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Gases de efeito estufa e aquecimento global: o ponto de vista da análise energética Por Enrique Ortega O efeito estufa, as conseqüências e as causas Por favor, não culpem as vacas pelo efeito estufa, nem aos sitiantes. A responsabilidade cabe aos que tomam as decisões de peso: as grandes empresas dos países industrializados que, através de seus lobbies e governos mancomunados, mudaram o espírito dos trabalhos da Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente que ocorreu no Rio de Janeiro em 1992. A Agenda 21, cujo objetivo era estabelecer as ações e metas para mudar os rumos do planeta e torná-lo sustentável, foi descaracterizada. O bem-estar das empresas norte-americanas (grandes emissoras de gases de efeito estufa) ainda é colocado acima dos interesses da espécie humana, cuja sobrevivência dependeria desses acordos globais. O pagamento da dívida externa dos países latino-americanos (injusta e muitas vezes paga) obriga os países do cone sul a destruir suas florestas para exportar gado e soja. E nos dias atuais, decisões sobre biocombustíveis estão sendo tomadas sem debate público, sem analisar alternativas e o impacto sócio-ambiental delas. Os responsáveis são aqueles que perderam o sentimento de solidariedade, que colocam o lucro das grandes empresas como máxima prioridade, que condenam à extinção a inúmeras espécies e que destroem o futuro da espécie humana. Abordagens atuais A universidade e a sociedade estão acostumadas a procedimentos rotineiros. No caso da questão do aquecimento atmosférico, isto não seria correto, pois estamos perante um problema que constitui uma singularidade do ponto de vista da história geológica, biológica e humana. O assunto não é trivial e sim complexo e muito grave. O desafio global exige medidas urgentes e temos que usar outra forma de pensamento (visão sistêmica), e uma ação com sentimento diferente (solidariedade). Na internet esse tema já é discutido em listas de discussão há vários anos e é possível observar duas atitudes: a. Nos grupos de cunho científico existe uma completa desilusão perante a falta de compreensão dos políticos e o desinteresse da população, e ante a perspectiva de um enorme caos social prima a tendência a soluções individuais (“salve-se que puder!”). b. Nos grupos de pequenos proprietários de terra que usam as técnicas ecológicas na agricultura existe a consciência de que é possível reconstruir o
sistema, sob um novo paradigma: soluções ecológicas e sociais, indo de baixo para cima. Eles procuram construir redes de comunidades rurais e eco-cidades com tecnologias de baixo custo e maior índice de emprego para obter autosuficiência energética, hídrica e de alimentos.
A agricultura "moderna" depende de produtos químicos derivados do petróleo, portanto, a disponibilidade de alimentos depende da existência de petróleo barato (aplica-se o equivalente a 100 litros por hectare). O outro lado da moeda: a expansão dessa agricultura teve como conseqüências a destruição da biodiversidade, as mudanças climáticas e a migração de pessoas das áreas rurais para as zonas urbanas, onde grande número vive em situação de marginalidade. As grandes empresas não participam de grupos de discussão na internet, elas simplesmente tomam decisões. Os investimentos são realizados após estudos de caráter confidencial. Nesses estudos vigoram as abordagens simplificadas e o objetivo é o lucro máximo no menor tempo. Ao atingir esse objetivo elas conseguem uma sobrevida em um mundo empresarial altamente competitivo. Esses estudos não incluem as questões ambientais e sociais, e se o fazem é de forma incorreta. Uma análise cuidadosa do sistema capitalista revela que a possibilidade de maximizar a taxa de lucro depende da capacidade política de não assumir os passivos sociais e ecológicos; essa é a base do sistema e por isso o mundo está na situação de crise global extrema. Os sentimentos que primam nas empresas são: o individualismo e o imediatismo. Os movimentos sociais consideram as questões energéticas e ambientais como questões menores que poderiam ser resolvidas após a mudança do
poder. Mas, estando no poder muitos desses movimentos, por motivos estratégicos (sobrevivência em um mundo capitalista) costumam manter o modo de produção e de consumo e a política de crescimento sem qualidade.
Após o processo acelerado de urbanização, gerado pela alta disponibilidade e baixo preço do petróleo, pode ocorrer a ruralização ecológica. Na figura acima vemos como o apoio à qualidade de vida no meio rural poderia promover a desconcentração de uma cidade, permitindo a recuperação da capacidade de suporte renovável com auto-suficiência de energia, alimentos e água, absorvendo a população urbana sem emprego e resolvendo as questões climáticas (adaptado do artigo de Folke Gunther, que faz parte dos Anais do IV Workshop Internacional "Advances in Energy Studies", realizado na Unicamp, em 2004) http://www.unicamp.br/fea/ortega/energy/ O que fazer? Como a universidade poderia colaborar? 1. Entender o problema: a. Usar a Teoria Geral de Sistemas e outras ferramentas científicas, de maneira correta, para estudar o aquecimento global como resultado do domínio humano da biosfera sob comando das empresas capitalistas. b. Analisar ao mesmo tempo outras questões correlacionadas que são vitais como: perda da biodiversidade, perda da infiltração de água, perda do solo agrícola, desertificação, êxodo rural, desemprego, desvios de conduta social. Todas elas são facetas importantes do mesmo fenômeno global. Some-se a isso o esgotamento do petróleo que é a base energética que subsidia a economia industrial e a corrida empresarial para produzir biomassa energética de maneira antiecológica e anti-social.
c. Conhecer o volume dos fluxos de materiais e energia que são mobilizados nos ecossistemas naturais e naqueles dominados pelo homem para obter indicadores de desempenho termodinâmico e fazer um diagnóstico da situação. Divulgar os estudos que existem a respeito. d. A sustentabilidade ecológica está dada pela proporção de recursos renováveis utilizados nos sistemas de produção e consumo. Hoje em dia a civilização depende dos recursos não renováveis e o desafio é retornar a padrões de alta renovabilidade. Isso deve ser discutido em múltiplos foros abertos. 2. Discutir nesses foros os resultados dos estudos sobre o funcionamento da biosfera e os motivos da crise com a finalidade de apontar soluções, as quais devem ser avaliadas. 3. Como muitas das soluções levantadas podem ser falsas ou inadequadas (por diversos motivos) é necessário estudá-las de forma sistêmica para analisar sua pertinência. A análise emergética-exergética é o melhor instrumento para a análise de sistemas complexos. A essa análise pode ser agregada a análise de pegada ecológica. 4. Divulgar publicamente os resultados desses estudos. Estudar e aplicar políticas públicas globais em prol da sustentabilidade, ultrapassando a visão estreita que é característica do sistema empresarial que vigorou até hoje. 5. Estabelecer mecanismos para acompanhar o desenvolvimento dos fenômenos biosféricos interligados (aquecimento global, elevação do nível do mar, inundação permanente de áreas agrícolas de baixa altitude, novas migrações humanas, perda da biodiversidade, perda da infiltração de água, perda do solo agrícola, desertificação, êxodo rural, desemprego, fome, desvios de conduta social, esgotamento do petróleo) e das medidas tomadas pela coletividade internacional, nacional, regional e local. 6. A transição ao Desenvolvimento Sustentável exige estratégias múltiplas e variadas. A universidade deve abrir-se para considerar todos os interesses. A Faculdade de Engenharia de Alimentos está organizando o I Simpósio sobre percepção de desafios científicos e novas estruturas organizacionais – NEO, no dia 13 de abril de 2007, das 13 às 18 horas, no Centro de Convenções: http://www.fea.unicamp.br/eventos/2007/NEO/ Ações individuais e coletivas recomendáveis: 1. Conhecer as propostas originais submetidas à ONU, pela sociedade civil organizada, relativas à "Agenda 21", "Proteção das Florestas e da Biodiversidade" e "Mudanças Climáticas"; 2. Usar os recursos da internet para conhecer mais sobre as questões críticas do nosso tempo: o esgotamento do petróleo e dos recursos materiais (água, solo, biodiversidade, minerais) e a degradação social;
3. Informar-se em livros sobre os novos temas, fazer cursos, participar de grupos de estudos; 4. Ajudar a pensar e criar eco-vilas e eco-cidades com interações positivas entre ambas; 5. Apoiar projetos agroecológicos e de consumo orgânico; 6. Aprender sobre externalidades econômicas negativas; 7. Saber o que são os serviços ambientais produzidos pelos ecossistemas e sobre as conseqüências de sua perda; 8. Aprender a usar a exergia (potencial energético) e a emergia (custo energético) para avaliar sistemas de produção e de consumo; 9. Passar da visão microeconômica a macroeconômica (exemplo: cadeias produtivas e seus impactos nos ecossistemas e na sociedade); 10. Estudar sobre indicadores de desempenho energético e ecológico dos sistemas; 11. Estudar a capacidade de suporte e como ela depende da apropriação do homem, da biomassa e dos energéticos fósseis; 12. Conhecer e calcular a pegada ecológica; 13. Aprender o que é renovabilidade, saldo energético líquido e índice de troca (em termos de emergia) para analisar o desempenho ecológico e energético e social dos sistemas; 14. Aprender a modelar sistemas e a prever cenários futuros; 15. Discutir quais seriam os indicadores mais adequados para priorizar programas e projetos; 16. Integrar conhecimentos e estabelecer interações sociais de maior qualidade, a nível local e internacional; 17. Fazer cursos sobre planejamento de bacias hidrográficas; 18. Participar das ações municipais relativas à proteção do clima, Agenda 21 e plano diretor; 19. Promover a adoção de impostos por carbono emitido e a compra de créditos de carbono; 20. Promover a reforma ecológica e social do sistema de produção e consumo, nos espaços locais, regionais e globais;
21. Compartilhar informação de boa qualidade. A correlação entre unidade produtiva, unidade de consumo e atmosfera global Cada unidade de produção e de consumo teria que ter um “certificado de sustentabilidade” e de “pegada ecológica”, os quais seriam elaborados a partir de seu balanço de materiais, energia e dinheiro. O balanço deve incluir: contribuições gratuitas da natureza, subsídios econômicos, perda de serviços ambientais, externalidades (poluição de recursos hídricos, emissão de gases de efeito estufa, o manejo dos resíduos sólidos). O balanço deve incluir a fixação de CO2 e metano. O certificado de sustentabilidade permitiria a análise dos sistemas de produção e consumo e tomar medidas para premiar ou punir (políticas públicas para a sustentabilidade). O valor da pegada ecológica (hectares necessários por pessoa) pode apontar as alterações no estilo de vida necessárias para viver em um mundo em crise de recursos naturais, funções ecossistêmicas reduzidas e alta densidade populacional. Enrique Ortega é pesquisador do Laboratório de Engenharia Ecológica, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp: http://www.unicamp.br/fea/ortega/