ARGUMENTO Dan, fiz obs em vermelho pra vc ver mais ou menos o que pensei e também, no final, tem um recado. Beijoca. Muitos aplausos. É final de um espetáculo. No camarim ainda vazio, encontram-se muitos objetos de um palhaço, algumas fotos e um ou dois cartões de antigas paixões. Eis que surge ele, com a cara branca e um grande lábio vermelho. Seu andar denuncia o corpo rechonchudo um tanto quanto cansado. Um pesar em seus ombros dos anos de glória hoje esquecidos. Então esse homem, ainda palhaço, olha para uma foto e respira fundo com saudades. Sorri simploriamente e pisca os olhos, num clima nostálgico. Em sua mesa, entre tantos adereços, há um pequeno estojo de maquiagem do lado de alguns rolinhos de algodão. O palhaço pega um algodão, coloca qualquer líquido nele e faz menção de limpar o rosto. Pára. Olha para o espelho como se estivesse pronto pra se despedir mais uma vez daquele personagem que tanto se misturara com ele, que tanto roubara dele. Confirma tal prontidão com os olhos e os fecha devagar. Seus olhos parecem contar uma história, são penetrantes e verdadeiros. Um passado longínquo e certamente atemporal narra o que os olhos começaram a contar. As cores pertencem a um degradeé de uma foto sépia. Uma rua calma. Enquanto algumas meninas insistentemente penteiam as madeixas umas das outras, alguns outros garotos e garotas giram sem parar ao som de suas próprias vozes cantando cantigas infantis. Uma voz infantil ecoa o nome de Joaquim para brincar. Intimidado talvez por medo, talvez por vontade, ele reluta uma ou duas vezes, por charme. Ao perceber que estava prestes a perder a oportunidade da brincadeira, Joaquim adere a ela com uma pressa um tanto voraz. Enquanto de um lado da rua ouvemse as risadas das crianças, do outro, o silêncio conflita com alguns resmungos aromatizados por cachaça. Junto com tal combinação surge aquele mesmo homem cujo nome não importava. Talvez fosse um pracinha ferido na guerra, ou então um viúvo, ninguém sabia tanto quanto ninguém se importava. Mais uma vez, alvoroçadas com sua presença, aquelas crianças iniciaram o ritual momentaneamente cruel contra aquele pobre homem - cuja barba já escondia há tempos suas feições. Apavorado com tal aparição, Joaquim refugia-se nos braços de sua mãe, Marta - uma bela mulher que abdicou de sua beleza pelo lar. Com trejeitos angelicais, a mulher entristece-se com o medo de seu filho (que começara a se tornar constante) e indaga o porquê do desconforto, sem sucesso. “Nada mamãe, nada!”.
A minha idéia aqui era localizar o personagem e colocar a jsutificativa para o abandono, que é latente na vida do palhaço hoje e que esse menino tinha com ele desde sempre. Acho bacana pensarmos que o palhaço hoje em dia sofre esse abandono. O circo que estamos contando aqui implica em uma vida nômade. Abandono de família, falta de vínculo, solidão são coisas latentes. Pode justificarse essa vontade dele pelo circo pelo fato de sempre se sentir só (isso acho mega importante). Marta reluta com Joaquim para que ele volte a brincar, algumas vezes bem sucedida, outras, não. Insistentemente, o medo se faz presente no garoto. A Marta é uma mulher forte. Imaginemos uma mulher que por qualquer razão que não nos importa ou fugiu do marido ou ele a abandonou. Acho melhor ela ter fugido na verdade, mostra aí que ela é uma mulher extremamente forte. Resolvida. Imaginemos que ela fugiu mas que ainda gosta dele, e gostará eternamente (te conto a história da minha bisa depois, é meio inspiração). Ouve-se aquela voz metalizada com o som de um megafone anunciando o circo. - “Não percam essa noite o maior espetáculo de todos os tempos! O circo Icário está de volta. Não percam, essa noite na praça central!”. É o acontecimento da estação. Entre cornetas, trompetes e mulheres barbadas ou fantasiadas, Joaquim cruza a praça central – dessa vez repleta de luzinhas baratas e coloridas - de mãos dadas com sua mãe, direto para a arena. Mais aplausos. Dessa vez não atrás do palco, mas defronte a ele. Um casal jovem de trapezistas carrega consigo a magia adormecida naquelas crianças que se deliciam a cada movimento, com exclamações de louvor e ansiedade. Entram em cena, aqueles que provocam o riso, os palhaços. Músicas alegres envolvendo trapalhadas e cambalhotas emocionam a todos na arena. Por um momento foi possível esquecer os problemas diante da magia vista pelos olhos. Apenas um pequeno garoto não concordou. Longe disso, a maquiagem exagerada e os gestos às vezes obscenos e espalhafatosos impressionaram Joaquim que, apavorado, derramou uma lágrima de medo e de vergonha, escondendo de todos o que sentiu. Aquela coisa de voltar a solidão aí. Ele tem vergonha de ser assim, não queria. Já o circo é aquela coisa mambembe mesmo, mas lúdico ao extremo. Tenho muitas referências visuais aqui em casa, mas não consigo te mandar por email. São livros. Mas pensa nos espetáculos de vaudeville sem freak shows.
Já de noite, em casa, Joaquim olha as estrelas como se aguardasse a realização de um desejo, com os olhos marejados d’água. Respira fundo algumas vezes e fecha os olhos, aguando seu rosto. Adormece. “Ei, Psiu... Ei, garoto, acorda!”. Joaquim, sonolento, esfrega os olhos e olha para frente, sem compreender ao certo o que estava vendo. Esfrega os olhos novamente e, quando percebe, se depara com uma figura uma tanto estranha, com o rosto embranquecido e os lábios com os mesmos traços vermelhos, porém borrados. As vestes eram de panos coloridos e brilhantes e os sapatos, gigantes. Num ataque de fúria, Joaquim expulsa a figura de seu quarto. Ao perceber sua ausência, a chama novamente, mas adormece no silêncio. Novamente Joaquim vai deitar com os olhos nas estrelas. Desta vez ele encontra-se agarrado à sua manta e, diferente da outra noite, espera algo. Quieto, Joaquim faz menção de fazer um pedido, mas hesita. Corrige-se com um sorriso tímido e olha dos lados, certificando-se de que não há ninguém olhando. Não sentiu tristeza pela solidão pela primeira vez. Há um tempo para ele curtir esse momento. Fecha os olhos mais uma vez com um ar de esperança no rosto, com a certeza do que a noite poderia lhe trazer. E esta o traz. Novamente Joaquim acorda com aquela figura excêntrica em seu quarto e, curioso indaga sua aparição. O Palhaço não diz muito, apenas que há um mundo a ser descoberto e convida Joaquim a ir com ele. Decidido, o menino o acompanha. Esse palhaço é o ponto chave. É o único personagem extremamente teatral (em comportamento e figurino). Nele podemos brincar. Achar que estamos num filme do Tim Burton com um figurino de hoje é dia de maria e a fantástica fábrica de chocolate, numa peça infantil. Rs... Precisamos explicitar a exentricidade dele (o primeiro nome desse curta era excêntrico – é um tipo de palhaço, o ass. Do palhaço rico). Não como sendo um ser bizarro, mas um ser FANTASTICO. A praça está completamente nebulosa com a noite. Há apenas uma carroça velha perdida no meio da escuridão, com algumas pinturas já descascadas e um grande letreiro em cima. Nela há uma casinha com uma porta ornamentada, com uma cortina vermelha remendada. De mãos dadas, Joaquim, o Palhaço e seu travesseiro andam em direção a ela. Nesse momento, só a luz da carroça se acende, acentuando cada trecho com uma luzinha, colorindo a madeira, iluminando a rua e o rosto do menino ainda sonolento. O resto da rua ainda está numa enorme escuridão. Joaquim esfrega os olhos e anda para frente, ao encontro da carroça. Uma nuvem de fogo aparece em seus olhos e vemos ali um espetáculo de circo fantástico, completamente diferente do circo que ele vira dias antes. Uma chuva de papéis coloridos, árvores de metal e flores e os artistas mais
habilidosos que ele pudera imaginar. Roupas coloridas e um mundo dos sonhos se abre, diante dele. A partir daqui vira problema. Não sei sair do sonho pra finalizar o filme. Não consigo nem mexer nesse parágrafo. Daqui, a única coisa que tenho é a última cena, o último parágrafo. O dia começa a amanhecer e o primeiro raio de sol toca no rosto de Joaquim, acordando-o. Quando dá por si, o menino está no meio da rua, dormindo apenas com seu travesseiro. Ele levanta, olha ao redor, procura a carroça e o Palhaço sem encontrá-los. Nesse momento o garoto para e sorri. Pensa no que aconteceu. Respira fundo. Olha para sua casa. E sorri novamente. E ri. Muito. E corre atrás da carroça, pensando no que acontecera. Novamente no camarim, Joaquim retira seu último risco de maquiagem do rosto. FIM Dan, isso aqui embaixo era um subtexto do Palhaço no começo. Como se ele contasse a história do passado com essa introdução. Cinematograficamente, acho melhor não ter nada escrito, a imagem pode contar sozinha, mas vc pode ver como subtexto mesmo. Bjim. - É isso que me motiva, sabe? Não só os aplausos não, mas de onde eles vem. Menina, já faz 57 anos que sou palhaço e ainda me emociono com a arena. Lembro da primeira vez que apresentei um espetáculo. Minhas pernas tremiam demais. Lá estava eu diante de inúmeras carinhas curiosas e ainda um pouco assustadas comigo. Lembro de fazer mil coisas. Na época, ainda pertencíamos a uma trupe de mambembes. Viajávamos de cidade em cidade por um bom prato de comida e um dinheiro que nos permitia ir para a próxima cidade. Mas sinto muita saudade daquela época. O que nos motivava? Ah, essa é simples, o sorriso. O riso mesmo sabe? É isso que o palhaço faz, provocar o riso. Sinto saudades dessa vida, de correria, mas hoje em dia meu corpo não agüenta bem não, viu, mas meu coração, ah, esse pode continuar por mais 57 anos, fácil, fácil. Quer saber? Tem mais uma coisa que é fonte de vida pra gente sim, a própria criança. Cada uma vê o palhaço do seu jeito. Umas riem até não agüentar mais desde o momento em que a gente aparece. Agora, a grande maioria se impressiona em primeiro lugar e fica naquele não sei por um tempo... Depois não, depois gosta. E tem também aquelas que choram e se apavoram, assustadas.