia fraca e mal organizada, e, portanto, mais ou menos ineficiente; um Adulto com fronteiras mal definidas e catexia levemente enfraquecida, de modo que tanto sua contaminação como sua desautorização ocorriam com facilidade; e uma Criança com capacidade de retenção falha. Esta diagnose tornou claras as indicações terapêuticas. Era tarde demais para se fazer algo significativo com relação à exteropsique. O Adulto poderia ser fortalecido através do trabalho com as fronteiras e a relativa capacidade de retenção da Criança poderia ser aumentada, em última análise, pela libertação da sua confusão e pela resolução dos conflitos infantis. O prognóstico ótimo também estava claro; já que não havia esperança de adquirir um Pai adequado, o Adulto sempre teria que se entender com a Criança, sem grande ajuda da exteropsique. Portanto, o equilíbrio seria sempre mais precário do que em indivíduos mais afortunados, cujos pais tenham tido o bom senso de não morrer antes que os filhos chegassem à adolescência. Mr. Segundo estava totalmente ciente desta dificuldade e sabia que em todos os momentos ele contaria quase que apenas consigo mesmo, não só no sentido existencial mas também do ponto de vista psicológico. Esta consciência foi um incentivo adicional valioso, em seu caso particular, para fortalecer o Adulto. A situação era diferente no caso de Mr. Disset que nos procurou porque não conseguia encontrar emprego em seu campo de trabalho. Ele sabia que os possíveis empregadores tinham algo contra ele, porque ele era honesto ao preencher os formulários exigidos, relatando sua história clínica. Ele queria que o psiquiatra fizesse algo a respeito, como, por exemplo, interceder junto aos empregadores. Mr. Disset apresentava estigmas característicos de um esquizofrênico de ambulatório: extremidades frias, úmidas e azuladas; olhos baixos; postura e andar encurvados; dificuldade de expressar-se, gestos pesados, preocupação e reação de sobressalto, quando lhe dirigiam a palavra. Sua incapacidade para empregar-se era tão evidente à primeira vista que o empregador mais inexperiente e caridoso poderia até ser bondoso com ele, mas jamais lhe daria trabalho. O psiquiatra ouviu-o pacientemente durante duas sessões, mas, na terceira, expôs com franqueza o seu modo de ver a situação, não tanto com o intuito de convencer o paciente, como a fim de esclarecer o seu relato e sua própria consciência. Evidentemente,

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Mr. Disset precisava de algo que o terapeuta tinha a oferecer, porque decidiu continuar o tratamento, mesmo sem concordar com a formulação do terapeuta, uma vez que pelo menos deu a entender que manteria sua atitude inicial de encarar o problema como algo puramente administrativo. Mr. Disset foi introduzido num tipo especial de grupo em que o terapeuta adotava uma atitude mais Parental do que Adulta. Através de vários procedimentos oportunistas, como a apelação à Administração dos Veteranos de Guerra quando estava seguro do êxito, o terapeuta tentou compensar o sentimento de abandono que Mr. Disset vivenciara nas mãos de seus próprios pais; ele também confrontou a atitude depreciativa do Pai interno com a dos pais reais. Fazendo tudo isto com a devida atenção para as desconhecidas possibilidades de masoquismo, complexo de culpa e rebeldia do Pai interno e o pai real de Mr. Disset quisessem uma revanche quando este estivesse fora da situação terapêutica, o terapeuta conseguiu ganhar a confiança da Criança. Isto é, foi capaz de demonstrar que era um pai muito mais poderoso e benevolente do que o Pai de Mr. Disset. Na medida em que diminuía a ansiedade da Criança, o Adulto tornava-se relativamente mais forte, até que se atingiu o ponto em que foram possíveis algumas tentativas de abordar este aspecto da personalidade do paciente. A esta altura, o fato de Mr. Disset simplesmente não parecer recomendável ao trabalho veio à tona com mais firmeza e o processo de descontaminação foi iniciado com cautela. Essencialmente, o paciente precisava compreender que não eram as outras pessoas que tinham de mudar sua atitude em relação ao internamento em hospitais, mas, sim, que era ele próprio quem deveria mudar o seu modo de provocar as respostas das pessoas. O grupo estava numa situação excelente para investigar e experimentar o que fora analisado. Os outros elementos eram francos e simpáticos, e bastante firmes para fornecerem ajuda, sem serem ameaçadores. Além disso, era uma a oportunidade para que eles aprendessem a distinguir entre serem úteis e de uma forma Adulta e serem ameaçadores de um modo Parental. Estavam no mesmo nível e todos puderam aprender ao mesmo tempo, sobretudo o hiperparental Mr. Troy. Mais uma vez, numa fase apropriada, Mr. Disset era instruído a diferenciar as reações de seu Pai, de seu Adulto e de sua Criança, respectivamente, em relação ao que o terapeuta e os outros lhe diziam. (Novamente este grupo de psicóticos latentes sem experiência desejou, deliberadamente, fazer jogos tais como "Perna de Pau" e "Por que Você Não... Sim, Mas” ...) Outra abordagem, que às vezes é indicada com tais pacientes, foi usada no caso de Miss Hockett. Ela passou a fazer parte de um grupo onde o terapeuta funcionava analiticamente como Adulto e evitava intervenções Parentais. Ao mesmo tempo, ela se submetia individualmente ao acompanhamento de um assistente social treinado em análise estrutural e que atuava como Pai. Deste modo, ela conseguiu acalmar suas ansiedades no grupo, através da análise de jogos elaborada pelo assistente social e, além disso, podia contar com o jogo que fazia com o assistente social para conquistar a simpatia de todos, ao submetê-lo à análise do grupo. Assim, sua Criança era assegurada e cuidada por um indivíduo, enquanto seu Adulto estava sendo descontaminado e fortalecido por outro. O terapeuta e o assistente social realizavam breves reuniões vez ou outra, ou quando surgia um problema agudo, mas, já que ambos tinham uma idéia bastante clara da divisão de trabalho entre eles, nenhum dos dois sentia a necessidade de fazer esta reavaliação a cada problema que surgisse ou com maior freqüência, pois isto tenderia a perturbar o andamento

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da terapia cooperativa, oferecendo à criança a oportunidade tentadora de deflagrar um jogo manejado por três participantes. Assim, evitando jogos deste tipo e forçando Miss Hochett a participar de dois jogos separados com dois participantes apenas, foi muito mais fácil controlar a situação e seu progresso foi gratificante para ela mesma, para o grupo e para seus terapeutas, enquanto ela permaneceu no grupo. Infelizmente é difícil oferecer algo mais do que algumas sugestões gerais a respeito de como lidar com pessoas que são, por definição, o coletivo e individual. Mas, através da aplicação assídua e inteligente dos princípios acima expostos, o terapeuta acrescentará, continuamente, ao seu conhecimento, a maneira de abordar tais problemas, e, eventualmente, chegará à conclusão de que não existem pacientes entediantes, mas apenas terapeutas entediados, situação que pode ser aliviada, desde que se obedeça a um programa terapêutico bem planejado, com metas claramente formuladas, ainda que modestas, e instrumentos adequados para conseguí-las. É possível que haja horas cansativas, e até mesmo semanas enfadonhas, durante períodos em que se recomenda muita paciência, mas não haverá mais meses e anos de aborrecimento.

NOTAS Mr. Segundo não era viciado em morfina, este aspecto de seu problema é escolhido como ilustração, principalmente porque os fatores de realidade não oferecem complicações e são quase que auto-evidentes.

REFERÊNCIAS 1. Levin, B., The Psychoanalysis of Elation. W.W. Norton & Company, Nova York, 1950. 2. Rosen, J., Direct Analysis. Grune & Stratton, Nova York, 1953. 3. Sechehaye, M. A., Symbolic Realization. Internacional Universities Press, Nova York, 1951. 4. Fromm-Reichmann, F., Principles of Intensive Psychoterapy. University of Chicago Press, 1950.

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14. TERAPIA DAS NEUROSES

Há quatro metas possíveis na psicoterapia das neuroses, Estas podem ser designadas em linguagem convencional, como (1) controle sintomático, (2) alívio sintomático, (3) cura transferencial, (4) cura psicanalítica. Estas metas podem ser estabelecidas em termos estruturais, e os processos terapêuticos são ilustrados pelos seguintes exemplos: 1. O controle sintomático e social foi o que conseguiu, com extraordinária rapidez, Mrs. Enatosky, uma dona-de-casa de 34 anos. Sua queixa principal era a "depressão" que sentia subitamente, durava dois ou três dias e desaparecia, também repentinamente. A depressão era particularmente amedrontadora, porque a paciente não sabia como tinha começado. Surgira há 15 anos, depois que sua mãe adoecera. Inicialmente, ela tentava livrar-se da depressão através da bebida, o que resultou em vários episódios alucinatórios, após bebedeiras prolongadas. Então, ela aderiu aos Alcoólicos Anônimos e não vinha bebendo nada a sete anos. Durante este período, procurou tratamento e encontrou um psiquiatra, cujas prescrições foram a hipnose, o Zen-budismo e exercícios de ioga. Passados três ou quatro anos, a paciente se tornou tão habilidosa na última técnica que foi apontada como guru na sociedade local. Nesta época, ela começou a ter dúvidas a respeito da eficácia dessas formas de tratamento, e procurou a ajuda do Dr. Q., por recomendação de uma conhecida, que era assistente social. Ela também se queixava de insegurança periódica para caminhar, que ela descrevia como "flutuar". Além disso, não sabia o que fazer a respeito das dificuldades enfrentadas com seu filho de 13 anos. Ele era desobediente e ela manipulava o problema através de "princípios de saúde mental" sobre os quais ela tinha lido, mas enquanto estava "pronunciando" as palavras e pensava o que deveria dizer "no fundo" ela sabia que queria forçá-lo a obedecer e sentia que ele percebia isso; mas achava que seu marido aprovaria mais a sua atitude se ela o fizesse de modo "sensível". Quando falhava nos "pronunciamentos", ela ficava deprimida e, então, o filho se mostrava mais obediente (em relação aos estudos, por exemplo). Ela fazia outras coisas para ganhar a aprovação do marido, como comprar as roupas provocantes que ele parecia apreciar e, quando ele não correspondia, ela se sentia triste e rebelde. Mrs. Enatosky disse várias coisas espontaneamente em sua segunda entrevista, que tornou mais fácil introduzi-la à análise estrutural. Algumas dessas coisas provavelmente eram baseadas na experiência terapêutica anterior e algumas eram intuitivas. "Como uma menininha, eu quero a aprovação de meu marido, embora eu me rebele contra o que tenho de fazer para obtê-la. Acho que é assim que eu costumava me sentir em relação a meu pai. Quando meus pais se separaram, pensei: ‘Eu poderia tê-lo retido’. Eu me dedicava muito a ele". "Algo adulto em mim me fazia ver que eu estava agindo como uma menininha". Foilhe sugerido que ela poderia soltar a menininha, pelo menos durante as entrevistas, em lugar de tentar aprisioná-la dentro de si. Esta era uma idéia nova para ela, já que era contrária ao que lhe aconselhava o terapeuta anterior, e isto a assombrou e intrigou. "Parece-me ousadia. Apesar de eu gostar de crianças. Mas eu sei que não posso viver de 107

acordo com as expectativas de meu pai". Em relação a sua atitude dissimulada para com o filho, ela comentou: "É exatamente como minha mãe me tratava; ela tentava me forçar a fazer as coisas". Com essas e outras declarações espontâneas, não houve dificuldade em traçar um diagrama estrutural: a mãe que ela imita; a parte adulta dela; a menininha que quer aprovação e a menininha que se rebela. Na terceira entrevista, foi fácil passar para o vocabulário usual, que era mais conveniente; estas instâncias então representavam o Pai, o Adulto, a Criança obediente e a Criança rebelde respectivamente. Quando ela discutiu o sintoma relativo ao caminhar, Dr. Q. salientou: "É a menininha também" (diagnóstico comportamental). Ela respondeu: "Caramba! É verdade: uma criança anda desse jeito. Quando você disse isso, pude ver uma criancinha. Você sabe como as crianças andam, tropeçam e se levantam. É duro acreditar, mas isto faz sentido para mim. Quando você disse isso, senti que não queria caminhar: uma menininha chorona que prefere rastejar ou se sentar. Agora estou contente. Eles empurram a gente pelo ombro direito e a gente se sente ultrajada e quer chorar. Sabe, eu ainda tenho dores no ombro. Que sensação terrível! Minha mãe trabalhava quando eu era pequena e eu não queria passar o dia na creche, negava-me a caminhar e eles me forçavam. E ainda faço o mesmo com meu próprio filho. Não gosto que ele me desobedeça e, ao mesmo tempo, penso: ‘Eu não desaprovo. Sei como ele se sente!’ É, na verdade, minha mãe desaprovando. É esta a parte Parental? Isso tudo me assusta um pouco". Deste modo, estabeleceu-se a realidade do Pai, do Adulto e da Criança, como estados do ego reais (realidade fenomenológica). Quando ela disse estar assustada com tudo isso, o Dr. Q. relembrou que seu tratamento místico e a hipnose tinham contaminado seu Adulto e preocupou-se em assegurar que nada havia nada de misterioso no que estavam conversando. Enfatizou a derivação de Pai, Adulto e Criança, provinda de suas experiências reais na primeira infância (realidade histórica) e discutiu a ativação seletiva de cada entidade, explicando-lhe a relação com acontecimentos diários de fácil compreensão. Explicou, então, como o Adulto poderia manter o controle da Criança, em vez de ser meramente confundido por ela, e, também, como o Adulto tinha de servir de mediador entre o Pai e a Criança a fim de evitar depressões. Tudo isso foi comentado bastante detalhadamente. Ela iniciou a quarta entrevista dizendo: "Esta semana me senti feliz pela primeira vez em 15 anos. Experimentei o que você me sugeriu e ainda posso sentir a depressão tentando me dominar e também a sensação engraçada enquanto ando, mas posso manipular essas coisas e elas não me incomodam mais, mesmo quando sei que estão presentes". A esta altura, foram formulados os jogos que ela fazia com o marido e com o filho, de forma preliminar. Com o marido, a seqüência era esta: ela se submete de modo sedutor, ele reage com indiferença, ela se desaponta e se deprime, ele, então, tenta remediar a situação. Com o filho, dava-se o seguinte: ela usa um raciocínio sedutor, ele reage com indiferença, ela se desaponta e se deprime, e ele, então, remedia a situação, obedecendo-a afinal. Apesar de o terapeuta ter omitido este ponto naquele momento, ambos eram jogos familiares sadomasoquistas, nos quais, como de costume, as duas partes têm ganhos primários e secundários. No jogo de obediência, por exemplo, um ganho primário interno para o filho era que ele alterava sua mãe e um ganho primário externo era o de evitar cumprir as tarefas

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escolares; em segundo lugar, ele freqüentemente conseguia ganhar vantagens materiais quando a obedecia. Foi-lhe explicado que, neste caso, valeria a pena tentar abordagem Adulto-Adulto, em vez da relação Pai-Criança, isto é, boas razões em lugar de razões agradáveis e sedutoras. Estes são alguns exemplos dos problemas trabalhados e de como se lidou com eles. Por causa de sua aptidão evidente para a análise estrutural e transacional julgou-se que ela já estava pronta para participar de um grupo de terapia relativamente experiente, após apenas cinco entrevistas individuais. Na terceira reunião de grupo, ela comentou como se sentia bem, depois de ter sofrido tanto durante 15 anos. Atribuiu isso ao fato de estar aprendendo a exercitar o controle Adulto sobre seus sintomas e relações. Também contou que seu filho estava se comportando e se sentindo muito melhor e como eles estavam se relacionando bem. Havia vários profissionais no grupo e um deles lhe perguntou: "Há quanto tempo você vem ao Dr. Q.? Dr. Q. sorriu diante da pergunta e Mrs. Enatosky pensou que ele estivesse rindo dela. Dr. Q. explicou cuidadosamente que não estava rindo dela, mas sim porque ele sabia o que seus colegas pensariam quando ela respondesse à pergunta. Esta explicação a satisfez e ela respondeu: "Estou vindo aqui há um mês". O terapeuta se permitira sorrir por razões que diziam respeito aos outros pacientes, e não a Mrs. Enatosky, e sua auto-indulgência teve êxito, pois influenciou a esperada reação de ceticismo dos pacientes que eram psicoterapeutas profissionais e principiantes em análise transacional. Esta atitude levou a uma curiosidade mais séria a respeito das possibilidades deste tipo de análise. Muito poucos pacientes revelam a capacidade de compreender e avaliar os princípios do controle sintomático e social tão rapidamente como Mrs. Enatosky e seu caso foi escolhido pelo dramático valor ilustrativo que apresenta. Já que sua Criança tinha sido profundamente traumatizada, este era apenas o começo da terapia e muitas dificuldades teriam de ser enfrentadas mais tarde. Mas a fase inicial promoveu um alto grau de esperança e compreensão terapeuticamente valioso e serviu para estabelecer uma relação de trabalho satisfatória entre o terapeuta, de um lado, e o Adulto e a Criança da paciente, do outro. Também iniciou o processo de colocar o terapeuta no lugar dos pais originais, o que se considerou desejável em vista dos elementos esquizóides da Criança. Mais importante talvez tenha sido o fato de a paciente continuar o tratamento sentindo-se muito melhor do que se sentia originalmente, e as coisas se tornaram mais fáceis para seu filho durante um período decisivo de desenvolvimento. Graças à habilidade por ela demonstrada de exercitar o controle social durante o período de sua terapia, a vida tornou-se mais feliz, não só para ela, mas também para os outros membros da família. O fortalecimento posterior do controle sintomático e social neste caso e os passos dados para libertar a Criança de Mrs. Enatosky da confusão em que se encontrava estão descritos no Apêndice, no final do livro. 2. O alívio sintomático foi obtido, através da análise estrutural, por Mrs. Eikos, dona-de-casa de 30 anos que recorrera a diversos especialistas, durante alguns anos de tratamento, por sentir dores que sempre suspeitava serem baseadas em mudanças orgânicas. Apenas quando tudo falhou ela resolveu procurar um psiquiatra. Desde o início, suspeitouse que a fase inicial seria crítica, já que seu casamento vinha sendo mantido, de forma precária, somente graças a sua negligência em relação a certos defeitos óbvios no

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comportamento do marido. A análise estrutural desta situação foi a seguinte: o comportamento neurótico do marido de Mrs. Eikos era altamente atrativo para a sua Criança, pois lhe proporcionava grandes ganhos primários e secundários. Do ponto de vista do Adulto, entretanto, era uma coisa ultrajante. Mas, através da contaminação, a Criança de Mrs. Eikos impedia que o Adulto protestasse; ela dava todo o tipo de desculpas para que o marido fazia. A descontaminação poderia ser uma ameaça a seu casamento, porque um Adulto autônomo não toleraria por muito tempo o comportamento do cônjuge, se este não mudasse. Além disso, se ela parasse com o jogo que constituía um dos seus principais laços matrimoniais, sua Criança sentiria a privação como profundamente desesperadora. Tais perigos foram apontados para ela em três diferentes ocasiões, sempre de um modo claramente inteligível para ela naquele momento. Em todas as vezes, ela reafirmou a sua determinação de continuar a terapia. Estes testes de motivação não só esclareciam as responsabilidades do terapeuta e da paciente, respectivamente, mas também iniciavam o fortalecimento do Adulto, fazendo com que a decisão fosse dela, com base numa avaliação realista da situação de tratamento. Os aspectos de transferência deste procedimento, isto é, as reações da Criança diante das formulações do terapeuta, foram deixadas de lado para serem trabalhados no momento oportuno. À medida que ela foi-se tornando capaz de sentir e expressar a raiva e o desapontamento do Adulto autônomo em relação ao comportamento do marido, as dores foram gradualmente desaparecendo. Este alívio sintomático não resultou de uma expressão de indignação cega e banal, baseada no axioma "expressar hostilidade é bom", mas foi cuidadosamente planejado. O próprio Adulto da paciente era capaz de avaliar a exatidão e a utilidade dos passos preparatórios. Além de ser agradecida pelo efeito terapêutico, ela também estava em condições de compreender seus três principais aspectos estruturais. Primeiramente, o fato de ter surgido desapontamento e ressentimento significou que o Adulto, agora, estava descontaminado até certo ponto e que ela era capaz de testar e exercitar a sua autonomia, recém-descoberta, em outras situações. Em segundo lugar, agora que seu Adulto estava disponível como aliado terapêutico, o tratamento podia continuar em um nível diferente. O primeiro obstáculo estava seguramente derrubado, e seu casamento sobreviveu a ele. Ela pôde ver que estava realmente numa situação melhor do que a anterior para assegurar sua estabilidade familiar com base em alicerces mais firmes, se ela quisesse, e isto lhe deu nova coragem. Em terceiro lugar, o próprio ressentimento era suspeito, já que nele havia alguns elementos de ambivalência infantil e que ela tinha selecionado Mr. Eikos para ser seu marido, dentre vários candidatos, estando claro, a esta altura, que sua Criança tinha encorajado ocultamente seu comportamento. Por todos estes motivos, sua expressão de "hostilidade" não era simplesmente aceita como "boa", mas foi encarada de modo crítico tanto pelo terapeuta como pelo paciente. Neste ponto a Criança, privada de algum dos ganhos que obtivera anteriormente com o seu casamento, começou a voltar sua atenção para o terapeuta. Ela tentou manipulálo, como o tinha feito antes com várias figuras parentais, incluindo alguns amigos de seu pai e um terapeuta anterior. A análise deste jogo a desconcertou e suas produções tornaramse menos suaves. Foi possível, então analisar alguns dos jogos familiares de sua infância, assim como outros jogos conjugais atuais. Na medida em que sua Criança começou a experimentar uma catexia cada vez mais desatada, o argumento da paciente apareceu e suas

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entrevistas tornaram-se progressivamente mais turbulentas. Enquanto isso, O Adulto se fortalecia em suas atividades fora do consultório, ainda que, às vezes, ele fosse completamente desautorizado durante as sessões terapêuticas. Como ela já não realizava os jogos conjugais, A Criança do marido tornou-se confusa, ansiosa e deprimida, e ele também procurou tratamento (com outro terapeuta). Ela começou a levar sua vida com mais energia, satisfação e serenidade, não só no interesse de seus três filhos mas também em seu próprio benefício. Agora ela já estava preparada para interromper o tratamento, sob as seguintes condições: as mudanças de estados do ego eram acompanhadas por alterações no tônus de sua musculatura íntima e no esqueleto. Em seu estado do ego Adulto, ela agora estava livre de sintomas. Se sua Criança surgisse, os sintomas voltavam, mas com menor rigidez. Através da prática do controle social e da oposição do Adulto a jogos incipientes em sua vida familiar e social, ela foi capaz de anular um controle quase voluntário sobre a ocorrência dos sintomas. Como um tipo de prêmio, seu casamento melhorou, na opinião de todas as pessoas que a rodeavam. Neste caso, o alívio sintomático precedeu o controle sintomático. A resolução parcial de seu argumento, envolvendo até certo ponto a libertação da Criança da confusão, aliviou permanentemente a gravidade de alguns sintomas, deixando o restante sujeito à opção do Adulto. Às vezes, pode-se proporcionar alívio sintomático de outro modo, ensinando-se o paciente a aprimorar seu jogo. Na verdade, a principal motivação que leva a Criança do neurótico ao consultório de um psiquiatra geralmente é esta: a Criança quer que o terapeuta lhe ensine a realizar seu jogo com mais êxito. Assim, se as motivações para a busca de terapia forem analisadas estruturalmente, em geral elas apresentarão a seguinte disposição: Parental - supõe-se que a pessoa esteja bem para apoiar seus filhos, fazer o serviço de casa etc.; Adulto - a pessoa ficaria mais feliz e mais eficiente se a Criança pudesse aprimorar seus jogos, isto é, extrair maiores ganhos primários e secundários das transações arcaicas com outras pessoas. Uma variante deste último é a esperança de que o terapeuta esteja disposto a jogar quando ninguém mais está, dando assim, à Criança, certo grau de satisfação. Um paciente muito sarcástico expressou a diferença entre as motivações da Criança e as do Adulto para iniciar uma terapia, perguntando a outro paciente: "Você veio aqui para se divertir ou para que o divirtam?".* Isso poderia ser dito de outro modo, através do conteúdo do conhecido epigrama: "O neurótico faz tratamento para aprender como ser um neurótico melhor". O trabalho dos conselheiros matrimoniais constitui uma forma comum de oferecer alívio sintomático por meio da aprendizagem. O que parecem lições sobre abstratos como "casamento" e "natureza humana" são, freqüentemente, um modo de ensinar como obter mais satisfações através dos jogos matrimoniais do tipo "Mulher Frígida", "Orçamento" e "Saúde Mental". Mr. Protus era um exemplo de pessoa que obtém alívio sintomático através de ensinamentos. Dedicava-se ao jogo do pijama, como dizia ele, e queria dar um grande golpe. Mas sua ansiedade social se manifestava sintomaticamente durante seu trabalho como vendedor e diminuía sua eficiência. Veio tratar-se com o objetivo expresso de ganhar mais dinheiro. Por várias razões, sua meta foi aceita pelo terapeuta. Depois de um longo *

No inglês esta frase compõe um trocadilho: “Did you come for a treat or for a treatment?” (NT)

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período, estabeleceu-se o controle sintomático e social, que permitiu a Mr. Protus melhorar o seu jogo de vendas. Sua ineficiência, seu desperdício de energia e explosões sintomáticas durante o trabalho diário decorriam, em parte, de um conflito Parental bastante profundo (pai versus mãe), que envolvia violência, de modo que sua Criança sempre evitava dar realmente o grande golpe. Logo o Adulto percebeu o que devia controlar e conseguiu fazêlo durante suas horas de trabalho. Além disso, a análise do jogo de vendas que ele fazia, tornou-o mais corajoso e habilidoso para trabalhar com a Criança de seus clientes e para manter o seu Adulto atento contra as tentativas dos clientes de manipular sua própria Criança. Como resultado, ele não deu um golpe, mas, sim, começou a ganhar mais dinheiro. Entretanto, como nunca se analisou a raiva de sua Criança, ele ainda permanecia um "neurótico noturno e de fins de semana". Mas a limitada meta original fora atingida e diminuíram os sintomas decorrentes de sua incapacidade de obter satisfação suficiente para a Criança porque seu jogo era malfeito. A fim de que o leitor possa fazer uma boa avaliação desta técnica, devemos esclarecer que este exemplo representa a síntese de dois casos semelhantes: Mr. Protus1, que iniciou o tratamento especificamente com o objetivo de aumentar o seu poder aquisitivo, e nunca admitiria que a terapia tivesse algo a ver com o aumento de seus ganhos financeiros, embora os seus colegas do grupo de terapia estivessem convencidos disto; e Mr. Protus2, que procurou o consultório por razões mais convencionais e aumentou suas finanças como um subproduto da análise de jogos, atribuindo ao tratamento sua melhora na manipulação de seus contatos comerciais. Os altos e baixos, as compulsões e os impulsos dos jogadores são particularmente amenizáveis através de tratamento orientado pela análise de jogos. O jogador de baralho que aprende a lidar melhor com a Criança dos outros, a resistir à manipulação de sua própria Criança e a conter os próprios impulsos leva vantagem à mesa. Em particular, os inumeráveis ardis executados por profissionais para enfraquecer o Adulto e apelar para a Criança perdem a sua eficácia. O resultado é o maior êxito e alívio de sintomas durante o jogo, proporcionado pela análise de jogos. E o interesse técnico deste fenômeno é justificável, uma vez que os efeitos terapêuticos não são esotéricos e podem ser medidos pela simples aritmética. 3. Cura transferencial significa, em termos estruturais, a substituição do pai original pelo terapeuta e, em termos transacionais, que o terapeuta ou permite que o paciente reassuma com ele um jogo que fora interrompido na infância pela morte prematura ou abandono do pai original, ou mesmo oferece-se para realizar o jogo de uma forma mais benigna do que a usada com o pai. Mrs. Sachs, a senhora que sofria de enxaqueca e que tinha catexia lábil, mencionada no Capítulo 4, foi tratada por algum tempo de acordo com estes princípios. A transferência ativa baseou-se no fato de que seus pais, especialmente a mãe, tratavam-na muito mal quando ela era pequena. Tinham o costuma de envergonhá-la brutalmente sempre que ela não conseguia controlar suas necessidades fisiológicas. Uma das lembranças mais desagradáveis que ela tinha relacionava-se com um tio seu, muito querido, que a pegou no colo um dia para fazer-lhe carinho e, mesmo depois, de ela ter urinado em seus braços, continuou com ela no colo; diante disso, sua mãe disse: "Como pode segurá-la quando ela está nessa condição de sujeira?". Depois que ela relatou isso, o quadro do tratamento tornou-se mais claro. O terapeuta tinha apenas de responder com amabilidade quando ela relatava coisas que a envergonhassem. Ele precisou demonstrar esta atitude várias vezes.

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Depois de um tempo, ficou evidente que ela estava "urinando" verbalmente e, mais tarde, "defecando" sobre ele, para ver se ele a "mandaria embora", como sua mãe, ou "continuaria com ela no colo", como seu tio. Enquanto o terapeuta respondeu de modo adequado, as coisas tornaram-se mais fáceis para ela. Mais tarde, quando ele começou a fazer interpretações, voltaram as dificuldades. Mesmo a intervenção verbal mais cuidadosa servia para mudar a situação do jogo tio-sobrinha para o de mãe-filha. O primeiro era um jogoteste permissivo e o segundo, de provocação e contraprovocação. Neste caso, a cura transferencial ocorreu quando ela se convenceu de que o terapeuta faria o papel do tio, uma de suas figuras parentais originais. Mesmo quando ela o percebia como mãe, a Criança achava mais conveniente e menos aterrorizante realizar o jogo mãe-filha com o terapeuta do que com o marido, de modo que, embora o tratamento agora se tornasse turbulento, as coisas ainda iam melhor na parte externa (aqui o pai não entrava ativamente na situação). O terapeuta, por um lado, permitia-lhe que reassumisse o jogo que tinha sido interrompido com a morte do tio, e, por outro, continuar o jogo mãefilha de uma forma mais benigna. Em ambos os casos, a Criança obtinha satisfação suficiente para sentir certo alívio e, além disso, experimentava mais liberdade em relação às proibições Parentais do que tivera nas situações originais. Uma paciente reproduziu nitidamente sua cura transferencial no seguinte sonho: "Enquanto eu estava tomando banho, você levou embora minhas roupas e só me deixou um roupão. Mas, de algum modo, senti-me melhor". Ela decifrou seu sonho da seguinte maneira: "Você tinha tirado de mim todos os meus jogo de fantasia neste tratamento, mas o que você me deu em troca era melhor". Com isto, ela queria dizer que o terapeuta era mais benevolente do que seus próprios pais. O roupão, naturalmente, representa o jogo que restou, o que ela está jogando com o terapeuta. 4. Cura psicanalítica significa, em termos estruturais, a libertação da Criança de suas confusões, tendo como aliado terapêutico um Adulto bastante descontaminado. A terapia pode ser vista como uma espécie de batalha envolvendo quatro personalidades: O Pai, O Adulto e a Criança do paciente, com o terapeuta funcionando como Adulto auxiliar. Na prática, esta concepção tem um significado prognóstico simples, mas importante, e, até mesmo, decisivo. Como em qualquer batalha, o número de elementos é crítico. Se o terapeuta estiver sozinho, enfrentando um entente cordiale de todos os três aspectos do paciente, as chances de sucesso são de três contra um. Isso ocorre freqüentemente com os psicopatas na psicanálise. Se o Adulto do paciente puder ser descontaminado pela análise estrutural preliminar e incluído como um aliado terapêutico, então serão dois Adultos contra um Pai e uma Criança, e as probabilidades de sucesso são as mesmas. Se o terapeuta puder apelar não somente para um Adulto descontaminado. mas também para a Criança do paciente, então serão três contra o Pai, com uma probabilidade correspondente de sucesso. Com neuróticos, no sentido geral do termo, o Pai é o principal inimigo. Ocasionalmente, com esquizofrênicos, a disposição de forças ótima é Pai, Adulto e terapeuta contra a Criança e, neste caso, o terapeuta deve apelar para o Pai do paciente e não para a sua Criança. Do ponto de vista estrutural, a terapia com eletrochoque parece ser, com efeito, este apelo, com o resultado de que tanto o Pai como o Adulto do paciente estarão decididos a evitar que a Criança volte a colocar os três em tal situação desagradável com esses aparelhos de tortura. Mr. troy era um excelente exemplo desta atitude, que ele manteve ativa e verbalmente por mais de sete anos, reprimido de forma drástica, tanto ex 113

cathedra como racionalmente, qualquer exibição da Criança. O momento da verdade chegou quando ele começou a ver as crianças reais em seu ambiente como personalidades individuais, com seus próprios direitos. A psicanálise baseia-se na associação livre, com suspensão da censura. Isto significa, em primeira instância, que a Criança falará livremente, sem interferência nem do Pai nem do Adulto. Na prática, entretanto, especialmente no início, a criança pode ser preterida e freqüentemente é o Pai quem fala livremente, sem a interferência do Adulto. Portanto, pode ser necessária alguma habilidade técnica para fazer sair a criança e desviar o Pai. Mas, nesta situação, enquanto a Criança está falando, tanto o Pai como o Adulto estão ouvindo e estão cientes do que está ocorrendo. Isso diferencia a psicanálise de métodos como a hipnose e a narcoanálise, em que o Pai, e geralmente também o Adulto, são temporariamente desautorizados. Quando a Adulto reassume o seu posto, o terapeuta lhe conta o que a Criança disse. Este procedimento não é tão convincente ou eficaz como o que permite ao Adulto funcionar o tempo todo, e aí se situa a superioridade da psicanálise. Na hipnose, a mãe e a governanta são metaforicamente mandadas para fora da sala e mais tarde o terapeuta lhes conta o que a criança disse. Em psicanálise, a Criança fala na presença delas e elas ouvem em primeira não. A análise de regressão, que será discutida mais tarde, tem esta vantagem, enquanto, ao mesmo tempo, apela mais diretamente à Criança. A recente aplicação terapêutica da droga LSD-25 parece-nos prometer algo semelhante neste sentido.(1) O uso da análise estrutural para descontaminar o Adulto como preparação para o tratamento psicanalítico já foi mencionado no caso de Mrs. Eikos; e está claro como a análise transacional, a análise de jogos e a análise de argumentos serviram de base para o subseqüente trabalho psicanalítico com Mrs. Catters. O desenrolar do argumento é a substância do processo psicanalítico. A transferência não é simplesmente um conjunto de reações inter-relacionadas, uma neurose de transferência, mas um drama transferencial dinamicamente progressivo, que contém, geralmente, todos os elementos e subdivisões de uma tragédia grega. Assim, como foi mencionado antes, Édipo ganha a vida, na análise de argumento, não apenas como uma personagem típica mas também como uma personagem que avança, inexoravelmente, para um destino pré-determinado.

NOTAS É evidente que uma nota adequada a este capítulo envolveria muito da vasta literatura sobre psicoterapia. Encontra-se uma lista selecionada no livro de Chicago, Osychoanalytic Therapy. (2) A descrição, dada por Alexander, da "experiência emocional corretiva" esclarece ainda mais o caso de Mrs. Sachs e, melhor ainda, o de Mrs. Eikos. Em termos estruturais, o princípio de Alexander é psicanalítico, pois seu objetivo é tirar a Criança da confusão para, em linguagem da análise de argumentos, "acabar com a representação e colocar outra em cena". Como Alexander se expressa, "o velho padrão era uma tentativa de adaptação da criança em relação ao comportamento parental... A atitude objetiva e compreensiva do terapeuta permite ao paciente... encarar o antigo problema de uma nova maneira... Enquanto o paciente continua a atuar de acordo com os padrões 114

superados, a reação do terapeuta conforma-se estritamente à situação terapêutica atual" (pp.66 e 67). Em termos transacionais, isto significa que quando a Criança do paciente tenta provocar o Pai do terapeuta, ela se confronta, pelo contrário, com o Adulto do terapeuta. O efeito terapêutico nasce do desarranjo causado por esta transação cruzada. Em termos de análise de jogos, a Criança do paciente é freada pela recusa do terapeuta em jogar. Isto é bem ilustrado pelo caso de Jean Valjean (pp. 68-70). Fenichel (3) fornece uma discussão técnica do conceito de "melhora transferencial", com bibliografia.

REFERÊNCIAS 1. Chandler, A. L. & Hartman, M. S. "Lysergic Acid Diethylamide. (LSD-25) as a Facilitating Agent in Psychotherapy". loc. cit. 2. Alexander, Franz, & French, T. M., Psychotherapy Therapy, Ronald Press Company, Nova York, 1946. 3. Fenichel, O. loc,cit., p.559 e seguintes.

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15. TERAPIA DE GRUPO

1. OBJETIVOS Propomos a análise transacional como método de terapia, por se tratar de uma abordagem racional e natural derivada da própria situação de grupo. Ela não se baseia no conceito de "GRUPO" como entidade metafísica ou enteléquia, nem no uso oportunista de técnicas que não tenham sido originalmente idealizadas para a situação de grupo. O objetivo da análise transacional em terapia de grupo é conduzir cada paciente através das etapas sucessivas da análise transacional propriamente dita, da análise estrutural, da análise de argumentos, até que ele obtenha o controle social. A consecução desta meta pode ser aferida por meio da observação das mudanças observadas não apenas nas respostas do próprio paciente mas também, de forma independente, nos comportamentos das pessoas que lhes são íntimas, sem que elas se tenham submetido à psicoterapia, como nos casos do filho de Mrs. Enatosky e do marido de Mrs. Dodakiss. Pode ainda ser comprovada e exercitada através do controle das respostas do paciente em face das tentativas cotidianas de manipulação praticadas por outras pessoas, como nas situações de compra e nas transações comerciais ilustradas por Mr. Protus. Supõe-se, em geral de maneira correta, que os progressos resultantes nas experiências sociais levarão a uma diminuição das distorções e ansiedades arcaicas, com certo alívio de sintomas, prognosticável, controlável e inteligível tanto para o paciente quanto para o terapeuta. Em situações terapêuticas mais intensivas, a análise transacional constitui também uma preparação útil para a terapia psicanalítica, sendo concomitante com ela.

2. MÉTODOS Em quase todas as etapas é possível, apropriado e aparentemente aconselhável que o paciente esteja a par do que já conseguiu, do que está tentando conseguir e, quando estiver suficientemente educado, do que deseja obter no futuro. Assim, em quase todas as etapas, há um entendimento pleno entre o paciente e o terapeuta com relação à situação terapêutica. O paciente é tão bem informado a respeito dos fatores específicos em estudo quanto um terapeuta aprendiz que se encontre no mesmo estágio de aprendizagem, e a experiência mostra que ele é capaz de compreendê-los, mesmo quando tenha uma "inteligência" limitada (de acordo com escalas psicométricas), já que todos os passos são bem documentados com situações clínicas em que ele próprio esteve ou está envolvido. Com pacientes que começam a terapia ao mesmo tempo, pode-se realizar todo o processo em grupo. Os eventuais retardatários, no entanto, precisam de certa preparação em 116

sessões individuais que lhes permitam compreender, até certo ponto, o que está ocorrendo no grupo no momento em que nele ingressar. Em geral, parece bastar, como bagagem preparatória, um rápido contato clínico com a análise estrutural, mesmo para o paciente ser introduzido num grupo muito avançado. Mas se o paciente tiver a oportunidade de testar o terapeuta e se entrosar com ele de modo a obter alguma segurança sobre a maneira como o seu jogo será manipulado, isto poderá ajudá-lo a superar a ansiedade de suas primeiras experiências no grupo. Por outro lado, se ele for excessivamente cauteloso em seu relacionamento com o terapeuta, em razão de traumas passados, talvez seja mais conveniente adiar a sua entrada, até que tenha vencido as inibições iniciais. Passando a fazer parte do grupo, o paciente sujeita-se, sob os devidos cuidados do terapeuta, aos vários procedimentos analíticos, cujas técnicas foram descritas nos capítulos anteriores. Ao mesmo tempo, o terapeuta pode empregar quando considerar oportunas, técnicas emprestadas, tais como interpretações e manobras psicanalíticas, conforme são usadas comumente. Deste modo, a análise transacional não pretende substituir a terapia psicodinâmica (1) de grupo, mas oferece uma matriz básica, dentro da qual se podem encaixar outras operações terapêuticas, de acordo com as inclinações de terapeuta. Ela não constitui um substituto exclusivo do conhecido arsenal psicoterápico, e sim uma importante contribuição neste setor.

3. O INÍCIO DE UM GRUPO Esta seção e a seguinte que tratam da seleção de pacientes, são empíricas, e o material se baseia em repetidas e extensas discussões em torno da enorme variedade de grupos com diferentes terapeutas grupais, provenientes de diferentes linhas terapêuticas. Estas idéias têm sido ampla e criticamente discutidas nos Seminários de Psiquiatria Social de São Francisco, e os princípios estabelecidos representam, na maioria dos casos, o consenso majoritário, comprovado pela experiência clínica atual. Primeiramente, descobriu-se a conveniência de o terapeuta ocupar pelo menos uma sessão longa, (de duas horas ou mais) discutindo o grupo em formação, antes de dar os primeiros passos práticos. Os tópicos a seguir foram considerados os mais irrefutáveis e relevantes: 1. Discussão dos aspectos organizacionais da situação terapêutica: procura-se analisar o modo como o terapeuta os vê, como os pacientes parecem vê-los a partir de seu ponto de vista e como o interpretam o que participam da discussão. A questão da "autoridade" é apresentada em todos os seus elementos, da maneira mais completa possível, através da elaboração de um "diagrama de autoridade". Este quadro começa com os pacientes e desenvolve-se até a sua conclusão lógica, que pode desembocar no presidente dos Estados Unidos ou, em última instância, nos eleitores. Discutem-se as supostas fantasias de cada indivíduo em cada escalão, na medida em que se relacionem com o esquema. Se o projeto estiver sendo patrocinado por algum estabelecimento que receba fundos federais, por exemplo, a cadeia poderá estender-se desde os pacientes, seus parentes e médicos, passando pelo terapeuta, seu supervisor, a diretoria do órgão público, o comitê governamental, até chegar à Secretaria da Saúde e Bem-Estar Social e ao presidente dos Estados Unidos. Pode-se atribuir a cada indivíduo ou instituição deste encadeamento, um 117

conjunto de suposições sobre o que poderia ser "bom" e o que poderia ser "mau" no âmbito do projeto terapêutico. O terapeuta está consciente ou pré-conscientemente cônscio destas suposições, e a possível influência destas sobre seu comportamento é comentada. Assim, é bastante concebível que, ocorrendo algo dentro do grupo de terapia, isto possa vir a perturbar qualquer dos indivíduos pertencentes à cadeia, a ponto de causar não apenas uma ansiedade local, mas até mesmo interesse nacional. A Administração dos Veteranos de Guerra, por exemplo, é particularmente suscetível a tais influências remotas, e tem consciência disso, sendo que cada uma delas constitui uma inibição potencial da liberdade terapêutica. As Fundações, Universidades e outras entidades oficiais interessadas, também devem ser consideradas com relação aos planos e interesses privados do terapeuta, como também quanto ao bem-estar dos pais. Os grupos privados geralmente são menos contaminados por tais influências. Como muitos terapeutas sabem que os pacientes trabalham em repartições públicas têm escrito ao Governador de Estado ou ao Presidente do País, o interesse em dar uma conclusão lógica a este tipo de análise é apenas acadêmico. 2. Discussão das metas de terapia. Freqüentemente, até o terapeuta fica surpreso com a sua dificuldade em estabelecer com precisão o que realmente está tentando fazer. Ou seja, em saber o que ele pretende curar nos pacientes, que mudanças ele está tentando efetuar no comportamento deles e como ele e os pacientes podem aferir quando esses objetivos foram ou não alcançados. Com relação a este ponto, as metas, mal-definidas, exatas ou puramente conceituais, são vigorosamente contestadas, numa tentativa de substituí-las por fórmulas operacionais. Por curioso que pareça, os psiquiatras, apesar de sua formação médica, são em geral tão confusos neste sentido quanto os terapeutas nãomédicos e, às vezes, é necessário equilibrar-se o fio embotado do sentimentalismo através da crítica construtiva. 3. A análise transacional realiza-se a partir das próprias motivações e fantasias do terapeuta com relação ao grupo em perspectiva. Inicialmente, como é natural, ele apresentará sua formulação Adulta. A partir disso, os elementos Parentais são, então, cuidadosamente dissecados, adicionando-se o que se apresentar espontaneamente. Finalmente, o terapeuta estabelece e discute as motivações de sua Criança, das quais ele tenha consciência. São revistos todos os seus jogos, tanto os autônomos quanto os aprendidos, e discutem-se os seus possíveis efeitos sobre os futuros pacientes. Assim, o terapeuta principiante pode ter uma atitude de "conselheiro", uma tendência a jogar "Por Que Você Não... Sim, Mas", ou pode ter aprendido a praticar psicoterapia de acordo com as regras do Professor K, ou terapia de grupos segundo as regras de Mr. Y. 4. Discute-se a seleção de pacientes, atentando-se, principalmente, para as atitudes autísticas, fóbicas ou depreciativas por parte do terapeuta. Não é fácil para o terapeuta executar um exame rigoroso de seu projeto com total isenção. A situação é amenizada pelo fato de o grupo ainda não estar formado, de modo que nada que o terapeuta diz representa um compromisso ou um fait accompli, e tudo está aberto a discussões futuras. Na prática, sabe-se que a maioria dos terapeutas acolhe tal investigação inicial e a julgam útil quando se confrontam com os pacientes.

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4.SELEÇÃO DE PACIENTES A atitude convencional para com a seleção de pacientes resume-se na seguinte fórmula geral: "Os critérios para seleção são Bons". Apalavra "bom" é escrita com a letra maiúscula porque esta suposição está implícita e quase nunca é questionada; raramente os terapeutas principiantes a colocam em dúvida. Num exame cuidadoso de seu significado, entretanto, esta afirmação se inverte: "Os critérios para seleção raramente são bons". Em geral, eles se reduzem aos preconceitos pessoais do terapeuta e, como tal, podem ser legitimamente aplicados até que ele adquira maior segurança, mude sua atitude ou aprenda mais; mas é preferível considerá-las sintomas de inadequação profissional. Como a análise transacional tem sido adequadamente testada com grupos de neuróticos, pessoas com desordens de caráter, psicóticos recorrentes, casos limítrofes, psicopatas sexuais, casais, pais de filhos perturbados e retardados mentais, pode-se empreender com segurança a formação de grupos especializados em cada uma dessas classes de indivíduo. Mas a análise transacional também tem se mostrado eficaz com grupos a que chamaríamos ecléticos, por incluírem uma variedade heterogênea de pacientes enquadrados nas primeiras cinco categorias, independente de idade, gravidade de sintomas, experiência psiquiátrica, classe social ou inteligência; portanto, tal grupo não-homogênio pode ser encarado como uma iniciativa viável na prática. O método ainda não foi suficientemente experimentado com grupos de psicóticos agudos, alcoólatras, viciados em narcóticos, presidiários e outros casos mais especializados, mas não existe motivo para hesitar em relação a uma tentativa de aplicá-lo com tais pacientes (já existem grupospilotos bem estabelecidos para todas essas classes, em vários serviços públicos, e o método também está sendo testado com pacientes "psicossomáticos"). Em geral, o comportamento de um paciente num grupo não pode ser fidedignamente prognosticado a partir de seu comportamento no dia-a-dia ou em entrevistas individuais. Um retardado depressivo não continuará necessariamente retardado no grupo, nem um paranóico alucinado introduzirá suas alucinações no grupo como fator perturbador não manipulável. A única forma de se ter certeza disso num dado caso, é fazer uma tentativa. A análise transacional é uma abordagem particularmente fecunda para se lidar com dois problemas bastante discutidos em encontros científicos e na literatura: 1. O "problema" do "monopolizador" será manipulado com extraordinária competência por um grupo familiarizado com a análise de jogos; 2. Em tal grupo, o silêncio transforma-se de um "problema" a ser resolvido em um fenômeno a ser investigado. A questão aqui não se constitui de Interact verborum gratia verborum, mas sim de uma "interação". Quanto menos critérios de seleção o terapeuta tiver, mais ele pode aprender. Em geral estes critérios significam: "Só quero pacientes que façam os jogos que me agradem e que não me dêem trabalho". Ao convidar pacientes "inadequados" a participarem de seus grupos, o terapeuta pode aprender novos jogos. Na pior das hipóteses, os critérios podem basear-se numa mera atitude depreciativa do terapeuta. A seleção de um grupo particular para um paciente específico oferece, no entanto, critérios que podem ser racionalmente recorrentes ou com psicóticos, depois de um 119

tratamento com choque, pode ser contra-indicada, pelo menos no início, uma abordagem Adulta puramente analítica por parte do terapeuta. Tais pacientes podem ser colocados num tipo especial de grupo, em que o terapeuta prefere trabalhar primeiramente como Pai e não como Adulto. Até agora, este é o único critério racional que se tem mostrado aplicável a grupos transacionais.

5. A ETAPA INICIAL Forneceremos agora dois exemplos clínicos, um para ilustrar a fase introdutória da análise transacional e o outro para demonstrar o estabelecimento do controle social.

Dr. Q. foi convidado como consultor em um hospital estatal onde todos os aproximadamente mil pacientes se submetiam a terapia de grupo. Várias abordagens eram utilizadas pelos diferentes terapeutas: a moralística, a analítica, a reminiscente, a de "interação", a "de apoio", a da "cadeira quente" e a ab-reativa. Muitos dos pacientes eram psicopatas sexuais, e o objetivo era reabilitá-los para lhes dar alta com segurança. Um dos

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primeiros passos do Dr, Q. foi participar de uma reunião de grupo, realizada em uma hora conveniente para ele. Havia mais ou menos 20 pacientes no grupo, nenhum deles conhecido seu. Eles já tinham reunido seis vezes antes e este encontro fora planejado para durar uma hora. O objetivo inicial do Dr. Q. era simplesmente tomar contato com o procedimento geral seguido no hospital, observar a disposição física e a atitude dos pacientes em geral e procurar saber o que estes achavam do programa de terapia de grupo, a fim de avaliar em que medida poderia contribuir com seus serviços. Na Figura 15 reproduzimos o diagrama de disposição desta reunião. O Dr. Z., terapeuta regular do grupo, apresentou o Dr. Q. como consultor e, em seguida, passou-lhe inesperadamente a direção do grupo, dizendo que, como o Dr. Q. tinha mais conhecimento a respeito da terapia de grupo, ele deixaria o grupo a cargo do recémchegado. Então, o Dr. Q. disse que estava lá para auxiliar a execução do programa de terapia de grupo e que provavelmente obteria maior sucesso em seu objetivo se tivesse alguma idéia do que os pacientes pensavam do tratamento. Os pacientes reagiram com grande entusiasmo e vários deles disseram que a terapia era a melhor coisa que já tinham feito, que pela primeira vez eles sabiam o que significava viver, que antes cada um tinha vivido num pequeno mundo privado, pensando que todos estavam contra eles, ou que ninguém se interessava por ninguém, enquanto agora eles sabiam que quando se chegava a conhecer as pessoas, se poderia gostar delas e ser aceito por elas; e outras afirmações que mostravam satisfação. Também fizeram algumas queixas contra procedimentos e terapeutas de grupos específicos, com o mesmo vigor com que tinham feito os comentários específicos anteriores. Dr. Q. ouviu-os, em silêncio, durante aproximadamente 20 minutos. Mr. Um ressaltava que aprendera a olhar para si mesmo e para sua vida de modo objetivo e que até tinha escrito sua autobiografia, para que pudesse pensar nisso com mais clareza. "Algumas coisas que escrevi têm sentido, outras me parecem tolice", foi o que ele resumiu a respeito. Depois que os pacientes discutiram este assunto em termos gerais por alguns minutos, Dr. Q. perguntou a Mr. Um: "O que você quis dizer quando afirmou que parte de sua autobiografia tem sentido e que parte dela lhe parece tolice?" "Bem, respondeu Mr. Um, parte dela parecia correta e outra parte se parecia com coisas que a gente faz quando criança. Eu costumava desligar o velocímetro do carro de meu pai quando o usava, para que ele não ficasse sabendo o que eu tinha feito. Isso é traquinagem de criança. É assim que meu pai costumava fazer com que eu me sentisse: uma criança. Mesmo depois de me tornar adulto". "Eu costumava me sentir da mesma forma", disse um outro elemento do grupo, Mr. Dois. "Mesmo depois que eu próprio passei a me sustentar financeiramente, quando entrava em casa e via meu velho sentado lá, sentia-me como criança de novo". Os demais integrantes do grupo começaram, então, a preencher o tempo jogando uma partida vívida de "Eu também". Vários deles descreveram suas dificuldades em sentirse adultos na presença dos pais, que, de algum modo, às vezes os faziam sentir-se como crianças. Com o homem mais velho, isto se deu em forma de reminiscências, mas com os mais jovens, era mais imediato. O mais jovem do grupo, Mr. Três, que contava apenas 21 anos de idade, introduziu uma variante, quando disse que, com ele, isto acontecia com 121

relação à sua mãe e, também neste caso, houve alguns "Eu Também". Embora o Dr. Q. tenha entrado na sala sem qualquer idéia de introduzir a estrutura conceitual entre os pacientes, ele sentiu que esta era uma oportunidade boa demais para se deixar passar. Foi até o quadro-negro e desenhou três círculos separados, como mostra a Figura 16A.

"Parece-me que vocês estão falando de três coisas diferentes aqui", disse o terapeuta. "Exatamente como estes círculos. Um é a criança que vocês sentem ser em casa, um é o adulto que vocês querem ser e o terceiro corresponde a seus pais, que os fazem sentir-se como crianças". "É exatamente assim", concordou Mr. Um. "Há muito de verdade nisso", disse Mr. Dois. "Lembro-me que uma vez, quando eu era menino..." E relatou uma longa história a respeito de sua infância. Dr. Q. teve a impressão de que ele "cavava um material significativo no passado" e de que o grupo estava acostumado a fazer este jogo de "arqueologia" sob a liderança do Dr. Z., seu terapeuta regular. Depois de ouvir durante alguns minutos, ele interrompeu:

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"Já que vou ficar com este grupo só por uma vez, seria melhor que nos ativéssemos a saber como vocês se sentem diante disso, em lugar de entrarmos em detalhes", explicou o Dr. Q. "O engraçado é que, mesmo depois de estar vivendo sua própria vida como adulto, às vezes você age como criança", disse Mr. Quatro. "Foi isso que nos trouxe aqui da primeira vez", disse Mr. Cinco. "Comigo - disse Mr. Seis - acontece que, mesmo quando estou longe de casa, ajo da forma como eu sei que eles querem que eu aja". "A mim me parece algo assim", ressaltou, desenhando no quadro-negro a Figura 16B, o diagrama estrutural. "Parece que vocês carregam dentro de si esta criança, em algum lugar, mesmo sendo adulto e que, de vez em quando, esta criança se expõe". "A pessoa pode nem saber que ela está ali, durante anos", disse Mr. Quatro, com bastante sensibilidade. "E, então, um dia, pumba! Lá está ela". "E quando seus pais não estão por perto", continuou Dr. Q., "alguns de vocês parecem carregá-los dentro de si também, para onde quer que se dirijam, e isso tem algo a ver com a maneira como vocês agem, conforme já observou um de vocês. Então, se os três círculos juntos forem considerados sua personalidade, o círculo superior poderia ser sua mãe ou o pai que vocês carregam com vocês em suas mentes, o do meio poderia ser o menininho que surge quando vocês vão para casa ou que escapa de algum jeito e os coloca em situação difícil. Mas, há muito de bom nele, e ele é uma boa criança para se ter por perto, não havendo motivo para que o chamem de "pueril" nem para que tentem se livrar dela. O que devem fazer é tentar compreendê-lo, como vocês queriam que seus pais os compreendessem, quando vocês eram de fato crianças como ele". "Parece-me bastante razoável", disse Mr. Seis. "Bem”, disse Dr. Q., "creio que não temos mais tempo agora. Acho que descobri o que queria saber. Há algo que você gostaria de lhes dizer, Dr. Z.?" Dr. Z. negou com a cabeça. "Agradeço a todos vocês por terem vindo", disse Dr. Q., "Espero vê-los novamente". "Nós é que lhe agradecemos", disseram os homens ao sair. O Dr. Z. e o Dr. Q., então, retiraram-se para a sala de conferências, onde o Dr. Q. faria uma palestra sobre a sua abordagem da terapia de grupo. Primeiramente, ele pediu ao Dr. Z. que informasse o pessoal a respeito da reunião que tinham acabado de realizar. Depois de o Dr. Z. fazer uma rápida síntese, que incluía as queixas dos membros do grupo de terapia, Dr. Q. perguntou: "Você se importaria se eu acrescentasse mais alguns detalhes?" "Absolutamente", disse Dr. Z. Então, Dr. Q. relatou tudo o que ocorrera, de maneira muito mais detalhada, exatamente como descrevemos acima. Ao terminar, perguntou ao Dr. Z.: "O que eu contei foi uma cópia fiel do que realmente aconteceu, ou você acha que 123

parte seja produto de minha fantasia?" "Foi exatamente isto o que aconteceu", disse Dr. Z. A primeira objeção proveio do Dr. A. "Você deve ter usado com eles sugestões inconscientes". "Neste caso, temos Dr. Z., um observador qualificado, para responder a esta dúvida", disse Dr, B., outro membro do grupo. Dr. Z. negou com a cabeça. "A mim não me pareceu que ele tivesse feito isso". "Eles, certamente, lhe entregaram, de bandeja, o que você queria", salientou Dr. C., que havia lido um artigo sobre análise estrutural elementar. "Não acho que tenha sido por causa de sugestões inconscientes", disse Dr. Q. Minha experiência mostra que, se você ouvir cuidadosamente qualquer paciente ou grupo de pacientes, durante a primeira hora ou em qualquer outro momento, quase que invariavelmente você reparará que eles mencionarão algo sobre duas maneiras de pensar, dois estados de mente ou duas formas de comportamento, uma das quais os está intrigando, preocupando ou em conflito com a outra. Este, no meu modo de ver, é o aspecto que ocorre com mais regularidade em todas as entrevistas psiquiátricas, com uma grande variedade de pacientes, e é uma das poucas coisas, se não é única, que eles têm em comum. Além disso, os próprios pacientes, de uma forma ou de outra, se referirão a um desses sistemas como sendo infantil, em geral com uma desaprovação implícita. "De qualquer modo, não há necessidade de discutirmos se eu lhes transmiti sugestões inconscientes ou não. Para mim, isto é irrelevante. O importante é observar que se eu lhes dei sugestões inconscientes, outros terapeutas também o fazem. Em minha linguagem, todo terapeuta, sabendo ou não, ensina a seus pacientes como ele quer que seja feita a terapia de grupo. O problema, então, coloca-se na questão de saber se uma maneira de proceder é melhor do que a outra, e eu acho que a minha tem dado os melhores resultados até agora, e não apenas comigo. De fato eu os restringi um pouco quando eles quiseram atuar do modo como estavam habituados com o Dr. Z., falando, com detalhes, a respeito de incidentes da infância. Neste caso, eu lhes disse explicitamente o que não fazer, mas disse muito pouco a respeito do que fazer. Eles apenas fizeram o que surgiu naturalmente". O que parece curioso é que sempre que o Dr. Q. participava de um novo grupo neste hospital, como em outros lugares, palavras como "infantil", "imaturo", "brincar" e "realizar jogos", apareciam regularmente mais do que uma vez, durante a reunião.

6. CONTROLE SOCIAL O próximo exemplo ilustra o estabelecimento do controle social, particularmente em relação a "jogos familiares". É um relato da nonagésima reunião de um grupo de mães de crianças com problemas que tinham iniciado suas atividades 21 meses antes, quando a assistente social da Seção Infantil da Clínica Psiquiátrica Externa, de um grande hospital 124

metropolitano, selecionou oito mulheres que, segundo ela achava, tirariam proveito de uma psicoterapia de grupo. Esta assistente social tinha orientação psicanalítica e pouco ou nenhum contato com a análise estrutural, que, de qualquer modo, ainda nesta época, se encontrava num estado embrionário; ela também não tinha experiência em terapia de grupo. Não lhe foi oferecido nenhum critério de seleção e o terapeuta aceitou, sem objeções ou entrevistas preliminares, todas as pacientes por ela escolhidas. Durante a existência do grupo, participaram, como observadores, alguns estudantes de terapia de grupo, sendo quatro assistentes sociais experientes, um psicólogo social e um psiquiatra. O grupo se reunia regularmente em volta de uma mesa e o quadro-negro era livremente utilizado quando necessário. O plano terapêutico erigiu-se em torno das seguintes fases: análise estrutural, análise transacional, análise de jogos, controle social. Desta nonagésima reunião participaram quatro pacientes que pertenciam ao grupo desde o início e uma que começou a freqüentá-lo 5 meses depois. Em suma: 1. Mrs. Esmeralda, uma senhora de 30 anos, que tinha tido algumas entrevistas prévias com uma assistente social psicanalítica, mas não se submetia a terapia individual desde que entrara no grupo. 2. Mrs. Garnet, de 40 anos, que estava em tratamento individual com outro terapeuta durante todo o processo. 3. Mrs. Lazuli, de 45 anos, nas mesmas condições que a anterior. 4. Mrs. Spinel, de 35 anos, que não tinha se submetido a nenhum tratamento anterior. 5. Mrs. Amber, de 40 anos, a última a ingressar, e que também não tinha tido nenhuma experiência prévia. Todas as cinco viviam com seus maridos, e os filhos apresentavam vários tipos de problemas de conduta como beligerância, isolamento e destrutividade, com sintomas como insônia, fobia e, no caso de Mrs. Amber, asma. Durante todo o período de tratamento, nenhuma das pacientes foi examinada individualmente pelo terapeuta de grupo, e nenhuma solicitou entrevistas individuais, embora não houvesse qualquer proibição expressa neste sentido. Como era de esperar, nas primeiras semanas, elas dedicaram-se a jogar "PTA". Entretanto, tão logo começaram a captar os princípios da análise transacional, compreenderam a perda de tempo que significavam aqueles jogos e se concentraram em analisar as transações surgidas no grupo. Quando havia algum acontecimento importante em casa de uma delas e se sentia necessidade de trazer o problema para o grupo, elas também o analisavam transacionalmente e passavam pouco tempo jogando "Por Que Você Não? Sim, Mas", com o que estavam acostumadas no início. Isto é, em lugar de fazerem sugestões redundantes quando alguma trazia um problema pessoal, elas preferiam analisar as origens e motivações estruturais dos estímulos e respostas envolvidos no incidente. O diagrama de disposição desta reunião é mostrado na Figura 16C. O relato original foi ditado pelo terapeuta depois de uma discussão, na presença da observadora, imediatamente após o término da sessão. A versão que ora apresentamos foi condensada e eliminaram-se os detalhes irrelevantes, no intuito de ressaltarmos os pontos que mais nos 125

importam neste momento. Segundo a observadora, ela representa muito bem o que aconteceu, sem ocorrer a influência de eventuais distorções por parte do terapeuta. O grupo agora está numa fase mais avançada, mas, pelo fato de esta reunião em especial ter servido para a consecução de metas mais modestas, o terapeuta estava mas ativo do que de costume na ocasião. Posição das pacientes da esquerda para a direita: Lazuli, Mrs. Y (observadora), Spinel, Garnet. Esmeralda, Amber, Dr. Q. (terapeuta). Esmeralda: Estou aborrecida desde sexta-feira. Comprei uma mesa e, quando cheguei em casa, estava insatisfeita. Pensei que, com o que tinha aprendido aqui, seria capaz de comprar o que realmente desejava, em vez de aceitar o que o vendedor queria me vender. O Adulto sabia o que queria, mas a Criança não conseguiu resistir ao vencedor. Q.: É o trabalho do vendedor. Ele é profissional em passar por cima do adulto e apelar para a Criança do freguês. Se não fosse bom nisso, não continuaria no emprego por muito tempo. Sendo bom, ele aprende todos os métodos para conseguir que a Criança faça o que ele quer. Lazuli: Fico envergonhada de não comprar nada depois de ocupar o tempo dos vendedores. Q.: Bem, o ponto fraco de sua Criança é um dos que as outras pessoas costumam usar para levar vantagem, como você já sabe. Vocês todas têm aprendido muito aqui, e só precisam usar mais este conhecimento fora daqui. Fazer compras é uma boa situação para começarem. Ninguém neste grupo deveria comprar qualquer coisa à força, vocês deveriam ser capazes de comprar o que realmente querem. Vocês terão de manter o seu Adulto com o controle total, sabendo que o vendedor é um profissional treinado, que tenta atingir sua Criança. Mas vocês também deverão conhecer suas próprias limitações. Se vocês souberem que seu Adulto resistirá ao vendedor apenas por dez minutos, então, ao final de dez minutos, se não tiverem se decidido a respeito da compra, devem se retirar da loja, em lugar de correrem o risco de deixar sua Criança tomar conta da situação. De qualquer modo, vocês sempre vão poder voltar à loja em outra ocasião. Se vocês fizerem isso, podem recuperar seu investimento no tratamento, o que é um bom modo de saber que a terapia as está favorecendo. Mas o ponto central é que vocês devem aplicar mais seus conhecimentos. Não basta falar e eu acho que vocês estão prontas para avançar neste sentido. Esmeralda (que inicialmente era uma mulher tímida e confusa raramente falava no grupo): minha filha Bea está ficando deprimida e eu acho que é porque, na semana passada, ela me disse: "Mamãe, Brenda e eu notamos que você e papai não estão mais brigando e achamos que algo está errado". Acho que, desde que mudei meu jogo, meu marido e eu não jogamos mais. "Tumulto". As crianças sentem falta e, quando não o fazemos, ficam desapontadas. Preciso ajudar minha filha neste sentido. Q.: Você quer dizer que o argumento dela exige que os pais briguem? Esmeralda: Sim. Não era um argumento construtivo, mas era cômodo para ela, sem surpresas, e agora que ela já não o possui, não sabe o que fazer. Q.: Exatamente como observamos aqui, quando o argumento de alguém é interrompido, a pessoa se sente confusa e deprimida e, talvez, até um pouco zangada.

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Esmeralda: Sim, eu acho que é isso e penso que posso ajudá-la de algum modo, a encontrar um argumento mais construtivo. Lazuli: Você sabe que eu notei que preciso brigar com meu filho e então me queixar dele a meu marido ou então brigar com meu marido e me queixar com meu filho. É o que tenho tido que fazer depois que as coisas melhoraram. Q.: Talvez algum dia possamos descobrir porque sua Criança tem de causar problemas quando as coisas andam bem. Enquanto isso, o que você está descrevendo é um argumento maleável, em que existem três partes: uma que é "ela", você; outra que é a pessoa com quem você briga; e outra que é a pessoa a quem você se queixa. Estas duas partes mantêm um intercâmbio. Acho que talvez a terceira parte também participe deste intercâmbio. Provavelmente Mrs. Lazuli às vezes joga um dos outros papéis, em lugar de ser "ela". Talvez ela desempenhe o papel da pessoa para quem as outras reclamam, ou a da pessoa de quem alguém se queixa. Em outras palavras, talvez este seja um argumento para toda a família e qualquer um de seus membros pode jogar qualquer dos papéis, e é nisso que consiste grande parte de sua vida familiar. Acho que Mrs. Lazuli deveria observar mais, para ver se isto está ocorrendo. Amber: Tenho de brigar com alguém para me inte-brigar. É por isso que brigo com minha filha. Q. (rindo): Estou contente com o fato de você admitir, finalmente, que gosta de brigar. Amber: Tenho que brigar com alguém para me manter interessada. Q.: Algo semelhante a Mrs. Lazuli? Até este momento, Mrs. Amber se limitara, no grupo, a disputar com as outras e, em seguida, defender-se contra as acusações do grupo de que ela era beliciosa. Foi particularmente incisiva ao defender a origem exclusivamente alérgica da asma de sua filha. Neste ponto, através de um direcionamento cuidadoso e interrogando-a com tato, pudemos fazer surgir o processo de suas brigas com a filha, e este, segundo ficou estabelecido para Mrs. Amber e para o grupo, correspondia ao argumento da menina, analisado da seguinte maneira: Primeiramente, a menina se torna hiperativa, o que incomoda a mãe, que briga com ela. Quando a mãe está suficientemente irritada, a menina sofre um ataque de asma. Isto deixa a mãe ainda mais zangada. Depois disso, a mãe fica preocupada consigo mesma, com remorso, e se desculpa com a filha. Este é o final do argumento, e, então, o ataque começa seu processo normal, até a recuperação. Q.: Há vários pontos aqui a serem analisados para que Mrs. Amber possa testar se este processo realmente constitui um argumento. Se isto acontece, caso ela deixasse de seguir o argumento de sua filha, a menina ficaria ansiosa; e esta é a melhor forma de descobrir. Por exemplo, que eu aconteceria à filha de Mrs. Amber não tivesse se irritado diante de sua hiperatividade, mas recebido o fato de alguma outra forma? Amber: Em outras palavras, eu deveria ignorar isso. Esmeralda: Não é isso que ele quer dizer, mas sim que você não faça o que o argumento dela pede. 127

Q.: Exatamente. Você pode ignorar ou continuar agindo assim, ou encorajar tudo isso, o que lhe convier mais, desde que não seja o que ela espere. Outro ponto que você pode experimentar é não ficar zangada quando ela tem asma, e, um terceiro ponto, é não se sentir arrependida se ficar zangada, ou, no mínimo, não deixar transparecer isto. Se se tratar de um argumento e você o interromper, ou ela ficará deprimida porque não pode ir adiante ou tentará redobrar seus esforços, ficando mais hiperativa ou tendo um ataque de asma mais sério, ou ainda, na melhor das hipóteses, ela poderá, simplesmente, conter-se e pensar nisso e, então, você terá, realmente, avançado bastante. Esmeralda: Mas não adianta fazer isso uma vez. Você tem de fazê-lo. de modo diferente, repetidas vezes, até que ela compreenda que você não vai jogar à maneira dela. Spinel: Já não faço mais o jogo de meu filho, e funciona também. Ele outro dia me disse: "Vou brincar de Dalton, o fora-da-lei", pegou seus revólveres e amarrou um lenço no rosto. Em lugar de fazer um tumulto como costumava fazer, eu apenas ignorei isso e, finalmente, ele jogou o lenço no chão e saiu. Q.: É um bom exemplo de como funciona um jogo. O Adulto do filho de Mrs. Spinel diz: "Vou brincar de Dalton", mas o que sua Criança realmente quer é jogar "Tumulto". Quando ela se nega a jogar "Tumulto", ele também desiste da brincadeira. (Em termos transacionais, esta era uma Mrs. Spinel bastante diferente da que, durante todo um ano, insistira desesperadamente em receber conselhos de como manipular seu filho "delinqüente".) Q.: Mrs. Garnet, você não falou muito até gora. Garnet: Meu marido parece-me muito com uma criança e, até agora, tenho jogado com isso. Q.: E talvez mais. Talvez às vezes você até mesmo o provoque a ser assim. É provável que isto aconteça, se este é o jogo que vocês dois realizam. Se você e ele estão jogando "Lar", você deve precisar disso tanto quanto ele. Garnet: Eu sempre quebrava seus ovos quentes numa xícara, mas depois eu decidi parar de fazer o jogo de mãe com ele e não quebrei mais os ovos. Ele ficou muito nervoso e isto me deixou com raiva. Foi a primeira vez que percebi que fico com raiva de entrar em seu jogo. Agora, cada vez mais me recuso a fazer o papel de mãe e ele fica cada vez mais perturbado e minha raiva parece aumentar. Spinel: Você parece ter descoberto alguma coisa, também. Q.: Mas seria melhor que pensássemos a respeito disso. Se o argumento dele for desfeito, isto o deprimirá, e ele pode querer ir embora, a menos que tenha outra escolha. Talvez você não devesse pressioná-lo tanto. Garnet: Bem, ele tem escolha porque ele costumava vir à clínica para se tratar e sabe que sempre pode voltar. Q.: Então, se ele tem uma alternativa que não seja abandonar o lar, pode ser bastante seguro para você recusar-se a jogar com ele. Sabem, esta sessão é particularmente interessante para mim, e é por isso que estou falando mais do que de costume. Agora, todas vocês aprenderam exatamente o que eu lhes queria ensinar. Sabem algo sobre o Pai, o

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Adulto e a Criança em cada uma de vocês e podem diferenciá-los e ver alguns dos jogos que vocês realizam em casa: os mesmos jogos que vocês têm observado entre vocês mesmas aqui no grupo. E, como Mrs. Esmeralda nos mostrou hoje, toda a família está envolvida nestes jogos e, se uma pessoa pára de jogá-los, isto arrasa todas as outras, inclusive os filhos. Então, agora, pela primeira vez, há algum proveito em falarmos sobre seus filhos, porque passamos a saber do que estamos falando, quais são as questões concretas e como podemos falar sobre eles de um modo que nos forneça certa compreensão. Como vocês podem ver, é bastante diferente da maneira como vocês falavam deles no início. Podem-se lembrar de que, quando faltei há alguns meses e vocês se encontraram sem mim nesta sessão, vocês voltaram a jogar "PTA" para preencher o tempo e concluírem que era uma perda de tempo. Spinel: Sabe, agora eu acho que meu marido poderia estar disposto a vir à clínica também. Seria possível? Q.: Você quer dizer que devemos transformar este grupo num grupo de casais, com maridos e esposas participando juntos? Lazuli: Meu marido viria também, se fosse possível. Q.: Bem, se vocês fizerem com que seus maridos entrem em contato com a assistente social, poderemos ver isso. Lazuli: Meu marido não faria isto. Eu teria de fazê-lo por ele. Q.: Ah! Bem, se alguém quer fazer algo neste sentido, deve falar com ela, de qualquer modo. Discussão pós-grupo Presentes: Mrs. Y., observadora; Q., terapeuta. Y.: Você falou mais do que de costume. Q.: Eu estava realmente entusiasmado com esta reunião. É a culminância do trabalho de 21 meses. E acho que o grupo de terapia pode ter sido a causa principal disto; embora duas delas estejam em terapia individual, a orientação é bastante diferente. Y.: Elas parecem ter realmente adquirido algum conhecimento técnico bastante preciso e parecem estar aplicando isto até certo ponto. Mas o que mais me impressiona é o entusiasmo delas depois de deixarem a sala. Eu as ouvi dizer isto no bar e algumas até se manifestaram neste sentido para a assistente social. Estou surpresa com o modo como Mrs. Amber reagiu. Sei que você teve dúvidas a respeito de se ela agüentaria aquilo. Já Mrs. Lazuli parece estar querendo manter seu relacionamento com o marido. Q.: Sim, isso vai ser trabalhoso para nós. Até agora, ela aceitou tudo como normal, mas quando começarmos a falar que ela o mima e protege demais, temo que isso a balançará. Ela joga dois tipos de "Lar"; um, onde sou seu pai, e outro, em que seu marido é um garoto. Y.: Uma coisa desejaria saber é se a mudança no comportamento delas está 129

realmente influenciando os filhos - mas há tantas variáveis que não me parece bom entrar neste aspecto. Q.: Deixe que alguma outra pessoa se preocupe com isso, se quiser. O fato de algumas delas nos dizerem que isto acontece, deve bastar-nos, neste estágio do processo.

7. PROGRESSOS POSTERIORES Através do protocolo fica evidente que estas mulheres (com exceção de Mrs. Amber, que ingressou tarde no grupo) têm uma idéia bastante clara de como agem em diversas situações e do que tentam conseguir com a terapia de grupo. Em alguns casos, nota-se o controle social da dinâmica diária e familiar. Clinicamente, houve uma diminuição da fuga fóbica, maior integração com o mundo que as cerca e diminuição da incidência de sintomas através do controle (e não da fuga) dos envolvimentos sociais. Os padrões de conduta eram mais flexíveis. Antes, tinha havido uma progressão inexorável, irreconhecível e estereotipada em direção a um desfecho improdutivo e pouco desejável com a precipitação de sintomas clínicos relacionados com sua mútua inadequação com os familiares (jogos). Mas agora este processo poderia ser freado de maneira consciente e graças ao conhecimento prévio dos possíveis desenlaces: ou logo nos primeiros lances ou em qualquer ponto crítico subseqüente, como foi sugerido no caso do relacionamento de Mrs. Amber com sua filha. O Adulto foi tratado como um tipo de músculo que se fortalecia com exercício. Seu progresso justificava esta atitude. À medida que o tratamento avançava, o Adulto tornava-se cada vez mais capaz de controlar a Criança e de intervir não apenas em relações externas, mas também em conflitos entre a Criança interior e o Pai interior. Os efeitos terapêuticos da melhora das experiências sociais sobre a Criança e sobre o Adulto não devem ser subestimados. Ao mesmo tempo, houve melhora social e sintomática entre as pessoas íntimas dos pacientes, inclusive os filhos que eram seu interesse primordial ao iniciarem o tratamento. Mesmo que estas melhoras não fossem consideradas extraordinárias em si, em vistas das circunstâncias, eram de grande interesse para o terapeuta, pois significavam que ele tinha atingido suas metas iniciais, com a possibilidade de predição, precisão, inteligibilidade e controle; e particularmente porque era capaz de compartilhar isto tudo com suas pacientes, passo a passo. Na nonagésima primeira sessão, as próprias pacientes, sem qualquer sugestão partida do terapeuta, começavam a transferir a ênfase do estudo de ganhos externos (primários, secundários, sociais e biológicos) para o estudo de ganhos internos. Garnet: Notei, outro dia, que eu estava feliz e cantando enquanto lavava a banheira e, subitamente, me surgiu o seguinte pensamento: "E se meu filho fosse assassinado?" Parei e me perguntei porque eu tinha pensado isso e, então, achei que não podia suportar estar feliz e precisava estragar esta sensação. Então, meditei um pouco e vi que tinha feito a mesma coisa muitas vezes antes e que este era de fato problema meu. Nunca pensara nisto antes.

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Lazuli: Faço isso também. As outras pacientes entraram, então, na discussão e a atenção de todo o grupo desviou-se de suas projeções e preocupações anteriores para um interesse real por sua própria psicodinâmica individual. Jogos e argumentos como os apresentados por Mrs. Lazuli e Mrs. Garnet eram encarados, agora, de outro ponto de vista. Em lugar de enxergálos como operações sociais dirigidas a obter o máximo de ganhos externos, elas poderiam investigá-los como tentativas de lidar com conflitos internos em busca de ganhos internos, as suas funções de conseguir satisfações sexuais ocultas, tranqüilidade e defesas assumiram a dianteira. (O que popularmente se costuma denominar "defesas" ou "operações de segurança" têm a função; igualmente significativa, de prover e eliciar a satisfação de instintos. Se não, as pessoas raramente conversariam entre si, uma vez que, na maioria dos casos, a melhor "defesa" é permanecer em silêncio.) O conhecimento e a experiência que estas mulheres adquiriram no grupo, durante as primeiras noventa reuniões, não apenas atingiram o seu objetivo terapêutico próprio mas também as prepararam para este novo empreendimento. Embora um terapeuta de grupo "psicanalítico" pudesse nesta altura sentir o desejo (e poderia senti-lo também ao ler este relato) de agir segundo as linhas convencionais, a experiência do autor é de que esta não é a abordagem mais profícua, mesmo neste estágio. Portanto, a terapia subseqüente consistiu de análise transacional avançada, com especial atenção para os seguintes pontos: 1. O surgimento de mais jogos em cada caso, que na superfície parecem diferir entre si, mas depois se constata possuírem a essência similar específica de cada paciente. 2. O fato de um jogo que a princípio a paciente admite fazer ocasionalmente, logo aparecer como algo que ela faz quase que de maneira contínua, com as mesmas pessoas, durante todos os dias. 3. A relação de pertinência desse jogo com um argumento real e de longo prazo, com todos os três aspectos de protocolo, argumento propriamente dito e adaptação. 4. A análise estrutural de segunda ordem (ver capítulo 16). Por exemplo, o jogo sutil que Mrs. Amber fazia no grupo não foi percebido por muito tempo, mas, uma vez reconhecido, logo tornou-se evidente que ela realizava repetidas vezes durante toda a reunião, e não foi difícil para as outras mães imaginarem o efeito disto numa menina de 12 anos, como a filha de Mrs. Amber. O jogo era "Beco sem Saída", e poderia ser assim resumido: "Bem, respondi a suas perguntas e já que vocês ficaram em silêncio, não há mais nada que vocês possam dizer". Ela fazia este jogo de tantas maneiras diferentes que durante muito tempo conseguiu esconder o elemento comum, que era deixar sua interlocutora muda. Estabeleceu-se a relação deste jogo com um protocolo edípico: ele e seu pai contra sua mãe, ou ela contra os pais, para obter autoridade sobre a irmã. Logo foi possível o esclarecimento estrutural deste problema para seu "Professor", o componente Adulto astuto (de segunda ordem) de sua Criança. Neste caso, era um Professor jesuíta ou talmúdico, um doutor em sofismas e casuística.

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8. A SAÍDA A saída de um grupo de terapia (ou de qualquer outro grupo) depende do desenvolvimento dos jogos do indivíduo. Houve sete elementos que saíram do Grupo de Mães porque, por várias razões, seus jogos não se realizavam satisfatoriamente e elas não puderam tolerar a ansiedade resultante disso. Este fenômeno pode ser ilustrado por dois exemplos simples. Mrs. Hay, uma paciente clínica experiente, queria jogar "Psiquiatria" com o psiquiatra, usando o restante do grupo como tema. O terapeuta, sem saber naquela ocasião o que estava acontecendo, negou-se a fazer o que ela queria e, então, ela alegou que não podia pagar uma babá para cuidar dos filhos no horário da terapia e disse que ia sair do grupo. Nunca mais se teve notícias dela. Mrs. Vahv era uma mulher intransigente que tentou jogar: "Não é Horrível"? Ela era psicologicamente uma linchadora do Pai e uma punidora de crianças. Retirou-se do grupo de modo radical, quando este se recusou a fazer seu jogo.

NOTAS Já expressei meus agradecimentos ao pessoal do Hospital Estadual de Atascadero por ter sido convidado a participar de seu programa de comunidade terapêutica. A observadora, durante a nonagésima reunião do grupo de mães, foi Miss Elza Zisovich, então pertencente à Clínica de Orientação para Adultos em São Francisco. A observadora, durante a última fase, foi Miss Barbara Rosenfeld, do Serviço Social do Condado de Contra Costa. Os aspectos físicos da terapia de grupo não se relacionam com o tema que tratamos aqui, mas podem ser rapidamente mencionados. Nos últimos dois anos o grupo de Mães tem se reunido num círculo pequeno, sem mesa, e as transações talvez sejam mais diretas do que quando se encontravam nas condições anteriores. O tamanho ótimo para um grupo de psicoterapia foi estabelecido empiricamente como sendo dez integrantes, por Trigant Burrow, o primeiro psicoterapeuta de grupo dinâmico, em 1928. (2) Atualmente, muitos terapeutas parecem preferir grupos com oito componentes e alguns até mesmo reduziram este número para seis. Para um grupo de oito pessoas, uma sessão de uma hora é um pouco curta, e de duas horas é desnecessariamente longa. Tenho discutido estes problemas com maior amplitude em outras obras minhas. (3) Durante seus primeiros quatro anos de existência, entraram 17 mulheres e sete delas desistiram sem obter ganhos em termos de insight, o que corresponde a um número menor do que o esperado. (4) Bach, um dos mais notáveis e criativos autores sobre terapia de grupo, observou, independentemente, alguns dos principais aspectos relativos a jogos de terapia, há alguns anos. Ele enfatiza, em especial, o rendimento em termos de gratificações, mais do que a

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função defensiva do que ele chama de "operações preparadas". O que ele denomina "operações preparadas" corresponde estreitamente ao que chamamos de "compromissos". (5)

REFERÊNCIAS 1. BERNE, e., "Psychoanalytic' versus ' Dynamic' Group Therapy". Internat. J. Group Psychother. X: 98-103, 1960.

2. Burrow, T., "The basis of Group-Analysis". Brit, J. Med. Psychol. VIII: 198-206, 1928. 3. Berne, E., "Principles of Group Psychotherapy". Indian J. Neurol. & Psychiat. 4: 119-137, 1953. 4. Idem, "Group Attendance: Clinical& Theoretical Considerations". Internat J. Group Psychoter. V: 392-403, 1955. 5. Bach, G. R., Intensive Group Psychotherapy. Ronald Press Company, Nova York, 1954.

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QUARTA PARTE

FRONTEIRAS DA ANÁLISE TRANSACIONAL

(Convém que o leitor adie a leitura desta parte do livro até dominar totalmente o material precedente.)

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16. ESTRUTURAS MAIS REFINADAS DA PERSONALIDADE

É bastante possível que a estrutura da personalidade descrita até agora possa ser adequada para o período de duração de uma terapia, assim como serviu ao autor durante a primeira fase da formulação clínica destas idéias. O observador de curiosidade acima da média, entretanto, depois de dominar a aplicação clínica da análise transacional elementar, começará a notar complexidades que indicam a necessidade de uma elaboração posterior. Mr. DeuterA, um paciente de 23 anos, relatou o seguinte sonho: "Sonhei que era um menininhoC que chupava o polegar, embora me sentisse velho demais para fazê-lo, e estava preocupado com o que minha mãe diria se me viesse. Sabe, eu sempre me senti culpadoP por enganá-la". Está evidente que é o AdultoA quem relata o sonho, a CriançaC que aparece nele, e o Pai crítico que o faz sentir-se culpado por enganar a mãe. O sonho em si apresenta um problema estrutural solucionável através da observação das crianças da vida real. P

Um garoto começou a chupar o dedo depois do nascimento de sua irmãzinha, quando ele tinha quatro anos. A mãe de Aaron disse que ele chupara o dedo até os dois anos, mas desistira do hábito, até que surgiu em cena o novo bebê. O próprio Aaron achava que estava errado e se julgava grandinho demais para fazer isso, mas, sempre que as coisas não lhe fossem propícias, ele chupava o dedo. A irmã agora tinha três anos e, quando tudo estava bem, as duas crianças brincavam juntas de modo amigável. Aaron ensinava à menina como construir coisas com blocos e também fazer alguns jogos. Se ela ficasse saliente e descuidada, ele dizia: "Você não deve fazer isso. Tem de colocar as coisas onde você as pegou" etc... A mãe contava tudo isso às visitas e, quando elas iam cumprimentar as crianças na sala de brinquedos, geralmente encontravam Aaron em um desses três estados: ou arisco e manhoso, ou brincando com a irmã, ou ralhando com ela in loco parentis. Não é fácil diagnosticar estes três estados de Aaron como Criança, Adulto ou Pai, respectivamente. Na verdade, a menina também exibia uma tricotomia semelhante, talvez em imitação ao irmão, empregando para o papel de Pai os elogios que a mãe fazia a respeito de Aaron. Observando-se as crianças em geral, pode-se notar a distinção do funcionamento neopsíquico e arqueopsíquico numa tenra idade, quando o seio da mãe ou a mamadeira começam a ser tratados como objetos distintos, com uma realidade externa própria. Mais tarde, o papel de Pai começa a aparecer nelas, em imitação ou aliança com os pais reais. Aaron exibia as qualidades infantis apropriadas a sua idade: uma atitude protetora em relação à irmãzinha; astúcia no trato com as pessoas e coisas, juntamente com reações várias que em sua maneira usual disponível de lidar com prazer e frustração; e, além disso, um fenômeno regressivo - a retomada de um modo de reação arcaico anteriormente abandonado - chupar o dedo. Estas classes de comportamento tornam possível traçar um diagrama estrutural para esta criança, como a Figura 17A: o estado do ego Parental que

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Aaron mantinha quando se comportava in loco parentis; um estado do ego Adulto que mediava sua manipulação de blocos, jogos e pessoas, juntamente com reações emocionais adequadas a sua idade; e um estado do ego de Criança, em que ele regredia a formas anteriormente abandonadas de comportamento. Era o pai que o fazia sentir-se perturbado quando estava chupando o dedo, e o Adulto que, examinando esta conduta, achava que algo estava fora de lugar. Em síntese, a estrutura de sua personalidade era semelhante à de um adulto. Aaron se assemelhava, em muitos aspectos, com o modo como Mr. Deuter se via em alguns de seus sonhos. O que tinha acontecido com Mr. Deuter era o seguinte: quando ele estava na situação e no estado de mente representado por seu sonho, aproximadamente com seis anos de idade, sua irmã mais velha entrara subitamente no quarto para lhe dizer que sua mãe tinha sido ferida num acidente. Esta estrutura psicológica global se fixara traumaticamente. Assim, quando a Criança dele começou a m anifestar-se anos mais tarde, geralmente em situações em que ele fora surpreendido fazendo algo errado, era toda a estrutura psicológica que estava sendo revivida. Para representar isso num diagrama estrutural, não apenas o impulso de chupar o dedo, mas também o sentimento de culpa e a avaliação objetiva devem ser incluídos como parte da Criança que aparecia no sonho. O estado da mente em que ele relatou o sonho constitui o Adulto, e o pai está representado por seus atuais sentimentos de culpa em relação a todos os meios que ele empregou para enganar sua mãe. Na figura 17B, portanto, a Criança reproduz a Figua 17A, estrutura de personalidade completa de uma criança com a atitude regressiva de chupar o dedo, enquanto o Adulto e o Pai de Mrs. Deuter podem ser representados do modo usual. Isto significa que, numa análise detalhada, vê-se que "a Criança" consiste de um Pai arcaico, um Adulto arcaico e uma Criança ainda mais arcaica. No momento, "a Criança" estava traumaticamente fixada, ela já compreendia uma personalidade completa com todos os três elementos. Clinicamente, em muitos casos, é suficiente tratar a Criança como se fosse uma entidade indiferenciada, mas, em indicações especiais, talvez seja aconselhável fazer uma análise mais detalhada deste aspecto. Esta estrutura interna é o que decisivamente diferencia a Criança fenomenológica do Id psicanalítico conceitualizado e não estruturado. A Figura 17B pode ser chamada de análise estrutural de segunda ordem. Em casos raros, é possível, até mesmo, a realização de uma análise estrutural de terceira ordem. A criança real que está chupando o dedo, com dois ou três anos de idade, talvez já tenha um Pai primitivo (a vocação de um estado do ego Parental) e um Adulto, e, às vezes, ela pode também regredir a um estado do ego que representa, digamos, um trauma de desmame mais primitivo. Encontramos, assim, (Figura 17C) a Criança3 (trauma de desmame) presente na Criança2 (atitude regressiva de chupar o dedo), que é o aspecto arcaico da Criança1 (a de seis anos). Esta é a situação bem conhecida que é simbolicamente representada pela lata de fermento em pó que mostra, no rótulo, o desenho de uma menina que tem outra lata igual há outra menina, com outra lata menos, e assim ad infinitum.* A Figura 17C representa uma análise de terceira ordem de tal seqüência de desenvolvimento. Voltando agora ao Adulto, parece que, em muitos casos, certas qualidades infantis se integram ao estado de ego Adulto de uma maneira diferente do processo de *

Berne usa esse exemplo para referir-se aos estados de ego dentro dos estados de ego. (nota do revisor técnico)

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contaminação. O mecanismo desta "integração" ainda não foi elucidado, mas pode-se observar que determinadas pessoas, quando funcionando qua Adulto, têm um encanto e uma simpatia que são reminiscências dessas características exibidas por crianças. Junto com isso, aparecem certos sentimentos de responsabilidade em relação ao resto da humanidade que podem ser expressos pelo termo clássico pathos. Por outro lado, há qualidades morais que são universalmente esperadas de pessoas que assumem responsabilidades adultas, atributos como coragem, sinceridade, lealdade e fidedignidade, e que não correspondem a meros preconceitos locais, mas a um ethos de alcance mundial. Neste sentido, podemos dizer que o adulto contém aspectos éticos e infantis, mas esta continua a ser a área mais obscura da análise estrutural, de modo que é impossível, no presente momento, esclarecê-la clinicamente.

Entretanto, para fins acadêmicos e a fim de explicar certos fenômenos clínicos, seria 137

conveniente subdividir o Adulto em três áreas. Transacionalmente, isto significa que qualquer delas que funcionasse como Adulto deveria exibir, em termos ideais, três tipos de tendências: atratividade e simpatia pessoais, processamento de dados objetivo e responsabilidade ética, representando, respectivamente, os elementos arqueopsíquicos, neopsíquicos e exteropsíquicos, "integrados" no estado do ego neopsíquico, talvez como "influências", do modo descrito no Capítulo 20. Esta pessoa "integrada" é charmosa etc... e corajosa etc., em seu estado Adulto, quaisquer que sejam as qualidades que ela tenha ou não em seus estados do ego de Criança ou de Pai. A pessoa "não-integrada" pode reverterse em charmosa e achar que deveria ser corajosa. Mr. troy é um bom exemplo da estrutura mais refinada do Pai. Seu pai, como outros seres humanos, exibia todos os três tipos de comportamento: exteropsíquico, neopsíquico e arqueopsíquico; e Mr. Troy, em seu estado do ego Parental costumeiro, imitava estes comportamentos. Como seu pai, ele exibia reações violentas e irracionais, especialmente com relação a crianças. Além disso, ele mostrava uma perspicácia superficial ao lidar com "mulheres", que também copiava do comportamento do pai. (Era diferente, por exemplo, de sua complacência pueril e ansiosa na presença de "senhoras".) E, com certo tipo de mulheres, ele se permitia um tipo de atitude irônica e sádica como a que levara sua mãe a divorciar-se do pai. De modo idêntico, no grupo, Magnólia exibia a mesma intolerância "tradicional" de sua mãe, um "conhecimento superior" de gramática e dicção como a de sua mãe e sua petulância, também. Os outros membros do grupo reagiam a estas manifestações com considerável irritação. Eles percebiam claramente que não era Magnólia, mas a mãe dela, quem estava lá com eles, pondo, como costumavam dizer, um "limite" nas atuações. Eles não queriam "pais" no grupo. Quando a "verdadeira Magnólia", ou seja, seu adulto e sua Criança, emergiu no decorrer da terapia, era bastante diferente e foi bem recebida. Estes detalhes estão representados na Figura 17E, em que mostramos com uma explicação mais completa tanto o corte "horizontal" interno do Pai na Criança, Adulto e Pai2, como a separação "vertical" das influências paternal e maternal. O Pai2 , o "Pai dentro do Pai”, significa, naturalmente, a influência dos avós defensores das atitudes "tradicionais" da família, que podem envolver qualquer coisa, desde a virtude no vício, até um orgulho social, militar, comercial ou estóico. Uma análise de terceira ordem, como a da Figura 17F, subdividiria o Pai2 em Criança, Adulto e Pai, este último representando os bisavós. Com um bom material genealógico, a estrutura mais refinada do Pai poderia retroceder ainda mais no passado, seria possível chegarmos ao primeiro ancestral do homem. A Figura G representa uma análise estrutural de segunda ordem. Se tal digrama for construído passo a passo, no decorrer de uma terapia prolongada e com base no material clínico, o paciente pode ficar totalmente equipado para enfrentá-lo à altura e compreender o significado pessoal de cada região. Uma análise estrutural assim avançada talvez seja aconselhável ao lidar com problemas de caráter. São de especial interesse a parte Criança do Pai e a Parte Adulto da Criança. Um outro exemplo mostrará como pode emergir, numa situação clínica, uma estrutura de segunda ordem. Uma mulher de 25 anos, Miss Zoyan, descreveu um período desesperador de sua vida, aos dez anos de idade. Pertencia a uma família muito devota e, nesta época, ela começou a pensar obsessivamente se Jesus tinha pênis. Quando estes

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pensamentos ocorriam, ela se dizia: "Você não deve pensar nessas coisas. É pecado". Ela, então, buscava fazer alguma coisa para "ocupar a mente", tal como construir uma casa de bonecas. Miss Zoyan contou esta história no grupo com considerável objetividade, e, em seguida, acrescentou: "Devo dizer que não me orgulho de mim por ter tido tais pensamentos, mas, na época, eles apareciam com muita força, apesar de meus esforços para controlá-los". A análise estrutural desta passagem pode ser compreendida através de uma consulta à Figura 17B. A mulher de 25 anos, que participava do grupo e relatara estes acontecimentos de modo objetivo, estava falando de seu estado do ego Adulto, representado pelo círculo do meio, A. A apologia séria, mas não desprezível, que ela coloca no final, implicava um Pai de primeira ordem, alerta, porém não muito severo, representado pelo círculo superior, P, e se refletia na qualidade real de seus julgamentos Parentais atuais, quando os exibia. O que ela estava descrevendo era um completo estado do ego da infância, representado por todo o círculo inferior, C1. Esta é a análise estrutural de primeira ordem. Seu estado mental na idade de 10 anos, do modo como ela o relatou, compreendia três componentes. Inicialmente, havia o elemento arcaico, que forçava sua entrada na consciência, e isto está representado pela Criança de segunda ordem, C2. C2 sofria a oposição do Pai de segunda ordem (P, no círculo inferior), com a advertência: "Você não deve pensar nestas coisas", que, historicamente, mostrou ser a voz internalizada de sua mãe. O conflito foi resolvido oportunamente pelo Adulto de segunda ordem (A no círculo inferior), ao ocupar-se de atividades outras. Esta é a análise estrutural de segunda ordem. Ela era capaz de relembrar e relatar estas coisas porque seu Adulto de primeira ordem estava em alta catexia e seu Pai de primeira ordem estava relativamente apagado. Os outros membros do grupo não conseguiam lembrar ou relatar tais conflitos da infância, por causa da pressão persistente em seus pais de primeira ordem e da catexia relativamente pobre de seus Adultos de primeira ordem. Restava, no caso de Miss Zoyan, resolver o enigma da Criança de segunda ordem, C2. Algumas das indicações eram as seguintes: durante seu quarto ou quinto ano de vida, disseram-lhe que Jesus era um homem que vivera há muito tempo. O objetivo desta informação era religioso-histórico, mas o Adulto (de terceira ordem) inquisidor de quatro anos recebeu-a anatomicamente, em toda a sua inocência. Quando ela tentou discutir suas conclusões, ainda em toda a sua inocência de quatro anos se fixou e reapareceu como um corpo estranho e blasfemo (C2) na mente da menina de dez anos. O completo estado do ego dos dez anos (C1), por sua vez, funcionava como a Criança na mulher adulta.

NOTAS Este capítulo tenta simplesmente ilustrar fenômenos cuja demonstração clínica consistente exigia um volume completo. O material clínico sobre Mr. Deuter foi modificado para que ficasse mais claro. Dr.

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Robert Wald, do Instituto de Neuropsiquiatria Langley Porter tem avançado algumas idéias interessantes e originais sobre este tipo de sonho. O problema da luta de fermento em pó é colocado por Korzybski como o problema do mapa, que corresponde, estruturalmente, ao exemplo presente. Um mapa ideal conteria o mapa do mapa, e assim por diante, como discutido pelo lógico Josiah Roice. (1) O id foi descrito por Freud como "um caos, uma caldeira de excitação fervente (...) não tem nenhuma organização e nenhuma vontade unificada (...) as leis da lógica (...) não condizem com os processos do id. Não há nada no id que possa ser comparado à negação". (2) Uma vez que o estado do ego Criança reproduz o estado do ego da criança real, a diferença torna-se imediatamente aparente. Uma criança tem organização, vontade unificada, lógica e, certamente, negação. Também, diferentemente do id, a criança tem noção de bem e de mal. Tem surgido considerável confusão a respeito, em razão do uso generalizado e inadequado da palavra "id" pelos próprios psicanalistas. As características do Pai, do Adulto e da Criança, na criança real, correspondem exatamente ao que Piaget discute em alguns de seus estudos bem conhecidos (3,4,5) A vocação do Adulto na Criança é assunto de um dos trabalhos mais interessantes de Spitz. (6) O trabalho de Melanie Klein (7) e de sua escola sobre "os primeiros estágios do superego" trata extensamente do que aqui chamamos de "a vocação do Pai". A estrutura de segunda ordem do Adulto suscita problemas semelhantes aos que se relacionam com o "ego autônomo", e tais problemas ainda não foram absolutamente resolvidos. Esta nossa posição atual baseia-se em considerações tanto antropológicas quanto clínicas, quais sejam: as pessoas são as mesmas em todo o mundo. Seria arriscado discutir problemas tais como "satisfações autônomas" no atual estágio limitado de conhecimento. É possível demonstrar, no entanto, que a descrição formal de neopsique, que já demos, como um computador de probabilidade parcialmente autoprogramável, com características específicas de feedback, resultaria numa "busca de fidedignidade", num sistema de processamento de dados "imparcial" com sinais especiais representando um "instinto de dominação". A programação "primária" deste sistema poderia ser arranjada de modo a variar entre fontes internas ("arcaicas") e fatores paramétricos externos, representando, respectivamente, as influências da arqueopsique e da exteropsique.

REFERÊNCIAS 1. Korzybski, A., Science and Sanity. Science Press Company, Lancaster, Pa., 1941, p. 751. 2. Freud, S., New Introductory Lectures on Psychoanalysis, loc. cit., p. 140ss. 3. Piaget. J., The Moral Judmente of the Child, loc. cit. 4. Piaget, J., The Construction of reality in the Child, loc. cit. 5. Piaget, J., Play, Dreams and Imitation in Childhood. W. W. Norton & Company, Nova York, 1951. 6. Spitz, René A., No and Yes. Internacional Universities Press, Nova York, 1957. 7. Klein, Melanie, The Psycho-Analysis of Children. Hogarth Press, Londres, 1949. Grove Press, NovaYork, 1960.

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17. ANÁLISE ESTRUTURAL AVANÇADA

A análise estrutural avançada é particularmente útil no tratamento de desordens de caráter e da psicopatia. Devido a sua complexidade, não trataremos apresentar sua aplicação sistemática em um único caso. Em vez disso, ofereceremos alguns exemplos de características especiais, a fim de ilustrar algumas de suas possibilidades.

1. ANÁLISE DA ESTRUTURA PARENTAL Já descrevemos o estado do ego Parental de Mr. Troy, que reproduzia a atitude de seu pai em relação ao ambiente. Isto incluía uma atitude beligerante para com as crianças (Pai dentro do Pai, transmitido pelo avô paterno); um conjunto de preposições mal provadas sobre as mulheres e seu comportamento (Adulto no Pai, transmitido pelo pai); e uma atitude arrojada em relação à promiscuidade (Criança no Pai, derivada da atitude e comportamento do pai). No estado Parental que Mr. troy conservava dentro do grupo, ele reproduzia as atitudes de todo os três aspectos de seu pai, como está ilustrado na Figura 18A. Na época em que procurou o Dr. Q., Mr. Troy funcionava bem como Adulto autônomo em seu trabalho noturno como porteiro de um salão de dança público. Ele gostava deste trabalho porque se harmonizava com todos os três aspectos de sua personalidade e, nesta situação, ele ficava livre de conflitos. Seu próprio Adulto podia manipular os problemas materiais, sua Criança gostava da atmosfera turbulenta e não havia nada que pudesse ser reprovado pelo Pai; na verdade, a criança em seu Pai encorajava a vida viciosa que o ambiente propiciava. Entretanto, alguns dos clientes logo descobriram que Mr. Troy reagia a caçoadas. Nestas ocasiões, ele passava de seu estado do ego Adulto para o Parental, defendendo-se contra a raiva que elas provocavam em sua Criança. Quando estava perturbado, para sermos mais exatos, sua jovialidade desaparecia e ele se tornava pomposamente severo, dizendo algo como: "Eu não tenho de escutar este tipo de absurdo infantil. Sumam!" Era a reprodução de uma atitude de censura de seu pai, derivada de seu avô. O caso de Mr. Troy ilustra a estrutura de certos tipos de ofensas de caráter como de certos tipos de comportamento psicopático. A reação característica de desaprovação intransigente com a qual ele manipulava uma grande variedade de situações desconfortáveis era, na verdade, dirigida contra sua própria Criança e provinha do aspecto Parental de seu Pai. Esta era a origem estrutural de sua defesa de caráter. Quanto ao lado psicopático, o interesse de sua própria Criança na vida viciosa era não apenas permitido, mas realmente encorajada pela Criança de seu Pai. Não era por descuido parental que ele podia jogar com as mulheres; durante sua adolescência, seu pai realmente lhe tinha dado 141

demonstrações nesta área e tinha discutido com ele a este respeito. No jargão estrutural, a questão não se resumia a "uma lacuna de seu Pai", semelhante ao que Johnson e seus colegas (1) chamam de "lacuna de superego", mas tratava-se de uma provocação parental "inconsciente" positiva.

Seu pai tinha-lhe "ensinado" outros jogos, tais como os baseados em irresponsabilidade financeira, mas a Criança de Mr. Troy os rejeitara porque, neste aspecto, o lado correspondente à Mãe de seu estado do ego Pai ainda era afetivo. Mas, em razão de seu próprio comportamento, ela abdicara como Pai no campo das relações homem-mulher e também magoara tanto a Criança de Mr. Troy, que ele revelava um interesse especial em explorar as mulheres. Sua promiscuidade, portanto, se baseava em três fatores estruturais: uma criança com um interesse idiossincrático, encorajamento do Pai Parental e uma lacuna na Mãe Parental. Isto está representado na Figura 18B. A transmissão de "psicopatias" culturais ilustra dramaticamente os princípios da análise estrutural avançada. O roubo entre os ciganos, a caça a cabeças no Amazonas, a pirataria em Barbary Coast, a criminalidade na Máfia e os risinhos maliciosos entre certas classes de países civilizados têm, provavelmente todos, a mesma estrutura da promiscuidade de Mr. Troy, de acordo com a evidência encontrada nos livros populares. É o que se resume no epigrama: "Para fazer uma dama, começa-se com a avó", isto é, com o Pai do pai. O canibalismo e a crueldade entre os fijianos é um bom exemplo para estudo, pois a história de Fiji é bem documentada. (2) A crueldade dos caciques fijianos foi transmitida de geração a geração não apenas porque ela não sofria proibição parental, mas também porque as atividades dos ancestrais dos caciques realmente estimulavam, através de exemplos, esta exibição da Criança não-adaptada. Quando os caciques se converteram ao Cristianismo, o 142

Pai interno foi substituído por uma autoridade Parental externa. Inicialmente, havia explosões esporádicas de crueldade, mas agora, passadas algumas gerações, os fijianos estão entre as pessoas mais bondosas e mais sensivelmente educadas da face da terra. O pai interno de um jovem fijiano contemporâneo inclui um Pai de segunda e mesmo de terceira ordem que proíbe crueldades, onde centenas de anos atrás, antes das conversões lotu, incluía uma subordem indefinida de Crianças que se glorificavam com tais atividades. O incrível transtorno psíquico que pode ocorrer quando um Pai interno é substituído por uma nova influência exteropsíquica é definido, de uma forma bonita, Margaret Mead em seu persistente estudo sobre os habitantes da ilha Manus. (3) A compreensão de tais mudanças históricas e culturais facilita a compreensão estrutural da mulher que segue os passos de sua mãe mexeriqueira e promíscua, e do assassino profissional cuja mãe defende agressivamente seu comportamento criminoso quando ele é levado a julgamento. O caso das irmãs Triss ilustra a situação estrutural em famílias onde os irmãos se portam diferentemente. De todos os fatores envolvidos em tais conclusões, a posição estrutural é a que pode ser expressa de forma mais convincente, sucinta e precisa, embora deixe muitas questões sem resposta. Quando esclarecem outros fatores eles geralmente podem adequar-se com bastante clareza à análise estrutural. O avô Triss ficou rido quando já era maduro, e logo assumiu o papel de um patriarca ditatorial que exigia completa submissão de seu clã, usando o poder do dinheiro como sanção para dar força à suas exigências. Todos o obedeciam, exceto um genro que se rebelou, sem êxito, durante muitos e muitos anos e, finalmente, abandonou a mulher, com duas filhas, Alice e Beta, de oito e quatro anos, respectivamente. A mãe era tão submissa à vontade do avô que deixou de usar o nome de casada por ordem dele, e registrou as duas meninas com o sobrenome Triss. Mrs. Triss, entretanto, tentou escapar da rigidez do avô: na adolescência, ela era uma homossexual enrustida, aberração de sua Criança que o Avô Triss fora inclinado a tratar indulgentemente, enquanto ela o obedeceu em outros aspectos. Ela aparentemente suspendeu estas atividades depois que se casou, com exceção de algum jogo sexual com a menina mais velha. Depois de um ou dois anos, quando Alice tinha nove anos, ela ficou mais cautelosa, em face da compreensão crescente da menina do que estava ocorrendo, e, daí em diante, desistiu de atividades sedutoras. A presença de Alice também protegia Beta de tornar-se o objeto de tais atenções da mãe. Alice tornou-se uma homossexual fixada. Nos anos futuros, o principal obstáculo para sua felicidade era o medo de que seu pai divorciado descobrisse o que ela era, e, por esta razão, ela nunca o visitou, muito embora ele morasse a pequena distância de seu apartamento, em Greenwich Village. Como sua mãe, ela era submissa em muitos outros aspectos. Embora ela se entregasse, de alguma forma, à vida boêmia com os amigos, ela era correta e comportada na presença de pessoas mais velhas. Betty, por outro lado, apesar de heterossexual, estava em revolta ativa contra os padrões de classe média de sua mãe e de seu avô, e era vista por eles como atrevida e irrevogavelmente corrupta. Ela tinha o mesmo sentimento de culpa, em relação à mãe, que Alice tinha para com o pai. Estes dois resultados diferentes no caso de pessoas com os pais reais idênticos não 143

foram difíceis de compreender do ponto de vista estrutural. A posição e os sentimentos de culpa de Alice, com relação a sexo, eram determinados pela Criança da mãe e pelo Pai do pai, enquanto sua atitude social seguia o Pai da mãe. A atitude social de Betty e a culpa resultante desta atitude eram influenciadas pela Criança do pai e pelo Pai da mãe, enquanto sua sexualidade provinha do Pai do pai. Isto pode parecer mais simples do que soa a nossos ouvidos. A estrutura Parental está mostrada na Figura 19A. Por causa da atitude do avô Triss, Mrs. Triss não tinha nenhuma proteção Parental contra seus impulsos homossexuais. Portanto, sua Criança era livre para dedicar-se a estas atividades e seduziu a Criança de Alice. O aspecto de pai do pai da Alice fazia com que ela se sentisse culpada, mas não o suficiente para desistir. Isto está representado na Figura 19B. Já que Alice era a filha preferida da mãe, ela sentia a influência da forte proibição Parental de sua mãe contra o comportamento impudico e procurava satisfazer os desejos do Avô Triss em atividades outras que não a sexual. Betty era a preferida do pai. Se ela, de algum modo, sentia as possibilidades de satisfação homossexual no lar, sua Criança a adaptava à influência do pai, e ela resistia a estas possibilidades. Mas a própria Criança rebelde de seu pai, que o fizera abandonar o clã, também seduzia Betty a rebelar-se contra os princípios e valores do clã. Esta rebeldia, no entanto, tornou difícil para ela enfrentar a desaprovação da mãe, herdada do Avô Triss via Pai da mãe. Isto está representado na Figura 19C.

2. ANÁLISE DA ESTRUTURA DA CRIANÇA A Criança operacional, observada clinicamente entre pacientes externos ou na prática privada, manifesta-se de quatro diferentes maneiras. 1. Pode assumir a forma de uma atitude caracteriológica. É muito comum uma receptividade ingênua e maravilhada conhecida vulgarmente como "O Camponês" ou "Caramba! Você sabe tudo, professor!". Neste estado, o paciente faz perguntas e dá a impressão de se extasiar diante da virtuosidade e da onisciência do terapeuta. Uma manifestação semelhante é a afetação indefesa conhecida como "Pobrezinho de mim". 2. Pode haver intromissões breves e episódicas da Criança na atividade do Adulto, como quando Mr. Ennat interrompia suas discussões judiciosas com os golpes que dava com o pulso. 3. A Criança pode estar ativa com o Adulto, e exibir-se através de gestos e inflexões de voz inconscientes. O movimento de um único grupo de músculos faciais, mesmo que não seja por mais do que poucos milímetros, pode ser suficiente para denotar este tipo de atividade. 4. A Criança pode estar observando passo a passo a progressão de um jogo sem nunca se mostrar abertamente, a menos que algo de errado aconteça. Se isto acontecer, pode haver uma única observação astuta, suscetível de passar facilmente despercebida. Logo daremos um exemplo deste fenômeno revelador. Nos três primeiros casos, a Criança exibe-se como uma totalidade integrada, de modo que suas estruturas não são de fácil 144

detecção. Este quarto caso é uma manifestação de segunda ordem, que é uma exibição de um único aspecto na Criança, comumente conhecido como "O Professor".

Mrs. Quatry era uma paciente experiente, Já tinha passado por três terapeutas e conseguido manejar a todos como queria, antes de terminar o tratamento com eles. Ela cooperava com o Dr. Q., mas às vezes dizia: "Sou burra. Não consigo entender". Dr. Q. suspeitava que seu Adulto estivesse entorpecido por contaminação, mas não acreditava que sua Criança fosse tão estúpida quanto ela pretendia aparentar e achava que ela estava realizando um jogo cuja origem e motivação ainda não estavam claras. Após algum tempo de tratamento semanal, ela relatou um sonho, falou um pouco e, como era de costume, ficou à espera de algum comentário de Dr. Q. Este a encorajou, dizendo: "É interessante". Mrs. Quatry olhou-o com desaprovação e afirmou: "Esperava que você dissesse mais do que isso. Você deveria me dizer que o sonho tem um significado sexual". Em outra ocasião, ela contou um incidente doméstico, evidentemente na expectativa de que o Dr. Q. lhe dissesse que ela estava certa e seu marido, errado. Dr. Q. lhe perguntou o que aconteceria se ele lhe dissesse isto: "Ah! Assim eu me sentiria melhor", disse ela. "E se eu dissesse que seu marido estava certo e você errada?", perguntou ele. "Ah! Isso eu já sabia!", respondeu ela. Era evidente observar o andamento de seus jogos com considerável cuidado era uma característica de Mrs. Quatry. Quando ela se zangou com o Dr. Q. pelo fato de ele manipular "erradamente" seu sonho, ela estava desempenhando a função de um professor ou supervisor psiquiátrico, uma posição notável para alguém que insistia constantemente em se dizer a pessoa mais burra ou estúpida do grupo. A discussão do incidente doméstico

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mostrou a mesma avaliação astuta do que estava ocorrendo. Ela antes já se mostrara a certos psicoterapeutas experientes como uma pessoa que queria obter certo "respaldo terapêutico" para seus argumentos domésticos, e, agora, tentava envolver Dr. Q. no mesmo jogo com três participantes, em que aparecia seu marido. Mas, como ela deu a entender com toda clareza, alguma parte de sua personalidade sabia que era este o seu objetivo. Este tipo de astúcia ao avaliar e manipular relações pessoais é um aspecto importante no crescimento da personalidade da criança, e faz parte de seu funcionamento neopsíquico, uma vez que requer um processamento de dados sensível e objetivo baseado na experiência. Por esta razão, talvez seja correto diagnosticá-lo como proveniente do Adulto na Criança. Este aspecto, às vezes, tem uma acuidade desconcertante e destruidora, como mostram as anedotas sobre crianças. Depois de três ou quatro exibições, o grupo geralmente acha que "O Professor" seja um nome apropriado para este aspecto da personalidade. É verdade, como diz Erikson, (4) que um analista infantil não é uma criança que pratica psicanálise, mas também é verdade que há muito para se aprender do psiquiatra na criança, aquele que observa nossos esforços "terapêuticos" e responde com o insight mais agudo. Como ressaltou Ferenzi, (5) perde-se grande parte dessas capacidades através da educação. Em pacientes hospitalizados cujos Pais e Adultos de primeira ordem tenham sido desautorizados a ponto de torná-los abertamente psicóticos, a estrutura mais refinada da Criança é mais facilmente observável. Nos hospitais, encontram-se pessoas que estão, outra vez, suportando as agonias de mórbidos estados do ego primitivos: o tormento de sentir que suas mentes podem ser lidas, que não podem esconder as hostilidades secretas e confusões sexuais do olhar penetrante de pais severos e intuitivos, e que todas as suas palavras serão marcadas e desenvolvidas para elas. Ou a agonia de sentir sua própria iniqüidade de modo tão agudo em face de privações e tirania, que a única solução é uma autodegradação. E, se o tirano pudesse ser eliminado, quem poderia conter a arrogância selvagem de uma criança pequena que possui o mundo todo? E, deste modo, a Criança, que vê seus pais não distorcidos, mas apenas como uma fantasia primitiva com alto estado de catexia a ponto de aparecerem diante dela com uma claridade quase eidética, torna-se o que os adultos chamam de paranóide, depressivo ou maníaco. O observador atento que adianta suas próprias fantasias e julgamentos primitivos (6) pode ver aqueles pais com tanta clareza quanto o paciente. Assim, em muitos pacientes psicóticos, o Pai arcaico de segunda ordem, o Pai na Criança, torna-se visível, embora indecifrável. A célebre intuição sobre pessoas, atribuída aos esquizofrênicos, é uma manifestação do mesmo Professor, o Adulto na Criança, que foi exibido no caso de Mrs. Quatry. E esta manifestação pode assumir forma idêntica: o psicoterapeuta benevolente "aceito" talvez ouça de um esquizofrênico que praticou um erro terapêutico e que deveria conduzir o tratamento de outro modo. Seja este comentário feito através de insinuações ou gestos ou por palavras imperativas, o terapeuta experiente o ouvirá com sério interesse, e, freqüentemente, achará que fez uma "descoberta". O princípio fundamental que leva a descobertas da psicanálise, por exemplo, foi enunciado a Freud por sua primeira paciente clássica Frau Emmy Von N., que apontava o dedo repetidas vezes para ele e gritava: "Fique quieto - não fale - não me toque!" As impressões que estas palavras causam ao terapeuta podem ser julgadas pela freqüência com que ele as inclui em seu relatório de caso. (7) A paciente, mais tarde, explicou que tinha medo de ser interrompida enquanto formulava o

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seu pensamento porque isto tornaria as coisas mais confusas e piores. Nesta época, portanto, o Adulto na criança de Frau Emmy Von N. era um técnico melhor que Freud, e qualquer pessoa tão competente assim merece o título de "Professor". A Criança na Criança, quando se desnuda pela psicose, se manifesta pela intensidade arcaica de suas reações diante das próprias fantasias. Esta intensidade pode parecer inadequada ao observador ingênuo, mas se justifica pela intensidade das fantasia primitivas e, deste modo, não é imprópria, O sabor destas fantasias foi muito bem reconhecido por Breuer e Freud, que as chamavam de imagens "plásticas". (7)

NOTAS Jonhson e Szurek (1) falam de "sedução inconsciente” por parte dos pais, que resulta numa "lacuna de superego" na criança. A análise estrutural diferencia, em termos transacionais, entre "sedução inconsciente" (na promiscuidade), como no caso de Mr. Troy, sanção passiva (na rebelião), como no caso de Betty Triss, e sedução ativa (na homossexualidade), como no caso de Alice Triss. A análise estrutural de segunda ordem do Pai possibilita uma afirmação etiológica precisa. Faz distinção também entre influências paternal e maternal e fornece um quadro sistemático que permite seguir uma pista até os avós e as atividades infantis dos pais reais. Szurek (8) amplia os conceitos de Jonhson com uma variedade de material clínico que reforça suas conclusões. O que oferecemos aqui é uma abrangente colocação teórica que auxilia na generalização de tais descobertas com maior clareza e eficiência. A análise estrutural também proporciona um quadro de referências útil para a generalização dos resultados de Fisher e Mandell (9) e outros. Na prática, a solução para o caso de Mrs. Quatry foi fazer com que ela e seu marido freqüentassem um grupo de casais. Aí ela tentou novamente conseguir apoio, descrevendo a "má conduta" do marido. Este é o jogo mais comum em grupos de casais, e é chamado de "Tribunal". Estando os outros membros do grupo já familiarizados com este jogo, eles se negaram a jogar com ela, encorajando-a, ao contrário, a analisá-lo, o que ela fez com certo sucesso. Depois de algum tempo, ela nunca mais realizou este jogo. A chave, naturalmente, era a posição depressiva: "Eu soube este tempo todo que quem estava errada era eu", e o jogo do "Tribunal" foi uma tentativa de afastar a depressão, fazendo com que as pessoas lhe dissessem várias vezes que de fato era o marido quem estava errado. Mas, com a recusa dos outros membros do grupo a jogar, foi possível desviar o foco de cena doméstica para a sua depressão infantil. A situação estrutural em si foi observada desde o início por Breuer e Freud (1895). Em "Observação I" (Miss Anna O.), Breuer ressalta: "Havia dois estados de consciência inteiramente separados, que se alternavam freqüente e espontaneamente, afastando-se cada vez mais durante o curso de dança. Em um deles, ela conhecia seu ambiente, era triste e ansiosa, mas relativamente normal; no outro, ela se alucinava e era impertinente. Nesta "segunda condição", ela não conseguia falar absolutamente nada, até que se lembrou de um verso da escola maternal. Breuer mais tarde notou a persistência do Adulto, mesmo nas profundezas da psicose. "Mas independente de quanto se distinguiam os dois estados, o

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segundo não apenas se mesclava com o primeiro, mas como a própria paciente dizia com bastante freqüência durante seus piores estados, "havia num pedacinho de meu cérebro, um observador agudo e silencioso, que atentava para essas loucuras". Assim, as duas "condições", "estados", ou "estados de consciência" (como os chama o tradutor de Breuer) em "Observação I", eram respectivamente um estado do ego "normal" e um estado do ego "infantil", ou, como são chamados aqui, uma série de Adulto e uma série de Criança, e a primeira se manteria quieta e observaria a última. Em "Observação II" (Emmy Von N.), o próprio estado do ego psicótico se dividia, de modo que, enquanto ela estava falando sobre as fantasias plásticas primárias, poderia simultaneamente instruir Freud na arte da psicoterapia, que era uma atividade da porção Adulta da Criança desmascarada. Por razões que eram completamente convincentes na ocasião, a atenção de Freud desviava-se das considerações estruturais para a área psicodinâmica, e isto eventualmente resultava num esquema estrutural conceitual e não clínico. Atualmente, a ênfase sobre a situação da Ilhas Fiji deslocou-se de fatores religiosos para aspectos racionais e econômicos, conforme evidenciam recentes distúrbios (dezembro de 1959).

REFERÊNCIAS 1. Jonhson, A. M., &Szurek, S.A.,"The Genesis of Anti-social Acting out in Children and Adults". Psychoanalytic Quart. 21: 323-343, 1952. 2. derrick, R. A., A History of Fiji, loc. cit. 3. Mead, Margaret, New Lives for Old. Wllian Morrow &Company, Nova York, 1956. 4. Erikson. Erik, H., Childhood & Society. W.W.Norton & Company, Nova York, 1950. 5. Fenichel, Otto, Psychoanalytic Theory of Neurosis, loc. cit., p. 229. 6. Berne, Eric, "Primal Images and Primal Judgments", loc. cit. 7. Breuer, J. & Freud. S., Studies in Hysteria.Nervous and Mental Disease Monographs, Nova York, 1950, pp. 14-76 (trad. de A.A.Brill). 8. Szurek, S. A., "Concerning the Sexual Disorders of Parents and Their Children". J. Nerv. & Ment. Dis. 120: 369-378. 1954. 9. Fisher, S & Mandell, D., "Communication of Neurotic Patterns over Two and Three Generations". Psychiatry. 19: 41-46, 1956.

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18. TERAPIA DE CASAMENTOS

1. INDICAÇÕES Em geral se considera pouco aconselhável o tratamento simultâneo de um casal. Diante de tais condições, é extremamente difícil para o terapeuta evitar intervenções que podem, com poucas distorções, ser exploradas em prejuízo da relação terapêutica, ou, no mínimo, torná-la desordenadamente complexa. Tanto que o êxito do tratamento nesses casos é considerado um acontecimento incomum o suficiente para ser relatado na literatura. (1) Em nossa linguagem, se ambos os cônjuges estão em tratamento com o mesmo terapeuta, é difícil para ele evitar envolver-se num jogo de três participantes. Se houver dois terapeutas, é muito mais simples resistir às tentativas de realizar um jogo a quatro. O "aconselhamento conjugal", distinto da terapia, estabelece-se desde o início com casais incapazes de jogar sozinhos e que necessitam de um terceiro jogador. O conselheiro, no nível social, pode funcionar como um mestre, dizendo ao casal como realizar melhor seus jogos, ou pode desempenhar as funções de um árbitro. No nível psicológico, ele tende a se tornar um terceiro componente do próprio casamento, geralmente numa função Parental. Assim, entre os terapeutas há uma forte tendência a evitar a terapia e o aconselhamento conjugal, porque estas dificuldades são reconhecidas e denunciadas de uma forma ou de outra, e tornam estes procedimentos pouco simpáticos e muitos clínicos conscienciosos e sensíveis. O comum é dizer-se ao casal que a terapia destina-se a tratar indivíduos e não situações ou relações. A terapia de grupo convencional com casais em geral enfrenta as mesmas objeções, porque ela quase sempre assume a forma de jogos com muitos participantes, alguns dos quais serão descritos aqui. Por esta razão, enquanto não dispunha da análise de jogos, o autor aderiu à política conservadora tanto em terapia individual como grupal, abrindo uma ou outra exceção experimental. Estas experiências nem sempre tiveram um final feliz e seu desenvolvimento não pôde ser acompanhado ou controlado com precisão e inteligibilidade adequadas. Quando os princípios da análise transacional estavam suficientemente claros, tentou-se fazer uma experiência-piloto para testar a sua utilidade na situação conjugal. Formou-se então um "grupo" integrado por um único casal. E os resultados foram tão gratificantes, tanto do ponto de vista terapêutico como do cientifico, que se decidiu formar um grupo de casais na verdadeira acepção da palavra. O número de casais mais conveniente para esse projeto parece ser quatro. É arriscado formar um grupo com dois casais, porque para a análise de jogos é desejável uma audiência "não selecionada" de personalidades divergentes e os casais tendem a reagir de maneira semelhante diante de muitas situações. Assim, quase sempre, um grupo de dois casais apresenta as mesmas dificuldades que um grupo com dois elementos. Três casais é um número quase que igualmente arriscado, porquanto, quando um deles está ausente, o 149

terapeuta se vê na situação desconfortável de ter de trabalhar com apenas dois casais. Cinco casais formam uma população muito grande para um trabalho adequado. Tal grupo conjugal composto por quatro casais constitui a experiência mais estimulante de toda a carreira psiquiátrica do autor. Em parte, porque os jogos entre casais já são realizados há muito tempo e são, portanto, desempenhados com bastante sensibilidade e confiança, tornando-se rapidamente evidentes e facilmente observados e compreendidos pelos outros elementos do grupo. E, em parte, devido à verdadeira intimidade sempre presente entre eles, ao contrário do que acontece nos grupos comuns, em que esta intimidade leva tempo para ser estabelecida, se é que se consegue fazê-lo. Nada é tão edificante e comovedor para o observador como a expressão de amor real e profundo entre dois seres humanos, especialmente quando existem outras pessoas no grupo que também se emocionam. Falando retoricamente, todos os que sofreram a perda de confiança na bondade essencial das pessoas deveriam participar deste tipo de grupo. E, às vezes, são as pessoas mais doentes que mostram as almas mais belas. Dentre os participantes que compartilhavam dos sentimentos do terapeuta neste sentido, dois deles descreveram o grupo de casais como "a maior invenção desde o advento da roda". Não existe um critério ideal para a seleção de um advento deste tipo. Até agora a experiência demonstra que os casais que procuram a terapia compõem quatro classes significativas: 1. Pessoas que não têm compreensão mútua, mas não querem se divorciar. Isto significa que são pessoas cujos jogos são destrutivos, ou não estão sendo realizados de maneira satisfatória, ou estão sendo abandonados, ou estão começando a cansá-las. 2. Pessoas que sofrem do que se poderia chamar de "uma quebra de argumento". Um casamento pode desenvolver-se de modo feliz durante anos, até que um cônjuge faça uma ligação "impulsiva" extraconjugal. A conseqüência significativa não é a turbulência doméstica subseqüente - que não constitui necessariamente um problema psiquiátrico - mas um acesso psicopatológico, no geral semelhante ao ciúme obsessivo, freqüentemente com um sabor homossexual chocante para ambas as partes. Como o incidente é elaborado em fantasias e sonhos dentro do drama de um casamento a três, torna-se manifesto que constitui um argumento que sempre esteve presente, mas de modo latente, nas mentes dos dois cônjuges durante todo o casamento. 3. pessoas recentemente divorciadas que estão dispostas a aceitar uma reconciliação. Neste caso, o grupo preenche exatamente a função implícita nas leis que exigem um longo período de espera entre o pedido e a decretação final do divórcio. Em termos gerais, o prognóstico destes três tipos de casos não é ruim. A perspectiva do quarto é pior. 4. Casais em que um ou ambos os cônjuges entram no grupo como parte de um jogo de "Vejam como Eu Tenho-me Esforçado", tentando explorar o terapeuta pela complacência com seu jogo de "Psiquiatria", de modo que possam prosseguir com o processo de divórcio com a "consciência tranqüila". Esta forma de terapia está ainda num estágio inicial, de infância, pelo menos no que concerne à análise transacional. Dos oito casais que integram o grupo, um já se divorciou; neste e num outro caso, o resultado final não é conhecido. Nenhum dos outros seis se

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divorciou (segundo se constatou por um acompanhamento posterior de dois anos).

2. A ESTRUTURA DO CASAMENTO Quando o grupo começou, pelo menos um cônjuge de cada casal estava familiarizado com a análise transacional. Todos os participantes entendiam que se tratava de uma experiência, e que nem as metas nem os procedimentos poderiam ser estabelecidos a priori. As coisas correram tão bem, no entanto, que, na terceira reunião, já se podiam precisar as dificuldades conjugais em termos transacionais gerais e estabelecer metas. Logo ficou esclarecida a natureza do contrato matrimonial, de um modo que foi confirmado várias vezes, na medida em que novos casais foram-se integrando ao grupo. A estrutura do casamento pode ser descrita de três diferentes pontos de vista (isto é, o casamento americano e canadense, o mariage d'inclination): 1. O contrato formal realiza-se entre dois Adultos, e implica na cerimônia nupcial, durante a qual os parceiros prometem respeito e fidelidade um ao outro em várias situações. A evidência estatística demonstra que este contrato nem sempre é levado a sério. O compromisso Adulto é abolido sempre que houver divórcio ou aventura extraconjugal, pois qualquer destes eventos significa a abdicação de uma posição assumida de boa-fé, pública e solenemente. 2. O contrato de relação é psicológico e não é firmado publicamente. Durante a corte, existe uma tendência a que uma parte funcione como Pai e a outra como Criança. Pode ser uma espécie de implícito acordo parasitário, ele pode ser abolido depois da lua-demel, quando uma das partes talvez queira mudar o seu papel, diante do que a outra parte reclama (o que é justificável sob tais circunstâncias): "Traição!" Se a mulher tiver dado uma proteção maternal ao homem durante o namoro, ele aceita implicitamente, e ela também implicitamente concorda que esta relação continuará após o casamento, e isto é parte essencial do contrato matrimonial secreto. Se depois ela mudar sua atitude e exigir que ele cuide dela em vez de ela cuidar dele, é provável que surjam problemas e a situação pode ou não ser comprometedora sem ajuda externa. 3. A base essencial do casamento, entretanto, é o contrato secreto entre as duas Crianças, o contrato do argumento. A seleção de um parceiro dentre todos os pretendentes possíveis baseia-se nisto. Cada marido ou mulher em perspectiva está na posição de um diretor que constitui papéis. O homem procura a estrela que melhor possa desempenhar o papel exigido por seu argumento, e a mulher busca o melhor ator para desempenhar o papel adaptado a seu protocolo. Durante o período de prova, os candidatos são inicialmente divididos entre os que dão respostas transacionais apropriadas e os que não o fazem. O campo, então, estreita-se e o número anterior é diminuído, através da prova dos jogos. Realizam-se manobras provocativas no intuito de revelar qual dos candidatos transacionalmente elegíveis realizará os jogos requeridos. Dentre os candidatos elegíveis para o jogo, a escolha final recairá sobre aquele que parecer mais provavelmente capaz de desenvolver todo o argumento; isto

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é, os pares se atraem pela suposição intuitiva de que seus argumentos são complementares. Reik (2) cita Freud da seguinte maneira: "Ao tomar uma decisão de importância mínima, sempre achei vantajoso considerar todos os prós e os contras. Em questões vitais, no entanto, como a escolha de uma companheira ou de uma profissão, a decisão deveria vir do inconsciente... Em decisões importantes de nossa vida pessoal deveríamos ser governados... pelas necessidades interiores profundas de nossa natureza". Num casamento livre, a escolha é inevitavelmente governada pelas necessidades da Criança. Os exemplos que daremos resumidamente ilustrarão algumas das manifestações clínicas e operacionais do contrato do argumento. As ramificações deste contrato são tão complexas que é impossível apresentá-las sistemática ou exaustivamente num espaço limitado, mas as ilustrações servirão para esclarecer os princípios subjacentes, de modo que a terminologia, no mínimo, se tornará mais clara. O leitor ficará, então, em condições de levar adiante suas próprias observações e investigações a este respeito, o que lhe será muito mais conveniente do que qualquer tentativa de provar o ponto em questão.

3. METAS TERAPÊUTICAS As metas terapêuticas da análise transacional de casamentos emergem naturalmente da estrutura inicial do contrato matrimonial. O objetivo é preservar o contrato formal, se possível, permitindo, ao mesmo tempo, que cada parceiro obtenha o maior grau de satisfação que puder sob o compromisso dos contratos de relação e argumento. Estas metas são transmitidas aos pacientes a partir da seguinte colocação clínica: "As relações e jogos deste casamento terão de ser opcionais em vez de compulsivos, de modo que se possam eliminar os elementos destrutivos ou pouco construtivos. Uma vez conseguido isto, os cônjuges podem ou não estar interessados um no outro. deverá haver tempo para o surgimento de relações e jogos mais construtivos. Assim, cada parceiro estará em condições de decidir racionalmente se quer ou não perpetuar o casamento. A situação se assemelha a um divórcio psicológico dentro da estrutura do contrato formal. Como cada cônjuge emerge de uma nova forma, oferece-se uma oportunidade para a reconciliação psicológica, se ambos desejarem isso. Se não desejarem, a terapia pode resultar na abolição permanente do contrato formal". Na prática, tem-se observado que o casamento experimenta melhoras progressivas, na medida em que se vão "desnudando" gradativamente os elementos dos argumentos e jogos, até tornar-se possível descobrir a dificuldade sexual subjacente, em termos dos protocolos originais. A esta altura, surge a questão: "O que fazemos agora?" "O que fazemos em lugar disso?" Então, sobrevém uma forte tentação de recaírem nos velhos padrões. Se um dos parceiros mantém com firmeza a posição recentemente descoberta e não cede, o outro tende a buscar um parceiro extraconjugal que ou realizará os antigos jogos, ou o ajudará a levar seu argumento rapidamente até o fim. Mas, se resistir a esta tentação e o resultado for bom, como tem sido até agora, forma-se uma nova relação dentro do casamento, "acima" dos mesmos conflitos sexuais antigos, que permanecem sem solução, mas são manipulados de modo diferente.

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Presume-se que, se cada parceiro se submete à psicanálise no momento crítico em que se desmascaram estes conflitos, sua resolução resultaria numa reconciliação mais firme, ou com o mesmo parceiro ou com outro cujo argumento complementará as novas necessidades, menos arcaicas. Só com a análise transacional temos obtido, até agora, três resultados: na pior das hipóteses, um casamento com considerável turbulência, ainda que controlada de um modo muito mais satisfatório; a transgressão e a resignação de muitas necessidades; ou, na melhor das hipóteses, a satisfação da descoberta de qualidades e possibilidades recíprocas. Todos os três são benéficos aos filhos do casal, se existirem.

4.AMOR O sentimento a que chamamos amor não pode ser abordado pela análise transacional em maior profundidade do que por qualquer outro sistema psicoterapêutico, e, se existe amor entre os dois parceiros, é bom que até o momento ele esteja além do alcance da investigação psiquiátrica. O amor, entretanto, não seria uma condição necessária para o casamento. ideal, da forma como este é expresso em termos estruturais e transacionais. O casamento ideal implicaria uma união livre, com aprovação dos pais, entre duas pessoas felizes (conforme anteriormente definido), cujo relacionamento e argumentos fossem complementares e, em última instância, construtivos. Com base nisso, duas pessoas fiéis a seus padrões comuns e uma à outra poderiam suplantar Abelardo e Heloísa.

5. O DESENVOLVIMENTO DE UM CASAMENTO PERTURBARDO A típica seqüência de um casamento americano perturbado é mais comumente vista, na prática, com as mulheres do que com os homens. O primeiro casamento, aos 16 anos, representa uma operação de libertação da família. O casal convive por dez dias ou dez meses e, então, há anulação ou divórcio. Se houver um filho, este é confiado a um dos parentes da mulher, pois, de outro modo, a função libertadora do casamento seria desvirtuada. A jovem estabelece, assim, a sua independência civil e está livre para desenvolver seu argumento, que geralmente é frustrador e masoquista. O segundo casamento ocorre aproximadamente cinco anos mais tarde e dura cerca de cinco anos. É dissolvido por causa da negligência ou crueldade do marido; ele faz o que o argumento da moça exige, mas o argumento não é bom. Ela, então, tem de trabalhar para sustentar os novos filhos, que passam a constituir o principal interesse da vida dela. Seu terceiro casamento, mais ou menos com trinta anos, serve para satisfazer as necessidades materiais, mas a nostalgia de seu argumento ainda persiste até certo ponto, deixando-a insatisfeita, de modo que ela começa a provocar o marido. Como ele é, na realidade, uma versão mais suave do segundo marido, com as mesmas qualidades, apesar de menos agressivo, responde a estas provocações de maneira apropriada ao argumento

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dela como ao seu próprio argumento. Neste ponto, o argumento torna-se distônico do ego Adulto da mulher; ela sente que algo está errado e busca tratamento, ou conjugal ou para si mesma. O marido que, talvez pela primeira vez, expressa suas próprias necessidades por meio de uma má conduta, pode ou não interessar-se pela terapia. Em geral, o casal costuma chegar no tratamento da maneira como segue. A união, no início, compara-se favoravelmente, em muitos aspectos, ao casamento ideal. A autodeterminação é conseguida durante a lua-de-mel ou durante os contatos sexuais prénupciais, assemelhando-se a um jogo de seis pessoas em que participam também os pais do jovem casal. Ao longo deste período, o sexo é satisfatório para as duas partes, em razão dos elementos agressivos e liberadores envolvidos neste jogo complexo. Depois que se desfez o primeiro entusiasmo, começam a aparecer as dificuldades sexuais subjacentes. O casal, então, começa a envolver-se num jogo manipulado a dois, que funciona como um substitutivo para o sexo e se destina a diminuir a freqüência das temidas confrontações sexuais, rendendo, ao mesmo tempo, ganhos ocultos para os dois parceiros. A esposa pode jogar "Mulher Frígida"; ela chama o marido de imbecil, provoca um tumulto e freqüentemente ambos envolvem-se num jogo financeiro. Deste modo, a intimidade sexual ameaçadora é afastada sem que qualquer das partes precise enfrentar as ansiedades envolvidas; enquanto isso, os ganhos internos, secundários e sociais são conseguidos egoisticamente. As relações sexuais ocasionais trazem filhos, no entanto. Estes são recebidos com prazer por meritórias razões, mas também servem como uma distração bem-vinda. Ambas as partes absorvem-se bastante nas atividades relacionadas com a educação dos filhos e isto deixa pouca oportunidade para avanços em termos sexuais, oferecendo muitas justificativas legítimas para adiar e interromper o ato de amor. Entretanto, à medida que as crianças ficam mais velhas, o casal vai tendo mais tempo livre. Reassume os jogos antigos e surgem dificuldades porque, embora joguem papéis complementares nas mentes de cada parceiro. Estas diferenças e as leves diferenças em seus argumentos, tornam-se cada vez mais importantes, de modo que o grito de "Traição!" é ouvido com freqüência crescente. Quando o casal se aproxima dos 40 anos, o fracasso de seus jogos e argumentos provoca certo desespero, o que os leva a buscar a ajuda de um profissional.

6. EXEMPLOS CLÍNICOS Quando alguém do grupo fazia uma pergunta a Mr. Quatry, ele respondia prontamente. Mas, se a pergunta fosse dirigida a Mrs. Quatry, sua mulher, também era ele quem respondia. Ela protestava contra esta situação. Dizia que o marido sempre agia como pai e a tratava como uma criança retardada. Notou-se, porém, que, quando lhe era oferecida a oportunidade de falar por si mesma, ela não a aproveitava. Alguém lhe perguntou o motivo disto e ela, com seu modo característico, respondeu que era burra demais e que não tinha entendido a questão. Ficou evidente, portanto, que esta relação se mantinha por consentimento mútuo. Depois que o terapeuta instruiu Mr. Quatry a evitar responder no

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lugar de sua esposa, dois fenômenos puderam ser observados: primeiro, Mrs. Quatry ficava zangada com a omissão do marido, dizendo que ele não se importava mais com ela; segundo, sempre que Mr. Quatry se distraía, ele voltava inadvertidamente a seu antigo padrão, estalava os dedos e dizia: "Lá vou eu novamente!". Passado algum tempo, ele começou achar divertido cometer esses erros e todos riam com ele, exceto Mrs. Quatry. Ninguém achou graça, no entanto, quando se soube que, durante o ato sexual os papéis se invertiam. Em lugar de Mr. Quatry ser o Pai e Mrs.Quatry a Criança, ele se tornava a criança e ela o Pai, de modo que a relação sexual era insatisfatória para ambos. O problema terapêutico consistia em estabilizar o Adulto em cada cônjuge, tanto no grupo como durante o ato sexual. Com os Pentys, a situação no grupo era inversa. Mrs. Penty nunca permitia que Mr. Penty respondesse a uma pergunta por si mesmo. Ele suportava esta situação como um mártir, mas às vezes protestava. Assim que a situação foi-se esclarecendo, no entanto, percebeu-se que ele sofria de séria eritrofobia e tinha medo de enrubescer, ao falar, fazendo, então, o jogo "Se Não Fosse Você". Casara-se com a tagarela e dominadora Mrs. Penty para proteger-se contra a eritrofobia e depois, quando ela desempenhava sua função, ele se queixava. Os Hechts ingressaram tarde no grupo e eram incapazes de compreender a terminologia. Em sua segunda sessão, o terapeuta disse: "Olá!", assim que se sentaram, sobretudo para colocar Mr. Hecht à vontade. Este não respondeu ao cumprimento. Mais tarde, na sessão, Dr. Q. chamou a atenção para o fato. Mr. Hecht respondeu que tais rituais lhe eram insignificantes e que não acreditava neles. Mrs. Hecht, então, salientou que o marido era sempre rude assim e lhe dava respostas curtas. Ele protestou dizendo que, se ela lhe perguntava ou dizia alguma coisa, ele falava o suficiente e se calava. Não via vantagem em encompridar o assunto desnecessariamente. Mrs. Hecht disse que ele sempre a deixava embasbacada com suas respostas abruptas. Mr. Hecht contou um episódio ocorrido em seu escritório, que ilustrou este aspecto: Uma secretária chegou ao trabalho um dia e disse "Bom dia!" ao chefe. Este, então, respondeu: "Eu não pedi o relatório metereológico; tudo o que quero é que você inicie o seu trabalho". Mr. Hecht achou que a colocação do chefe fazia sentido, e disse que Mrs. Hecht tinha sido criada de modo a acreditar em todas as mesuras. A esposa acrescentou que a vida se tornava mais agradável quando se era educado. Isto deu ao Dr. Q. uma oportunidade de introduzi-los à idéia de passatempos e jogos, sobre o que vinham ouvindo o resto do grupo falar. Mrs. Hecht queria jogar "Etiqueta" e seu marido, não. Esta era uma coisa que não ia bem em seu casamento. Os Sptims mantinham um mariage à quatre com outro casal. Mr. Septim começou a preocupar-se com a situação depois de aproximadamente seis meses e "arrastou" a mulher para o grupo. Dr. Q. supôs que se tratava de um argumento comum a ambos, e que o casamento, inconscientemente, implicasse desde o início a pretensão de envolver outro casal. Tanto ele como a mulher teriam escolhido um companheiro que estivesse interessado em tal situação e conheciam, de algum modo, as potencialidades um do outro neste sentido, antes de se casarem. Ambos negaram isto de modo incisivo e Mr. Septim considerou a afirmação ridícula: de sua parte, ele estava pronto a romper com o outro casal

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naquele momento. O questionamento de grupo, no entanto, logo eliciou apenas as fantasias pertinentes de ambas as partes, mas até mesmo algumas tentativas manifestas de manipulações ocultas na mesma direção antes do casamento. Mrs. Septim, então, admitiu que queria viver e experimentar coisas por amor à arte, e que o mariage à quatre era o modo de fazê-lo. O casal desistiu após a segunda sessão. O Dr. Q. forçara intencionalmente o desfecho porque, atrapalhariam o progresso do restante do grupo. Foi uma decisão difícil, mas o terapeuta precisava definir a sua responsabilidade, e isto pareceu o mais conveniente.

7. RESISTÊNCIAS Em um grupo de casais, a forma favorita de resistência, empregada quase que universalmente por elementos inexperientes, é um jogo chamado "Tribunal". O marido conta ao grupo uma longa história a respeito das atitudes de sua esposa, na tentativa de conseguir apoio para si como demandante. A esposa, então, faz sua defesa, e explica ao grupo o que o marido fez para provocar o seu comportamento. No round seguinte, a mulher pode ser a demandante e o marido o acusado. Em cada caso, espera-se que o grupo funcione como o corpo de jurados e o terapeuta, como juiz. Há duas maneiras de interromper este jogo. Uma é denunciá-lo, tentando se mostrar de acordo com o demandante para depois perguntar-lhe como se sente diante disso. A seguir, o terapeuta discorda do demandante e volta a fazer a pergunta. Já ilustramos isso no caso de Mrs. Quatry, que se sentia melhor quando o terapeuta concordava com ela; mas, se ele lhe dizia que ela estava errada, ela retrucava: "Eu sabia disso desde o início". Esta técnica, no entanto, deve ser empregada com critério; em qualquer caso, não deveria ser usada mais do que duas vezes num ano. O outro modo é interditar o jogo, de forma bastante elegante, através de uma manobra simples: diz-se às pessoas do grupo que podem falar tanto si mesmas, na primeira pessoa, quanto para seus cônjuges, na segunda pessoa, mas que elas não podem usar a terceira pessoa. Este procedimento é proveitoso também em outro tipo de situação. Há certos casais que nunca conversam entre si durante as reuniões de grupo. As partes dirigem-se às outras pessoas, falando de si mesmas ou sobre o cônjuge, mas nunca conversam um com o outro. O terapeuta estabelece um axioma moral: "Talvez fosse bom que os cônjuges conversassem entre si ocasionalmente". A colocação deste preceito, juntamente com a interdição da terceira pessoa, em geral resolve a situação. Se o casal hesita em fazê-lo, geralmente, o grupo já está tão descontraído que todos os seus elementos intervêm para ajudá-lo.

NOTAS O jogo do casamento, realizado entre as classes altas na França na primeira metade 156

do século dezenove, é descrito de maneira divertida e detalhada por Balzac. (3) Em comparação com os modernos jogos burgueses que envolvem dois participantes, como a "Mulher Frígida" e o "Se Não Fosse Você", o jogo parisiense, com três pessoas - o marido, a mulher e o amante - reveste-se de uma finura aristocrática que oferece um campo muito mais amplo ao intelecto e à imaginação. Em sua época e lugar pode não ter sido mais grave do que os jogos pesados da atualidade e, exceto pelos aspectos bacteriológicos explorados com reserva por Schnitzler em "La Ronde", tem uma qualidade mais estética. Balzac usa abertamente a linguagem de jogos, daí o tom alegre que ele dá à sua obra. Fala de "defesas", "ratoeiras", "estratégia" e "aliados". Alguns dos autores, no simpósio de Keyserling, (4) também tratam o casamento como um jogo. Falando-se mais seriamente, quase todas as piadas sobre casamento, desde a primitiva "Quid est tibi ista mulier?" "Non est mulier, uxor est!" até as histórias em quadrinhos do jornal de ontem reconhecerem os padrões antagônicos envolvidos. O curioso é que este aspecto triste é o cômico, enquanto as relações satisfatórias quase sempre terminam, pelo menos na Literatura, em tragédia. A felicidade real da consagração ao jogo livre, meta ideal da terapia de casais, permanece amplamente desconhecida. Ninguém se emociona de fato com Philemon e Baucis, e a noite de sábado do aldeão parece tão pouco atraente è maioria das pessoas quanto um poeta escrevendo num cemitério. Atualmente parece uma constante a existência de certa porção de patologia em todo casamento, dividida entre casal e, talvez, compartilhada pelos filhos. Assim, quando um parceiro está saudável, o outro não está, e vice-versa. Como a dor lombar é uma manifestação "psicossomática" comum a esta patologia, poderíamos usá-la como paradigma. Podemos falar de "discos inflamados". Assim, existem "casamentos de quatro discos", "casamentos de três discos" e "casamentos de dois discos". Num "casamento de quatro discos", um parceiro pode estar são e o outro ter "quatro discos"; ou eles podem ter um pouco cada um da patologia, um ter "três discos" e o outro, "um disco"; ou ambos terem "dois discos", isto é, cada um ter um grau de dor lombar, em vez de um estar bem e o outro com dor violenta. Se um paciente estiver e o outro não, este tende a ficar com mais distúrbios ou mais sintomas, à medida que o primeiro melhora. Na linguagem da análise de jogos, o outro parceiro entra num estado de desespero crescente (manifestado, por exemplo, por "mais discos", ao ver-se provado de seus ganhos pelo cônjuge em terapia, que se recusa a fazer o antigo jogo (sendo que a melhora do paciente se manifesta por "menos discos"). Infere-se que, na maioria dos casos, a única esperança de se reduzir a patologia total de ambos os parceiros é encaminhá-los juntos para a terapia. A fábula dos discos oferece uma escala prognóstica prática para se classificar casamentos. Nesta escada, um casamento de "quatro discos" pode sobreviver, embora seu desenvolvimento seja doloroso; o futuro de um casamento de "cinco discos" é bastante duvidoso. Um casamento de "um" ou "dois discos" pode ser tratável por um conselheiro não psiquiátrico, enquanto um de "três discos" deve ser submetido a uma terapia psiquiátrica.

REFERÊNCIAS

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1. Jackson, J. & Grotjahn, M., "Concurrent Psychotherapy of a Latent Schizophrenicc and His Wife". Psychiatry. 22:153-160, 1959. 2. Reik, T., Listening with the Third Ear. Farrar, Straus & Company, Nova York, 1949, p. VII. 3. Balzac, H. de, The Physiology of Marriage. Edição particular, Londres, 1904. 4. Keyserling, H., The Book of Marriage. Blue Ribbon Books, Nova York, 1926.

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19. ANÁLISE DE REGRESSÃO

A meta final da análise transacional é o reajustamento e a reintegração estrutural. Isto requer, em primeiro lugar, reestruturação e, em segundo, reorganização. A fase "anatômica" da reestruturação consiste em esclarecer e definir as fronteiras do ego por processos como o refinamento de diagnóstico e a descontaminação. A fase "fisiológica" ocupa-se da redistribuição da catexia através de uma programada ativação seletiva dos estados do ego específicos por meios também específicos, com o objetivo de estabelecer a hegemonia do Adulto, através do controle da Criança. A reorganização em geral se configura como reclamação da Criança, com correção ou substituição do Pai. Seguindo esta fase dinâmica de reorganização, existe uma fase analítica secundária, que é uma tentativa de livrar a Criança de sua confusão. A situação ótima para o reajustamento e a reintegração da personalidade como um todo exige uma postura emocional da Criança na presença do Adulto e do Pai. A necessidade de o Adulto e o Pai estarem em plena ação durante todo o processo deprecia o valor geral dos procedimentos psicológicos e farmacológicos de hipnose, uma vez que a função essencial de muitos desses artifícios é liberar a Criança, desautorizando outros aspectos da personalidade. A psicanálise supera esta deficiência através do uso da associação livre. O inconveniente neste caso é que a Criança com freqüência se expressa indiretamente ou com dificuldade, de modo que em grande parte o êxito depende da capacidade de interpretação do terapeuta e da receptividade do paciente para as interpretações especializadas. O desenvolvimento lógico da análise transacional é um apelo direto à Criança, em estado de vigília. O raciocínio e a experiência nos levam a crer que a Criança se expressa com mais liberdade quando fala a outra criança. portanto, a abordagem mais próxima de uma solução ideal para o problema terapêutico da auto-expressão é o método da análise de regressão. A evolução deste procedimento ainda se encontra num estágio embrionário e mais alguns anos de experiência e aprimoramento serão necessários para que se superem algumas das dificuldades a ele inerentes, obtendo-se o máximo se seu rendimento terapêutico. A análise de regressão é uma técnica que é ensinada ao paciente, e um de seus prérequisitos é a compreensão clara da análise estrutural. Temos tido indicações de que o relaxamento de defesas ou a transferência da catexia necessária são praticamente inacessíveis a pacientes como o dogmático Nr. Troy, que tem de manter uma atitude Parental, ou como o intelectual Dr. Quint, obrigado a conservar uma postura Adulta. Algumas pessoas, no entanto, conseguem um considerável grau de labilidade com rapidez surpreendente, e outras, que têm uma atitude especial (cuja natureza até agora não foi compreendida), podem adaptar-se ao método imediatamente. A base lógica para a tentativa de reviver a Criança como um estado do ego realmente reexperimentando é epistemológica. Em síntese, a Criança é vista,

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funcionalmente, como a manifestação de um órgão ou sistema psíquico, a arqueopsique. Fenomenologicamente, a Criança aparece como um estado do ego distinto e integrado. Ela se torna conhecida comportamentalmente através de signos fisiológicos, sintomáticos, psicológicos e verbais, e, socialmente, pela qualidade de suas transações. A origem destas manifestações pode ser confirmada historicamente se constatarmos que elas reproduzem fenômenos manifestados durante a infância real do indivíduo. Mas a história e a descrição do comportamento são, ambas, abordagens Adultas. O paciente e o terapeuta falam a respeito da criança, de modo inferencial, que é chamado pelos epistemologistas "conhecimento por descrição". O efeito terapêutico disto é geralmente apreciável e gratificante, mas difere do que ocorre se o próprio estado do ego arcaico é vividamente revivido na mente do paciente, em lugar de ser inferido a partir de dados externos. Tal revivescência está aliada à "ab-reação" de Freud, às "memórias profundas" de Kubie (1) e ao fenômeno do lobo temporal de Penfield (2). É uma apreensão não inferencial, que constitui o "conhecimento por relacionamento", mesmo no sentido mais estrito do termo. (1) No caso, não se trata do Adulto falando sobre a Criança, mas da própria Criança falando. Para compreender claramente o fenômeno, o clínico precisa considerá-lo literalmente. É exatamente como se houvesse duas pessoas na sala com o terapeuta: um adulto observador e uma criança patológica, só que fisicamente inseparáveis. O problema está no modo de separá-los psicologicamente, a fim de que a Criança possa falar por si mesma. (Para simplificar as coisas deixaremos de lado, por enquanto, a terceira parte, o Pai.) A separação por meios artificiais, como a hipnose, prejudica o resultado final. Uma coisa é o pediatra repetir para a mãe o que seu filho disse no consultório e outra, a mãe ouvir tudo diretamente do menino. Quando um estado do ego previamente sepultado é revivido com todo o seu vigor em estado de vigília, ele se conserva permanentemente à disposição do paciente e do terapeuta para um exame detalhado. Ocorre não somente uma "ab-reação" e uma "regressão", mas também a possibilidade de manusear o estado do ego como uma criança real. Pode-se tratá-lo com cuidado, e mesmo carinhosamente, até que desabroche como uma flor, revelando todas as complexidades de sua estrutura. Pode-se transformá-lo e manipulá-lo, até que os aspectos anteriormente não observados sejam totalmente percebidos. Tal estado do ego ativo não é visto à maneira de Kubie, como memória, mas como uma experiência em si, mais parecida com o fenômeno temporal de Penfield. Iris freqüentava o grupo há vários anos, salvo interrupções ocasionais, e realizava um excelente jogo de "Psiquiatria" em termos estruturais e transacionais. Através de observação e inferência, ela podia diagnosticar seus próprios estados do ego e os das outras pessoas e analisar transações. Em razão disto, abria-se para ela a oportunidade de fazer uma terapia individual intensiva, considerada oportuna tanto pela paciente quanto pelo Dr.Q. Suas entrevistas ocasionais anteriores tinham sido estereotipadas e um tanto enfadonhas para ambos: Iris e o terapeuta admitiram que ela estava jogando "Psiquiatria", e que, embora isto fosse de considerável ajuda para ela, deixava um pouco a desejar. Para sermos mais específicos, ela jogava três variedades diferentes de "Psiquiatria": Saúde Mental, Psicanálise e Transacional. Procurou-se afastá-la de Saúde Mental, permitindo-lhe certa liberdade com sua "análise selvagem" e encorajando-a ativamente a

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dedicar-se à variedade Transacional, porque esta parecia ser a mais útil em seu caso. Depois que ela passou a ter sessões individuais com regularidade tornou-se uma pessoa diferente. A Criança fenomenológica começou a emergir e um dia eclodiu totalmente. Ela podia realmente sentir-se de volta a uma espécie de situação servil, e reconheceu a enorme influência passada destes sentimentos revivenciados na determinação de seu destino. Ela agora percebia intensamente a sua identidade dupla, como Adulto e Criança. No dia seguinte ela relatou: "Sabe, desde ontem venho me sentindo mais aliviada do que há anos. É como se eu estivesse saindo de uma névoa. Reconhecer a Criança é uma coisa, mas realmente senti-la é outra. É amedrontador. O fato de eu saber que é minha Criança, não torna isto mais cômodo para mim, mas me alivia: pelo menos eu sei de onde vêm estes sentimentos". Portanto, a análise de regressão é uma tentativa intencional de se transferir o estudo da Criança de uma base inferencial para uma fenomenológica. Com um paciente adequadamente preparado, que tenha tido bastante experiência com análise estrutural e também certa compreensão de análise transacional e de análise de jogos, o terapeuta faz a seguinte colocação: "Tenho cinco anos e ainda não estou na escola. Você tem a idade que escolher, mas menos de oito anos. Vá em frente". Aqui, o terapeuta joga o papel de uma criança que não conhece polissílabos ou circunlocuções. É um tipo especial de papel, uma vez que ele o conhece muito bem: ele deve ser apenas o que era quando tinha cinco anos. Não é fácil relatar os resultados de uma sessão de análise de regressão. A posição do terapeuta é de catexia dividida. Ele deve ser metade Criança e metade Adulto, observando tanto o seu próprio comportamento como o do paciente. Qualquer catexia introduzida em sua Criança é subtraída de seu Adulto terapêutico usual, e o resultado é que isto exige maior concentração deste Adulto para manter ambos os estados do ego ativos, simultaneamente. O efeito correspondente é a diminuição da memória Adulta. O terapeuta pode lidar de modo efetivo com o que ocorre na hora, mas é difícil reconstituir os eventos depois. O uso de gravador é contra-indicado. O emprego de um gravador com crianças, em torno de 5 ou 6 anos, rapidamente demonstrará como esse recurso influi no comportamento delas, tirando-se a naturalidade. E, uma vez que a compreensão da análise de regressão é ainda tão rudimentar, seria, no momento, impossível a avaliação do efeito que um gravador teria sobre o processo. Uma reconstrução aproximada servirá, no entanto, pelo menos para dar uma idéia do que acontece. Mr. Wheat, cujo pai morrera quando ele tinha dois anos de idade, estava falando, numa sessão individual, a respeito de algumas de suas atitudes Parentais com relação a seus deslizes sexuais. Dr. Q.: Eu tenho cinco anos e ainda não estou na escola. Você tem a idade que escolher, mas menos do que oito anos. Vá em frente. Mr. W.: Meu pai está morto. Onde está o seu pai? Dr. Q.: Ele saiu. Esta tratando de doentes. É médico. Mr. W.: Vou ser médico quando eu crescer. 161

Dr.Q.: O que significa morto? Mr. W.: Significa que você está morto, quando um peixe ou um gato ou pássaro morre. Dr. Q.: Não é a mesma coisa, porque quando pessoas morrem é diferente. Há um funeral e tudo o mais. Mr. W.: Como você sabe? Dr.Q.: Apenas sei. As pessoas têm um funeral e são enterradas em um cemitério. Seu pai está no cemitério? Mr. W.: Sim, ele também está lá em cima no céu. Dr.Q.: Como ele pode estar no cemitério e também no céu? Mr. W.: Bem, ele está. Dr. Q.: Onde é o céu? Mr. W.: Lá em cima, no firmamento. Dr. Q.: Se ele está no céu, não pode estar no cemitério. Mr. W.: Sim, ele pode. Algo sai dele e vai para o céu e o resto dele, eles põem no cemitério. Dr. Q.: Como esta parte sai dele? Mr. W.: Sai de sua boca. Dr. Q.: Você é engraçado. Não acredito nisso. Como você sabe que sai da sua boca? Você ver isso? Mr. W.: Não, mas é assim. De algum modo isto ocorre. Dr. Q.: Se você não pode ver, como pode saber? Mr. W.: porque minha mãe me contou: "É seu pai verdadeiro que vai para o céu e é apenas seu corpo que deixam no cemitério". Dr. Q.: Bem, não vejo como ele pode estar em dois lugares. O que ele faz lá em cima, no céu? Mr. W.: Está sentado ao lado de Jesus e nos observa. Sabe, você tem uma aparência engraçada. Você tem um rosto muito magro. Dr. Q.: Você é louco em acreditar que seu pai pode estar em dois lugares. Mr. W.: Gostaria de ter um pai de verdade (choraminga). Bom, já basta. Esta breve experiência esclarece, para o terapeuta e para o paciente, quão confusa estava a Criança de Mr. Wheat com relação à origem, função e realidade de seu Pai. Desde o início da terapia até este momento, todo o problema da influência do pai e das fantasias inconscientes a seu respeito, na medida em que afetavam o comportamento de Mr. Wheat, tinham sido alvos de interpretação e especulação. A análise de regressão realizada depois revelou a profusão de suas fantasias e a impossibilidade de sua Criança reconciliar as contradições a respeito da morte: seu pai anatômico sumindo sob a terra gelada, no 162

cemitério coberto de neve, e algum outro tipo de pai que saía de sua boca, sentando-se comodamente ao lado do bendito Jesus e sentindo que sua serenidade era periodicamente sacudida pelas ações do filho, que seria obrigado a prestar contas quando chegasse a hora e a apresentar-se para o julgamento diante de Deus-Pai e do espírito (totalmente vestido com roupas de antes da I Guerra Mundial) de seu próprio pai. Na relação social normal, a Criança "programa" o Adulto, no sentido cibernético; aqui, a situação se inverte, e o Adulto do terapeuta deve "programar" a sua Criança. Algumas das dificuldades técnicas tornam-se aparentes mesmo no breve extrato que apresentei. Um garoto de cinco anos, o terapeuta, seria tão persistente em manter um assunto? É permissível o uso da palavra "louco" com um paciente, mesmo que esta seja uma palavra natural para um menino de cinco anos? O paciente pode realmente parar de ver o terapeuta como um pai e conversar com ele como se ele fosse outra criança? É evidente que a análise de regressão ainda se encontra num estágio altamente experimental e só pode ser empregada com o máximo de cuidado na seleção de casos. O uso desta técnica em terapia de grupo também traz resultados interessantes. Dr. Q.: Tenho cinco anos de idade e ainda não estou na escola. Cada um de vocês tem a idade que escolher, mas abaixo de oito anos. Agora, vão em frente. Heather: Meu avô me faz coisas ruins. Magnólia: Não posso me lembrar de nenhum de meus parentes do sexo masculino me fazendo coisas impróprias. Dr. Q.: Magnólia vai à escola e usa palavras complicadas que eu não entendo. O que é "impróprio?" Camellia: Eu sei, porque minha mãe me disse. "Impróprio" significa você fazer algo que não se espera de você. Daisy: Você deve ter tido um relacionamento íntimo com sua mãe, Camellia. Dr. Q.: Aquela senhora, a complicadas.

Daisy, está nos ouvindo e também usa palavras

Iris: Às vezes, tenho medo de jogar aqui porque sei que essa senhora, a Daisy, estános observando. Dr. Q.: Por que todas vocês vieram brincar em minha casa? Rosita: Gosto de ir brincar na casa de meninos. Você pode ter todos os tipos de divertimentos e fazer coisas más como minha mãe faz com alguns homens que vão visitála. E assim por diante, durante aproximadamente 20 minutos. Depois disso, todas as participantes disseram ter sofrido algum efeito incomum durante o episódio. Camellia tivera uma forte dor no peito, reminiscência de suas dores de estômago anteriores; Rosita sentia-se como se estivesse flutuando; as mãos de Heather estavam tremendo; Poppy estava chorando; Daisy sentira uma forte dor de cabeça, e disse que tinha esta dor desde seus sete ou oito anos; Magnólia tivera taquicardia; Iris espantarase com as novas memórias que lhe surgiram em profusão; e Hyacinth a muito custo conseguira conter a vontade de rir, às gargalhadas. 163

As mulheres ficaram tão impressionadas com o poder deste instrumento que, quando Heather propôs que repetissem a experiência na sessão seguinte, todas votaram contra e passaram-se várias semanas até que se sentissem dispostas a tentar novamente. Neste ínterim, as que estavam em terapia individual simultânea falaram sobre muitas coisas novas. Escolhe-se oito anos como idade crítica para a regressão do paciente porque existem muito poucas pessoas que se queixam de amnésia além desta idade: portanto, todos os pacientes podem ter alguma base para prosseguir sem dispor de uma "amnésia completa" para usar como resistência. A idade de cinco anos é escolhida como a apropriada para o terapeuta porque ela implica em certo desenvolvimento do senso de realidade, apesar de um limitado vocabulário pré-escolar. A limitação do vocabulário facilita perceber as pessoas que não estão em regressão real e que revelam isso através da sofisticação verbal que adotam. Proporciona-se-lhes, assim, um modo direto delas expressarem o que for necessário; se elas não puderem se expressar tão claramente, então é provável que estejam resistindo. A análise de regressão é um tipo de psicodrama, mas parece ser mais precisa em seu fundamento teórico e em sua técnica. (5) Tem um âmbito mais limitado e também menos artificial, uma vez que, sem exceção, todos os participantes, inclusive o terapeuta, jogaram seus papéis antes, com sangue, suor e lágrimas. Talvez ela se aproxime mais da "análise direta" de Rosen, (6) particularmente no uso feito do material colhido. Já que, até agora, esta é a fronteira mais longínqua atingida pela análise transacional, tudo o que se conhece a respeito, por enquanto, possui caráter experimental e qualquer colocação mais arrojada seria desaconselhável. talvez possamos obter maiores esclarecimentos sobre o assunto através do trabalho de Chandler e Hartman, (7) com LSD25, que tem muito em comum com a análise de regressão e parece estar livre de algumas das falhas de outras regressões farmacológicas.

REFERÊNCIAS 1. Kubie, L., loc. cit. 2. Penfield, W., loc.cit. 3. Runes, Dagobert D., Dictionary of Philosophy. Philosophical Library, Nova York, s.d., "Acquaintance, Knowledge by"; "Description, Knowledge by"; "Epistemology", Parte f. 4. James, W., Psychology. Henry Holt &Company, NovaYpork, 1910, p.14. 5. Moreno, J. L., Psychodrama, Vol.1. Beacon House, Nova York, 1946. 6. Rosen, J., loc. cit. 7. Chandler, A., & Hartman, M.A., loc.cit.

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20. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E TÉCNICAS

1. TEORIA Não se pode generalizar um sistema partindo-se de seu próprio interior. O exame mais minucioso da Terra não revelará seu lugar no universo, enquanto o investigador não criar a coragem de olhar para o céu. Faz-se uma generalização através da seguinte pergunta: "Isto é um exemplo de quê?" Na moderna teoria dos números encontra-se um belo exemplo de generalização. As propriedades e as relações dos números primos têm sido objeto do exame intenso e persistente de alguns dos melhores intelectos dos últimos 22 séculos. O campo ainda permanece relativamente estéril e repleto de abordagens, mesmo depois das pesquisas originais de Eratóstenes. Recentemente, porém, encontrou-se um modo de responder à questão: "A série de números primos é exemplo de quê?" A resposta consiste em que existem muitas variedades possíveis e instâncias infinitas de tais "crivos matemáticos". (1) Até para o leigo, é evidente que esta generalização da proposta de Eratóstenes tem interessantes possibilidades de desenvolvimento teórico posterior e de aplicação prática. Os matemáticos geralmente recebem bem tais esclarecimentos, que alargam sua visão com a vantagem de unir, sob um mesmo conceito abrangente, áreas que antes tinham uma difícil correlação. Há indicações de que as análises estrutural e transacional poderiam, possivelmente, desempenhar função semelhante. Por exemplo, já podemos notar duas vantagens nas experiências de traduzir, para a linguagem estrutural, textos, monografias e artigos sobre as ciências sócio-clínicas. A primeira é que esta tradução aumenta a clareza e a precisão e pode reduzir consideravelmente o volume destas obras; e a segunda é que ela beneficia o problema "interdisciplinar", proporcionando uma terminologia comum relevante a disciplina até agora díspares. Pode-se dizer que a análise estrutural é apenas a maçã da qual a psicodinâmica é a semente. Os estudiosos conscientes descobrirão que a semente se ajusta perfeitamente à maçã; as tentativas apressadas de forçar a maçã a penetrar na semente podem resultar apenas na mutilação deplorável dos frutos da experiência clínica.

2. ROLE-PLAYING (DESEMPENHO DE PAPÉIS) É preciso distinguir entre estados do ego e "papéis", a menos que o conceito de desempenho de papéis seja reduzido a um absurdo que inclua tudo. Neste sentido, pretendemos definir a posição da análise estrutural. Quando um contador fala, num jantar do Rotare Club, ele pode agir do modo como 165

ele pensa que se espera que aja um contador. Isto é desempenho de papel. mas, quando ele se concentra numa coluna de números e contas em seu escritório, ele não está desempenhando o papel de contador: ele é um contador. Ele mantém um certo estado do ego, aquele que é necessário para somar uma coluna de números. Se um terapeuta joga o papel de um terapeuta, não irá muito longe com pacientes perspicazes. Ele tem de ser um terapeuta. Se ele conclui que certo paciente necessita de apoio Parental, ele deve liberar o seu estado do ego Parental, e não desempenhar o papel de um pai. Um bom teste, neste sentido, consiste na tentativa de o terapeuta "expor" seu Parentalismo na presença de um colega, com um paciente diante do qual ele não se sinta parental. Neste caso, ele estará desempenhando em papel e um paciente sincero logo o fará ver com maior clareza a diferença entre ser um Pai complacente e desempenhar o papel de um pai complacente. Aliás, uma das funções dos estabelecimentos de treinamento psicoterapêutico é separar os estudantes que querem jogar o papel de terapeutas daqueles que querem ser terapeutas. Um paciente pode desempenhar um papel no argumento ou no jogo de outro paciente; mas, como indivíduo, ele não está desempenhando um papel quando é Pai, Adulto, ou Criança; ele existe no estado do ego de uma dessas três entidades. Um paciente no estado do ego de uma Criança pode decidir desempenhar um papel; mas, qualquer que seja este papel, ou mesmo que ele mude de um papel para outro, seu estado do ego permanece o de uma Criança. Ele pode até mesmo jogar o papel de um certo tipo de criança, mas esta é apenas uma entre as escolhas possíveis do seu estado do ego Criança. Do mesmo modo, as crianças reais que jogam "Lar" podem assumir os respectivos papéis de Mãe, Doutor e Bebê, mas todas elas permanecem igualmente crianças enquanto estão desempenhando esses papéis.

3. TREINAMENTO O treinamento em análise estrutural não é tão árduo quanto o treinamento em psicanálise, mas também é bastante duro e reclama a mesma atitude crítica em relação a condicionamento prévio, incluindo o treinamento psicanalítico anterior. Exige-se pelo menos um ano de seminários semanais, com prática diária, para que se adquira o necessário tato clínico. Uma vez pediram ao autor que escrevesse um artigo de 20 minutos sobre análise transacional e designaram para lê-lo um professor sem nenhuma experiência com esta abordagem. Foi como ler um trabalho sobre a teoria e a prática de projetos de circuitos para transitores diante de um grupo agressivo de fabricantes de válvulas, sem que nenhum deles jamais houvesse visto um transistor. Como ressaltou Freud certa vez, uma coisa é ser parafraseado: "Nunca se conhece uma mulher antes de se morar com ela", e um passeio pelo parque com a análise transacional raramente revelará todas as suas possibilidades. O período de treinamento relativamente curto para o analista transacional não se deve ao fato de a análise transacional ser necessariamente mais simples ou menos importante, mas sim à constatação de que o material emerge mais espontaneamente e de modo mais evidente do que o que o de outros sistemas psicoterapêuticos.

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4. SUGESTÕES TERAPÊUTICAS 1. Aconselha-se que o principiante se concentre na aprendizagem da diferenciação entre o Adulto e a Criança. O Pai pode ser deixado de lado, até que seu reconhecimento apareça para o principiante através do material. Faz-se o mesmo com um paciente novo. 2. O sistema deve ser introduzido muito depois do material clínico. Por exemplo, é bom ter pelo menos três ilustrações diagnosticáveis a partir das produções do paciente. Se o paciente não entender o primeiro exemplo, oferece-se um segundo a ele. Se este também for recusado, pode-se suspeitar de resistência ou que o momento não seja apropriado, e não que realmente o paciente não tenha compreendido. O terceiro exemplo é, então, mantido em reserva, até que possa ser utilizado mais tarde para confirmar alguma outra abordagem. 3. Mais tarde é preciso confirmar o diagnóstico do Pai ou da Criança, a partir do material histórico real. um dos pais funcionais do paciente, ou o próprio paciente na infância, deve ter-se comportado da maneira indicada, Se não houver tal confirmação, deve-se suspender o diagnóstico. 4. A tricotomia deve ser tomada em sentido literal. É como se cada paciente fosse realmente três pessoas diferentes. Enquanto o terapeuta não tiver esta percepção, não estará pronto para utilizar este sistema com eficácia. Por, exemplo, o paciente procura tratamento por três diferentes razões: uma é que sua mãe (ou pai) o teria levado ali; outra é a explicação racional; e a terceira, é que ele poderia ter-se apresentado como uma criança em idade pré-escolar, talvez para ganhar balas ou coisa parecida. Também, um dos aspectos de sua personalidade talvez pudesse resistir ao tratamento, mas os outros dois o teriam levado à força. Quando houver alguma dificuldade na compreensão do que se está passando durante uma entrevista individual, pode-se esclarecer este ponto, analisando-o como se existissem realmente, seu pai e ele próprio, como um menininho; e, do lado do paciente, uma criança, uma governanta neutra e objetiva, babá ou pediatra e a mãe do paciente. 5. Ressaltamos, mais uma vez, que as palavras "maduro" e "imaturo" não cabem aqui. Supõe-se que todo paciente tenha um Adulto estruturalmente completo. A questão é como conseguir sua catexia. O rádio existe sempre: o problema é como ligá-lo. 6. O sentido pejorativo da palavra "pueril" (childish), como tem sido tomada, também deve ser excluído. A Criança pode estar confusa ou carregada de sentimentos destrutivos, mas as qualidades infantis são, potencialmente, os aspectos mais valiosos da personalidade. 7. Na maioria dos casos, os exemplos dados referem-se a aspectos comportamentais e sociais da criança, porque estas são as observações objetivas. A discussão destes casos apenas nos esclarece intelectualmente. Para se obterem melhores resultados, é necessário que o paciente vivencie ou reviva o próprio estado do ego da Criança fenomenológica, isto é, seja uma vez mais o menino meio sujo ou a menina de vestido rodado, capaz de ver as pessoas íntimas de sua infância em torno de si, com imaginação quase eidética. 167

8. Devemos lembrar que o conceito de jogos é muito preciso. Um jogo não é apenas um hábito, uma atitude ou uma reação, mas uma seqüência específica de operações, para cada uma das quais se espera uma resposta: primeiro lance, resposta; segundo lance, resposta; terceiro lance, resposta; xeque-mate! 9. Pode-se levar algum tempo para ver que os jogos e passatempos não são ocorrências ocasionais, mas ocupam o maior volume do tempo e do esforço gastos em sociedade. 10. Ao se observar que um paciente realiza determinado jogo, tanto este como o terapeuta deverão verificar que este jogo não é uma ocorrência fortuita, mas uma prática quase que incessante permanente, com graus variados de intensidade. 11. A intervenção ideal é a "especulação da bolsa", que é relevante e aceitável para todos os três aspectos da personalidade do paciente, pois os três ouvem muito bem tudo o que é dito. Durante um momento tenso no grupo, Mr. Hecht tirou uma barra de chocolate e deu para sua esposa. Ambos, então, acomodaram-se em suas cadeiras e começaram a mastigar como dois estudantes adolescentes. O Dr.Q. observou: "Agora vejo porque vocês se casaram. Vocês são como duas pessoas abandonadas na floresta, que fogem dos pais dominadores de quem nos falaram". Mr. Hecht acrescentou: "E comemos chocolate juntos". Dr. Q. elaborou: "Sim. Juntos, tornam doce o chocolate". Todos riram e Mrs. Hecht disse: "Honit soit quit mal y pense!" A piada do Dr.Q. assemelha-se a uma especulação da bolsa. Ela agradou aos sacarinos Pais do Hechts por causa da palavra "doce". Agradou a seus Adultos porque foi pertinente e divertida. E atingiu pelo menos a Criança de Mrs. Hecht, pois ela captou o sabor anal intencional do comentário, que fazia alusão à natureza de seu contrato de argumento. 12. Depois que o principiante se adapta à terapia, há um período de entusiasmo. Em seguida é possível que se verifique uma fase de repulsa, particularmente contra o uso da terminologia. Este afastamento não deve provocar ansiedade ou causar resignação, pois faz parte do processo normal de aprendizagem. Além disso, senão ocorrer esta reação, é questionável o fato de se ter conseguido uma convicção profunda. É exatamente quando uma nova disciplina profissional começa a tornar-se parte integrante da personalidade e se firma um compromisso permanente que surge, temporariamente, a mais profunda resistência. Isto parece acontecer em qualquer treinamento profissional, e é provavelmente um fenômeno estrutural natural.

5. RESULTADOS O leitor já se familiarizou com algumas das coisas que a análise transacional pode fazer. Durante a prática do autor, nos últimos quatro anos, cerca de 100 pessoas a testaram a fundo (pelo menos durante sete semanas consecutivas, às vezes por períodos tão grandes como dois ou três anos). Vinte delas eram pré-psicóticos, psicóticos ou pós-psicóticos. Na 168

maioria dos casos, o tratamento terminava com os pacientes, suas famílias e o terapeuta, todos se sentindo melhor. As experiências de outros terapeutas com esta forma de tratamento são semelhantes em muitos aspectos. Os pacientes que antes tinham sido tratados por outros psiquiatras, entrando em contato com a psicanálise ortodoxa, a terapia psicanalítica e várias outras abordagens, foram particularmente gratificantes para o trabalho, porque estavam muito bem preparados. Estes, de um modo geral, saíram do tratamento muito bem, e com uma atitude muito favorável em relação à análise transacional. Alguns dos pacientes, especialmente os que não se utilizaram significativamente da análise transacional, mostraram pouca mudança de atitude ou conduta. Três casos foram fracassos diretos, pacientes cujo tratamento culminou em (voluntária) hospitalização; eram pessoas que tinham estado hospitalizadas anteriormente. O menos trágico e mais instrutivo destes três fracassos foi Mrs. B., a primeira alcoólatra com quem se tentou a análise de jogos. Aparentemente ela estava melhorando, mas, um dia, depois de duas entrevistas individuais e dez sessões de grupo semanais, ela apareceu no grupo e pediu às pessoas que lhe dissessem o que pensavam dela. Todos ficaram surpresos porque esta era a primeira vez que ela participava ativamente. O terapeuta percebeu que ela agora se sentia à vontade o suficiente para começar a realizar seu jogo. Os elementos do grupo responderam de maneira objetiva e, compreensivelmente, lisonjeira. Mrs. B. protestou, dizendo que queria "a verdade". Obviamente ela se referia a alguns comentários desagradáveis, mas o grupo não atendeu. Na linguagem de jogos, eles se recusaram a representar o papel de perseguidores em seu jogo de alcoólatra. Ela foi para casa e disse ao marido que se ela voltasse a beber ele deveria ou divorciar-se dela ou interná-la. Ele concordou. Mrs. B. logo ficou intoxicada e o marido a levou para um hospital. Depois que ela recebeu alta, eles se divorciaram.

6. O APARATO PSÍQUICO Recentemente surgiu um caso em que parecia haver uma divisão em um único estado do ego não-contaminado, condição que não poderia ser abordada com base na teoria formulada até aqui. Ao tentar explicar essa anomalia, descobriu-se que alguns novos elementos tinham de ser inferidos e estes mostraram-se imediatamente úteis no esclarecimento de alguns pontos obscuros. O paradigma clínico para introdução desses novos elementos foi Mr. Decatur, um próspero viajante de aproximadamente 30 anos de idade que voltou para casa em alto estado de tensão sexual, logo após uma de suas longas viagens. Depois de uma única relação sexual satisfatória com sua mulher, ele retomou o trabalho na manhã seguinte na cidade natal. Esta única relação servira apenas para amenizar seu saudável apetite sexual e Mr. Decatur esperava manter outras quando voltasse para casa aquela noite. Assim, ele não se surpreendeu ao perceber-se tendo fantasia sexuais enquanto conversava com suas clientes do sexo feminino. Ele próprio observou que, em tais períodos, seu Adulto se dividia em duas partes, uma sexual e outra comercial. O autor estava inclinado a concordar

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com este diagnóstico. As fantasias sexuais pareciam estar livres de elementos pré-genitais. Elas eram intrusas, circunspectas e se adequavam bem às possibilidades da realidade de cada situação; em princípio, estavam à altura do critério de "objeto de interesse" realisticamente genital e sexual, se não de amor, e baseavam-se em saudáveis pressões biológicas instintivas. Como não houvesse nem inibições nem elementos arcaicos, só podiam ser vistas como Adultas, livres de influências exteropsíquicas e arqueopsíquicas, e controladas por um teste de realidade. Enquanto estas fantasias se desenvolviam, ele continuava a manter a sua postura usual de homem de negócios e isto também representava uma atividade Adulta. Portanto, devemos admitir que, no sentido clínico, o Adulto de Mr. Decatur estava dividido em dois estados mentais diferentes que funcionavam ao mesmo tempo. Ele, no entanto, observou que, embora suas fantasias fossem interessantes e suas atividades comerciais tivessem êxito, lhes faltava algo em intensidade. A partir desses comentários, poder-se-ia deduzir que havia uma divisão de catexia entre os dois aspectos, de modo que nenhum deles tinha tanta energia como teriam normalmente, se funcionassem em separado. Ele também afirmou que o que lhe permitiu manter a atenção no trabalho, impedindo-o de absorver-se completamente na fantasia, enquanto escutava suas clientes, era o sentimento de dever. A discussão que se segue serve de maior proveito para as pessoas que tenham uma base clínica sólida em análise transacional. De outra maneira, os elementos inferidos - que são necessidades clínicas práticas - podem parecer apenas outro simples conjunto de conceitos como os tão comuns em psicologias acadêmicas. Falaremos agora de três instâncias: os determinantes, os organizadores e os fenômenos. Os fenômenos já são familiares como estados do ego: Criança, Adulto e Pai. Os organizadores também são familiares como "órgãos" psíquicos: arqueopsique, neopsique e exteropsique. Determinantes são fatores que determinam a qualidade da organização e dos fenômenos, isto é estabeleçam sua programação. A programação interna provém de forças biológicas naturais do indivíduo. Estas podem influenciar qualquer um dos organizadores e, portanto, os fenômenos resultantes. A programação de probabilidades provém do processamento de dados autônomo, baseado na experiência passada. A programação externa provém de cânones externos incorporados. No caso do viajante, o fenômeno foi o estado do ego Adulto, manifestação da neopsique. Mas havia, por um lado, um forte determinante biológico interno e, por outro lado, um forte determinante (moral) externo. A solução de seu problema foi um estado do ego Adulto dividido, com um segmento instintivamente determinado e o outro mantido pelo senso de dever. O poder executivo, entretanto, permaneceu todo tempo com a neopsique, de modo que seu comportamento foi correto e bem adequado aos potenciais de realidade. O próximo passo é a postura de que cada organizador tem duas funções e o ponto essencial é a independência destas duas funções. Uma se destina a organizar os determinantes e transformá-los em influências efetivas, e a outra a organizar os fenômenos. (A independência das duas funções pode ser facilmente explicada com base nos equilíbrios de catexia. O organizador com catexia mais forte assumirá o comando e os de catexia mais fraca agirão como simples influências). Uma vez que os instintos são fenomenologicamente arcaicos, pode-se postular logicamente que a arqueopsique organiza a programação interna.

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Pelo fato de a neopsique tratar do processamento de dados, ela pode ser vista como o organizador para a programação de probabilidades. E, desde que a exteropsique é o órgão que se dedica aos estados do ego emprestados, pode-se-lhe atribuir a tarefa de organizar a programação externa. Estamos agora em condições de rever algumas das ambigüidades encontradas na análise estrutural. Um estado do ego é a manifestação fenomenológica e comportamental da atividade de um certo órgão psíquico, ou organizador. Estes mesmos órgãos têm a tarefa independente de organizar efetivamente quaisquer determinantes que estejam mais ativos num dado momento. Isto resulta em duas séries paralelas, com nove casos simples: Criança, com programação interna, probabilística ou externa; Adulto, com as mesmas possibilidades; e Pai, idem. Não trataremos de todos estes casos, mas alguns deles podem ser comentados com proveito. A característica da arqueopsique é o que Freud chama de processo primário; a da neopsique, o processo secundário; e a da exteropsique, algo próximo da identificação. Daí a tendência da Criança em relação ao processo primário; mas a programação probabilística tenderá a interferir nisso. A tendência do Adulto, por sua vez, será o processo secundário, mas a programação interna (instintiva) tenderá a desvirtuar esta função. E a tendência do Pai será funcionar segundo parâmetros emprestados, mas poderá ser afetada pela programação interna e probabilística. Estas situações similares e algumas das que comentamos anteriormente sob a denominação de contaminação, e sua relação com este fenômeno ainda não está clara. A contaminação foi descrita em termos espaciais, enquanto a presente discussão se baseia no ponto de vista funcional. O Pai foi descrito como tendo duas atitudes: educadora (nutridora) e proibitiva. Estas atitudes podem agora ser explicadas funcionalmente, quando antes o foram baseadas em dados históricos. Sua explicação funcional dependerá da admissibilidade ou não do conceito de instinto de morte. Se admitirmos o instinto de morte, ambas as atitudes podem ser encaradas como estados do ego exteropsíquicos internamente programados: a atitude educadora determinada pela libido e a proibitiva, pela energia do instinto de morte. Se não admitirmos o instinto de morte, então o Pai nutritivo (educador) é ainda programado internamente (isto é, endocrinologicamente) e o Pai proibitivo, externamente. O Pai também foi descrito, por um lado, como uma influência ("do jeito que a mamãe gostaria") e, por outro lado, como um estado do ego ativo ("como a mamãe"). Agora está claro que o primeiro caso se refere à programação externa (como quando o Adulto do viajante leva adiante seu trabalho por um senso de dever), enquanto o segundo ainda se refere a um estado do ego ativo que pode ser programado de qualquer uma das três seguintes maneiras ou de qualquer combinação das três: "como mamãe quando me cuidava durante minhas doenças" (interna); "como mamãe quando discutia a conta da mercearia" (probabilística); "como mamãe quando me batia" (externa, ou interna com instinto de morte). É evidente que isto tem relação com a estrutura de segunda ordem do Pai, descrita do ponto de vista funcional e não fenomenológico. A distinção entre a Criança adaptada e a Criança natural fica, agora, mais simples de estabelecer. A Criança adaptada é um estado do ego arqueopsíquico externamente programado, ao passo que a Criança natural é um estado do ego arqueopsíquico 171

programado internamente. A Criança precoce pode ser considerada como a Criança programada em termos de probabilidade, para se complementar a análise, embora, na prática, os determinantes tenham, naturalmente, em todos os casos, uma relação mais complexa. Os exemplos dados só possuem valor como ilustrações sistemáticas do que pode ser visto no tecido vivo. A inferência ou conceito de programação é particularmente necessária na tentativa de esclarecer as dificuldades encontradas em muitos casos relativos aos estados do ego Adulto. Um exemplo de sua utilidade aqui está em distinguir entre autoridades "racionais" e "autoritárias". Uma autoridade racional pode assumir a feição desde um ditador ou monarca como Rei Salomão, até de um certo tipo de policial de trânsito. Exemplo comum nos tempos modernos é o do administrador colonial inglês na Austrália. Sua maneira de encarar as populações nativas é tipicamente a de um processador de dados estatísticos, mas sua atitude é paternalista e suas soluções para os problemas são geralmente orientadas para os aspectos infantis de suas mudanças. (2) Isso pode ser caracterizado como um Adulto programado pelo Pai, representado na Figura 20A. Autoridade autoritária é o ditador, grande ou pequeno, segundo é visto popularmente: uma pessoa cuja meta é, em primeiro lugar, realizar sua própria vontade junto aos súditos, mas que mantém uma atitude justificada racionalmente, de modo que sua propaganda apresenta dados estatísticos calculados para justificar sua tirania. Uma vez que seu "Eu real" é o Pai, "ele próprio" pode acreditar no que está dizendo. É o Pai programado pelo Adulto representado na Figura 20B. (Para ilustrar esta análise, podemos citar a imprevisível autocracia dos imperadores romanos programados pela Criança que tentavam realizar suas fantasia arcaicas por meio de crueldade e abandono irrestritos, exagerados.)

Num nível mais universal, com referência à Figura 17D, o Adulto ético, "Ethos", pode ser visto funcionalmente como o Adulto programado pelo Pai, o que significa que as boas mães se comportam eticamente com os filhos. O Adulto sensível, "Pathos", pode ser compreendido como Adulto programado pela Criança, no sentido de que o irmãozinho menor chora quando o irmão mais velho está com dor.

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O que aqui chamamos determinantes, generalizados do material clínico da análise transacional, assemelha-se a um outro conjunto de conceitos derivado muito antes de um material similar. Esta correspondência é gratificante, pois ela tende a sustentar a validade de ambos os sistemas por uma série de observações independentes umas das outras. Os conceitos de id, ego e superego tornaram-se uma espécie de jargões nas mãos dos seguidores de Freud e, em discussões formais, é preferível aderir às formulações originais de Freud.(3) O id: "Contém tudo o que é herdado, que está presente no nascimento e fixado em nossa constituição - acima de tudo, portanto, os instintos, que se originam na organização somática e têm como primeira expressão mental o id, em formas desconhecidas para nós... Esta porção mais antiga do aparato mental permanece a mais importante durante toda a vida". Esta descrição serve perfeitamente para explicar não apenas a concepção popular de "atividade do id", mas também de fatores sexuais e de comportamento maternal educador, e, neste sentido, a atividade do id assemelha-se à "programação interna". O ego: "Tem a tarefa de autopreservação... desempenha esta tarefa tornando-se ciente dos estímulos vindos de fora, armazenando as experiências com tais estímulos (na memória), evitando o excesso de estímulos (por meio de fuga), trabalhando com estímulos moderados (através da adaptação) e, finalmente, aprendendo a causar modificações apropriadas no mundo externo, tendo em vista o seu próprio proveito (através da atividade)... em relação ao id, desempenha a tarefa de adquirir controle sobre as exigências dos instintos e decidir se deve haver permissão para que obtenham satisfação, o adiamento dessa satisfação para momentos e circunstâncias favoráveis no mundo externo, ou a supressão total de suas excitações", Tal instrumento assemelha-se a um computador de probabilidades autoprogramado com características especiais, que é o modelo da programação neopsíquica. O superego: "O longo período de infância, durante o qual o ser humano em crescimento vive na dependência dos pais, deixa atrás de si um precipitado, que forma dentro de seu ego um elemento especial em que esta influência parental se prolonga... A influência dos pais naturalmente inclui não apenas as personalidades dos pais em si, mas também as tradições racionais, nacionais e familiares, transmitidas por eles... o superego de um indivíduo durante seu desenvolvimento recebe contribuições de sucessores posteriores e substitutos dos pais." Na verdade, o superego é um reservatório para influências exteropsíquicas. E, em suma: "... o id e o superego têm uma coisa em comum: ambos representam as influências do passado (o id, a influência da hereditariedade; o superego, essencialmente, a influência do que é extraído de outras pessoas), enquanto que o ego é principalmente determinado pela própria experiência do indivíduo". Freud não levanta nenhuma questão de fenomenologia sistemática, e é aqui que a análise estrutural pode preencher satisfatoriamente um vazio na teoria psicológica, como a análise transacional complementa a teoria social, estabelecendo unidades elementares (transações) e unidades amplas (jogos e argumentos) de ação social.

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NOTAS A análise estrutural começou a ser usada pelo autor, com certa regularidade, no outono de 1954, depois de alguns anos de evolução preliminar. Em 1956, a necessidade de princípios de análise transacional e de análise de jogos emergiu com clareza suficiente para indicar um programa terapêutico sistemático e básico. Os resultados obtidos durante as fases iniciais de setembro de 1954 a setembro de 1956 foram comentadas em outra obra (4) e estão resumidos na tabela abaixo. Os critérios usados foram semelhantes aos mencionados neste texto. "F" denota os fracassos, pacientes cujo tratamento terminou em hospitalização (voluntária); "O" denota os que mostraram pouca mudança de atitude ou comportamento. e "I", os que tiveram bastante melhora, de acordo com o consenso de opinião disponível em cada caso. A linha "P" inclui os pré-psicóticos, psicóticos e póspsicóticos, e a linha "N" inclui todos os outros pacientes. NÚMERO

TOTAL P N

PORCENTAGENS

23

F

O

I

F

O

I

42

2

3

18

10

12

78

0

14

28

0

33

67

O valor de tais cifras é, na melhor das hipóteses, discutível, e, na pior, ele poderia confundir os pacientes, o público profissional e leigo, e o terapeuta que as compila. Discutiu-se com alguns colegas e com alguns dos próprios pacientes a questão da elaboração de tabelas como estas para os indivíduos submetidos a tratamento mencionados no texto e as respostas foram, quase que unanimemente, dúbias ou adversas. Os pacientes, seus maiores interessados, estavam realmente querendo cooperar com qualquer procedimento estimativo que o terapeuta sugerisse, mas, de um modo, geral, pareciam não encontrar nas escalas estatísticas uma relação séria com o progresso psicoterapêutico real. Uma senhora deu um exemplo disso: "Esta manhã observei minha máquina de lavar roupas e ela me pareceu real. Isso me deixou feliz. Eu não via as coisas deste jeito antes de vir aqui". A questão era: "Como você sabe o quanto isso significa para mim, e como você vai provar isso a qualquer outra pessoa?" Os fracassos diretos são fáceis de categorizar, mas os sucessos, pelo menos na prática privada, são de difícil quantificação objetiva. Considerando-se um período de sete semanas como o mínimo aceitável para a exposição de um indivíduo a tratamento, por causa do que parece ser um período biológico natural. Geralmente as fronteiras do ego levam de 39 a 45 dias para efetuar uma mudança de posição. Este é o período de "cristalização", (5) por exemplo, o de "acostumar-se" a uma nova casa (para pessoas que se interessam pelo lar). Portanto, ao fazermos avaliações, é recomendável do ponto de vista prático, levarmos a sério apenas os pacientes que participam regularmente no mínimo sete semanas seguidas, seja qual for a freqüência das sessões, desde que elas se realizem pelo menos uma vez por semana. Se as sessões forem menos freqüentes do que uma vez por semana, deve-se considerar um outro período que faça de cada encontro uma "nova experiência", quebrando a continuidade. Evidentemente, 174

esta continuidade também é quebrada se um paciente falta uma semana, durante o período inicial. Um número surpreendente de psicanalistas tem observado os fenômenos estruturais, isto é, as mudanças de estados do ego, ou ouviram de pacientes algo a respeito de que chamamos aqui Adulto e Criança. A surpresa está no fato de nenhum deles, exceto Federn e seus discípulos, ter levado a sério este aspecto. H. Wiesenfeld mostrou-me um artigo em que Eksrein e Wallerstein (6) enfatizam muitas destas observações, mas, no final, abandonam a abordagem naturalística para se envolverem numa discussão técnica de mecanismos de defesa. Embora suas conclusões sejam interessantes, elas parecem banais em contraste com as promissoras e excitantes observações iniciais. Este artigo demonstra, de um modo fascinante, as mudanças entre os estados de ego arqueopsíquico, neopsíquico e exteropsíquico em crianças limítrofes e psicóticas.

REFERÊNCIAS 1. Hawkins, D. "Mathematical Sieves". Scientific American. 199: 105-112, dezembro de 1958. 2. Pacific Islands Monthly. Pacific Publications Pty., Sydney, passim. 3. Freud, S., An Outline of Psychoanalysis, loc.cit., pp.14018. 4. Berne, E., "Ego states im Psychotherapy", loc.cit. 5. Stendhal, On Love. Peter Pauper Press, Mount Vernon, Nova York, s.d. 6. Ekstein, R & Wallerstein, J., "Observations on the Psychology of Borderline and Psychotic Chidren". Psychoanal. Study of the Child. IX, 334-369, 1954.

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APÊNDICE

UM CASO CONCLUÍDO, ("FOLLOW-UP") POSTERIOR

COM

ACOMPANHAMENTO

O caso que relatamos a seguir ilustra os métodos e resultados de um processo completo de análise estrutural e transacional. Em virtude de o uso sistemático desta abordagem, desde o início até o fim, ter sido possível apenas com o florescimento total de seu desenvolvimento teórico, o acompanhamento do caso é relativamente curto. Entretanto, não se trata de um exemplo isolado e, seja por sorte ou porque a terapia realizou os seus propósitos, agora existe um pequeno grupo de caso cujo resultado final será observado com especial interesse através dos anos. Consiste de pacientes que acusaram uma melhora inesperadamente rápida (pelos padrões anteriores), tanto em nível sintomático como social, sob condições terapêuticas controladas. Antes de abordarmos com maiores detalhes o caso de Mrs. Enatosky, o exemplo de Mrs. Hendrix, dona-de-casa de 30 anos, merece ser brevemente considerado. Mrs Hendrix foi vista pela primeira vez há dez anos, ocasião em que sofria de uma depressão agitada. Ela foi tratada pelos médicos de apoio convencional ("oferecimento de suprimentos orais", como se diz coloquialmente), durante um ano, período em que se recuperou. Quando retornou mais tarde, ela estava pior do que estivera durante o seu episódio inicial, com fantasias suicidas ainda mais ativas. Desta vez seu tratamento consistiu na análise estrutural e, dentro de seis semanas, ela melhorou mais do que durante todo o ano de sua terapia anterior; isto não apenas na opinião dela mesma e do terapeuta, mas também de sua família e de pessoas íntimas; e esta melhora foi conseguida por um procedimento decididamente diferente do oferecimento de "suprimentos de apoio". Depois de outras seis semanas, ela reagia melhor do que nunca, tendo abandonado algumas de suas ambições autistas de longa duração, em favor de viver no mundo. Ela também desistira da tendência pouco salutar de postular sua posição ou sua infância infeliz; em lugar de brincar de "Perna de Pau" e "Se não fosse Por Eles", ela começava a encontrar sua identidade dentro do quadro das novas possibilidades que surgiram em sua vida familiar. Este caso é mencionado porque oferece uma situação mais ou menos bem controlada dentro do que se pode esperar na prática clínica; a mesma paciente com dois episódios semelhantes claramente definidos e separados por um intervalo, tratados pelo mesmo terapeuta com duas abordagens diferentes. Voltemos agora A Mrs. Enatosky. Como relatamos no início do capítulo 14, esta senhora queixava-se inicialmente de ataques súbitos de "depressão". Pode-se recordar que ela tinha passado por hipnose e psicoterapia combinada com Zen e ioga. Ela mostrou especial aptidão para a análise estrutural e transacional, e logo começou a exercer controle social sobre os jogos surgidos entre ela e o marido e entre ela e o filho. O diagnóstico formal é melhor definido como esquizo-histeria. O caso será agora revisto, sessão por sessão, com extratos significativos.

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1. PRIMEIRO DE ABRIL A paciente chegou em cima da hora para a entrevista inicial. Informou que antes tinha ido a outros terapeutas, mas, insatisfeita, consultara um clínico municipal e, após conversar algum tempo com um assistente social, recebeu referências para procurar o Dr.Q. O terapeuta encorajou-a a prosseguir no seu relato e, em pontos relevantes, fazia-lhe perguntas, a fim de elucidar sua história psiquiátrica. Ela afirmou que tinha sido alcoólatra durante dez anos e que fora curada pelos Alcoólicos Anônimos. Começara a beber a partir da psicose de sua mãe, quando ela tinha 19 anos. Disse que suas depressões surgiram na mesma época. Foi discutida a natureza de seu tratamento psiquiátrico anterior. Obteve-se uma informação demográfica preliminar, de modo a situá-la como americana, mulher de 34 anos, dona-de-casa, protestante, divorciada, de instrução secundária e cujo marido era mecânico. Anotou-se a ocupação de seu pai, a duração de seu casamento, sua posição como filha dentro da família em anos e meses, e a idade de seus filhos. Uma investigação dos eventos traumáticos esclareceu que o pai dela bebia demais e que seus pais se separaram quando ela tinha sete anos. A história médica revelou dores de cabeça e dormência de um braço e uma perna, mas nenhuma convulsão, alergia, afecções da pele ou outras desordens físicas com implicações psiquiátricas comuns. Foi anotada sua idade na época de todas as suas operações, ferimentos e doenças sérias. Sua infância foi explorada em termos de psicopatologia geral, como andar dormindo, roer unhas, ter terrores noturnos, gaguejar, gemer, não controlar a urina enquanto dormia, chupar o dedo e outros problemas préescolares. Seu histórico escolar foi brevemente revisto. Anotaram-se também as influências químicas, como medicamentos e exposição a substâncias tóxicas. Fez-se uma exploração cuidadosa de seu status mental e, finalmente, pediu-se a ela que relatasse qualquer sonho de que se lembrasse. Recentemente, ela sonhara: "Eles estavam salvando meu marido da água. Sua cabeça estava machucada e eu comecei a gritar". Ela mencionou que freqüentemente ouvia vozes vindas de dentro de si mesma, exortando-a com relação à saúde e, certa vez, há dois anos, uma voz vinda de fora. Isto satisfez os requisitos para uma compilação histórica preliminar, e a paciente teve permissão para falar do modo que lhe agradasse. Discussão: A compilação histórica foi cuidadosamente planejada de modo que todas as vezes a paciente parecia tomar a iniciativa. O terapeuta mostrava-se mais curioso do que sistemático, formal e abertamente, em colher informação. Isto significa que a paciente podia estruturar a entrevista à sua própria maneira tanto quanto possível, sem ser requisitada a entrar num jogo de compilação histórica. Por causa da queixa de dormência, a paciente foi encaminhada a um neurologista para exame. 2. 8 DE ABRIL O neurologista levantou a suspeita de artrite cervical, mas não recomendou nenhum

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tratamento específico. A paciente conduziu esta entrevista como um tipo de investigação psicológica. Ela mencionou espontaneamente um desejo de aprovação e rebeldia "como uma menininha", de acordo com o julgamento de alguma "parte adulta" sua. Disse que a "menininha" parecia "ingênua". O terapeuta sugeriu que ela deixasse de lado a "menininha", em lugar de tentar firmar-se nela. Ela respondeu que isto lhe parecia imprudente. "Eu gosto de crianças". "Sei que não posso satisfazer as expectativas de meu pai e me canso de tentar fazêlo". Isso também inclui as "expectativas" de seu marido. A paciente generalizou tais expectativas como "expectativas parentais", uma vez que tinham o mesmo significado para ela. Vê os dois "pais" mais importantes de sua vida como o marido e o pai. Ela é sedutora para com o marido e reconhece que também o era com relação a seu pai. Quando seus pais se separaram, ela pensou (tinha sete anos): "Eu poderia tê-lo segurado". Assim, ela não só tinha conflito a submissão, mas também uma atitude de sedução para com figuras parentais. Discussão: A atitude especial da paciente para com a análise estrutural já está evidente. Ela própria faz a separação entre a "menininha" e a "parte adulta" e reconhece a submissão da "menininha" em relação a certas pessoas que relaciona com seus pais. Apenas foi necessário, portanto, reforçar esta tricotomia de um modo não-diretivo. Com muitos outros pacientes, isso não teria sido possível até a terceira ou quarta sessão, ou talvez mesmo mais tarde. 3. 15 DE ABRIL Ela se ressente com as pessoas que lhe dizem o que deve fazer, especialmente mulheres. Esta é outra reação para com os "pais". Menciona uma sensação de "flutuar". É ressaltado que este é o modo como a menina muito pequena deve sentir-se, que isto é novamente a Criança. Ela respondeu: "Oh! Caramba! É verdade! Quando você disse que parecia ser uma criancinha... é difícil de acreditar, mas isso faz sentido para mim. Como diz você, eu sinto que não quero andar: uma menininha em traje infantil para brincar... sinto-me bem agora. Eles lhe empurram pelo ombro direito e você é ultrajado... ainda faço o mesmo com meu próprio filho. Eu desaprovo, ao mesmo tempo em que estou pensando: 'Eu não desaprovo, sei como ele se sente'. É realmente minha mãe desaprovando. É esta a parte Pai que você mencionou? Temo um pouco por tudo isso". Neste ponto foi enfatizado que não havia nenhum aspecto misterioso ou metafísico nesses julgamentos diagnósticos. Discussão: A paciente agora revivesceu um pouco da realidade fenomenológica da criança e acrescentou mais coisas à realidade comportamental, social e histórica que tinha estabelecido nas entrevistas anteriores. As indicações, portanto, são favoráveis ao tratamento com análise transacional. 4. 22 DE ABRIL

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"Esta semana estou feliz pela primeira vez em 15 anos. Eu não preciso procurar muito para encontrar a Criança; posso vê-la em meu marido e em outras pessoas também. Tenho problemas com meu filho". O jogo com seu filho foi esclarecido de modo inexato, mas oportuno e ilustrativo, em termos de Pai (sua desaprovação e determinação), Criança (sua sedução e mau humor, diante da resistência obstinada dele) e Adulto (sua gratificação quando ele finalmente fazia seu trabalho). Foi sugerido que valeria a pena tentar uma abordagem Adulta (boas razões), e não uma abordagem Parental (razões sentimentais). 5. 28 DE ABRIL Ela relata que as coisas melhoraram com seu filho. Tentou-se a análise de regressão para descobrir mais a respeito da Criança. Ela conta: "O gato suja o tapete e eles me acusam e me fazem limpá-lo todo. Nego ter feito isso e gaguejo". Na discussão seguinte, salienta que tanto os Alcoólicos Anônimos como a Igreja Anglicana exigem confissões às "sociedades". Por esta razão ela desistira das duas coisas. No final da sessão, ela perguntou: "É certo ser agressiva?" Resposta: "Você quer que eu lhe diga?" Ela compreende que deveria decidir tais coisas em nível Adulto, em vez de pedir permissão Parental, e responde: "Não, eu não quero". Discussão: Durante esta sessão alguns dos elementos de seu argumento foram elucidados. Posso antecipar que ela tentará repetir com o terapeuta, de alguma forma bem adaptada, a situação do gato. A pergunta "É certo ser agressiva?" talvez seja o primeiro passo em sua adaptação. Isso dá ao terapeuta a oportunidade de diminuir o jogo e reforçar seu Adulto. A paciente fez tanto progresso na compreensão da análise estrutural e transacional que já é considerada adequadamente preparada para terapia de grupo bastante avançada. O grupo em que ela vai entrar consiste de mulheres, em sua maioria. 6. 4 DE MAIO Um sonho. "Olho pra mim mesma e digo: não é tão mau". Ela gostou, mas este não a deixa à vontade durante o resto da semana. Conta algumas memórias, incluindo jogo homossexual durante a infância. "Oh! É por isso que não gosto dos Alcoólicos Anônimos. Lá havia duas mulheres homossexuais e uma delas me chamou de sensual." Ela se queixa de coceira vaginal. "Minha mãe e eu dormimos juntos e ela me incomodava". Discussão: O conteúdo manifesto de seu sonho é considerado Adulto e indica a possibilidade de um prognóstico. A experiência no grupo ativou conflitos sexuais e esta é a primeira indicação da natureza deles. 7. 11 DE MAIO Ela se sentiu altamente excitada ao deixar o encontro de grupo. "As coisas estão mudando rapidamente. Por que eles me fizeram rir e corar? Em casa, as coisas estão 179

melhores. Consigo beijar meu filho agora, e minha filha, pela primeira vez, veio sentar-se em meu colo. Não posso ser uma boa amante quando as coisas estão monótonas". Discussão: A análise de seus jogos familiares que ressaltamos em parte no Capítulo 14, tem resultado no estabelecimento de algum controle social Adulto. É evidente que essa melhora de controle tem sido percebida por seus filhos e, pela primeira vez em muito tempo, eles sentem que ela pode manter sua posição e eles reagem de acordo com isso. Sua excitação no grupo e sua afirmação de que não consegue ser boa amante quando as coisas estão monótonas indicam que ela está envolvida num jogo sexual com o marido. Uma experiência posterior no grupo, esta semana, mostrou com bastante clareza a sua necessidade das figuras parentais, em alguns de seus jogos. Havia um novo paciente no grupo, um assistente social do sexo masculino e ela se impressionou muito com sua ocupação. Ela lhe perguntou o que esperava que eles fizessem ali. Foi ressaltando que ela sabia mais do que ele, uma vez que aquele era o primeiro encontro dele e o terceiro dela. Ela diz que se ressente quando as pessoas lhe dizem o que fazer, ainda que de modo simpático, e, apesar de sua experiência, ela pede instruções ao elemento novo, porque parece estar impressionada com sua educação: evidentemente, uma tentativa de estabelecer o jogo. Esta interpretação atinge o lar. Ela reconhece que "seduz" um provável candidato a ser parental em relação a ela e, depois, queixa-se disso. 8. 18 DE MAIO Ela ficou perturbada pela análise de regressão no grupo. Isto a fez pensar em seu medo da insanidade e em sua mãe no hospital estadual. De sua parte, falou de alguns portões elegantes que levavam a um belo jardim. É um derivativo de sua fantasia de infância sobre o Jardim do Éden, de antes dos cinco anos de idade. O material indica que o jardim se adaptou aos portões do hospital estadual onde ela visitava sua mãe há muitos anos. Esta experiência no grupo ofereceu a oportunidade para que lhe disséssemos que ela poderia querer ser hospitalizada para, assim, livrar-se de responsabilidades. Ela visitara sua mãe apenas uma vez, nos últimos cinco ou seis meses, e foi-lhe sugerido que talvez fosse oportuno fazê-lo novamente. Esta sugestão foi expressa com muita cautela, de modo a revestir-se de um caráter Adulto, e não Parental. Procurou-se evitar qualquer insinuação de que ela fosse uma má menina por não visitar a mãe. Ela era capaz de compreender o valor de tal visita como um exercício para sua parte Adulta e como um meio de prevenir futuras dificuldades entre o Pai e a Criança, caso sua mãe morresse. Ela manifestou boa receptividade à sugestão, trazendo uma informação nova. Seu marido nunca lava os cabelos e sempre tem uma boa desculpa, que ela aceita. Há muitos meses que ele não lava os cabelos. Ela diz que não se incomoda muito com isto. O terapeuta diz que ela deveria estar ciente do fato, quando se casou com ele. Ela nega. 9. 25 DE MAIO Disse que sempre teve mais medo de animais doentes do que de pessoas doentes. 180

Esta semana seu gato adoeceu,e, pela primeira vez, ela não estava com medo dele. Uma ocasião, quando era pequena, ela apanhou do pai, e seu cachorro avançou nele. Por isso o pai sumiu com o cachorro. Ela contou para seus filhos que a mãe tinha morrido. Sempre que pensava na mãe, começava a beber. Uma vez lhe disseram que, quando sua mãe estava grávida de oito meses, seu pai tentara envenená-la. Salvaram sua mãe e pensaram que ela fosse um caso perdido, mas, então, ela se restabeleceu. A tia que lhe contou esta história afirmara: "Sua vida tem sido uma confusão desde que você nasceu". Discussão: A importância disso não está muito clara. É evidente, no entanto, que ela está trabalhando alguns conflitos bastante complexos relacionados com sua mãe. O fato de ela manter controle social com o gato doente é uma evidência de que pode ser possível que ela visite sua mãe num futuro próximo. 10. PRIMEIRO DE JUNHO "Francamente, o motivo pelo qual tenho medo de visitar minha mãe é porque eu poderia ter de ficar lá". Pergunta: "Por que eu existo? Às vezes duvido de minha existência". O casamento de seus pais fora forçado e ela sempre sentiu que era indesejável. O terapeuta sugeriu-lhe que conseguisse uma cópia de sua certidão de nascimento. Discussão: A paciente agora está envolvida com problemas existenciais. Sua parte Adulta sempre foi insegura, porque a Criança implantara dúvidas sobre sua existência, seu direito e sua forma de existir. Sua certidão de nascimento será uma evidência escrita de que ela existe realmente e isto deve impressionar particularmente a Criança. Na medida em que for sendo estabelecido o controle social e em que ela aprender que pode existir da maneira que ela própria escolher, deve diminuir seu desejo de fugir para o hospital estadual. 11. 8 DE JUNHO Ela descreve o jogo alcoólico de seu marido. Nos Alcoólicos Anônimos lhe disseram que deveria tratá-lo bem e confortá-lo, o que a deixou doente. Tentou algo diferente: "Um dia eu disse que chamaria a ambulância para o hospital, já que ele não parecia capaz de cuidar de si mesmo. Então, ele se levantou e não bebeu mais". Ele disse que apenas estava tentando ajudá-la a ficar sóbria, bebendo ele próprio. O fato veio à tona porque ele estava bebendo muito na semana passada. Ela teve dor nos ombros e quis bater nele, mas, em vez disso, passou-lhe um sabão. De acordo com o relato, parece que o contrato secreto de casamento deles baseia-se, em parte, na suposição de que ele beberá e ela funcionará como sua redentora. Este jogo foi reforçado pelos Alcoólicos Anônimos para benefício dela. Quando ela se recusou a continuar como redentora e, ao contrário, se converteu num elemento persecutório, o jogo se quebrou e ele parou de beber. (Evidentemente, ele foi reinstituído em função de sua insegurança da semana anterior.) Este esforço lhe foi apresentado. Ela disse, inicialmente: "Isso não pode ter sido

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parte do nosso contrato de casamento, porque nenhum dos dois bebia quando nos conhecemos". Algum tempo mais tarde, na entrevista, ela disse subitamente: "Você sabe, agora eu me lembro que eu sabia, quando nós nos casamos, que ele não lavava os cabelos, mas eu não sabia que ele bebia". O terapeuta disse que o cabelo desleixado também fazia parte do contrato de casamento. Ela pareceu cética. Então, ela pensou um minuto e disse: "Caramba! Eu sabia que ele bebia! Quando estávamos no colégio, costumávamos beber juntos o tempo todo". Parece, agora, que nos primeiros anos de seu casamento, eles faziam um jogo alcoólico flexível. Se ela bebesse, ele não o fazia e, se ele bebesse, ela ficava sóbria. Sua relação baseava-se, originalmente, neste jogo, que eles mais tarde interromperam e devem ter realizado um considerável esforço para esquecê-lo. Discussão: Esta sessão ajudou à paciente a estrutura de seu casamento, e também enfatizou o tempo e o esforço que era necessário para manter os jogos maritais e, igualmente, a quantidade de energia na repressão deles, sem controle consciente. 12. 12 DE JULHO Houve um intervalo de um mês para as férias de verão. A paciente voltou com um ombro machucado. Ela estivera no hospital estadual e sua mãe a mandara embora. Isto a deixou desesperada. Ela está com algumas ilusões olfativas. Pensa que sente cheiro de gasolina no consultório, mas decide que é de sabonete. O fato nos conduz a uma discussão a respeito de sua atividade mental. Durante seu recente treinamento de ioga, ela desenvolveu fantasias quase que eidéticas. Ela veria jardins e anjos sem asas com nitidez de cor e detalhe. Lembra-se que teve o mesmo tipo de fantasias quando criança. Também tem visões do Cristo e de seu filho. Vê animais e flores. Na verdade, quando passeia pelos parques gosta de conversar em segredo, mas em voz alta, com as árvores e flores. Os desejos expressos nessas atividades são discutidos com ela. Os aspectos artísticos e poéticos são ressaltados e ela é encorajada, portanto, a escrever e a tentar pintar com os dedos. Ela viu sua certidão de nascimento e suas dúvidas existenciais a estão perturbando menos. Discussão: Esses fenômenos e as manifestações auditivas, que ela mencionou anteriormente, não são, necessariamente, alarmantes. Eles apontam para as tendências restitutivas infantis, relacionadas com uma relação profundamente perturbada entre ela e seus pais. A abordagem convencional lhe daria um tratamento "de apoio" e a ajudaria a reprimir sua psicopatologia e a viver acima dela. A análise estrutural oferece outra possibilidade que requer certa audácia: permitir que esta Criança perturbada se expresse e lucre a partir das experiências construtivas resultantes. 13. 13 DE JULHO

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Ela foi até seu médico e este lhe receitou Rauwolfia* porque sua pressão sangüínea estava alta. Ela disse ao marido que iria pintar com os dedos, ele ficou zangado e afirmou: "Use pincéis!" Quando ela se recusou, ele começou a beber. Ela reconhece o que ocorreu aqui como um jogo de "Tumulto" e sente-se desesperada por ter participado dele. Diz, entretanto, que se ela não jogar "Tumulto" com ele, então ele se sentirá desesperado, e é uma escolha difícil de fazer. Também menciona que o portão no belo jardim é muito parecido com o portão da escola maternal diurna onde sua mãe costumava mandá-la quando ela era pequena. Surge, agora, um novo problema: com distinguir o efeito da psicoterapia do efeito da Rauwolfia. Ela está ansiosa para colaborar. 14. 20 DE JULHO Ela está perdendo o interesse e sente-se cansada. Concorda que é possível que este seja um efeito do medicamento. Revela alguns escândalos familiares que nunca mencionara antes a ninguém e afirma que começou a beber depois destes escândalos, e não depois que sua mãe tornou-se psicótica. Neste encontro deu-se uma mudança decisiva. Durante suas sessões terapêuticas, a paciente habitualmente senta-se com as pernas numa posição deselegantemente exposta. Agora ela se queixa novamente das mulheres homossexuais do Alcoólicos Anônimos. Reclama que os homens avançam nela. Ela não entende por quê, uma vez que não faz nada para que isto aconteça. Ela foi advertida a respeito de sua posição desajeitada e expressou considerável surpresa. Foi-lhe ressaltado, então, que ela deve ter-se sentado deste modo provocativo por muitos anos e que o que ela atribui à agressividade dos outros talvez seja decorrência de sua própria postura um tanto grosseiramente sedutora. No encontro subseqüente de grupo, ela ficou em silêncio a maior parte do tempo e, quando questionada, mencionou o que o doutor tinha dito e como isto a perturbara. Discussão: Esta é uma sessão crucial. Ao preço de sacrificar as possibilidades de uma vida familiar normal, a paciente obteve uma infinidade de ganhos primários e secundários, jogando com seu marido e com outros homens e mulheres. O ganho externo primário é a fuga ao intercurso sexual prazeroso. Se ela puder renunciar a esses ganhos, poderá estar pronta para empreender uma relação marital normal, cujas satisfações lhe trarão maior compensação por sua renúncia. Os elementos esquizóides em sua Criança estão nítidos a partir de sua sintomatologia. Os elementos histéricos estão mais claramente manifestados em seu jogo de "Violação", socialmente aceitável. Daí o diagnóstico de esquizo-histeria. No caso dela, evitou-se nomear o jogo, pois ela ainda estava crua para tolerar tal aspereza. Ele lhe é simplesmente descrito, sem ser nomeado. Em grupos muito avançados, no entanto, é tecnicamente conhecido como "Violação de primeiro grau". É o nome clássico dos histéricos: exibicionismo sedutor grosseiro e "inconsciente", seguido de protestos de surpresa e inocência ferida, quando surge uma resposta. (Como se notou anteriormente, a "Violação de terceiro grau", a forma mais viciada, acaba no tribunal ou no necrotério.) O problema terapêutico no momento é saber se sua preparação foi adequada e *

Trata-se de um medicamento hipotensor. (Nota do revisor técnico)

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se a relação entre Criança e o terapeuta foi suficientemente bem compreendida para tornar este confronto eficaz. Num certo sentido, sua vida e a de seus filhos dependem do julgamento do terapeuta sobre estes assuntos. Se ela decidisse se zangar e desistir do tratamento, a psiquiatria estaria perdida para ela por longo tempo e, mais tarde, talvez, para sempre. Se ela aceitasse isso, o efeito seria decisivo, uma vez que este jogo particular constitui sua barreira principal para a felicidade conjugal. O terapeuta, naturalmente, não se aventurou a trazer o assunto à baila sem uma garantia considerável de sucesso. 15. 10 DE AGOSTO O terapeuta retorna de suas férias de duas semanas. O confronto teve sucesso. A paciente, agora, descreve uma investida de seu pai, da época em que ela entrava na puberdade, enquanto sua madrasta fingia dormir. Ele também molestou outras crianças, sua madrasta costumava defendê-lo. Relaciona este "ataque" ao fato de ela própria ser sedutora. Ela discute longamente a situação, elucidando seu sentimento de que sexo é sujo e vulgar. Diz que sempre foi muito cuidadosa sexualmente com o marido, por causa deste sentimento, e tenta evitar sexo com ele por esta razão. Compreende que seus jogos com ele são uma tentativa de evitar o sexo e sente que não pode ir tão longe a ponto de gastar daquilo que passa de um peso para ela. Discussão: A paciente está, evidentemente, chocada com a diretividade do terapeuta, mas está gratificada, porque isto simplifica ainda mais a estrutura de seu casamento e indica o que poderia ser feito a respeito dele. 16. 17 DE AGOSTO (Entrevista final) A paciente anuncia que esta é a sua última sessão. Ela não mais teme que seu marido pense que ela é suja ou vulgar se agir com lascívia. Ela nunca lhe perguntou se ele achava isso, apenas supôs que ele achasse. Durante a semana, ela o abordara de um modo diferente e ele respondeu com surpresa gratificante. Nos últimos dias ele tem voltado para casa assoviando, pela primeira vez em muitos anos. Ela também compreende algo mais. Sempre teve pena de si mesma e tentou provocar simpatia e admiração porque é uma alcoólatra recuperada. Reconhece que este é um jogo de "Perna de Pau". Sente-se pronta, neste ponto, a tentar por si mesma. Também se sente diferente com relação a seu pai. Talvez ela tenha contribuído mais do que pensava para a sedução. O fato de a barra de suas saias ser tão curta a chocou, mas a ajudou. “Eu nunca admitiria que sexo me agrada. Sempre pensei que quisesse 'atenção'. Agora admito que queria sexo". Durante a semana, ela visitou o pai, doente, num hospital, em outra cidade. Ela foi capaz de encarar sua visita com considerável objetividade. Agora, reconhece que se divorciou do pai. É por isso que ela é capaz de agir sexualmente com o marido. Ela sente que a transferência se realizou através da intermediação do terapeuta, que tomou o lugar do pai, inicialmente, mas agora ela não precisa mais dele. Ela pode falar livremente 184

com o marido sobre a repressão sexual como causadora dos seus sintomas e sobre seus desejos sexuais em relação a ele. Ele disse que concordava com ela e que os desejos eram recíprocos. Depois que ela colocou tudo isso, após a última visita, ela teve um sonho, aquela noite em que era uma mulher linda, feminina e pacífica, e isto a fez sentir-se bem. As crianças também estão diferentes: felizes, relaxadas e cooperativas. Sua pressão sanguínea baixou e ela não tem mais coceira vaginal. O terapeuta achou que a melhora poderia dever-se ao remédio. Ela replicou: "Não, eu não acho, eu saberia a diferença. Já o tomei antes. O remédio me faz sentir cansada e nervosa quando faz efeito, mas esta é uma sensação totalmente nova". Relata que está desenhando, em vez de pintar com os dedos, faz o que quer; ela acha que não é errado, é como aprender a viver. "Não tenho mais pena das pessoas. Sinto que elas deveriam ser capazes de fazer isso também se agissem corretamente. Já não me sinto inferior a todas as pessoas, embora esta sensação não tenha desaparecido completamente. Nunca mais quero vir ao grupo. É melhor que eu gaste meu tempo com o meu marido. É como se estivéssemos começando a namorar de novo; quando ele chega em casa assoviando é maravilhoso. Tentarei ficar assim por três meses e, se me sentir mal, telefonarei para você. Não me sinto mais tão neurótica: quero dizer, com sintomas psicossomáticos, sentimento de culpa, medo de conversar sobre sexo e coisas do tipo. É um milagre. É tudo o que posso dizer. Não posso explicar a minha sensação de estar feliz, mas sinto que nós (você e eu) trabalhamos juntos nisso. Há mais proximidade e harmonia com relação ao meu marido e ele até assumiu as crianças como se estivesse se tornando um homem da casa. Eu até sinto um pouco de culpa em relação aos Alcoólicos Anônimos porque os usei em meu jogo de "Perna de Pau". Foi lhe perguntando diretamente se a análise estrutural e a análise de jogos tinham ajudado e, em cada caso, ela respondeu: "Oh! Sim." E acrescentou: "Também o argumento. Por exemplo, eu disse que meu marido não tinha nenhum senso de humor e você disse: ‘Espere um pouco, você não o conhece e ele também não a conhece, porque vocês têm feito jogos e representado seus argumentos todo o tempo; um não sabe como o outro é realmente’. Você estava certo, porque agora eu descobri que ele, de fato, tem senso de humor e que não ter fazia parte do jogo. Estou interessada em minha casa e agradeço por isso. Consigo fazer poesias novamente e expressar meu amor por meu marido. Eu estava me reprimindo." Neste ponto a hora chegava ao fim. O terapeuta perguntou: "Gostaria de uma xícara de café?" Ela respondeu: "Não, obrigada, acabei de tomar. Eu me contei como me sinto, isto é tudo. Foi um grande prazer vir aqui. Gostei muito". Discussão geral: Não há porque olhar esta melhora gratificante com ceticismo, alarme ou com lábios franzidos, apesar da aparente escabrosidade dos extratos acima. A própria paciente respondeu a muitas das perguntas que poderiam ocorrer a um leitor experiente. Por exemplo, ela própria percebeu a substituição do terapeuta pelo marido, de modo que esta não pode ser rotulada como uma cura cega. Os dados mais impressionantes se referem a mudanças de atitude de seus filhos e , sobretudo, de seu marido. Tais critérios indiretos são em geral mais convincentes do que as opiniões do terapeuta ou paciente. Há evidência de que o objetivo terapêutico original foi sistematicamente realizado. Ela desistiu de fazer vários de seus jogos e os substituiu por relações e intimidades diretas mais satisfatórias. Adotou roupas e comportamentos mais

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modestos, ao mesmo tempo que parece mais atraente e satisfeita sexualmente. Podemos oferecer uma interpretação concisa do que aconteceu em nível arcaico. Ela veio ao terapeuta com uma fantasia temporária de ser dominada e hipnotizada, como já acontecera com seus outros terapeutas do sexo masculino. Vagarosamente, ela teve que desistir da fantasia, pois se confrontou com seus jogos. Além disso, a observação a respeito de sua postura sedutora tornou clara para ela que ele não seria seduzido. Com o Adulto fortalecido, ela foi, então, capaz de decidir abandonar suas ambições infantis e prosseguiu em negócios adultos. Embora em algumas opiniões em voga o andamento deste caso possa não indicar que a melhora seja estável, é preciso apenas uma suposição para se ter uma visão mais otimista, e esta suposição surge através da experiência, a saber: o fato de fazer jogos e jogar através do argumento de alguém é opcional, e o Adulto forte pode renunciar a isto em favor de experiências de realidade gratificante. Este é o aspecto funcional da análise transacional. Alguns dias antes do fim do período de tentativa de três meses que a paciente sugerira, ela escreveu ao terapeuta o seguinte: "Sinto-me ótima. Não tenho de tomar pílulas e me livrei dos comprimidos para pressão sanguínea há um mês. Na semana passada comemoramos o meu 35º aniversário. Meu marido e eu saímos sem as crianças. A água e as árvores eram lindas. Caramba, se eu pudesse pintá-las! Vimos uma doninha enorme. Eu nunca tinha visto uma e foi lindo observá-la, tão graciosa em seus movimentos. Meu marido e eu estamos nos dando bem! Uma diferença da noite para o dia. Tornamo-nos mais próximos, mais atenciosos, e eu posso ser eu mesma. Isso é o que parecia me desatinar a maior parte do tempo. Eu sei que precisava ser educada etc. Ele ainda sobe a escada assoviando. Isso me faz mais bem do que qualquer outra coisa. Fico satisfeita por você ter sugerido que eu pintasse. Você não faz idéia do que isso fez por mim. Estou melhorando e logo voltarei a pintar quadros. As crianças gostam muito e sugerem que eu exponha alguns deles. No próximo mês vou ter aula de natação - algo que eu nunca teria sido capaz de fazer. Agora, que a hora se aproxima, tenho um pouco de medo, mas já decidi e vou aprender. Se eu aprender a por minha cabeça debaixo da água, só isto vai ser uma grande emoção para mim. Meu jardim está tão lindo! Esta foi outra coisa em que você me ajudou. Meu Deus! Agora eu vou lá no mínimo duas vezes por semana, fico lá várias horas e ninguém coloca objeção. Sabe, eu acho que eles gostam mais de mim assim". "Eu não pretendia me estender por este caminho, mas tinha tanta coisa para te contar! Escreverei para você e o colocarei a par de meus progressos em natação. Amor de todos nós, de Salinas". Esta carta tranqüilizou o terapeuta em relação a duas coisas: 1. Que a melhora da paciente medicação para sua pressão sanguínea;

persistiu até mesmo depois de interrompida a

2. Que a melhora do marido e dos filhos da paciente persistiu mesmo depois da interrupção da psicoterapia. Deveríamos acrescentar que agora o marido lava os cabelos. A coisa que mais pessimista que poderíamos dizer sobre este caso, até o momento, é que ele representa um salto para uma vida familiar saudável. A única exigência clínica que poderia ser legitimamente imposta à análise transacional é que ela deveria produzir resultados tão bons ou melhores, em que os produzidos em qualquer outra abordagem psicoterapêutica, para 186

um dado investimento de tempo e de esforço. No caso de Mrs. Enatosky, houve 16 entrevistas individuais e 12 de grupo. Nesta lógica e com objetivos de comparação, as palavras de um psicanalista de muita experiência me vêm à memória: "O que conquistamos são apenas partes da psicogênese: expressões de conflitos, falhas de desenvolvimento. Não eliminamos a fonte original da neurose; apenas ajudamos a alcançar mais habilidade para transformar as frustrações neuróticas em compensações válidas. A conexão da harmonia psíquica com certas condições torna a imunidade inacessível. A "análise terminável e interminável", de Freud, trouxe aos que nutrimos ambições terapêuticas ilimitadas tanto desapontamento quanto alívio".

REFERÊNCIAS 1. Deutsch, H., "Psychoanalytic Therapy im the Light of Follow-up". J. Amer Psychoanal. Assoc. VII: 445-458, 1959.

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December 2019 40

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