Artigo Amaral Boson De Higgs

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Arch.FuncapScien - Phys.Cosmol/Scientif.Update.- 0001. Oct. 29. 2008

Em busca de HIGGS, a “Partícula de Deus” F.J. Amaral Vieira (*) Fundação Cearense de Apoio ao Des. Científico e Tecnologia do Ceará (Funcap)

... quando você olha para as estrelas numa noite clara, está olhando através do campo de Higgs.

Leon Lederman

O mais importante objetivo do LHC é recriar uma estranha partícula dotada de grande massa e destituída de carga e spin, chamada partícula de Higgs. Para tanto deverão ser produzidos muitos “mini-bangs”, ou seja, até 800 milhões de colisões de prótons por segundo voando a uma velocidade próxima a da luz, cada uma deles representando energias da ordem de 7 TeV1.

O segredo da massa das partículas

As teorias físicas contidas no Modelo Padrão explanam a estrutura da matéria através de 32 partículas, das quais 14 fundamentais, 12 de matéria e 4 transmissoras de forças. Sabemos como elas se agrupam e interagem para formar átomos, moléculas, pessoas e galáxias inteiras e até mesmo o universo. Mas até o começo da década de sessenta, não se explicava a materialidade dessas coisas porque isso exigiria demonstrar como partículas e objetos adquirem massa. Nessa época o físico Sheldon Glashow, russo radicado nos Estados Unidos, descreveu uma teoria com a qual pretendia unificar a interação eletromagnética, que atua sobre as partículas carregadas, e a interação nuclear fraca que está associada à

radioatividade e atua sobre quarks, elétrons e neutrinos. Mas a teoria mostrou-se incompleta apesar da elegância de que se revestia. O problema estava no fato de que o fóton, mediador da força eletromagnética, é destituído de massa, enquanto os bósons W+ e W-, mediadores das interações fracas, têm grande massa. Não percamos de vista que Glashow estava partindo da idéia de que, num determinado momento do começo do universo, as forças nuclear fraca e eletromagnética estavam unificadas e num estado de simetria perfeita e, conseqüentemente, os bósons W+ e W-, tal como o fóton, deveriam não ter massa. O fato de suceder o contrário representava uma quebra de simetria. E isso levantou a questão de saber que mecanismo estaria por trás dela. Nós vemos simetria em tudo que nos rodeia: nas asas multifacetadas e quase idênticas de uma borboleta, nas pétalas eqüidistantes de uma rosa, nas rimas de um verso, nas fases da lua, nas estações do ano, no movimento de rotação da Terra, nas torres gêmeas da catedral, no andar elegante de uma mulher. Aliás, a desenvoltura do ser humano quando se movimenta está baseada no fato dele ser simétrico o que lhe permite andar ereto, suportar a gravidade e se movimentar com eficiência. A esfera é a mais simétrica de todas as formas, pois parecerá sempre a mesma a todos os observadores à sua volta, após uma rotação completa em torno de si mesma. O mesmo acontecerá com um círculo feito numa folha de papel sobre a mesa. Mas um triângulo mudará de forma após uma rotação de 90º o mesmo acontecendo ao retângulo após uma rotação de 180º. Os fenômenos físicos estão repletos de quebras de simetria associadas à mudanças chamadas transições de fase. A água em repouso, enquanto numa temperatura acima de zero grau, aparenta uma homogeneidade quase perfeita. No nível molecular, as moléculas formadas por dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio tem a forma de um V apontando para todos os lados de forma simétrica. Quando a temperatura da água líquida desce a menos de zero grau Celsius, a organização molecular se altera abruptamente para formar cristais de gelo enquanto a aparência muda de maneira insólita, ponto em que a simetria é quebrada. Se a temperatura voltar a subir acima de zero a simetria será restaurada. Os físicos teóricos estão mais interessados na quebra de simetrias que acontecem nos seus formalismos matemáticos, quando, por exemplo, as equações permanecem simétricas, mas a simetria é espontaneamente quebrada nas soluções dessas mesmas equações. Daí porque muitos deles preferem chamá-la de simetria oculta, tal como

imaginam que aconteça num estado de equilíbrio mesmo instável. É disso que eles estão falando quando se referem à quebra da simetria entre as massas do fóton e dos bósons W+ e Z-. A solução da quebra de simetria na teoria eletrofraca foi encontrada, em 1964, por três diferentes grupos: Gerald Guralnik, Carl Hagen e Tom Kibble, da Universidade de Rochester; Francois Englert e Robert Brout, da Universidade de Bruxelas e Peter Higgs, da Universidade de Edimburgo, em trabalhos independentes nos quais o problema foi tratado de enfoques diferentes.2 No modelo resultante a simetria é quebrada por um campo quântico a que está associada uma partícula cujo nome, partícula de Higgs, foi dado pelo físico coreano Ben Lee, durante uma conferência em Rochester, Berkeley, em 1967. Gerardus‘t Hooft, físico laureado com o Nobel em 1999, introduziu a expressão “mecanismo de Higgs para denominar o processo da quebra de simetria através desse campo.” Muitos autores defendem a idéia de que deveríamos falar de mecanismo EBH (de Englert, Robert e Higgs) e não mecanismo de Higgs.3 Mas não deve passar despercebido que, em seu artigo, Higgs chamou a atenção para o fato de que o mecanismo proposto poderia quebrar simetrias a partir de bósons de grande massa. E isso fez toda a diferença. Em 1961, Abdus Salam e Steven Weinberg reformularam o trabalho original de Sheldon Glashow e explanaram a aquisição de massa pelos bósons W+ e Z- através do mecanismo de Higgs. Isso viabilizou a teoria eletrofraca que, diga-se de passagem, tem sido confirmada experimentalmente. Na década de setenta, como resultado desses avanços, o mecanismo de Higgs foi incorporado ao Modelo Padrão, passando a ser aceito como responsável pela transmissão de massas às partículas. Há entre os físicos aqueles que defendem a existência de outros mecanismos, além de Higgs, para atribuir massa às partículas. Mas essa é a uma discussão que escapa aos objetivos deste trabalho, mesmo porque os físicos de partículas exigem cuidados desdobrados na interpretação do modelo da quebra espontânea de simetria.

Como entender a massa

A massa de um objeto está relacionada à quantidade de átomos de que ele é formado, mas isso não implica em que objetos de grande massa devam ser necessariamente muito maiores que objetos de pequenas massas. As estrelas são exemplos disso. Algumas delas, de massas até 3 vezes maiores que a do nosso sol, têm

um final de vida catastrófico: depois de consumir todo o hidrogênio, o hélio e o oxigênio e não tendo mais com o que alimentar suas reações nucleares e desabam criando no espaço um fantástico cenário luminoso conhecido como supernova.4 O resultado é um objeto extremamente compacto, com raio em torno de apenas 15 quilômetros em cujo pequeno tamanho é comprimida uma massa situada entre 1.44 a 31 massas solares, chamada estrela de nêutrons. Considerando-se que o raio do sol é de 695.000 quilômetros, tem-se uma idéia de quão massivo se torna essa estrela. A massa, por outro lado, não é a mesma coisa que o peso, pois um objeto qualquer que nos rodeie se tornará mais leve na superfície da Lua apesar de conservar o mesmo número de átomos que teria na superfície da Terra. Posto isso, lembremos de que a famosa equação de Einstein E=mc2 explica que a energia pode ser convertida em massa e vice versa o que pode conduzir a resultados extraordinários. Uma explosão atômica resulta da conversão de uma pequena quantidade de massa numa imensa quantidade de energia. Na tentativa de detectar a partícula de Higgs, os físicos do LHC vão trabalhar na direção contrária convertendo uma grande quantidade de energia numa pequena massa. Mas o que é mesmo massa? A massa de uma partícula pode ser considerada de duas maneiras: (i) aquela dada pelo movimento, ou seja, pela energia associada a ele e (ii) a massa intrínseca de uma partícula que é sua massa de repouso. O campo de Higgs seria o responsável por atribuir às partículas justamente a massa de repouso. Segundo a mecânica quântica, que governa o micro mundo das partículas, elas podem se comportar ora como “coisas” ora como ondas. Assim, vamos considerá-las como ondas num fluido quase perfeito, admitindo que, nessas circunstâncias, elas teriam uma série de propriedades como posição, momento, spin etc., mas não teriam massa. Se o líquido torna-se viscoso, em algum ponto, passa a opor resistência à trajetória da partícula retardando seu movimento, sendo isso o que queremos dizer por massa.5 Esse líquido viscoso representa, de forma intuitiva, o campo de Higgs e o seu modo de ação. A física de partículas diz que o universo está literalmente imerso num oceano de Higgs, um fluído que ocupa o vácuo e pelo qual todas as partículas devem passar. Enfatizando isso, o físico Leon Lederman diz que quando olhamos para as estrelas numa noite clara nós as estamos vendo através do campo de Higgs.

Para dar um passo, erguer as mãos, chutar uma bola, nossos músculos precisam de energia para vencer a inércia que se opõe ao movimento. Essa inércia não é outra coisa senão a massa que o campo de Higgs atribui às partículas que interagem com ele dentro dos nossos músculos. Sem ele as partículas de deslocariam descontroladas à velocidade da luz e a matéria, tal como a entendemos, não poderia ser condensada a partir delas.

Para entender o campo de Higgs e a quebra espontânea de simetria

A cada partícula do modelo padrão corresponde um campo no qual ela surge como o seu quanta respectivo, podendo ser interpretada em termos de feixe de energia. Assim, como ao campo eletromagnético corresponde o fóton, ao campo de Higgs corresponde uma partícula de mesmo nome. No entanto, o campo de Higgs é diferente dos demais em muitos aspectos. A principal diferença é que, como já vimos, as partículas que interagem com ele adquirem massa. Outra é que, a exemplo dos demais campos escalares, Higgs não é explanado em termos de vetores como o campo eletromagnético, mas em termos de valores representados por um número que mede uma energia potencial pronta para ser liberada, como acontece, por exemplo, entre os dois pólos de uma tomada elétrica ou de uma bateria. A terceira diferença é que seu mínimo valor é diferente de zero. A quebra de simetria através do campo de Higgs (e de outros campos escalares) é descrita através de uma função matemática chamada lagrangiana a partir da qual podemos encontrar suas equações dinâmicas. Isso permite estudar a evolução do campo em termos de energia potencial e cinética e descrever a quebra de simetria a ele associada por meio de gráficos tridimensionais. Vamos tentar compreender isso através de uma metáfora, lembrando que o cenário onde o campo de Higgs atua é o vácuo quântico um lugar onde a energia tende ao seu menor valor possível, mas não destituído absolutamente de tudo. Consideremos uma protuberância cuja forma lembra uma colina com o topo levemente arredondado, quase plano, com encostas suaves e idênticas para todos os lados e sem irregularidades na superfície6. No topo do monte há uma esfera que se encontra num estado de perfeita simetria porque não tem direção preferida para rolar ladeira abaixo. Mas a energia gravitacional da esfera e o formato do topo da colina

tornam instável esse estado de simetria. Portanto, mais cedo ou mais tarde, a esfera rolará numa única direção rumo ao solo e a simetria será quebrada. Para completar, admitamos que o terreno em volta do sopé do monte tenha estranhas abas que se voltam para cima o que dará ao modelo a forma de uma bacia surrealista. Em virtude da velocidade adquirida na descida, a trajetória da esfera não terminará no sopé. Ela deverá subir pela aba e descer de novo, algumas vezes, antes de repousar na base do monte. Note que em qualquer ponto no círculo ao redor do monte a altura do terreno será diferente de zero simplesmente porque ele é arqueado na base.

Fig. 1 – Representação esquemática da densidade de energia do campo de Higgs e sua evolução. No topo, a esfera representa a maior energia potencial, que pode rolar para baixo por qualquer uma das linhas verticais da colina até o círculo da base a que corresponde o vácuo verdadeiro. (Adaptado de Alan Guth).

Apliquemos esse modelo ao campo de Higgs, admitindo que o ponto mais alto da colina meça uma energia potencial que os físicos chamam de falso vácuo, enquanto qualquer ponto no círculo em torno da base mede um estado de energia mínima, mas diferente de zero, a que corresponde o vácuo verdadeiro. (Fig.1) Esse é, sem dúvidas, um estado de simetria, conquanto instável, porque ela poderá ser quebrada a qualquer momento7. Na dinâmica do campo de Higgs o potencial rola do valor mais alto, liberando energia, até se estabilizar num valor diferente de zero no vácuo verdadeiro onde a simetria é quebrada. Isso pode ser representado, de forma mais simples, por meio de um gráfico (Fig. 2) em que a densidade de energia e a magnitude do campo são relacionadas. Essa quebra de simetria foi um acontecimento extraordinário nos momentos iniciais do universo sem o qual ele sequer teria evoluído.

Figura 2. Nesse gráfico podemos ver as relações entre a magnitude do campo e a densidade de energia.

Quebras de Simetria um pouco depois do Big Bang

Até o final da década de setenta, a Teoria do Big Bang não explicava alguns aspectos importantíssimos do universo como a homogeneidade, a geometria plana e seu imenso tamanho. Verificou-se com constrangimento que, de acordo com as equações da teoria original, o universo poderia mesmo ter se fechado sobre si mesmo logo depois da criação sob efeito de sua própria gravidade. E se tivesse escapado desse desastre precoce não passaria de um universo nanico. A solução para esses problemas foi explanada por Alan Guth, em 1980 (# - ) . A descrição de Guth começa um pouco depois do Big Bang quando o universo não passava

de

uma

minúscula

bola

de

fogo

ardendo 32

a

uma

temperatura

8

incompreensivelmente alta de trilhões de graus , cerca de10 K Sua densidade era tão grande que deveria tê-lo feito colapsar de volta ao ponto singular em que surgira. A despeito disso, o universo primordial se expandiu e se resfriou e, quando chegou a idade de 10-34, ou seja, menos de um centésimo, milionésimo, de um bilionésimo, de um bilionésimo de segundo após haver sido criado, sofreu uma expansão exponencial, numa velocidade maior que a da luz, passando do tamanho de um próton ao tamanho de uma laranja, depois do que voltou a se expandir normalmente. Nesse período o universo cresceu por um fator de 1043 que corresponde ao número 10 seguido de quarenta e três zeros. Alan Guth, um dos construtores da cosmologia contemporânea, fez a primeira descrição pormenorizada desse acontecimento, batizando-o com o nome muito sugestivo de expansão inflacionária.9 Ela explica o imenso tamanho do universo, sua

homogeneidade, geometria, evolução e o próprio fato de estarmos aqui tentando compreendê-lo. O que teria causado esse fenômeno tão violento e, ao mesmo tempo, tão breve e tão importante? De acordo com Guth nada mais nada menos que a energia de Higgs. E o que aconteceu pode ser descrito assim: Dentro da bola de fogo, um micromundo de pura energia, as forças nuclear fraca, nuclear forte e eletromagnética estavam perfeitamente unificadas e simétricas. Súbito, a temperatura sofreu um super-resfriamento caindo bruscamente 1032K para 1027K e isso foi suficiente para manter o campo de Higgs num ponto máximo sua densidade de energia, situação em que permanece, por algum tempo, como um capacitor nuclear pronto para disparar. Por um instante o campo manteve-se assim simétrico. Mas o potencial logo rolou liberando a energia Higgs e, ao mesmo tempo, uma pressão negativa descomunal capaz de expandir o universo de forma exponencial. Quando a energia chega ao seu menor valor no vácuo verdadeiro, a expansão inflacionária termina, a simetria é quebrada e as forças nuclear fraca, nuclear forte e eletromagnética se separam. Os valores de Higgs, por um instante, oscilam e a energia de Higgs é condensada na sopa de partículas da qual tudo virá a ser feito. E a partir daí o universo passa a se expandir segundo as equações da teoria do Big Bang. Lindo não?

Fig. 2 . Representação esquemática das três fases da evolução do campo de Higgs nos primeiros momentos do universo de acordo com a teoria clássica da inflação: (a) a densidade de energia no seu valor mais alto; (b) a energia potencial é liberada juntamente com uma pressão repulsiva; (c) a densidade de energia chega ao seu valor mais baixo, mas diferente de zero, quando a inflação termina. O valor do campo oscila no momento em que a energia é condensada nas primeiras partículas8.

Neste ponto, um fato muito importante para a física deve ser destacado. Em abril de 2005, físicos do National Brookhaven Laboratory, em Long Island, New York, replicaram, de forma muito aproximada, o cenário dos primeiros momentos após o Big

Bang quando os prótons ainda não haviam sido formados. O método consistiu em produzir colisões de íons de ouro deslocando-se a velocidades próximas à da luz ao longo de um túnel de quase quatro quilômetros em forma de circunferência no interior do RHIC, abreviatura de Relativistic Heavy Ions Collider (Colisor Relativístico de Íons Pesados). Curiosamente, o choque produziu algo extremamente denso, uma bola de fogo de pura energia com temperatura cerca de 150 mil vezes maior que a temperatura do interior do sol. Nessas condições resultou o que tem sido chamado de sopa de quarks e gluons, partículas sub-atômicas constituintes de prótons e nêutrons.

Colisão de íons de ouro registrada pelo Solenoidal Tracker (STAR detector) do RHIC correspondendo a uma transição de fase para um estado em que a matéria se comporta como um líquido quase perfeito.

O registro das colisões, feito através de quatro detectores instalados ao longo do tubo, mostrou que o plasma primordial não era, como se pensava, um gás onde as partículas se deslocavam em todas as direções de modo caótico, mas um fluído quase perfeito em que elas se deslocavam juntas obedecendo coordenadas específicas. Esse foi um resultado extraordinário inclusive porque representa uma transição de fase entre dois diferentes estados da matéria. É verdade que na teoria da inflação caótica, desenvolvida depois por Andrei Linde# (#) e hoje gozando de grande prestígio, o papel de produzir a inflação foi transferido a outro campo escalar chamado campo inflaton.10 Entretanto, trabalhos recentes argúem que a inflação é uma conseqüência natural do modelo padrão, sendo produzida pelo campo de Higgs11 de modo que esse não é um assunto encerrado. Levese em conta, por outro lado, que a inflação caótica precisa de um mecanismo para detêla, no momento certo, e o campo de Higgs é o candidato natural para esse papel.

Pelo visto, c campo de Higgs pode ter sido o ator principal do deflagrar da inflação, de sua interrupção ou de ambas. E não podemos deixar de admitir que através da determinação da massa das partículas, ele tenha igualmente estabelecido importantes valores e relações entre elas e, por esse meio, sintonizado os parâmetros e as condições graças ao que o universo veio a ser exatamente do jeito que é. Seja como for, não podem haver dúvidas quanto a que informações valiosas sobre os primeiros momentos do universo serão extraídas da medição da massa de Higgs.

A “Partícula de Deus”

O físico Leon Lederman, laureado com o Prêmio Nobel da física em 1988, chamou a partícula de Higgs de “Partícula de Deus”, num primoroso livro que tem o mesmo título12. A intenção de Lederman era enfatizar quanto trabalho essa partícula tem dado a físicos teóricos e experimentais e quanto dinheiro tem sido gasto para encontrála. A angústia dos físicos a esse respeito é compreensível. Além de representar uma peça-chave no Modelo Padrão, o bóson de Higgs está na base da teoria eletrofraca que unificou a interação eletromagnética e a força fraca, feito que valeu o Prêmio Nobel da Física de 1979 a Abdus Salam, S. Weinberg e S. L. Glashow. Mas a expressão “Partícula de Deus” foi consagrada como uma manifestação do deslumbramento dos físicos pela natureza e do reconhecimento de que Higgs, quando detectada e produzida experimentalmente, poderá conduzi-nos à uma explanação melhor do comportamento da matéria e das interações com o que uma nova física poderá nascer. Espera-se que dos experimentos com o LHC venham respostas ou fortes pistas para explicar questões que ainda desafiam os físicos como: Por que Higgs tem uma massa tão grande? Teria sido ela a primeira partícula criada nos primeiros sgundos? Haveria apenas uma partícula de Higgs ou várias delas e, nesse caso, o inflaton poderia ser um mutante do campo de Higgs? Por que, a despeito de ser reconhecida como uma partícula de matéria, o campo de Higss se comporta muitas vezes como uma força? Por que as quantidades de matéria e anti-matéria do universo são assimétricas, havendo preponderância da primeira sobre a segunda? Por que a matéria ordinária, ou seja, a matéria da qual são feitas todas as coisas, inclusive nós mesmos, representa apenas 4 por cento do conteúdo do universo?13 Existirão outras dimensões compactadas no âmago da matéria como propõe a teoria das cordas?

Stephen Hawking disse que o universo é do jeito que foi porque ele foi do jeito 14

que foi . Sobre esse pressuposto está sendo construída a cosmologia quântica de que ele tem sido um dos arquitetos. Isso nos conduz a querer entender como foram fixadas, naquele momento supremo em que o campo de Higgs teria sido o ator principal, as condições e parâmetros graças aos quais o universo é do jeito que é e não de outro no que se resume, segundo Einstein, a mais importante questão da física.

A palavra Final:

Os grandes modelos da física nasceram como construções teóricas resultantes de insights na mente de físicos eminentes, por eles transformados em teorias completas e matematicamente simétricas e elegantes. O modelo padrão é um deles. A teoria inflacionária outro. A teoria das cordas outro ainda. Cabe agora aos físicos experimentais, entre os quais estão alguns dos mais brilhantes do mundo, e às equipes de engenheiros e técnicos que dominam o poder miraculoso do LHC, colocar em realidade não só Higgs como todo o edifício da física de partículas. Temos as melhores razões para acreditar que isso acontecerá, até porque, de todas as partículas que compõem o modelo padrão, ela é a única que ainda não foi detectada experimentalmente. Caso isto não aconteça, os físicos terão que encontrar outra coisa para dar massa às partículas e uma maneira completamente nova de explanar o universo. E este recomeço não deixaria de ser excitante

Notas e Referências: 1.Um TeV (Lê-se um tera eletrovolt) representa 1012 ou um trilhão de eltrovolts. Alguém já disse que essa é a energia relacionada ao vôo de um mosquito, portanto, decepcionantemente pequena. Se considerarmos, entretanto, que um próton é um trilhão de vezes menor que um mosquito veremos que os físicos do LHC estarão lidando com altíssimas energias concentradas num espaço microscópico. As colisões de feixes de prótons pode alcançar energias da ordem de 1.150TeV. 2 - Esses trabalhos foram publicados no Volume 13 of Physical Review Letters in 1964 3 - Lee Smoolin -The truble of physics – 2007 4 - Quando a estrela tem a chamada massa máxima (estimada em mais de 3 massas solares seu colapso não termina como numa estrela de nêutrons, mas pode continuar para sempre no fundo de um

buraco negro. Trata-se, no caso, de um buraco negro estelar que não deve ser confundido com um buraco negro primordial como o que teria dado origem ao universo. 5 - Durante uma reunião, em l995, o então Ministro da Ciência do Reino Unido, William Arthur Waldegrave, ofereceu uma garrafa de champagne ao cientista presente que apresentasse a explicação mais simples do mecanismo de Higgs. David Miller's, do University College, descreveu, em seu breve texto, a seguinte cena: Enquanto políticos conversam numa sala distraidamente, entra o Primeiro Ministro inglês atraindo a atenção de todos. Logo os presentes se aglomeram em torno dele, criando uma resistência aos seus movimentos. Na metáfora, o Primeiro Ministro representou uma partícula sem massa que se deslocava livremente no espaço. Os políticos que se acercaram representam o campo de Higgs. Todas as analogias criadas depois descrevem, em essência, a mesma coisa. Inclusive a nossa 6- A representação mais conhecida do campo de Higgs é a do chapéu mexicano, criada por Guth, um gráfico tridimensional que utiliza dois campos. 7- O conceito de falso vácuo foi ampliado por Guth para incluir situações em que o campo de Higgs se encontra momentaneamente no alto da colina como no caso presente e não na base. Mantivemos o conceito de falso vácuo porque ele torna e evolução do campo de Higgs mais intuitiva e ajuda a compreender o caso particular da quebra de simetria. 8- K é a abreviação da escala Kelvin na qual o zero é menor temperatura a que poderia chegar um corpo e que corresponde a -273ºC, ou seja ao chamado zero absoluto, temperatura em que cessaria a energia cinética das moléculas de um corpo. (Essa temperatura não foi atingida experimentalmente). Para converter Celsius em Kelvin adicionamos 273,15 e vice-versa. Assim 273K = -0,15ºC. 9- Alan Guth- O Universo Inflacionário – Ed. Campus 1997, Rio de Janeiro (Trad. The Inflationary Universe, Addison-Wesle, New York, 1997). 10- Andrei Line – Inflationary Cosmology – arXiv:0705.0164v1 2 May 2007 11- Fedor Bezrukove Michhail Shaposhinikov –

The Standard Model Higgs bosson as the

inflaton - arXiv:0710.3755v2 9 Jan 2008 12- Leon Lederman - God Particle - Delta Book - New York, 1993 13-

Observações astrofísicas feitas, no final de década de noventa, tomando supernovas como

referências, mostraram que o conteúdo do universo é representado por 4% de matéria ordinária, 24% por matéria escura, assim chamada por ser invisível, e 76% por energia escura, assim chamada por não interagir com a matéria hadrônica. Essas observações foram amplamente confirmadas por estudos astrofísicos e pelo laboratório espacial que funciona a bordo do Satélite Wilkinson que está em órbita do sol a uma distância de 150 milhões de quilômetros da Terra. 14- Stephen Hawking – The future od Quantum Cosmology – Conferência ministra durante a NATO ASI Conference, Cambridge, Set. 1999.

______________________________________________ (*) F. J. Amaral Vieira é Secretário Geral para a América do Sul da International Center for Relativistic Astrophysics Network O autor agradece ao Prof. Aberto Santoro pelas sugestões e estímulo. [email protected]

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