AMOR E SANGUE
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No gabinete do delegado da 18ª DP de Conselheiro Bristol, o dr. Rodrigo Cassio de Paiva Junior folheava alguns papéis, enquanto aguardava a chegada de mais um indiciado, que seria trazido da cidade vizinha, Saltinopolis, para interrogatório. O delegado, de vez em quando, arqueava as sobrancelhas, como a prestar mais atenção num ou noutro detalhe do inquérito, deixando à mostra as marcas de expressão em sua testa, apesar de seus 36 anos. Mas sua delegacia, nos últimos meses, estava tendo um movimento acima do normal e ele nao era de deixar nada para depois.Tinha nas veias o sangue de policial e escolheu a carreira por pura paixão,se dedicando à ela, de corpo e alma. Estava ele envolto em seus pensamentos quando, após uma leve batida, a porta se abriu e, por ela, entrou o indiciado, escoltado por dois investigadores do distrito. O homem branco, magro, cabelos, levemente, grisalhos, com algemas nos pulsos, parou em frente à sua mesa e o dr. pediu-lhe que sentasse na cadeira, forrada de courino preto, a sua frente. Após isso, pigarreou levemente e iniciou o interrogatório: - Seu nome? - Daniel Carlos Souza Landin - O senhor sabe do que está sendo acusado?
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- Sim, senhor! Homicídio e agressão. - O senhor é culpado ou inocente? - Culpado, doutor! Culpado! - O que levou o senhor a cometer esses atos, pode relatar? - O amor, doutor! amei demais! Daniel respondia calmamente, com os olhos perdidos no nada, como se estivesse vendo alguém, que só ele podia ver. Dr. Rodrigo deu um sorriso de incredulidade e disse: - Pode ser mais claro senhor? Não entendi! - Vou explicar doutor. Conheci Ângela num encontro de poetas, no Rio de Janeiro, a dois anos. Ficamos amigos e depois passamos a nos comunicar pela internet. Na época, estava num relacionamento complicado e postava minhas poesias e canções em um grupo de amigos, que fazíamos parte. Quando terminei meu namoro, fiz uma música bem triste e postei no grupo; todos entenderam o que havia ocorrido, inclusive Ângela que, logo, se propôs a consolar-me. Ela mostrou-se muito preocupada e passou a me procurar, sempre atenciosa, buscando dar-me uma palavra de carinho. Dominado pela carência, sem perceber, passei a sentir
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falta daquela voz, cheia de ternura e carinho, pois era exatamente disso de que eu necessitava! Em menos de um mês, estava completamente envolvido, apaixonado por ela. Mas, um dia, não demorou muito, doutor, notei algumas mudanças em seu comportamento. - Quais seriam essas mudanças? -
Primeiramente, ela foi se distanciando pouco a pouco, parecendo que, em alguns momentos, me evitava. Nossa comunicação, por vídeo, começou a ser tumultuada! Passei a perceber mudanças em seu comportamento, tornando-se ausente! Embora negasse, sentia que algo havia mudado em seus sentimentos, já que, algumas vezes ficava claro que mentia ou omitia coisas óbvias.
- E por quê? - Ela ficava desatenta, parecendo não prestar atenção no que eu dizia, olhando para os lados, como se tivesse alguém no quarto, ouvindo a nossa conversa. - Mas, o senhor chegou, alguma vez, à ver essa pessoa? - Não doutor! - Senhor Daniel, nesses momentos em que ficava com essa impressão, o senhor havia ingerido bebida alcoólica ou tomado algum remédio controlado?
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- Bebida alcoólica não, doutor, mas, tomo medicamentos antidepressivos e anti ansiolítico. Angela enganou-me covardemente, doutor! Não sou um homem dado a violência, mas, perder a mulher que ama, da forma que perdi, sofrendo todo tipo de humilhações, foi demais pra mim! Nesse ponto do depoimento, Daniel não se conteve e, como uma criança desamparada, chorou! Chorou com soluços que encobriram seus gritos: - Ângela! Ângela! Porque fez isso, você disse que me amava! Depois disso, Daniel foi recolhido à cela,, ficando na sala, somente, o delegado e o investigador Adalto Santiago, que se entreolharam, surpresos, pela coragem do indiciado que, em momento algum, negou sua culpa no homicídio. - Que história, heim dr. Rodrigo?” – comentou o agente. - Sabe, Adauto, dá a impressão de que Daniel quer mesmo ser condenado! No fundo, apesar de assumir que não se arrepende do que fez, está querendo se punir pelo ato praticado. Com certeza, doutor, pois cometeu o homicídio por ter perdido a mulher para outro homem! Mas, tem coisa errada nessa história, doutor! Pode crer que tem!
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- O que acha que pode ter Santiago? Vejo um crime passional clássico, aqui! - Não, doutor! Tem mais coisa aí! A forma como ela se aproximou, a súbita paixão! Sem contar as juras de amor dela e, em tão pouco tempo, já passar as "galhas no infeliz!Para mim, parece coisa arranjada. Dr. Rodrigo pensou, mastigando o seu inseparável palito de fósforo e então concluiu: - Sim! É possível, Santiago! Tem a história da internet; já sabia das fraquezas dele e...espere! Está pensando num golpe? -
E porque não, doutor?
- Sempre ouvi dizer e sei de casos envolvendo pessoas de posses, mas, está claro que não é o caso do poeta. O homem é "duro" como pedra! - Pois é doutor, mas as coisas mudam, não é? Acho que vale a pena fazer umas perguntinhas para a "bonitona" da Angela Bernardi, não acha, dr. Rodrigo? Na investigação, foi apurado que após descobrir a traição, Daniel passou a investigar os passos de Ângela, principalmente nas redes sociais e entre seus contatos, haviam pessoas ligadas a vítima, o que facilitou sua identificação.
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Segundo o próprio Daniel, após comprar uma arma sem registro, parou num bar freqüentado por caminhoneiros e lá conheceu Amaury, o homem que aceitou lhe dar carona até a cidade onde morava a vítima. Até então, o carreteiro não sabia o motivo da viagem, mas, no caminho, Daniel foi contando e o motorista, penalizado, resolveu ajudá-lo, sem no entanto, participar do delito. A viagem durou dois dias, pelo fato do caminhão ser obrigado a parar para descanso, por determinação da transportadora ,e ao chegar, hospedaram-se numa pousada. No dia seguinte, saíram a andar pela cidade. Pararam num bar de aparência humilde, onde vários homens bebiam e conversavam. O caminhoneiro, usando sua experiência de estrada, entrou entre eles com simpatia, oferecendo bebidas, contando piadas e logo todos ficaram amigos, como se fossem velhos conhecidos - a bebida tem esse poder. Depois de muitas rodadas e muitos risos, Daniel como quem não quer nada, passou a falar de mulheres, e foi logo perguntando sobre as moças da cidade onde a conversa virou um falatório incompreensível, pois todos queriam falar ao mesmo tempo! Malaquias, um mulato forte, que parecia saber tudo o que acontecia na cidade, tomou a palavra:
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- Moço, as moças aqui são quase tudo casadas ou estão enrabichadas com alguém e as solteiras, bem, as solteiras estão todas correndo atrás do bonitão do Leandro Loretto, mas, esse aí, prefere procurar mulher casada em outra cidade! Um dia esse sujeitinho vai quebrar a cara! Naquele instante, Daniel sentiu uma pontada no coração, pois estava confirmada a traição de sua amada esposa, e o pior, com um cafajeste da pior espécie, mas ele pagaria por isso, com certeza pagaria! Saíram do bar e foram novamente para a pousada combinar o momento certo de agir. Descobriram que o rapaz saía de casa as 9 da manhã para o trabalho e ,também, o trajeto que faria até lá. Às 8:20h já estavam lá e, às 9:05h, Leandro saiu de casa, mas, não saiu sozinho. Para desespero de Daniel, Ângela o acompanhava e, de mãos dadas, se encaminharam para a outra calçada. Nesse momento, Daniel surgiu de detrás de um muro e disse: - Tua hora chegou seu maldito! Você nunca mais vai estragar a felicidade de ninguém! Sob os gritos desesperados de Ângela, atirou quatro vezes contra seu desafeto que caiu morto na hora, em meio a uma poça de sangue. Após a lavratura do flagrante, Daniel foi removido para um Centro de detenção provisória, localizado em local ermo da cidade, onde aguardará julgamento.. Sua estada naquele CDP foi serena. Todos observavam seu
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silêncio e, muitas vezes, suas lágrimas, quando estava com seus únicos amigos, o caderno e a caneta! Daniel compunha canções e poesias, sempre recordando sua amada! Não guardou rancor por ela, ainda que o tivesse enganado, pois, seu amor, era mais forte que seu orgulho.
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Naquela manhã de sexta-feira, exatamente, oito dias após receber alta do hospital, pois foi internada com abalo nervoso, em consequência de ter presenciado o homicídio, Ângela amanheceu indisposta e mal humorada para comparecer à delegacia de polícia, para depor sobre o crime. Ao lembrar desse detalhe, estremeceu. Suas lembranças sobre o fatídico dia pareciam-lhe distantes. Seus pensamentos, sobre aquela maldita cena, pareciam se passar como um filme, em preto e branco ou, até mesmo, como um pesadelo - um pesadelo horrível, que no seu ápice faria-a abrir os olhos e terminaria com um final feliz, mas, não foi o que aconteceu! Infelizmente tudo ficou muito real em sua mente. Imagens e sons que, ao misturar-se, formavam-se numa ciranda macabra, onde ela ficava, exatamente, no centro. Ela era o pivô, a causadora daquela tragédia!
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Levantou-se, à contra gosto e, após a higiene matinal, dirigiu-se à copa, onde sua mãe já a esperava para o café da manhã. Comeu uma fruta e tomou um pouco de suco, sem a menor vontade. Retornou a sua suíte e, enquanto se vestia, pensava em como seria na delegacia. A muitos anos, esse foi o seu principal temor, quando… interrompeu o pensamento ao ouvir o toque do celular. Era Carlos: - Alo! Oi Carlos! Tudo bem “boneca”? - Tudo! E vc minha rainha? Preparada para a guerra, Angelzinha? - Preparada? Estou, desde já, entediada com essa chatice, isso sim! -
Imagino como se sente, querida! Além de estar no meio do bang bang, ainda ficou sem o “bofe”! Ai! Só de imaginar me dói o útero! Affffff…! Angela, apesar de conhecer e amar Carlos, como a um irmão, não gostou da brincadeira. Ao seu ver, fora de
hora e reagiu irritada: -
Está caçoando de mim, bicha horrorosa? Quer ficar sem o resto de bunda que tem? Mais um gracejo sobre esse assunto e vou matá-lo!!! Carlos, ao perceber a irritação de Ângela, riu disfarçadamente, tapando o fone com a mão e depois dizendo:
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- Nossa, rainha, não fique assim! Sabe que antes de “exterminar” Carla, alguém exterminaria você...(risos)! Sabe o Armando Chacal? Então, linda..,está desconfiado! - Disse isso, alongando a frase e afinando a voz, para dar mais ênfase, e criar suspense ao comentário. Ângela, mais uma vez, explodiu: - Mas, será possível que, essa borboleta desbotada, hoje, tirou o dia para me infernizar? O que tem o velho miserável? Diga logo, espantalho, gay, de milharal! - Depois dessa tirada de Ângela, não foi possível manter a seriedade da conversa. Carlos explodiu numa gargalhada histérica e Ângela, embora tentando segurar, acabou gargalhando também e a conversa tornou-se mais descontraída! Carlos, disse a Ângela que notícias chegaram da casa onde estava, em missão e Chacal teve uma explosão de nervos ao saber que ela, Ângela, estava tendo relações com o “peixe” - apelido dado pela quadrilha as vítimas, de forma nada profissional. Além de tudo, essa vítima, vinha investigando Angela e chegou a cogitar que ela seria integrante de um grupo de golpistas,.que estaria tentando lesá-lo! Ângela, ouvindo aquilo, prende a respiração, pois, a informação era verdadeira. Daniel a conquistara com seu carinho, com sua fragilidade, com palavras, poesias e canções à ela dedicadas. A verdade é que, todo esse carinho,
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foi também para a cama, fazendo, pela primeira vez, desde seu ingresso na organização Alpha, fracassar no seu intento. Sabia que isso fazia com que abrisse a guarda e que Daniel, que era muito observador, “pegasse” alguma gafe e chegasse ao ponto de ver, seu grande amor, como uma bandida, quadrilheira. Tentando manter a calma, Ângela respondeu, com ar de superioridade: -
Carlito! Nao me conhece mais? Ainda sou sua Fabulosa Angel, a mulher infalível da Organização Alpha! Não esquente a cabeça “menina”, aquele peixe pode até ser diferente, mas, é peixe e eu o tenho na minha rede! E logo vai pintar casório, Bi... e você será madrinha, bruxa nariguda! E quanto ao cretino do Chacal, muito em breve terá de mim o que merece. Cafetão, desgraçado!
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APERTANDO O CERCO
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Dois dias depois de confirmadas as suspeitas de um esquema montado, nao se sabia por quem, para aplicar golpes, o delegado, Rodrigo, dirigiu-se a Saltinópolis, afim de encontrar-se com o delegado local e propor uma ação conjunta, entre as policias da região, para investigar, quem sabe, uma quadrilha de falsários ou golpistas que, segundo as averiguações, sobre uma pessoa suspeita, tinha ramificações por vários estados do paí. O delegado Reinaldo Cruz, imediatamente, se pôs à disposição de Rodrigo que, entre todos os agentes apresentados, escolheu dois para ir com ele para Conselheiro Bristol, apoiá-lo nas investigações. Quando escolheu, Luiz Alberto e Rita de Cássia, já sabia qual incumbencia daria à cada um deles. Rita era uma agente que podia se chamar de completa!Apesar de ser expert em tiro à distância e artes marciais, não trabalhava nas ruas, pois, seu talento elucidativo, já havia desfechado vários casos complicados, apenas com seu poder de dedução, ficando responsável em investigaria as gravações de áudio, além de auxiliar em outras situações especiais. Luiz Alberto, esse foi escolhido por ser a imagem e semelhança de Leandro, o amante assassinado de Angela. Obviamente, Luiz tentaria se aproximar de Angela e tentaria seduzi-la, para ter acesso às particularidades da suspeita.
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Traçados os planos, os três seguiram para Conselheiro Bristol, no carro do delegado que já os deixou despreocupados, quanto à hospedagem e outras necessidades.
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NA SAIA JUSTA
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Ângela dirigia pela Avenida Keneddy, pensativa, quando, de repente, começou a pensar em Daniel e em como tudo começou, um ano antes. Daniel era um homem diferente de todos os outros “peixes”. Além de romântico, carinhoso, fazer poemas e músicas lindas para agradá-la, tinha um lado, nada interessante, para os fins da Alpha. Era muito esperto e, depois de algumas gafes da parte dela, ele passou a ficar desconfiado e a todo momento enchê-la de perguntas. Ela era obrigada a informar cada passo seu aos superiores e, por isso efetuava e recebia muitas chamadas, onde Daniel, obviamente, passou a fiscalizá-la também. Isso irritou, profundamente, os chefes dela, do Rio de Janeiro, que marcaram uma reunião e decidiram pôr em prática o plano dois, que era usado quando o trabalho colocava a Alpha em risco. Tal plano consistia em Ângela sair da vida de Daniel e depois alguém do bando se encarrega de eliminá-lo! Ao saber disso, Ângela sentiu uma angústia! Seu coração, tão habituado às coisas da Alpha, dessa vez sentiu-se ferido. Não! Não deixaria que o matassem! Ela impediria de qualquer jeito! Passavam das 11:15h quando, se desculpando, entrou na sala do delegado que a recebeu com cortesia, oferecendo-lhe água e café. Ângela aceitou a água, pois sua garganta estava seca como o deserto. Dr. Rodrigo perguntou sobre o dia do crime e Ângela confirmou o que estava registrado, pelos depoimentos de Daniel e de uma testemunha, negando apenas o fato de “estar de mãos dadas com a vítima, Leandro, que era
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apenas seu amigo. Não confirmou o ataque a Daniel. Disse que, nervosa, agarrou-o pela camisa e sacudiu-o, gritando porque fizera aquela loucura. Informou que Daniel andava cego de ciúmes, passando a investigar sua vida e, como tomava medicamentos, anti-ansiolíticos e antidepressivos, tinha alucinações, via coisas inexistentes, enfim, era um homem doente e perturbado, que depois, fazendo o que fez, mostrou-se, também, vingativo e violento. - Desculpe-me dona Ângela, mas seu marido me pareceu ser uma pessoa equilibrada e de boa índole - disse Dr. Rodrigo, olhando-a de soslaio. Em seguida, abriu uma gaveta, de onde tirou alguns envelopes pardos e, olhando-a nos olhos, perguntou: - A senhora sabe o que são esses papéis? - Ela negou com um movimento de cabeça. Ele então, leu algumas peças do depoimento de Daniel e da testemunha ocular. Aqueles movimentos quase em câmera lenta, do policial, tinham o intuito de perturbá-la e o dr. Rodrigo estava conseguindo! Ângela, nervosa, respondeu negativamente. Dr. Rodrigo disse a ela tratar-se dos históricos telefones pertencentes a ela. Pediu que examinasse as ligações grifadas com caneta marca texto e dissesse se estava lembrada de realizá-las e recebê-las? Ângela olhou cada uma delas por uns minutos e, finalmente, respondeu que jamais
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participou, de nenhuma forma, daquelas ligações. O delegado, então, ficou olhando-a dentro dos olhos, por alguns segundos, com um rictus de sarcasmo e raiva no semblante. De repente, deu um violento soco na mesa, gritando: -
A SENHORA PENSA QUE SOU ALGUM IDIOTA? FORAM VÁRIAS LIGAÇÕES DA SENHORA PARA ESSE NÚMERO! QUER SABER A QUEM PERTENCE, OU NÃO PRECISO FALAR? ACREDITO QUE NÃO, NÃO É MESMO, POBRE SENHORA INOCENTE? Depois, respirou fundo e prosseguiu, desta vez, em voz baixa:
- Saiba que estamos recuperando os áudios dessas ligações e, se por acaso, a senhora estiver mentindo, não terei a menor dificuldade em abrir um inquérito de falso testemunho contra a senhora? Fique certa disso! Ângela, indignada, levantou-se da cadeira e questionou o delegado: - Dr. Rodrigo, volto a afirmar que não fiz e não recebi tais ligações, mas, parece que o senhor insiste em dar descrédito a minha palavra! Vai formalizar suas denúncias contra mim? Vou precisar de um advogado? Ângela pronunciou essas palavras com sangue nos olhos. Pela primeira vez, o delegado Rodrigo, conheceu essa outra face daquela mulher que, até aquele momento, se mostrava dócil, de fala mansa e sorriso nos
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lábios. Ele disse que provavelmente a “convidaria”, caso houvesse novidades; obviamente, referindo-se aos áudios. Ângela, irritada, respondeu: - Acho que o doutor. está habituado a lidar com outro tipo de pessoa, não e Dr. Rodrigo? Quem pensa que eu sou, Sr delegado? A resposta de Rodrigo mexeu no íntimo de Ângela, fazendo-a tremer: - Boa pergunta, dona Ângela Marta Bernardi, quem é a senhora? Ângela levantou-se, como que picada por uma cobra e disse irritada: - Pois bem, dr. Rodrigo, diante dessa sua insinuação desrespeitosa, creio nada mais ter a fazer aqui! Estou a sua disposição, sempre que precisar e tiver algo coerente para me dizer! Passar bem, doutor. - Disse essas palavras com desprezo na voz e, girando sobre os saltos, saiu, sem olhar para trás. Ângela saiu da delegacia sentindo-se desconfortável. Aquele delegado era realmente, como dizem pela cidade, “carne de pescoço”! Mas, o que estaria insinuando à seu respeito? Após refletir, por instantes, concluiu o pensamento: “Obviamente, nada! É apenas um policialzinho, provinciano, idiota, metido a Sherlock Holmes!”
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Rindo do próprio deboche, atravessou a rua e dirigiu-se a uma lanchonete, para tomar um café, pois “estava precisando”, pensou. Entrou no estabelecimento e solicitou, ao copa, que lhe trouxesse uma água mineral, com gás, um café forte e uma aspirina, pois sua cabeça parecia pesar uma tonelada. O rapaz afastou-se e, abrindo a bolsa, tirou o celular. Fez um movimento, como se trocasse o “chip” do aparelho e efetuou uma ligação. Aguardou alguns instantes e travou o seguinte diálogo: -
Alo! Ola Carlos!
- Ola, minha rainha! Está tudo bem com você? - Sim, está tudo bem, eu acho! - O que houve, Angel, como foi na delegacia? - Aí é que tá, Carlito! O doutorzinho parece não acreditar muito em mim. - Sabe como funciona, não é rainha? Estamos com você! Não abra a boca sobre a Alpha. - O que ta usando, “mona”? Pirou é? - Sei não, viu, rainha? Você deu mole, nesse seu caso de São Paulo e existem rumores aqui de uma reunião com você! Fica de antena ligada.
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- Ok, Carlito! Sei me cuidar muito bem! Mas, obrigada por me avisar. Te amo linda! Carlos suspirou feliz, do outro lado da linha. Amava Ângela e adorava quando ela, para inflar seu ego, o tratava como mulher,pois, era assim que sentia - mulher! Ângela, pensando em Carlos, sorriu! Guardou o celular e, ao levantar-se da cadeira, para ir ao caixa pagar a despesa, notou que numa mesa atrás de onde estava encontrava-se sentado um homem, tomando uma xícara de café. Este, ao perceber-se notado por ela, deu um sorriso, cumprimentando-a, com um gesto de cabeça. Ela o ignorou, pois estava acostumada à esse homens, metidos a conquistadores e…, estancou o pensamento, sentindo o sangue gelar nas veias! Olhou, disfarçadamente, em direção ao homem e uma sensação de terror lhe percorreu o corpo inteiro ao reconhecer o investigador, Adauto Santiago! Desconcertada, pagou a despesa, sem esperar o troco e saiu rapidamente, em direção ao estacionamento, onde deixara o carro. Entrando no veículo, respirou fundo, sentindo-se segura, como se ali nada pudesse prejudicá-la. Na verdade, Ângela estava em pânico e seu instinto de defesa lhe dizia que precisava fazer algo, para defender-se, urgentemente! Ligou o rádio e deu partida, pretendendo ir para casa, tomar um banho e descansar, para relaxar a tensão. Estava esgotada! Pensou - “Que dia dos diabos! Espero que agora melhore!”
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Dirigia e pensava nas palavras do delegado - “ Realmente, teria que ter muito cuidado com aquele sujeitinho, pois ele era intrometido, o suficiente, para colocá-la em maus lençóis!” De repente, o carro passou a fazer um ruído estranho e pender para a direita. Imediatamente percebeu o que ocorrera, mas não queria acreditar. Olhou pelo retrovisor e confirmou, o pneu traseiro havia furado! Falou um palavrão em voz alta, enquanto estacionava na guia. Desanimada, pôs as mãos sobre o volante e, sobre elas, a cabeça. Teve vontade de chorar naquele momento, mas, de que adiantaria? Sem contar que ela não era de chorar a toa. Preferia combater o motivo da sua tristeza, da sua angústia. Fora isso, que a vida lhe ensinara, desde que entrara na Organização Alpha, enganada pelo bandido Armando Chacal, que a aliciara aos vinte e três anos de idade, prometendo-lhe um emprego decente, com altos ganhos e depois descobrir ter sido aliciada por uma quadrilha, da qual não podia sair,pelo menos, com vida. Estava procurando o telefone do mecânico, na agenda do celular, quando alguém dirigiu-se a ela, na janela do seu carro, dizendo: - Ola, senhora! Parece estar com problemas! posso ajudá-la?
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Ângela, mais uma vez, pensou, irada - ”Mas que diabos! Será que o mundo está contra mim?” – Pensou isso, pois, quem lhe oferecia ajuda era Adauto Santiago, o policial, o mesmo de quem tentou escapar na lanchonete! Tentando manter a calma, aceitou o auxílio e, agradecendo, foi ao porta malas, pegar as ferramentas necessárias para a troca de pneus, assim, como o pneu reserva. O investigador, enquanto trabalhava, conversava sobre informalidades, mas, de repente, perguntou: - A senhora, não é Ângela Bernardi? - Sim, sou! - Adauto, disse tê-la reconhecido pelas manchetes de jornal, quando foi vítima de um crime e, também, da delegacia. Disse isso oferecendo-lhe seu cartão, enquanto se apresentava: - Sou Adauto Santiago, investigador de polícia, prazer senhora! Precisando de mim estou as ordens! Ângela agradeceu com os lábios, enquanto mentalmente proferia uma maldição. Parecia que agora toda a polícia iria persegui-la...Não! Isso não podia acontecer!
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O JÚRI JÚRI
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Após a lavratura do flagrante, Daniel foi removido para um Centro de Detenção Provisória, localizado em local ermo da cidade, onde aguardará julgamento. Ângela, que encontrava-se hospitalizada, seria ouvida logo que tivesse alta. A estada de Daniel naquele CDP foi serena. Todos observavam seu silêncio e, muitas vezes, suas lágrimas, quando estava com seus únicos amigos - o caderno e a caneta! Daniel, compunha canções e poesias, sempre recordando sua amada. Não guardou rancor por ela, ainda que o tivesse enganado de forma tão covarde. No dia 14 de maio de 2019, o vistoso Salão do Júri do Fórum de Conselheiro Bristol, estava com sua galeria totalmente tomada pelo público, devido a repercussão do caso. No plenário, se encontravam o Promotor, Celso Carlos Ritt Manzinni, para a acusação, o advogado de defesa, nomeado pelo Estado, Tarcisio Moura de Carvalho, o corpo de jurados, composto por 4 homens e 3 mulheres e, no banco dos réus, Daniel, o poeta, agora chamado assassino do amante da esposa. Como de praxe, o juiz, Marcos Cesar de Almeida Rossini, mandou que sua escrevente lesse a peça de acusação. Isso feito, foram chamadas as testemunhas, na verdade, apenas duas - uma senhora, residente quase em
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frente ao local dos fatos, que na hora varria seu quintal e a própria Ângela, que também figurava como vítima de agressão no processo. A primeira a depor foi a dona de casa Maria Aparecida Alves de Souza, dizendo que, naquela manhã, varria seu quintal, que fica em frente ao local do crime e viu quando um homem branco, magro, usando calça jeans e camisa vermelha, abordou um casal que vinha em sentido contrário, na mesma calçada, pronunciou algumas palavras, mas só conseguiu ouvir “maldito”, já que as outras foram abafadas pelo barulho dos tiros, que pareceu-lhe serem quatro ou cinco, porém, não tinha certeza. Disse ter reconhecido a vítima como o vizinho, de nome Leandro, morador a mais de 16 anos no bairro, não reconhecendo o atirador. Nesse momento, fez-se um grande silêncio no salão. O juiz chamou Ângela para testemunhar - esse era o momento que todos aguardavam. Ela entrou elegantemente vestida, num vestido preto, de tecido fino, que marcava levemente as curvas do seu corpo sem, no entanto, ser imoral. O decote, ensaiava mostrar os seios bem feitos, mas, também, não era indecoroso, apenas, finamente sensual.
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Ângela respondia calmamente todas a perguntas do promotor, que, como sempre, o faz tentando mostrar a figura do réu como um assassino frio e calculista, que premeditou, planejou e colocou em pratica um crime motivado por vingança, para lavar a sua honra de machista. Perguntou se Ângela tinha realmente um caso com a vítima, ela negou, dizendo que era amiga da família e que pernoitou na casa dele , na noite anterior, porque ficaram conversando, se distraindo e a mãe de Leandro, dona Vera, pediu para que ela ficasse, devido ao adiantado da hora. Ângela disse ter aceitado, pois realmente teme dirigir tarde da noite, já que há muitos assaltos na região. Assim que o promotor terminou de interrogar a testemunha, o advogado de defesa, levantando-se da cadeira, passando à interrogá-la. O dr. Tarcísio era um advogado dos mais competentes e combativos da região. Herdou de seu pai o amor pelo Direito e, mesmo trabalhando como dativo, não esmorecia, estudava o processo, buscava falhas na investigação, ia realmente com fibra em busca de vencer a causa! E no caso em questão, não que concordasse com o crime, mas não via em seu cliente a periculosidade que a acusação tentava lhe atribuir. Na verdade, via Daniel como um bom homem que foi vítima de uma mulher desleal e, que pra sua má sorte, veio a amá-la. Iniciou de forma serena, perguntando como havia conhecido o réu. Ela confirmou a versão dada à polícia. Perguntou se a relação deles era calma. Daí as perguntas foram ficando mais intimas e a platéia começou a segurar o fôlego, ao passo que o advogado alterava o tom de voz e fazia as perguntas mais rapidamente, começando à
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desnortear Ângela que já estava enrubescendo, quando o dr. Tarcisio perguntou se ela costumava ter casos extraconjugais, onde ela respondeu um não quase gritando, demonstrando-se indignada e insultada. Nesse momento, o promotor protestou, junto ao Juiz, alegando que o causídico estava constrangendo a testemunha. O advogado, então, colocou as mãos para trás, passando à andar, quase em passo de marcha, pelo tablado, como à preparar uma bomba contra Ângela que, a essa altura, já estava a beira de uma crise de nervos. Dr. Tarcisio parou ao lado da cadeira de Ângela e falou, quase que dentro do seu ouvido: - A senhora não estava de mãos dadas com a vítima, dona Ângela? Ela respondeu que não e disse mais, que isso era fruto da imaginação de Daniel que, além de depressivo, estava acometido de um ciúme doentio e vivia investigando sua vida para lhe arranjar amantes já que, ela mesma, nunca os teve. Que nunca conseguiu enxergar que o amava. No fundo, o pobre estava mesmo doente! Dr. Tarcisio, rindo ironicamente, disse: - A senhora está me dizendo que, tudo isso, foi inventado, pelo seu marido, somente para acusá-la? A senhora sabe, por exemplo, que esses telefones no seu histórico, tem conversas da senhora com esse seu amigo e que,
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as conversas ouvidas, são de amantes, não de simples amigos? E estão investigando mais coisas, sra inocente? A coisa não vai parar por aí! O promotor surtou de novo, alegando que o advogado estava incluindo outro caso alheio ao processo e, dessa vez, foi atendido. Angela, não suportando a pressão, pediu, ao magistrado, licença para beber água e ir ao sanitário, no que foi atendida prontamente. Na copa do Júri, Ângela tremia tanto, que mal conseguia segurar o copo. Estava realmente em maus lençóis, pensou. Mas, acontecesse o que acontecesse, iria negar, negar, negar até a morte! Seria presa por falso testemunho, mas nunca pelo verdadeiro motivo! Jamais falaria! Depois disso, o júri entrou em recesso e Ângela, alegando mal estar, foi dispensada pelo juiz, ficando de sobreaviso, caso precisassem dela em outra oportunidade. Ângela desceu a escadaria do Fórum, ainda tensa, dando graças a Deus por ter vindo de taxi, pois, no estado de nervo em que se encontrava, provavelmente, não conseguiria dirigir. Ficou no ponto mais ou menos dez minutos, quando um Siena preto parou junto a ela; o motorista abriu o vidro e, sorrindo, ofereceu carona, era
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Sérgio. Ela não saberia dizer o porque, mas sentiu um bem estar ao vê-lo! Naquele instante, passou a recordar o dia em que o conhecera: “Em uma tarde de sábado , ela estava entediada. Os problemas que teria que enfrentar povoavam-lhe os pensamentos, roubando-lhe a paz. Tentou entreter-se com um livro, mas, não conseguia concentrar-se na leitura. Assim sendo, pegando o celular, ligou para sua velha amiga Flávia, convidando-a para irem ao shopping, a fim de fazerem umas compras ou, quem sabe, irem ao cinema. Lá chegando, entraram em uma loja de roupas femininas e, enquanto Flávia abarrotava uma sacola com roupas para provar, ela, desinteressada, foi para a porta da loja. No corredor barulhento, entre várias pessoas que por ali circulavam, um homem lhe chamou a atenção. Meu Deus, como pode, ele é a cara do Léo!- pensou naquele momento. Num impulso, entrou na loja e, dando uma desculpa, passou a apressar a Flávia. Saíram da loja, carregadas de sacolas e foram para a praça de alimentação. Sentaram-se e pediram sanduíches e sucos. Enquanto se alimentavam, ela olhava em volta, porém, o “tal homem” não estava por ali. Ao terminarem, se dirigiram para o elevador do quarto piso para chegarem ao terceiro, quando, inesperadamente, ele entrou, ficando, praticamente, cara a cara com ela e, demonstrando um falso constrangimento, sorriu para ela, enquanto elogiava seu perfume. Ao saírem, Sérgio, era esse o seu nome, ofereceu-lhes carona, mas ela disse que estavam de carro, assim sendo, trocaram telefones. Não entraram logo em contato, onde, somente agora, por acaso, se encontraram”. Abriu a porta e acomodou-se no banco do passageiro;
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cumprimentou Sérgio com um beijo no rosto. Ele deu uma desculpa para novamente encontrá-la por acaso e, em tom de brincadeira, perguntou: -
Então, senhorita Ângela, quando iremos pegar um cineminha, jantar? Espero que não demore! Ok. Angela estava distraída e quase não prestou atenção no que ele dizia. Na verdade, estava prestando atenção
na semelhança com Leo, como o chamava na intimidade. Disse que, logo que resolvesse alguns problemas desagradáveis, aceitaria o convite, pois estava mesmo precisando se divertir um pouco. Sérgio aproveitou a deixa e falou maliciosamente: - Hum, desde que a vi sinto essa vontade! Ela sorriu confusa e perguntou: -
Vontade de que?
-
Ora Ângela! De me divertir, muito, com você! Afinal, você é linda! Ela riu, fingindo-se encabulada; deixou o ar mais sério que pode e disse:
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- Sergio, confesso que me sinto atraída por você, mas não sei se estou preparada para um romance agora. Faz tão pouco tempo, e... Interrompeu a frase ao perceber que poderia estragar tudo, contando sobre o crime! Sergio fez-se de discreto e não insistiu. Disse que esperaria o momento certo para ela. Ângela agradeceu. Nesse momento percebeu que estavam bem próximos à sua casa. Sergio estacionou em frente ao portão. Ângela agradeceu a carona e, quando ia abrir a porta para descer, Sérgio puxou-a, delicadamente, pelo braço e beijou-a suavemente nos lábios. Ela retribuiu, só que com mais ardor e depois vieram muitos outros beijos. Assim, um romance inusitado se iniciava. Ângela entrou em casa, quase correndo. Dona Antônia, vendo a filha passar feito um raio, fez uma cara de espanto e continuou na sua tarefa culinária. A filha, por sua vez, pegou suas roupas e foi imediatamente para o banho; estava um calor insuportável e, além de tudo, aquilo que ocorrera minutos atrás, quase a fez incendiar. Deixou a água fria,escorrer pelo corpo, desfazendo a tensão. Passava o sabonete pelo corpo com suavidade e, de repente, trocou o sabonete pelas mãos, começando a acariciar-se no pescoço, colo, seios, abdômen e, quase sem perceber, masturbava-se, deliciosamente, sentindo cada toque dos seus dedos, como um afago na alma! Na sua
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mente, as imagens de Leo, Sergio e Daniel, se misturavam numa fantasia louca, que a fez explodir num orgasmo longo, intenso, estonteante.
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NO CÁRCERE
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Passaram-se seis meses após seu julgamento e Daniel tornara-se uma pessoa cada vez mais calada, taciturna. Evitava ficar perto de outras pessoas, não por medo, preconceito ou coisas assim, mas, porque não queria falar. Ali, todos faziam questão de contar seus crimes ou jurar suas inocências, mas, ele, ao contrario, preferia não falar sobre o assunto. Não, não sentia remorsos ou nenhum tipo de arrependimento. A seu ver, o que fez, foi por amar a mulher que o desgraçado ousou tocar. Assumiu sua falta de arrependimento, diante do juiz e isso aumentou sua pena - 16 anos atrás das grades. Apesar de saber que isso iria diminuir, era muito castigo, por ter tirado do mundo aquele verme. Na verdade, sofria mesmo pela perda de Ângela! Pensava nela 24 horas por dia, não conseguia odiá-la pelo que fez! Pensando nela, pegou seu caderno e começou a escrever, como fazia sempre. Naquela noite, Daniel escreveu, até adormecer, uma poesia forte, comovente e tão corajosa que deixou ao menos um nó na garganta de todos que a leram. Esses foram seus últimos versos... POR TEU AMOR CEGUEI MEUS OLHOS, CALEI MEUS LÁBIOS, TAPEI MEUS OUVIDOS,
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ESTACIONEI MEUS SENTIDOS, ATÉ MESMO O SEXTO A CHAMADA INTUIÇÃO... POR TEU AMOR ME ESVAZIEI DO AMOR PRÓPRIO ME ENCHI DE CORAGEM E MATEI O MEU ORGULHO POR QUE TE AMO MAIS QUE A MIM MESMO. ATIREI A ESMO E ACERTEI MEU CORACAO. POR QUE TE AMAR E UM DELICIOSO PERIGO E SORRIR, E CHORAR, E DEIXAR VOCÊ BRINCAR DE AMAR COMIGO, E NUM TRAPÉZIO DE CORDAS CORROÍDAS, LANÇAR-ME NO VÁCUO ESPERANDO CAIR EM TEUS BRAÇOS. E AINDA QUE LÁ, NADA ENCONTRE NO INFINITO MORREREI SONHANDO
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O SONHO MAIS BONITO QUE É DORMIR NO TEU ABRAÇO TE AMANDO ASSIM, ETERNAMENTE NO INFINITO
A campainha tocou, no Presídio Estadual, exatamente às 6 horas da manhã. A partir desse sinal, todos os internos deveriam levantar-se, imediatamente, de suas camas e, após suas assepsias corporais, dirigir-se ao pátio para o café da manhã. O burburinho de camas rangendo, movidas pelos sustos de seus ocupantes, misturavam-se aos gritos dos guardas nas galerias, avisando aos retardatários que apressem-se. Na cela 22, de repente, os presos começaram a chamar pelos guardas que, rapidamente, pensando ser alguma das badernas comumente causadas por eles, dirigiram-se para lá .Um senhor negro, já com seus 60 anos de idade, que dividia a cela com Daniel e mais 12 detentos, aproximou- se das grades e comunicou ao agente que O Branquinho não havia levantado, por mais que o tivesse chamado. O funcionário, então, acionou o alarme de emergência e solicitou a remoção de Daniel para a enfermaria.
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Imediatamente, tentaram reanima-lo, mas não conseguiram. O médico aferiu a pressão arterial, auscultou os batimentos cardíacos e, vendo as fracas pulsações do preso, solicitou que fosse para o hospital rapidamente. Daniel foi direto para o CTI, sendo logo posto no balão de oxigênio, já que respirava com dificuldades. Na sala ao lado, três médicos analisaram os raio x de tórax e da cabeça de Daniel e suas expressões iam ficando pesadas, conforme iam estudando os exames. De repente, o grupo vestido de branco se desfez, o mais velho deles, enfiou as mãos nos bolsos do avental e, cabisbaixo, saiu da sala. O outro, de meia idade e, ligeiramente, calvo, com os exames na mão, dirigiu-se ao CTI e, o mais jovem deles, andou pelos corredores, em busca de parentes ou do responsável pela internação de Daniel, que era um diretor do presídio, com quem conversou em voz baixa por alguns minutos, sem fazer gestos e logo retornou a sala dos médicos, daquele hospital. O funcionário público, então, saiu do hospital, já tirando do bolso o celular para, obedecendo a orientação do médico, chamar a família de Daniel, para notificá-los que o caso era irreversível e, provavelmente, não passaria daquele dia! Ângela chegou em sua casa, por volta das 11h da manhã, pois tinha passado a noite no apartamento de Sérgio, o que, praticamente, já havia virado rotina em sua vida. A paixão avassaladora, definitivamente, tinha se tornado a melhor parte de sua conturbada vida e, por isso, tornara-se prioridade. Às vezes lembrava do risco que
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corria, porém, ela nunca desistia de nada que a fizesse se sentir bem, mesmo que tivesse que sofrer as conseqüências depois! Assim era Ângela Marta Bernardi, uma mulher intensa e determinada. Foi para o seus aposentos, pegou uma muda roupas e, como sempre fazia, pensava em tudo enquanto tomava seu relaxante banho morno. Em dado momento pensou em Sérgio, o que estaria fazendo! Será que pensava nela, como ela pensava nele? Ele parecia estar sendo sincero e suas paixões igualavam-se. Ele parecia estar louco por ela e isso, claro, não a surpreendia. Ângela conhecia seu poder de sedução e de amante! Pensou com um sorriso de satisfação - “Eu sou fantástica!” Foi para a copa fazer um lanche e estava à mesa, quando ouviu o toque do telefone residencial. Era um diretor
do
presídio.
Sobressaltou-se,
levantando
da
cadeira,
ouviu
seu interlocutor, respondendo,
monossilabicamente, enquanto seu rosto, naturalmente branco, tornava-se pálido. Vestiu a primeira roupa que viu pela frente, penteou-se, borrifou seu perfume predileto e saiu pelo corredor, mais correndo que propriamente andando. Chegou à garagem, entrou no carro, acionou controle remoto do portão e, mal este se abriu, saiu cantando pneus, pela rua onde morava. Nesse momento, um cão, distraído, atravessava a rua. Ângela, o viu quando quase já
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o atropelava. Freou bruscamente, fazendo uma careta de desespero e, quando viu o animal ganhando a calçada, olhou para ele, exausta, e disse: - Cachorro filho da puta! - Ligou o carro e saiu rindo de seu próprio susto e reação ao vê-lo à salvo! No trajeto até o hospital, Ângela dirigia apressada, mas, como sempre, mantinha o rádio do carro ligado. Música, para ela, era terapia, deixando-lhe relaxada, tirando toda tensão - algo que, ultimamente, não estava faltando no seu dia a dia. Resolveu mudar de estação e, coincidentemente, começava a tocar uma música que Daniel amava e, ao som de Heaven, de Eric Clapton, as lembranças daquele “peixe”, tão diferente, a inundavam. Daniel era um ser humano especial, poeta inspiradíssimo, dono de uma sensibilidade impressionante; sabia muito bem cativar uma mulher. Com suas palavras carinhosas, poemas, canções e muito toque, muito beijo e, principalmente, declarações de amor! Ele de fato a amava e esse sentimento dele para com ela, foi o responsável pela sua primeira fraqueza, desde que entrou na Alpha. Como em todos os outros trabalhos, recebeu todas as instruções da liderança e, como de praxe, os milhares de avisos do Chacal, para que,, na cama fosse apenas uma profissional e, de preferência, ter sempre uma boa desculpa para se negar, intimamente, ao coroa babaca, onde esses malditos e irritantes lembretes, sempre terminavam com a
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ameaça - “Se fizer algo à mais já sabe! Né, gata? O papai aqui tem a posse desse corpinho delicioso e, se gozar com o velhinho, te arranco a cabeça com as mãos. Sabe que não jogo conversa fora, não é neném? - Ao recordar essas palavras tão doces, Ângela deu um sorrisinho de moleca, que era uma de suas marcas registradas, na hora da sedução e pensou - “ Ah! Se o idiota do Chacal soubesse que isso acontecia sempre e várias vezes, arrancaria a própria cabeça, de tanta revolta! E , ameaçou soltar uma gargalhada ao contar para si própria a piada. Na verdade, ela se envolveu emocionalmente com Daniel e chegou a pensar que estava realmente apaixonada por ele, mas, havia mais um problema com que se preocupar - Leo! Esse namoro, tão inconveniente, para alguém com uma profissão como a dela, aconteceu por acaso. Numa tarde, foi ao comércio, fazer compras de roupas e, ao entrar numa loja, viu um rapaz moreno, alto, de costas, no caixa pagando uma compra e ela ficou na fila atrás dele. Quando se virou para sair, deu de frente com ela. De uma forma inexplicável, seus olhos se encontraram e pareciam não querer mais saírem um do outro! A atração foi imediata, violenta e tão recíproca, que duas horas depois, estavam num quarto de hotel, se entregando sem pudores à aquela paixão súbita e avassaladora! Leandro era quatro anos mais jovem que ela, filho único, proprietário de uma loja de calçados na cidade vizinha de onde ela morava. Assim, tudo ficou fácil para ela. Saia para trabalhar, Daniel pensava que ela era
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representante de vendas de uma famosa marca de produtos de informática e, ao conhecer Leo, disse ao marido que mudaram seu campo de trabalho, para a cidade vizinha, a de Leo. Assim, poderia justificar suas idas constantes àquele lugar. Mas, as coisas começaram a complicar, quando o peixe, desconfiado de alguns vacilos dela, resolveu investigar sua intimidade. Alguns meses depois, o que era desconfiança, virou monstro na cabeça perturbada de Daniel! Tinha os nervos à flor da pele, era intenso em tudo e esse foi seu calcanhar de Aquiles, onde a estratégia para quando chegasse a hora, livrar-se dele. Não o eliminando, mas, depois de casados, alegar insanidade mental, interditá-lo e tomar decisões por ele. Não era, portanto, por dinheiro, pois ele era assalariado, tinha muitas dívidas, tanto que tentou dissuadir a Alpha de pesca-lo, porém, eles tinham planos já prontos e ela, naquele encontro no Rio, aproximou-se dele, agarrando-o com muita facilidade , tanto que todos se assustaram quando ligou e deu o seu, já tão conhecido, brado de vitória - “Peixe na rede”! Naquela tarde quente, em Conselheiro Bristol, Ângela subia os poucos degraus, do Hospital Santa Rita, de dois em dois. Não queria chegar tarde demais, pois já sabia do estado grave de Daniel.
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Estava profundamente triste, pois, realmente se apegou a ele e, apesar de seu ato tresloucado, ter-lhe trazido tantos transtornos, não lhe desejava mal! Apresentou-se na recepção como esposa e recebeu um crachá de identificação que lhe permitiria entrar no quarto onde o enfermo se encontrava. Abriu a porta suavemente, como a tentar não fazer ruídos, aproximou-se do leito, onde Daniel parecia dormir calmamente, olhou o rosto que lhe era tão familiar, com tristeza, ao observar a magreza daquele que a tão pouco tempo atrás chamava de amor - como parte do plano, mas que, depois de um tempo, passou a não incomodá-la mais, pois, algo de reciprocidade nasceu em seu coração. Não amor, mas uma admiração, um carinho e, na hora do sexo, era realmente muito bom. Por isso ela deixou alguns cuidados de lado e, por um tempo, incorporou mesmo o personagem, dando à Daniel o que tinha de melhor - esse foi seu erro fatal! Esteve assim por alguns minutos. Depois, movida por uma emoção, que não sabia identificar, pôs suas mãos sobre a dele e começou a falar baixinho: - Olá, Dani! Estou aqui, meu querido! Não deixaria você sozinho nesse momento que, tenho certeza, você vai superar. Quero que me perdoe por ter te feito tanto mal. Se eu soubesse que tipo de pessoa era, jamais teria entrado em sua vida! Perdoe-me, Daniel! Por favor, perdoa-me!
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Dizia essas palavras, segurando as lágrimas que insistiam em escapar de seus bonitos olhos castanhos e assustou-se ao sentir a mão de Daniel apertar levemente a sua. Surpreendeu-se ao vê-lo abrir os olhos e pronunciar com esforço, essas palavras: - Olá, amor da minha vida! Sabia que viria, por isso esperei! Sim! À muito tempo te perdoei! Na verdade, meu erro foi pior que o seu, pois, ao fazer o que fiz, acabei com qualquer chance de ter você de volta e, agora, tudo está, definitivamente, acabado! Perdoe-me, Ângela! Perdoa-me por ter te amado tanto! Per…! Não conseguiu terminar a frase, que foi substituída por um doloroso gemido, seguido por um suspiro forte, um suspiro que, se pudesse virar palavra, seria um eu te amo. Mas foi apenas um suspiro, o último suspiro do poeta Daniel Carlo., que perdia a batalha pelo pequeno aneurisma que a dois anos morava em seu cérebro Ao perceber o que acabou de acontecer, Ângela sentiu uma espécie de vertigem. Confusa e arrasada, andou cambaleante em direção a porta, abriu-a com esforço e gritou por socorro. A enfermeira chegou apressada, entrou no quarto e, ao examinar a pulsação de Daniel, constatou que nada mais podia ser feito. Saiu do quarto e foi amparar Ângela que, sentada em um banco no corredor, chorava
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copiosamente. Deram-lhe um calmante e, após acalmar-se, pensou em voz alta - “Pobre Daniel! Se eu pudesse voltar atrás, faria tudo diferente! Aquela lágrima teimosa, voltou a molhar seu bonito rosto.
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A OPERAÇÃO
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Na delegacia, após distribuir a tarefa de cada um dos policiais, um telefonema anônimo, realizado de um orelhão, de uma cidade de São Paulo, deixou a todos apreensivos. O interlocutor informava que, o agente Luis Alberto, havia sido seqüestrado e, que se a operação não fosse cancelada, ele morreria, assim que as viaturas saíssem do distrito. Dizia que tinha gente deles, observando cada movimento, e deu provas disso, ao dar detalhes dos carros que estavam estacionados em frente ao prédio, naquele exato momento! Os investigadores fizeram buscas nas proximidades e nada detectaram de diferente por ali. De fato, eram muito bem organizados, para desespero de todos. Depois dessa tentativa de intimidação, por parte da quadrilha, o delegado Rodrigo não pensou duas vezes e mandou sua equipe estourar o local descoberto como escritório do bando, mesmo sem ordem judicial e disse ,ainda, que se houvesse reação, para eliminar, sem pensar duas vezes! Terminou o raciocínio dizendo, com ira na voz: - Agora esses miseráveis pagarão caro pela ousadia! - e saiu da delegacia em passos largos, acompanhado por Miro, Ruy e Rita de Cássia, que estava muito preocupada com a sorte de Luiz, seu colega de distrito a sete anos, que também havia sido seu namorado à tempos atrás!
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Estavam eles diligenciando nas proximidades da residência de Ângela, quando o celular do delegado tocou. Era Miro que, seguindo as ordens recebidas, ,junto com três agentes, o snooker bar, mas, não encontrou nenhum suspeito e, sim, um computador com a tela aberta, onde nela estava fotos de um cadáver incinerado, ao seu lado, objetos pessoais de Luiz Alberto e o local onde estaria o morto, com um recado logo abaixo - “Nós avisamos, vocês não acreditaram! Esse foi o primeiro!pode ter mais,depende de vocês”! Dr. Rodrigo, olhou para Rita, que ficou paralisada, sem piscar os olhos, cataléptica! O dr. Mandou que o motorista voltasse à delegacia, para reunir a equipe para investigar a veracidade daquela macabra mensagem. Acompanhados pela polícia técnica, Dr. Rodrigo, os dois outros delegados, foram ao local. A polícia militar foi acionada, para checar as redondezas, antes da chegada da equipe, temendo ser alguma armadilha dos bandidos, já que o local foi indicado por eles próprios. A cena era digna de terror, no chão de terra batida, cercada pela vegetação, haviam cinzas, pedaços de roupa e um par de sapatos, quase intactos, que logo concluíram pertencer a Luiz. O corpo não estava ali, mas, o forte odor de carne e borracha queimada, não deixavam dúvidas. Os bandidos não mentiram e, para a tristeza de todos, era quase certo que, o policial Luiz, havia sido executado!
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De volta à delegacia, dr. Rodrigo sentou-se em sua cadeira e pediu para que ninguém entrasse em sua sala até segunda ordem, pois precisava ficar sozinho para concatenar seus pensamentos. Ele, no fundo, estava arrasado! Intimamente, culpava-se pela perda do colega e, com os cotovelos sobre a mesa, tapou o rosto com as mãos e chorou dolorosamente. “Eu deveria ter imaginado isso” - pensava ele. Abriu o armário de aço, de onde tirou vários envelopes, onde estavam os áudios e, talvez, buscando saber onde errou ou, até mesmo, punir-se, passou a ouvi-los em silêncio: 06-03-2013 Carlos - Alô, Ângela! Ângela - Alô, sim, Carlos! Carlos - Está tudo bem? Ângela - Ele está do mesmo jeito, mas tenho certeza que não desiste de mim!rs Carlos - Tome cuidado Angel, onde ele está agora? Ângela - Foi comprar cigarros. fique tranqüilo! Carlos - Não tem ninguém aí?
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Ângela - Não, todos saíram. Tenho que desligar, ele está voltando.
08- 03-2013 Ângela - Porra, Carlito, to ligando faz 15 minutos, onde estava Biba, se maquiando? Carlos - (risos) Oi, linda Angel! Estava resolvendo a situação com o caso da Samara! Essa ganhou na loteria! O velho descobriu um câncer e marcou o casamento para setembro! Olha, cuidado para não perder o posto de destaque da Alpha para menina, heim! Afinal, você não está conseguindo nada com seu peixe pobre!(risos) Ângela - Ahh! Deixa de ser invejosa, bicha recalcada! Está é com inveja de mim! Aquela lá deu sorte, dessa vez! Quero ver pegar essa pauleira que eu peguei! O homem é esperto! Eu avisei para abortar a missão, mas, não quiseram me ouvir! Carlos - É, mas você tá dando sopa pro azar! Estou sabendo de algumas coisinhas! E o Chacal, anda muito desconfiado!Se tiver certeza, corre queridinha!
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Ângela - Aquele idiota! Se acha muito esperto, mas, ponho ele na minha bota quando quero! Basta um carinho naquela cara de paspalho e esquece tudo! Vive de quatro por mim! Você sabe disso! Um dia, aquele asqueroso vai ter, de mim, o que merece! Ele não perde por esperar! Após ouvir vários áudios, em silêncio, dr. Rodrigo, dominado pela crise de consciência que o dominava, dispensou a equipe, por entender que, naquele momento, deveriam repensar os rumos da ação. Precisavam evitar mais prejuízos e, assim, todos teriam tempo de digerir aquele triste fato que, realmente, abalou a todos! Ao dizer isso, incluiu-se como o mais atingido sem, no entanto, mencionar; embora todos percebessem o seu estado emocional.
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A OUTRA FACE DE RITA
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Ouvir aqueles áudios deixaram o delegado ainda pior. Os diálogos ali contidos, fizeram-no pensar no pai, falecido há oito anos. Viúvo de sua mãe, à quatro anos, era, apesar dos 64 anos, um homem vigoroso. Tinha uma saúde perfeita, devido à sua vida regrada. Praticava esportes desde sua adolescência. Nunca fumou e bebia, somente, em festas e eventos sociais, dos quais participava. Sofreu muito com a perda da esposa - companheira fiel durante 35 anos. Mas, depois de conformado, passou a freqüentar os bailes direcionados às pessoas de sua faixa etária e teve, até, alguns relacionamentos, alguns deles, pela internet. Sentiu-se mal, ao imaginar seu pai sendo vítima de uma quadrilha dessas. “Provavelmente, tomaria uma atitude insana” - pensou ele, passando a mão pelos cabelos. Depois, já refeito, passou à sala principal da delegacia, onde dispensou os agentes, marcando o retorno para as 19 horas, quando, então, se reunirão para traçar novas investidas contra a famigerada Alpha. Estando só, foi a sua sala, pegou sua maleta e foi para sua casa, onde pretendia descansar um pouco, para repor as energias. Chegou em casa e jogou o blazer cinza, que usava, sobre o encosto da poltrona da sala; entrou no quarto, tirou a roupa e entrou no banheiro para banhar-se. Ana, a empregada, que estava na casa a 16 anos e que o tinha
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como filho, ao vê-lo em casa, perguntou se queria um lanche ou almoçar! Rodrigo disse que já havia almoçado e que queria, apenas, descansar, pedindo que não incomodá-lo, exceto, se fosse da delegacia! Deitou-se e logo dormiu, mas, não foi um sono tranqüilo. Pelo contrário - teve pesadelos com aquele local, onde assassinaram Luiz Alberto! Ouvia as vozes que vinham daqueles áudios! Tudo isso com imagens disformes, criadas por sua mente cansada! Dormiu pesadamente, tanto que quase não ouviu seu celular tocar continuamente, despertando-o, devido a insistência do autor da chamada. Quem ligava era Rita de Cássia, que parecia estar no trânsito, já que ouvia ao fundo o som de motores, buzinas e ela falou muito rápido: - Boa tarde, doutor! - Sim Rita! - Então, doutor! Sei que não vai gostar, mas fui ao bar, e… Vou explicar, doutor! Tentamos prendê-los, mas houve reação e um deles mandei para o inferno! Os outros logo fugiram e estão com Ruy e Adauto na cola deles. Mande reforço, doutor! Desculpa! Até!
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O DISFARCE
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Rita saiu do distrito contrariada! Achava que estariam perdendo tempo e com isso, dando oportunidade da Alpha promover novas investidas contra a polícia! Chegando em casa, passou a pensar em Luiz Alberto. Sua revolta e sua tristeza foram crescendo e o ódio, contra aqueles malditos, corroía-lhe as entranhas. Então, foi ao bar, colocado no canto da sala, preparou um Dry Martini, sentou-se no sofá e, sorvendo a bebida em pequenos goles, pensava numa maneira de capturar, ao menos, um integrante da quadrilha. Mentalmente, foi desenhando cada cômodo do prédio, desde sua entrada até a saída secreta que havia nos fundos, passando pelo grande salão, tomado por mesas de snooker, bilhar e carteado, os sanitários e o corredor, que dava acesso ao escritório, onde era, expressamente proibida, a entrada de qualquer pessoa, não autorizada. Após uma hora e mais três martinis, pegou o telefone e ligou para Adalto e Ruy, combinando encontrar-se num local próximo ao Snooker Bar. Deveriam levar um disfarce e esperá-la, à uma pequena distância, para que pudessem combinar a investida e trocar de roupas. No horário marcado, os agentes chegaram e foram a um comércio, de um amigo de Adalto, que permitiu que se vestissem no banheiro. Passava das dezenove e trinta, quando um casal de mendigos perambulavam pela rua, discutindo por algo que parecia ser uma garrafa de aguardente que a mulher segurava e o homem tentava pegá-la a qualquer custo, proferindo impropérios e ameaçando-a, caso não lhe entregasse o que exigia. Ela, então, acalmou-se, cochichou
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algo no ouvido do homem que, sorrindo, a segurou pelas mão e juntos sentaram-se na calçada, encostados à parede do Snooker. Para dar mais realismo ao disfarce, falavam e riam alto, enquanto bebiam o que parecia ser aguardente, mas, na verdade, era água. Miro, que ficou no carro estacionado, em posição estratégica, para visualizar a saída secreta, viu quando o segurança abriu a porta, olhou em torno do prédio para ver se nenhum estranho estava por perto e, depois de ter essa certeza, entrou e, nesse momento, avisou pelo rádio, pois, tudo aconteceu conforme Rita de Cássia havia relatado. Essa era a hora da ação. Ruy, munido de um pé de cabra, deu uma forte pancada na porta de aço do depósito e Rita ficou atrás de uma coluna. Viu quando Antônio, o segurança e Walter, o balconista, saíram em perseguição a Ruy, que já estava bem distante; nesse instante, Rita correu para os fundos, atravessou a rua e ficou agachada ao lado do furgão que pertencia à quadrilha e percebeu quando Antonio e Walter, retornaram xingando o mendigo que os fizeram correr como alucinados e sumiu como fumaça, deixando-os sem saber pra onde ir.
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Logo depois a porta secreta se abriu e três homens saíram por ela, indo cada um para seus carros. Quando o primeiro abriu a porta do veículo, Rita surgiu de repente e gritou: - Polícia! Todos parados com as mãos na cabeça! - Os três, surpresos, pararam. Quando pareciam que cumpririam a voz de prisão, um deles virou-se rapidamente com a arma apontada para atirar, mas, não viu ninguém! Rita levantou-se de trás do furgão e atirou. O primeiro foi atingido com um tiro na testa, que transfixou e saiu na nuca, o segundo, mal teve a chance de puxar a arma e caiu morto com um tiro certeiro no peito. Rita, tentou deter o terceiro homem, este, porém, já estava dentro do carro e arrancou em alta velocidade, tentando ainda atropelar Rita que desvencilhou-se e escapou por questão de poucos metros. Para não perder tempo, abriu a bolsa e dela tirou uma chave improvisada, juntamente com um pequeno alicate de corte. Com o primeiro instrumento, abriu a porta com facilidade e, com o segundo, já dentro do veículo, cortou dois fios, colocou-os em contato e, imediatamente, o carro deu partida e Rita sai feito num bólido rasgando a avenida. No semáforo, antes da rua que dava acesso a rodovia, pegou o celular, e ligou para o Dr. Rodrigo comunicando o que acabara de ocorrer e, mesmo antes de ouvir um sermão pela desobediência, desligou o celular e saiu, cantando pneus. Quatro minutos depois estava na rodovia, pois, pelo rádio, ficou sabendo que o bandido
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empreendeu fuga por ali, mas era quase certo que algum comparsa o resgatou, entrando num desvio e rumando para outra cidade, já que o carro, utilizado na fuga, foi encontrado dois dias depois, num matagal, próximo a BR. *** Assim que desligou o telefone, Rodrigo proferiu uma maldição e, desajeitadamente, passou a vestir-se. Em menos de 5 minutos, dirigia seu carro rumo ao distrito. Rita, realmente, ouviria poucas e boas, por ter descumprido sua ordem, colocando em risco, não só sua vida, mas as de Adauto e Ruy. Em cada semáforo, ligava passando instruções aos seus comandados, sempre orientando-os para redobrarem os cuidados. Agora, pensou ele, tudo deveria ser feito sem riscos para seu pessoal. Perder o agente Luiz, realmente, foi um choque. Sua morte deixou em todos, além da tristeza, uma horrível sensação de derrota! - Mas, eles não iriam vencer - pensou com convicção. Ele não deixaria! Continuou dirigindo e, mudando o rumo dos pensamentos, lembrou-se de Ericka, sua noiva. Há quanto tempo não há via! Nessa correria de trabalho, mal estava tendo tempo de dar atenção a ela que, embora compreendesse as suas razões, sentia sua ausência, pois nos dois anos, entre namoro e noivado, nunca estiveram tão distantes!
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Ericka era uma bela jovem de 25 anos, cursava o terceiro ano de direito e morava na cidade de Madeiras, à 60 km de Conselheiro. Foi modelo, mas, ao conhecer Rodrigo, abriu mão de seu sonho juvenil e matriculou-se na faculdade. Rodrigo ficou feliz com a escolha da então namorada e os planos de futuro incluía casarem-se, logo após a formatura da noiva. Estava chegando ao distrito e, antes de estacionar, pensou em voz alta - “Assim que toda essa loucura acabar, irei vê-la”.
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CARLOS E RICK
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Era um sábado, de noite estrelada, na capital; noite propícia para dançar, beber, bater papo com os amigos e, principalmente, namorar ou, para aqueles solitários, a esperança de encontrar alguém. Entre estes estava Carlos, o grande amigo de Ângela Bernardi. Chegou à boate Neon por volta das 23:30h, ansioso para arranjar companhia, pois, desde que terminou seu romance com Bruno, estava sozinho e isso já estava baixando sua auto estima. “Mas, ele era otimista! - pensou alto, olhando para os quatro cantos da boate. Foi até o balcão, pediu um uísque Cowboy e, com o copo na mão, entrou na pista de dança, não para dançar, mas para observar os rapazes que ali estavam. Carlos tinha 34 anos, moreno, cabelos negros e os olhos da mesma cor. Seu tipo lembrava os indianos, não pelos traços faciais, mas, pela cor morena, puxando para o jambo. Quando saia, costumava chamar atenção das mulheres, o que lhe aborrecia profundamente, já que, com os rapazes, não tinha a mesma sorte! O relacionamento com Bruno, cinco anos mais jovem, foi o mais duradouro e, dos dois anos e meio que ficaram juntos, havia sobrado, apenas, a mágoa da traição, cometida pelo companheiro, a quem amava.
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Seu trabalho na Alpha era muito importante e de grande responsabilidade. Por sua formação como psicólogo, tinha que estudar o perfil das candidatas antes de serem admitidas na organização. Depois, as orientava como se portar, falar e, até, como abordar um peixe! A música, fortemente dançante, convidava a todos, por mais que não dançasse, à mover, ao menos, os pés e Carlos foi para o meio, começando a dançar timidamente, já estava no segundo uísque e o calor do álcool já se fazia presente, em forma de animação. Mas manteve a discrição e continuou a observar. Após alguns minutos, voltou ao bar para buscar outra bebida. Passou se espremendo entre as pessoas e conseguiu chegar ao balcão, onde o copa e um jovem, pareciam discutir. Devido ao barulho, não era possível ouvir o que falavam, mas, pelos gestos de ambos, os ânimos iriam esquentar. Aproximou-se do balcão para fazer seu pedido e ficou praticamente colado, costa a costa, com o jovem que discutia momentos antes. De repente, dois homens negros se aproximaram e, pegando o rapaz pelos braços, tentaram levá-lo para fora. Carlos, que ainda não tinha sido atendido, afastou-se um pouco e viu quando um dos seguranças deu um violento soco no estômago do jovem que foi a nocaute na hora e depois começaram a arrastá-lo entre as pessoas, até conduzi-lo para fora! Carlos vendo aquela cena, apiedou-se do rapaz e falou quase gritando ao segurança:
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- Hei, segurança, porque não para de agredir o menino? Você dá três dele! Deixa de covardia! O que ele fez pra merecer isso? - O segurança, irritado com a pergunta, disse quase sem olhar em seu rosto: - Esse aqui é “tranqueira”! Doutor, não fique com pena, não! Esses filhos da puta, drogados, só vem aqui causar problemas e temos ordens para expulsá-lo. - Carlos acompanhou-os no intuito de evitar novas agressões e, quando chegaram à porta, o jogaram porta a fora, como quem joga um saco de lixo na rua. O rapaz caiu na calçada sentindo muitas dores. Carlos, movido por um sentimento de compaixão, foi até ele, segurou em seu braço e levantou-o. Ricardo, pois esse era seu nome, levantou-se com certo esforço e, ao levantar a cabeça, já agradecendo, deu de frente com o rosto de Carlos que paralisou. Aquele jovem era dono de uma beleza rara. A pele morena clara e os cabelos negros, davam um contraste exótico com seus olhos verde azulados. Carlos, percebendo que havia se excedido, começou a falar com o rapaz, até mesmo para driblar o constrangimento causado por aquela troca de olhares, tão espontânea quanto inesperada. A convite de Carlos, foram para outra casa noturna, direcionada ao público GLS LGBT, propositalmente ,para ver se o rapaz se oporia, mas, tinha certeza que não iria acontecer, pois a Neon também para o gênero e até mais badalada que a Night Fever G e foi lá que o encontrara.
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Na boate, Carlos e Ricardo divertiram-se pra valer! Beberam, dançaram e, ao sair, Carlos perguntou a Ricardo onde deveria deixá-lo, lhe oferecendo uma carona. Ricardo olhou-o sorrindo e disse: -
Ora, Carlos! Imaginei que, após uma noite tão boa, você iria me convidar para..! Bem, você sabe! Essa última frase, Ricardo pronunciou com um sorriso tímido nos lábios, que mostrou, além dos dentes
brancos e bem perfeitos, toda a sua beleza e encanto! Carlos olhou-o fixamente e, com um movimento lateral de corpo, ficou de frente com Ricardo, que o puxou para si, beijando-o longamente. Os beijos e carícias se intensificaram e Carlos, então, posicionou-se em frente ao volante, deu partida e seguiu para seu apartamento, localizado em Madeiras, cidade próxima a Conselheiro.
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O FLAGRANTE
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Depois da noite em que se conheceram, Carlos e Rick, pois era assim que o chamava carinhosamente, passaram a ter um relacionamento. Ricardo, que aceitou a ajuda de Carlos para livrar-se das drogas, fazia tratamento com medicamentos, participava de grupos de ajuda e, o trabalho psicológico, o próprio Carlos se encarregou de realizar. Pedia que, durante as sessões, Rick não o visse como seu namorado, mas como um profissional que iria ajudá-lo. Rick, no início, fazia troca desse detalhe, fazendo à cada pergunta ou conselho, gracejos e brincadeiras, ate que Carlos, irritado, disse que iria indicar uma colega para cuidar dele! Rick, então, passou a levar o Dr. Carlos a sério e, desde então, passou a colaborar, ao máximo, com o tratamento. Numa sexta feira, quando já haviam completado três meses de namoro, Carlos ligou para Rick convidando-o para irem a boate, para divertirem-se e relaxar. Rick disse que, o programa que seguia, tinha incluído em seus doze passos, evitar lugares, pessoas e hábitos da época de usuário, para evitar recaídas. Carlos, embora o tenha parabenizado pela iniciativa de responsabilidade, não deixou de demonstrar uma certa frustração, pois agora perdeu a companhia de Rick e isso o entristecia, mas, entendia ser necessário para o bem dele! Carlos, então, combinou com um casal de amigos e foram juntos à boate Night G, onde ficaram numa mesa próximo a pista de dança, bebendo e conversando, quando a música, extremamente alta, permitia.
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Gilson, ele já conhecia antes de casar-se com Eliane, pois freqüentaram a mesma faculdade, embora, em curso diferentes. Eliane conheceu depois do noivado, a três anos atrás. Passava das três horas da madrugada, quando decidiram ir embora. Saíram da boate rindo, sob os vapores do álcool e, também, da alegria, afinal, eles se adoravam como amigos e, como sempre, a noite foi ótima! Carlos ia no banco traseiro do carro. Gilson viajava no banco de passageiros ao lado de Eliana que não bebia, logo, sempre ficava com a incumbencia de dirigir. Trafegavam sem pressa pela Avenida Marechal Deodoro, quando o celular de Carlos tocou. Atendeu apreensivo, baixando a voz. Gilson e Eliane conversando em voz alta e a música do rádio, quase o impedia de ouvir seu interlocutor, do outro lado da linha, mas entendeu que era um policial, que falava da delegacia de Madeiras e que Rick se meteu em confusão. Sentiu seu coração disparar! - “O que teria acontecido? Rick não quis acompanhá-lo à boate, por temer uma recaída! Disse que ficaria em casa! Teria mentido? Apesar do cansaço e dos uísques ingeridos na balada, iria à Delegacia de Polícia. Precisava saber o que estava acontecendo”. Gilson e Eliana deixaram Carlos em frente ao prédio que morava e despediram-se, sem sair do veículo. Carlos abriu o portão do prédio, cumprimentando Raimundo, o vigia noturno e dirigiu-se a garagem, de onde saiu, logo
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depois, com seu Mitsubishi 2011 preto, rumo a delegacia. Seu coração batia acelerado, enquanto pensava: ”Porque Rick mentira? E, o pior, o que teria acontecido à aquele moleque desajustado?”. Pensando assim, inconscientemente, imprimiu maior velocidade ao veículo e chegou ao destino em poucos minutos. Aquela madrugada estava tranquila na Delegacia de Madeiras. No plantão, apenas um grupo de pessoas que pareciam ser da mesma família, tumultuavam o balcão, onde um agente, nissei, de meia idade, tentava fazê-los controlar-se, porém, todos falavam ao mesmo tempo, causando um alarido incompreensível e insuportável, até que o escrivão Gilberto Takashi, deu um grito, exigindo silêncio, fazendo com que todos os “briguentos” baixassem o tom de voz imediatamente, saindo da frente do balcão e sentando-se num banco colocado no corredor, onde reiniciaram o “bate boca”. Carlos estava impaciente e já ia aproximar-se do balcão quando Takashi o chamou, perguntando o que desejava. Carlos explicou que um parente havia sido detido e encontra-se ali, segundo informações. O escrivão, então, perguntou qual o seu grau de parentesco com o indiciado, Carlos parou, pensando em omitir a verdade, mas achou por bem não mentir, e respondeu com naturalidade: - Ricardo é meu namorado, senhor. - o policial, olhou Carlos de cima a baixo e, sorrindo ironicamente, disparou:
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-Hum! Então, lamento informar, mas, pelo visto, ficara sem namorar por um bom tempo rapaz! O moço está “enrascado”. A quantidade apreendida foi… - Nesse momento, Carlos, tentando conter o nervosismo, interrompeu-o: - Quantidade? De que? Como assim, senhor? - disse isso com a voz embargada pela tristeza. Era o que temia! Rick se envolvera com trafico de drogas e o enganava dizendo-se em recuperação! Como teve coragem de mentir desse jeito? Não, não iria perdoá-lo – pensou, dominado pela raiva e pela frustração. Enquanto pensava essas coisas, não viu quando Rick, trazido por um investigador, estava bem a sua frente, algemado, olhos úmidos de lagrimas e ,nesses mesmos olhos, o desespero, a vergonha e o medo. Ao vê-lo, Carlos não manteve o pensamento de minutos atrás. Sentiu de novo aquela compaixão da noite em que o conhecera na boate, sendo surrado e escorraçado porta a fora, feito um cão sarnento. Olhou a figura daquele rapaz que, cabisbaixo, parecia um menino, tal o desamparo e o medo que deixava transparecer em seu rosto. E seu coração decidiu por ele. Não o desampararia! Não o deixaria só, naquele momento tenebroso de sua vida. Emocionado, concluiu, definitivamente, que o amava. Sim, ele o amava, acima de qualquer falha moral que pudesse ter e ele o defenderá de qualquer maneira.
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No tempo em que conversaram em particular, Rick, com voz embargada, relatava o ocorrido entre soluços e insistentes pedidos de desculpas, disse que foi fazer um “favor” para um amigo, a troco de uma quantidade da droga, que seria para consumo próprio, mas quando trafegava pela Avenida Aymores, havia um comando da polícia militar, que revistava os veículos que passavam por ali. Assustado, não obedeceu a ordem do policial que o mandara estacionar e empreendeu fuga, furando o bloqueio, sendo capturado, 250 metros adiante. Ao revistar embaixo do banco da motocicleta, os policiais encontraram um embrulho de papel pardo, envolvido em plástico transparente, que na delegacia, foi confirmado como sendo 135 gramas de cocaína, o que ocasionou sua prisão em flagrante, sendo posto a disposição da justiça para julgamento. Carlos, estava lívido! Não sabia o que dizer. Seus sentimentos iam da revolta ao pesar, da raiva a dor. Rick, definitivamente, acabou com sua vida. Mas ele, Carlos, o amparará sim! Ele faria isso.
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A HORA DO CHACAL
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Numa cidade próxima a Conselheiro, os integrantes da quadrilha Alpha, terminaram a reunião e todos se dispersaram, alguns para suas casas, outros para os hotéis onde estavam hospedados e, somente Armando, o Chacal, pediu ao comando para ausentar-se naquela noite, pois iria fazer uma pequena viagem para resolver assuntos particulares, mas, que antes das 23 horas, estaria de volta. O comando consentiu e Chacal entrou em seu carro e partiu, ao encontro de Ângela - “que, àquela altura, deveria estar desesperada” - pensou, antegozando o momento em que salvaria sua vida e, finalmente, veria que ele merecia o seu amor, já que sempre demonstrou que o servia por obrigação, apenas, não nutrindo, por ele, nenhum bom sentimento. Muito pelo contrário, parecia odiá-lo! Mas, ele compreendia! Embora não ligasse, o que importava é que ela fosse dele, gostado ou não. Com esse pensamento, deu um sorriso de satisfação e acelerou o veículo, rumo ao hotel indicado, onde sua menina o aguardava. Estacionou o carro na calçada, em frente ao hotel, mas, do outro lado da rua, próximo à uma praça, onde algumas crianças brincavam e desceu. Quando ia atravessar a rua, olhou para a praça e viu, sentada no banco, de costas para ele, uma mulher que ele reconheceu pelos cabelos castanhos e pelo casaco cor de vinho. Sim! Era Ângela! Aproximou-se, então, dizendo, em voz que trazia um sorriso:
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- Olá, minha flor! Seu herói chegou para te salvar! - Nesse instante, a mulher virou-se, bruscamente, arrancando da boca de Armando Chacal, um - “Você! Hei! Esp…!” - E sentiu, uma dor que parecia queimar-lhe o coração! - Sim! Com as lembranças de Ângela, “pa-pai”! - E a pistola, com silenciador, disparou 6 tiros no tórax de Chacal, que tombou no banco, ao lado de seu executor, que ainda o amparou e apoiou suas costas no encosto do banco, dando a impressão que estava embriagado ou apenas descansando ali.
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UNIDOS PELO AMOR E PELA LEI
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Rita ia saindo da delegacia para o almoço distraída e, ao descer o primeiro, dos quatro degraus, da pequena escada da D.P.,deu de cara com Adauto que ali se encontrava, fumando um cigarro: - Olha só quem vai almoçar comigo hoje, a heroína do 18, Rita de Cássia! - Ela sorriu, divertindo-se com os trejeitos de Adalto que, enquanto falava, fazia os gestos de uma heroína dos seriados de TV. - Já que lhe darei a honra de minha companhia para o almoço, você terá que arcar com as despesas - Mais uma vez, Adauto gesticulou falando: - Seu desejo e uma ordem princesa! - ela sorriu, zombeteiramente e seguiram para o restaurante. Lá chegando, pediram o prato do dia, uma rabada com polenta e, obviamente, Adalberto, que não perdia a chance de fazer uma piada, começou a falar do prato, de maneira distorcida, para que ficasse engraçado. Nesse clima de amizade, mudaram de assunto e passaram a falar de suas vidas particulares. Primeiro Adauto, depois Rita, foram contando algumas coisas sobre suas famílias, empregos anteriores e, claro, relacionamentos. Adalto contou que era divorciado, a dezesseis anos e que sua ex esposa residia com seu filho numa cidade próxima. Disse terem sido felizes, até… - “...que o Ricardo tornou-se adolescente e, infelizmente, envolveu-se com pessoas erradas, e…! Bem! Você deve imaginar o que aconteceu”. Miro interrompeu a frase,constrangido e Rita, procurando deixá-lo à vontade, emendou:
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- Entendo, Adauto! Lamento muito, mas, você, melhor que a maioria das pessoas, sabe o quanto isso é comum. Não se culpe, as drogas…! Adalto, corado de vergonha, falou em voz baixa, de uma forma que só Rita o ouvisse: - Não é só isso, querida! Antes fosse! Além das drogas, aquele imbecil resolveu me envergonhar definitivamente! Com 14 anos, notamos sua mudança de comportamento, seu jeito, assim… - Rita entendeu imediatamente e, mais uma vez, o salvou: - Delicado? - perguntou ela, já sabendo a resposta. Adalto assentiu com a cabeça, já que não conseguia falar naquele momento. Rita de Cássia gostaria de dar sua opinião, mas, de imediato, percebendo que não era o momento, disse apenas que, se ele quisesse, poderiam conversar em outro lugar, fora de serviço, onde beberiam algo, e… Enquanto falava, Adauto, visivelmente abalado, a olhava fixamente. Nesse momento, com a intenção de acalmá-lo, pôs as mãos sobre as dele e disse, com um carinho que ele nunca percebeu nela: - Estou com você querido! Pode contar comigo para qualquer coisa! - Adauto apertou, delicadamente, as mãos de Rita e, naquele instante, ambos tiveram a certeza que algo, além de amizade, acabava de nascer entre eles.
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MÁGOAS DE FAMÍLIA
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Depois daquele almoço, onde descobriram suas afinidades e interesse mútuo, Adauto e Rita de Cássia passaram a sair sempre e acabaram iniciando um namoro que não demorou muito a intensificar-se e logo estavam morando juntos! Rita deixou o pequeno apartamento onde residia, em Altinópolis, passando a residir no de Adauto, em Conselheiro, bem mais amplo e confortável. Naquela tarde de quinta feira, o casal conversava na sala, quando o telefone residencial tocou. Adauto conferiu o número no identificador de chamadas e seu semblante tornou-se pesado. Atendeu dizendo: - Alô, Regina! Sim! como? Espere, repita devagar! O que tem o Ri…? Mas, que FILHO DA PUTA! Preso onde? Ora, Regina! O que pensa que posso fazer? Sou investigador, não governador, entende? Sim, irei até lá, mas, para sugerir que o deixe mofar na cadeia pra sempre, aquele infeliz! Moleque irresponsável, sempre fez questão de envergonhar-me! Agora, virou traficante de drogas! - Adauto, estava possesso e nem percebeu o que falava. Sem desligar o telefone, Regina, a ex esposa e mãe de Ricardo, desfilava um rosário de impropérios contra ele, que nem ao menos à ouvia. Rita, foi ao bar, preparou uma bebida e a entregou ao marido que mais parecia um tigre enjaulado. Andava de um lado para o outro, xingando e culpando Regina por todos os pecados do filho. Rita, então, o abraçou com carinho e disse:
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- Acalme-se querido! Iremos juntos ao distrito e resolveremos tudo, mas, tenha calma! Você não está sozinho! As palavras, proferidas com a voz doce da esposa, o acalmaram e, abraçado a ela, emocionado, à agradeceu, beijando-lhe a testa, com carinho.
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TROCA DE FARPAS
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A viagem até Madeiras não foi o que se pode chamar de “tranqüila”. Adalto dirigia calado, olhar fixo na estrada, falando apenas quando Rita dirigia-se a ele. Na verdade, estava pensando no problema que iria enfrentar daqui a algumas horas. Embora a temperatura estivesse amena, o suor escorria-lhe abundantemente pela testa, e a camisa azul marinho, estava “ensopada”. Obviamente, se pudesse, não passaria por essa situação que, para ele, era o fim do mundo, imaginava o comentário dos colegas - “Vejam só, o filho do Adalto, além de ser viado, resolveu ser traficante!” Em sua mente, obcecada pelo preconceito, ouvia até os risos de sarcasmo dessas pessoas, com a intenção de humilhá-lo. Na verdade, ele nunca parou para pensar que, da maioria, receberia manifestações de apoio e carinho. Isso jamais lhe ocorrera. Entraram na delegacia, sem as credenciais de policiais, a pedido de Adauto, apesar de ser conhecido no Distrito. Foram recebidos com carinho e respeito pelo atendente e encaminhados para a sala dos investigadores, onde o chefe os aguardava. Paulo Cintra, ao vê-lo, abraçou-o dizendo que faria o que estivesse ao seu alcance para amenizar seu sofrimento e se queria que o filho…! Nesse momento, Adauto explodiu: - Quero, Paulinho! Quero que você deixe esse moleque pelado na cela e sem comer e beber água por duas semanas! Esse desgraçado não merece consideração!
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Saíram para o corredor e Adauto continuou desabafando e ofendendo Ricardo. Antes que terminasse a frase, Regina entrou como um furacão, rubra de ódio, dirigiu-se a Adauto e, com o dedo em riste, em seu rosto, falou, apertando os dentes em tom ameaçador: - Não, Adauto! Você não fará mais nenhum mal ao nosso filho! Já basta a desgraça de tê-lo gerado! Mas, isso não tem como mudar, ele é nosso filho, está ouvindo? - Sim, o nosso lindo filho, que você estragou, fazendo-lhe as vontades, mimando-o ao ponto de transformá-lo num VIADO! - Cale-se desgraçado! Ricardo passou toda sua vida comigo! Nunca teve a companhia do pai! Talvez, por isso, tenha absorvido hábitos femininos! Mais uma vez, culpa sua, pai desnaturado! - Sim, concordo! Mas, minha ausência foi motivada pelo meu trabalho! Queria dar o melhor a vocês! E outra coisa, ninguém vira viado, ele já nasceu viado e pronto! Rita, nesse ponto da conversa, perplexa, olhava por sobre os ombros de Adauto, fazendo sinais. Ele demorou a perceber e, quando olhou para trás, deu de frente com Ricardo, que ouvindo os gritos da mãe. Pediu para que o levassem até lá, para acalmá-la, porém, ouvindo as últimas palavras do pai, Ricardo, que chorava desconsolado, abraçou a mãe e disse:
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- Mãe, por favor, vá para casa! Você não precisa sofrer essa humilhação! - E, deixando-a nas mãos do investigador, voltou a pedir: - Vá mãezinha, por favor! - Dessa vez, Regina o atendeu, mas, antes de sair, virou-se para o ex marido e falou com convicção na voz: - FAÇA ALGO CONTRA MEU FILHO E O MATAREI, COM MINHAS PRÓPRIAS MÃOS, SEU MALDITO”! - Saiu do recinto batendo a porta e amaldiçoando Adauto até que, a distância, calou sua voz! Ricardo olhou para o pai com desprezo e mágoa no olhar. Disse, sem tirar os olhos do investigador: - Carcereiro, por favor, leve-me de volta a minha cela. Nada quero ouvir desse homem! - O carcereiro atendeu prontamente e ambos sumiram no corredor de acesso às celas.
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A VERDADE COMO UM PUNHAL
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A cena de desavença familiar, naquela delegacia, pelo seu teor dramático, deixou Rita extremamente comovida. Não podia, por mais que amasse Adauto, calar-se diante daquelas coisas absurdas! Até então, havia-lhe poupado de sua opinião, porém, agora precisava falar com ele, sinceramente e mostra-lhe os fatos, à luz da verdade. Não podia deixar o homem que seu coração escolhera, permanecer “cego” pelo seu orgulho e consentir que permanecesse agindo daquela forma, ao seu ver, vil! A verdade é que Rita já sabia o quanto Adauto havia errado, mas, depois daquela cena triste, deplorável e cruel, ele iria ouvi-la, fosse qual fosse sua reação! Logo que Regina saíu do DP, Rita levou Adauto para a copa, deu-lhe um café forte e esperou que se acalmasse, porém, parecia, cada vez, mais agitado, repetindo as palavras de Regina e chamando Ricardo de “marginal arrogante”. Uma hora depois estava, finalmente, mais calmo e foram, então, ter com o delegado, Silveira, para saber os detalhes do flagrante. Segundo a autoridade, dificilmente Ricardo escaparia de uma longa pena, já que assumiu que iria entregar o entorpecente e, posteriormente, entregar o dinheiro ao traficante, cujo nome Ricardo não quis revelar. Sabendo que nada poderiam fazer, saíram do DP e retornaram à Conselheiro. No caminho, Adauto dirigia calado, relembrando cada palavra de Regina e de Ricardo, sentindo-se ofendido! Rita pedia que se acalmasse, que tirasse o dia de folga e descansasse. Chegaram em casa e Adalto jogou-se pesadamente na poltrona. Rita serviu-lhe um uísque com gelo, servindo-se de um Martini Dry e, com carinho, tentou abordar o assunto. Esperou o momento que Adauto começou a atacar Regina e Ricardo e, então, falou: - Querido! Sei que você tem sua maneira de pensar e respeito isso, mas, preciso te dizer algumas coisas! Imagino a dor que você está sentindo, mas não posso deixar de imaginar a dor de Regina e Ricardo! - Rita falava com carinho e, mesmo assim, Adauto falou, exasperado: - Acha que estou errado, Ritinha? - Rita, manteve a calma, e continuou: - Não meu amor! Não digo que você esteja errado e sim, que não está tão certo quanto imagina! Ouvi de Regina, palavras duríssimas contra você e, em nenhum momento, você negou; apenas justificou. Você se
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coloca na defensiva e crucifica sua ex mulher. O fato de trabalhar, amor, é um fato comum como todo pai de família! Quantas vezes levou seu filho ao futebol, ao cinema, à praia? Quantas folgas teve meu amor? Essas palavras entravam nos ouvidos de Adauto como um projétil de arma de fogo. Ele tentava defender-se, como de costume, mas, Rita o deixava sem argumentos. Ela, sentindo o efeito de suas palavras, continuou: - Meu amor, imagino a dor de Regina, quando Ricardo descobriu sua homossexualidade e teve que chorar sozinha, por não ter seu apoio! Não acha que ela também sofreu? Acha que fazia parte dos planos de ter um filho gay? Seu único filho? – Nesse momento, Adauto, lívido, levantou-se da poltrona, deu alguns passos e, atirando o copo de uísque contra a parede, gritou: - É VERDADE!!! É VERDADE, RITA!!! A VIDA INTEIRA ME CONDENEI, INTIMAMENTE! NÃO QUERIA ADMITIR MEU FRACASSO!!! EU SOU UM FRACASSO!!! – Dizendo essas palavras, no auge do desespero, chorando convulsivamente, Rita - percebendo seu movimento de levar a mão à cintura, buscando a arma, sem pestanejar, saltou sobre ele, que tentou se desvencilhar. Ela, porém, sendo mais rápida, conseguiu imobilizá-lo, desarmando-o. Deitados no tapete da sala, extenuados, Rita, disse-lhe, em tom de brincadeira :
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- Ora, oficial, pretendia matar-me? - Adauto, ainda sob forte emoção, não conseguiu relaxar e entrar na brincadeira, dizendo apenas: - Sim, vou matá-la, desse jeito! - E beijou-a nos lábios, enquanto dizia o quanto a amava e, naquele momento, todas as dores, mágoas e tristezas, deram lugar ao amor, ao amor feito de improviso, ao amor redentor, feito de improviso naquele macio tapete estampado!
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QUATRO MESES DEPOIS QUATRO DEPOIS
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Na delegacia de Conselheiro Bristol, a paz voltou a reinar. Após a retirada da Alpha, somente ocorrências rotineiras passaram a fazer parte daquele distrito, antes tão conturbado. O delegado Rodrigo, então, preparava sua mesa, deixando o expediente pronto para seu substituto, já que, dali a dois dias, entraria de férias e quando, finalmente, se casaria. Sua noiva se formou à dois meses e estava estagiando no escritório de uma amigo de Rodrigo. Estava, calmamente, separando os processos, quando viu o de Daniel. Imediatamente lembrou de Ângela. O que teria acontecido com ela? As polícias, do país inteiro, estavam à sua procura a meses e, ate agora, nada! Alguns policiais, chegaram a cogitar que teria sido executada pela Alpha, por ter sido a responsável pela queda da organização, que teve a maioria dos seus membros presos ou mortos, em confrontos com a polícia. “Mas, enfim...” - pensou ele - “...agora estava de férias e queria esquecer Ângela, Alpha e tudo que lembrasse trabalho. Queria mesmo estar com sua amada e ter um pouco de paz”! Próximo à hora do almoço, um delegado de São Paulo ligou, contando uma novidade, pra lá de estranha. Disse que na noite anterior, um homem com sotaque espanhol, fez uma denúncia anônima, à polícia de Minas Gerais, informando onde se escondia a nova chefe da Alpha. Dizia ser na cidade de Uberaba e deu detalhes
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importantes. A polícia, então, foi ao endereço e lá prendeu Rosicler de Almeida Cândido, a Rosy e Mário Augusto de Lima que, segundo a polícia do Rio de Janeiro, eram os atuais chefes da Alpha! Rodrigo ficou espantado com a notícia. - “Um estrangeiro”? - Não, ele duvidava!
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CARLOS AUGUSTO HEISEL ADI ADI
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Nesses quatro meses, ocorreu o julgamento de Ricardo, conforme se previa. A pena foi alta, 12 anos em regime fechado, porém, com os benefícios previstos em lei, seria reduzida para 5 anos e 4 meses de detenção. Transferido para um presídio, no interior de São Paulo, Ricardo, devido a longa distância, recebia poucas visitas. Somente Carlos e a mãe iam visitá-lo, de quinze em quinze dias, levando suprimentos e palavras de conforto ao jovem que, surpreendentemente, não parecia desesperado. Pelo contrário, dizia crer que logo o soltariam, já que o advogado entrou com recurso, no Tribunal de Justiça. Numa dessas visitas, estavam Carlos e Rick no local reservado, quando um funcionário do presídio chamou Ricardo, reservadamente, falando-lhe rapidamente e saindo, em seguida. Carlos notou que Rick se perturbou imediatamente após o contato do agente penitenciário, e perguntou preocupado: - O que houve, Rick? Está tudo bem? - Ricardo, respondeu com tristeza no olhar: - Não, Carlos! Meu pai teve a petulância de pedir para visitar-me, e… - Carlos, que ignorava toda a história, pois Rick contou apenas parte dela, disse, animado: - Então, amor! Receba-o! Quem sabe, arrependeu-se e quer uma chance para retratar-se? Não o recebendo, corre o risco de incorrer no mesmo erro que ele cometeu, ou seja, deixar o orgulho falar mais alto e perder a chance de ganhar um apoio importante! - Ricardo, teve um momento de flash back instantâneo, onde as
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imagens e diálogos, daquela tarde, na delegacia de Madeiras, passaram como um doloroso filme em sua cabeça. Mas, considerando as razões de Carlos, resolveu: - Tudo bem, querido! Permitirei que entre! Dez minutos depois, Adauto, acompanhado por Rita de Cássia, entrava na área reservada aos visitantes. Ele parou a alguns metros de onde Ricardo estava sentado, ao lado de Carlos e, à maneira com que se colocavam, não deixava margem para dúvidas que eram namorados. Lutando contra a repulsa que lhe invadira imediatamente, ao ver a “cena”, o investigador aproximou-se deles, forçando um sorriso e dizendo, com dificuldade para articular as palavras: - Olá, Ricardo! Como está indo? Eu..eu..gostaria de… - Nesse instante as palavras morreram em sua garganta e lágrimas molharam seu rosto. Ricardo levantou-se, aproximou-se do pai que, encarando-o como se o visse pela primeira vez, abriu os braços e Ricardo, timidamente, abraçou-o. Adauto, depois de tantos anos, abraçou seu filho com amor, enquanto, entre lágrimas, de ambas as partes, repetia: - Me perdoe, filho! Me perdoe! Rita a tudo observava, tomada pela emoção e Carlos, não menos emocionado, dava vazão aos seus sentimentos, chorando de felicidade por ver, ao menos, um problema, na vida de Rick, ter um final feliz!
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Depois de refeitos, pai e filho conversaram sobre a situação processual de Ricardo, que era muito difícil. Depois disso, Adauto informou que trouxera algumas provisões necessárias e Ricardo, percebendo que o pai partiria, resolveu apresentá-lo à Carlos. Frente a frente com o namorado do filho, não obstante, o mal estar causado pela própria situação, Adauto ficou com a impressão de que Carlos não lhe era estranho! Carlos, por sua vez, não teve dúvidas, conhecia sim Adalto e, mais que isso, sabia de quem se tratava. O pai de Rick era, nada mais nada menos, que Adauto Santiago, investigador de Conselheiro Bristol e um dos responsáveis pela queda da Alpha e de sua amiga, Angela Bernardi! “Oh, maldito mundo pequeno” - pensou. Agora, teria que redobrar o cuidado, pois conhecia o poder de fogo do inimigo! Adauto era um dos melhores e, se facilitasse, estaria em maus lençóis. Interrompeu o pensamento, pois Rick se aproximava, após ter se despedido do pai. Agora sim, podia referir-se à Adauto dessa forma: PAI! *** Retornando para Conselheiro Bristol, Adauto e Rita de Cássia conversavam sobre os fatos ocorridos na visita de momentos antes. Rita falava de sua alegria e do orgulho que estava sentindo do marido, pela coragem de quebrar
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seu orgulho, demonstrando, assim, seu amor pelo filho, mesmo contrariando seus princípios. Adauto, ainda emocionado, dizia-se aliviado por ter se livrado de um peso enorme que a muito tempo carregava nos ombros. E a conversa girou em torno disso, até que, em dado momento, Adauto falou: - Ritinha, aquele, bem, ”namorado” de Ricardo, o tal Carlos, tive a impressão de o conhecer de algum lugar! Tenho quase certeza que já o vi antes. - Rita, surpresa, respondeu: - Coisa de policial, amor! Às vezes acontece comigo também, investigamos muitos rostos e...” - Adauto interrompeu-a, quase gritando: - Ei! Espere Ritinha! Espere aí! – Parou o carro no acostamento, sem nada dizer. Pegou o celular, abriu um arquivo de fotos e passou a procurar a foto que, possivelmente, fosse a de Carlos. Depois de algum tempo desistiu, pois não estava naquele arquivo. Provavelmente, a encontraria no computador da delegacia. Ligou o carro e partiu para lá, dessa vez, mais rápido. Precisava checar essa informação, urgentemente, pois tinha quase certeza que a “coisa” era mais complexa do que realmente parecia. Chegando em Conselheiro, não foi para casa e, sim, para o distrito, apesar dos protestos de Rita que desejava ir antes em casa, tomar um banho, para, segundo suas próprias palavras, livrar-se daquele cheiro de cadeia! Adauto, prometeu ser rápido e, lá chegando, foi direto para a sala dos investigadores. Sentou em sua mesa, ligou o
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computador e procurou os arquivos cujas fichas já se encontravam em ordem alfabética, portanto, fácil de encontrar o que procurava. A surpresa ficou por conta da pasta onde estava o nome CARLOS AUGUSTO HEISSEL ADIB. Era ele, um dos integrantes da quadrilha Alpha! Rita de Cássia estava na sala principal,conversando com alguns colegas, quando Adauto entrou porta a dentro, chamando por ela, pois precisava mostrar-lhe algo incrível! Rita acompanhou-o, então, à sala dos investigadores e, ao ver a foto de Carlos no arquivo da Alpha, arregalou os olhos exclamando: - Puta que pariu!! Que merda é essa? Adauto pegou o celular e, mesmo sabendo que o delegado Rodrigo se encontrava de férias, ligou para ele, imediatamente, colocando-o a par da situação. O delegado, pego de surpresa, disse para Adauto pedir ao seu substituto para entrar em contato com o delegado de Madeiras a prisão, imediata, de Carlos, por tratar-se de pessoa procurada pela polícia! Adauto despediu-se de Rodrigo e foi à sala do delegado, cumprindo a ordem do titular. O delegado substituto leu rapidamente o inquérito na parte onde aparecia o nome de Carlos, para dar as informações corretas ao delegado de Madeiras e, logo em seguida, fez a ligação. O Dr Gilberto Ramos, que estava de plantão naquele dia, respondeu:
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- Fique tranqüilo, doutor, tomarei as providências imediatas, pois trata-se, pelo que sei, de pessoa importante na hierarquia da quadrilha! Sei das conversas telefônicas com Ângela Bernardini. Logo que tenha novidades entrarei em contato com o senhor. Uma boa tarde doutor! Abraço! Uma semana após esse fato, o Alberto Fernandes, delegado substituto de Conselheiro Bristol, ainda aguardava notícias de Madeiras. Como o doutor Gilberto prometeu ligar assim que tivesse novidades e, até aquele momento, não o havia feito, ele próprio resolveu ligar para a delegacia de Madeiras para saber em que “pé” estava a situação. Foi atendido pelo investigador Paulo Cintra que informou à ele que desconhecia aquele fato e que o Dr. Gilberto, no dia seguinte àquele plantão, havia sofrido um princípio de infarto, estando de licença médica, com a possibilidade de aposentar-se, pois já se encontrava em fim de carreira. Disse, também, que o delegado não incumbiu ninguém de solicitar mandado de prisão contra a pessoa de Carlos e que iria averiguar o que teria acontecido. Dr. Alberto desligou o telefone, estupefato! Não era possível o que estava lhe ocorrendo naquele momento! Imediatamente ligou para Adauto que estava de folga naquele dia e perguntou se tinha notícias do filho preso. Adauto respondeu:
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- Não doutor! Estive na última visita à dez dias atrás e não soube de mais nada! Por que? Houve algo com ele doutor? - Adauto ouviu seu interlocutor por alguns segundos. Em seguida respondeu: - Ok, doutor! Ligarei para lá nesse momento e retorno a ligação para informá-lo. Boa tarde! Até logo! Adauto preocupou-se, pois o delegado nada disse. Apenas perguntou se tudo estava normal com seu filho. Imediatamente ligou para o presídio e o atendente o atendeu dizendo: - Boa tarde, investigador Adauto! O senhor não está sabendo, então? O interno, a uma semana atrás, foi para a enfermaria com fortes dores abdominais e lá passou a noite. Deveria ser transferido para um hospital pela manhã, pois estava com suspeita de infecção intestinal! Mas, quando o procuramos pela manhã, havia desaparecido, sem deixar rastros! Uma fuga, obviamente, facilitada por algum funcionário! Todos foram interrogados, mas ainda não sabemos quem foi o responsável. Posso ajudá-lo em algo mais, senhor? Boa tarde Sr. Adauto! Adauto ficou em silêncio, por alguns segundos, como a tentar recuperar-se do susto e depois ligou para comunicar ao delegado sobre o ocorrido.
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NOVOS RUMOS
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Um mês após esses fatos, a polícia nada conseguira descobrir a respeito da fuga de Ricardo e, principalmente, do paradeiro de Carlos Adib. Dr. Rodrigo, logo depois de casar-se, recebeu uma promoção e foi transferido para a capital, onde assumiu a Delegacia de Entorpecentes. Em Conselheiro Bristol, Adauto Santiago foi também promovido a Chefe dos investigadores e Rita de Cássia, por esse motivo, foi obrigada a voltar a sua antiga delegacia, já que não poderia trabalhar como subordinada de seu marido, por força de estatuto. Adauto estava vibrando de felicidade! Rita, a duas semanas, lhe dera a notícia de sua gravidez! “Era tudo que eu precisava na vida, um filho” – Pensou Adauto, após saber da novidade, ao passo que, em seu íntimo, dizia a si mesmo: “ Dessa vez, farei tudo diferente, serei o melhor pai do mundo”! A investigação sobre a fuga de Ricardo e o sumiço de Carlos Adib ficaram ainda mais complicadas, com a morte do delegado Gilberto Ramos que teria que esclarecer o motivo que o levou a não expedir mandado de prisão a Carlos. Internado por um princípio de infarto, os médicos se surpreenderam ao descobrir que o delegado era portador de um câncer pulmonar em estágio avançado, o que, em poucas semanas, o levou a óbito! No presídio, dois funcionários da enfermaria foram exonerados por suspeita de participação na fuga de Ricardo, porém, negaram veementemente.
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EM TERRAS PERUANAS
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No aeroporto Jorge Chávez, em Lima, Peru, o movimento era intenso naquela sexta feira quente do verão peruano. Um homem moreno estava ao lado da grade que separava o corredor de saída dos passageiros do saguão, em suas mãos segurava um cartaz escrito com pincel atômico vermelho, onde se lia: MARIA DEL PILLAR.. Seus olhos iam do corredor ao painel informativo, automaticamente, demonstrando a sua ansiedade. A cada grupo que passava por ali, Juan olhava fixamente em cada rosto, mesmo sabendo que o avião, sequer, havia aterrissado. –“ Realmente, estou muito tenso” – pensou ele, enfiando a mão no bolso do blazer preto e tirando, dali, um maço de cigarro, Marlboro. Dirigiu-se a uma lanchonete, onde pediu um café e , enquanto sorvia a bebida quente, tentava acalmar-se. Depois disso, saiu do saguão e dirigiu-se à área de fumantes do aeroporto, onde, fumando, pensava em como seria aquele reencontro tão esperado. “Como estaria Pillar? Quais novidades teria para contar-lhe, após tantos meses distantes? Não, não podia imaginar, sabia apenas que aquela saudade que o consumia, nesse longo tempo, estava prestes a terminar e era isso que importava”! Terminou o cigarro e logo voltou ao saguão, parou em frente ao painel e, para sua irritação, leu ali que os vôos atrasarão em, pelo menos, uma hora e meia, devido ao forte nevoeiro nas proximidades da Cordilheira dos Andes. Juan falou um palavrão em português, mas em voz baixa. Sabia que isso era rotineiro na maioria dos vôos naquela região, mas sua ansiedade não deixava ver esse fato com naturalidade. Decidiu, então, sair do
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aeroporto e fazer umas compras nos arredores, para passar o tempo, já que seria uma tortura permanecer ali por tanto tempo. Uma hora depois, retornou, foi novamente conferir o painel e, para o seu alívio, o vôo vindo do Brasil acabara de pousar. Seu coração batia célere, ali junto à grade. Viu o primeiro grupo de passageiros passar, uns sorridentes e falantes, outros apressados, sem nada dizer e Juan esperava. Os grupos iam passando e nada de Pillar surgir. Ele levantava o cartaz, as pessoas o liam e passavam direto. Já estava ali à quinze minutos, quando um novo grupo surgiu no fim do corredor. Logo reconheceu os brasileiros pelos rostos e pelo vestuário. Levantou o cartaz e uma mulher, vestida com trajes peruanos, olhou em sua direção e, sorrindo, acenou para ele, acompanhado com um grito quase histérico. Del Pillar acelerou os passos, correu largando a mala, jogou-se nos braços de Juan e beijando-o continuamente, repetia num portunhol improvisado: - Amor de mi vida..quanta, saudade..mi amor!
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JUAN E DEL PILLAR
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Saíram abraçados pelo saguão do aeroporto, falando sem parar, empolgados, e seguiram para a pista lateral, reservada a vôos fretados, onde um CESSNA GRAN CARAVAN, já os aguardava, para leva-los à cidade de Trujillo, distante 551 km da capital peruana. Entraram no avião, e sentaram-se na penúltima poltrona da direita, ajeitaram os cintos e logo ouviram o forte barulho das turbinas anunciando que a viagem, rumo aos seus novos destinos, se iniciara. De mãos dadas, olhando-se dentro dos olhos beijaram-se longamente. Olhavam-se por segundos e voltavam a beijar-se, entre juras de amor e queixumes por tudo que passaram, incluindo a terrível saudade que sentiram um do outro, mas, imediatamente, esse pensamento era substituído por planos de felicidade naquela nova etapa de suas vidas! - “E ela lutaria com unhas e dentes por essa felicidade, como sempre tivera que lutar por tudo em sua vida” – pensou Dell Pillar, determinada. A aeronave, começou a preparar o pouso, pouco a pouco. A paisagem, antes pequenina, foi-se tornando maior. O Oceano Pacífico se estendia diante de seus olhos, mostrando todo seu esplendor e grandeza e na Praia de
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Huanchaco já era possível visualizar os banhistas aproveitando o lindo dia de sol que fazia naquela tarde de sexta-feira. -
Meu Deus! Isso aqui é o próprio paraíso, minha guapa. - Exclamou Juan, maravilhado com a linda paisagem que se descortinava diante dos seus olhos. Desembarcaram do avião e, alguns metros depois, seguiram para o estacionamento, onde uma
BMW-OVERVIEW, preta, com vidros fumê, já os aguardava, com o motorista ao lado do luxuoso veículo. - Mas, estou curioso para saber como tudo isso aconteceu! Pode me contar, senhorita? - Sim! Você vai saber de todos os detalhes meu amor, mas antes, vai conhecer sua nova casa, seu novo trabalho e “su nueva mujer”!
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OSTENTAÇÃO
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O solar de dezesseis cômodos, situado sobre uma pequena colina, de frente para a Praia de Huanchaco, era de uma beleza cinematográfica. Sua ampla varanda possuía várias redes coloridas e várias cadeiras reclináveis para quem desejasse apreciar a linda paisagem. A fachada, toda de madeira de pinho envernizado, contrastava com o resto do conjunto, que era todo em vidro. Ao longe, porém, pouco se via da linda construção, pois a vegetação nativa a camuflava, quase que em sua totalidade. A escada de acesso foi construída artesanalmente, com pedras brancas que, cercada por um gramado tratado com esmero, dava-lhe uma imponência palaciana! Juan, parou em frente a suntuosa mansão: - Ok Pillar! Já mostrou as belezas do lugar. Agora, pode mostrar nossa casa? - Pillar riu do que achou ser uma piada e disse: - Deixe de conversa, meu príncipe! Tome posse do seu palácio, que nesse tempo, construí para nós dois! - Ele, então, enlaçando-a pela cintura, disse-lhe, com ternura: - Então, nesse caso, não quero mais ser chamado de príncipe! Tenho um palácio e uma verdadeira rainha, chame-me de rei! Certo, alteza? - Um beijo apaixonado encerrou aquele diálogo, carregado de paixão e ternura. Subiram as alvas escadas de mãos dadas, enquanto comentavam sobre os detalhes da rica construção.
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Entraram na casa, adentrando a espaçosa sala de estar, onde os empregados haviam se perfilado para conhecer o novo patrão. Esse momento foi muito recomendado por “Señora Pillar”, como a chamavam, apesar de que ela própria, não era dada a esse tipo de formalismo. Era pessoa simples, por ter sido criada com conforto, mas sem riquezas. Ao contrário, passou por momentos de muitas dificuldades; um deles a levou a mudar completamente sua vida. Todos receberam Juan com extrema cortesia, oferecendo a ele seus préstimos à qualquer hora. Pillar, então, pediu à cozinheira, Rozário, algo para o jantar, no que foi atendida prontamente. Os outros também saíram, deixando os patrões á sós. Aquele era o momento ansiosamente esperado por eles. Juán, aproximou-se de Pillar, tomou-lhe as mãos e, beijando-as com carinho, disse-lhe, quase sussurrando: -
Quanto tempo esperei por isso meu amor! Quanto tempo! Ela, então, dominada pela paixão e pelo desejo que a fazia arder dos pés à cabeça, aninhou-se em seus
braços, beijando-o, dessa vez, de forma sensual, deixando transparecer toda a sua intenção. Sim , ela o queria naquele momento! Não esperaria mais.
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Juan, carinhosamente, a tomou no colo. Ela o enlaçou pelo pescoço e sorria-lhe languidamente, enquanto lhe mostrava a direção do quarto onde, finalmente, se amariam, depois de tanto tempo. Após algumas horas, o casal apaixonado saiu do quarto e dirigiram-se a sala de jantar. Na mesa posta com capricho por Rozario, o prato principal era carne de alpaca com fritas e legumes, escolhido por Del Pillar, para que Juan conhecesse uma das principais iguarias da culinária peruana, que ele aprovou 120% , segundo suas próprias palavras. Terminado o jantar, decidiram ir para a varanda, pois, à noite, a brisa marinha e barulho das ondas, trazia uma sensação de paz indescritível, segundo Pillar e Juan, acrescentou: - E romantismo também, não, querida? - Ela concordou, abraçando-o e, depois de beijá-lo , convidou-o a sentar-se ao seu lado, para que conversassem sobre algumas coisas importantes. Sentados ali, frente a frente, Del Pillar e Juan, sentiam que chegou a hora da revelação, dos detalhes de toda a trama que os levou àquele país, depois de tantas batalhas e riscos corridos. - Antes de falarmos sobre os fatos passados, querido, gostaria de posicioná-lo sobre algumas coisas a serem resolvidas, com urgência, em nossa empresa. A Blue Angel’s Matrimonials, hoje, conta com 17 moças e 12 rapazes de idades variadas, estando todos com trabalho em andamento por várias cidades peruanas e países
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vizinhos. Você, Juan, ficará responsável pela monitoração desse pessoal, trabalhando com o novo colaborador que, em breve, estará chegando em nossa casa. - Del Pillar, assumiu uma postura totalmente profissional, ao entabular essa conversa.. - E, esclareça-me Pillar, a empresa tem os mesmos moldes da… - Juan, foi interrompido por Pillar, antes que terminasse a frase: - Não! Não, meu querido Juan! A Blue Angel’s Matrimonials, é uma agência matrimonial, legalizada, documentada, mas, que tem seus métodos próprios! Recebemos as propostas e analisamos cada detalhe da vida do postulante. Se ele deixar de preencher um só dos requisitos exigidos, receberá um delicado pedido de desculpas por não podermos, naquele momento, atender suas necessidades. - Isso tem a ver com dinheiro, obviamente? - perguntou Juan, com ar de interesse. -
Amor meu! A Blue Angel’s Matrimonials, enquanto empresa, visa seu lucro em primeiro plano, por isso, quando selecionamos nossos colaboradores, fazemos uma radiografia de toda a sua vida pessoal, profissional, cultural e, claro, a beleza física é necessária e fazemos questão, absoluta, dela, guardando, é claro, as características de cada raça. Isso você verá com os próprios olhos.
Juan, fez um ar de surpreso, diante de tanta organização e, curioso, perguntou:
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-
Amor, tudo isso me parece genial! Quem desenvolveu essa idéia? Ao que sei, você não tem experiência empresarial, não é? – comentou com malícia, Juan..
- Engano seu querido! Estive, por quase 20 anos, diretamente ligada aos “grandes” da outra empresa! Devido à minha ligação com aquele pulha e, também, por dar grandes lucros à eles, nesse tempo, observei as coisas boas e as pouco inteligentes em suas investidas. Como pode ver, as boas deixei ainda melhores e, as ruins, marquei em vermelho, para nunca entrem em meu negócio. - Você citou Chacal! Por que esse ódio por ele, que a fez tomar uma atitude que poderia arruiná-la? -
Armando foi o responsável pela minha ruína moral ao me oferecer a Alpha como um emprego comum, bem remunerado e que, mesmo sendo imoral, poderia aceitar por pouco tempo, até que o tratamento de minha mãe, que quase nos levou a ruína financeira, terminasse. Aceitei nesses termos e, quando quis me desligar da “firma”, todos riram de mim, perguntando, se eu iria requerer férias, FGTS, e etc! Então informaram-me que, jamais poderia sair, pelo menos viva, pois não queriam arriscar-se a sofrer uma delação. Desse dia em diante, passei a pertencer a ele, que me “ganhou” do mestre como um troféu, já que eu era a melhor das meninas pescadoras, como nos chamavam. Com o passar dos anos, a repulsa que sentia por ele, transformou-se em raiva, depois em ódio e, a cada vez que me possuía, contra a minha vontade, jurava que, um dia, iria matá-lo!
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Empurrada pelas circunstâncias, percebi que chegara a hora e não tive dúvidas, mandei-o para o inferno, com direito a camarote vip! - Esse final da narrativa, Dell Pillar, que também podemos chamar por Ângela Bernardi, o fez com uma expressão de asco e rancor que impressionou Juan. - “É, precisava conhecer aquele outro lado de sua personalidade” - pensou.
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JUAN, NA ANGEL BLUE
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Passados alguns dias, Del Pillar entrou no escritório de Juan, com alguns papéis nas mãos, com a intenção de entregar-lhe, mas, ao abrir a porta, ouviu Juan ao telefone e, como parecia um pouco exaltado, resolveu esperar terminar. - Pero, Pablo! Que pasá com usted, me hijo?..Quieres trabajar, ganar por eso, sin sacrificar-se? Cierto, Pablito! Tiene vinte e otcho años e Irenia sessenta, pero, es uma mujer muy hermosa no? E lo que gañas a cada viaje? Mira, hace tu trabajo, Pablo, e no me “incha lãs cuevas”, e no te ouvides jamás, guapo: Lo nombre de lá empresia no puede sofrir por tu capricho, maricón! Tu sabes! - E, irritado, terminou desligando o telefone: - Argentino filho da puta! Da porta, Pillar, cuja presença não havia sido notada por Juan, aplaudia, dizendo: - Ora, ora! o que temos aqui? Um, verdadeiro, Vice Presidente, em pleno exercício de suas funções! Parabéns, Sr. Juan! Juan, desfazendo o semblante, até então, pesado, sorriu e a chamou para perto de sua mesa. Pillar aproximou-se, após trancar a porta. Ele afastou a cadeira e ela sentou-se em seu colo, oferecendo-lhe os lábios que Juan, imediatamente, passou a beijar com paixão, dizendo em seguida:
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-
Sra. Presidente, lembro-lhe que precisamos descansar mais cedo hoje, pois, amanhã teremos que pular cedo da cama para buscar os uruguaios no aeroporto! - Ao que Pillar respondeu sorrindo:
-
Sim meu amor! Hoje iremos mais cedo, para o nosso doce refúgio! Melhor! Acho melhor irmos já! - Juan sorriu, guardou alguns papéis na gaveta, trancou-a e abraçado à Pillar, saíram do escritório, rumo ao quarto.
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HECTOR E MIGUEL
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Passavam das 8:40h, quando a BMW preta, conduzida por Juan, estacionou ao lado da pista, reservada aos vôos particulares, do aeroporto de Trujillo. O vôo, vindo de Lima, estava com chegada prevista para às 9:10h, se a neblina da cordilheira não impedisse. Ficaram ali, conversando sobre assuntos da empresa, quando viram o Cessna aproximando-se da pista. Pillar, excitada, gritou: - Veja, amor! Eles chegaram! - E abrindo a porta do carro, ficou em pé, olhando o avião fazer as últimas conversões, até centralizar-se na direção da pista. Pillar acenava, abrindo os braços. “Está, realmente, ansiosa” - pensou Juan, ainda sentado em frente ao volante. “Quem seria esse Hector, que ela aguardava com tanta expectativa”? - Concluiu sua divagação. Desembarcaram olhando, curiosos, para todos os lados e, ao verem a BMW, se encaminharam até ela, onde Pillar, os esperava. Ao ficar frente a frente com Hector, ela disse, em tom jocoso: - Mas, olhe para você! Seu grande sacana! - E, entre gargalhadas e lágrimas de emoção, abraçou aquele amigo que, durante todo o tempo, lhe foi fiel. Nunca a abandonou, nos piores momentos de sua vida e, sempre que pode, impediu que coisas piores lhe ocorressem! Por isso se esforçou e de tudo fez para protegê-lo e não foi
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nada fácil conseguir! Muito pelo contrário, se ela não tivesse os recursos e os conhecimentos que tinha, não teria conseguido e seu grande amigo, à essa hora, estaria em maus lençóis. Sentaram-se nos bancos traseiros, enquanto Pillar acomodou-se no de passageiro, ao lado de Juan. Pillar e Hector, falavam sem parar, atropelando as palavras e Pillar, ansiosa e feliz, nem percebeu que esquecera de apresentar-lhes a Juan. Ele, então, aproveitando a pausa que deram, perguntou: - Pois bem, Hector! Percebi que falam, fluentemente, português! Morava no Brasil? – Hector, embaraçado, procurou a ajuda de Pillar com o olhar, onde esta, conhecendo-o, veio em seu auxílio: - Amor, os documentos e passaportes são uruguaios, meus amigos são brasileiros! Logo iria contar-lhe toda a história! Perdoe-me, estava empolgada e…! - Juan, cortou-lhe a explicação, porém, educamente: - Ah, sim querida! Entendo! Mas, de onde conhece o Hector? - Hector que, na verdade, chama-se Carlos, é um amigo, que considero irmão, Juan. Trabalhava nos escritórios da Alpha e nossa amizade foi tão sincera, que por todos esses anos, Carlos me protegeu, dando-me informações importantes para a minha segurança, mesmo correndo risco de vida! Juan, nesse instante, exclamou:
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- Carlos Augusto Adib? Puta merda! Como conseguiu essa façanha, amor? Sei da história! - E, olhando para o rapaz pelo retrovisor, disse: - Cara, você estava morto! - Carlos, sorriu encabulado, e respondeu: - Sim, Sr. Juan! Morto ou preso, se não existisse minha rainha! À esse comentário, Juan deu uma rápida, mas, insinuante olhada para Pillar que, percebendo naquele gesto um certo ciúme, em tom irônico, disse: - Carlito, acho que alguém está se mordendo de ciúmes de você! - Carlos, que nunca perdia uma piada, disparou: - Olha, Sr. Juan, se eu não fosse casado, quem teria que ficar “preocupada” era a ‘Patroa”, pois ela sabe muito bem do que gosto! - disse isso, fazendo um trejeito feminino, enquanto passava os braços pelo pescoço de Miguel. Chegaram à mansão e, Hector e Miguel, ficaram impressionados com a suntuosidade e beleza do local onde, dali pra frente, viveriam. Hector fez uma performance de “celebridade”, olhou toda a construção e disse: - Estou me sentindo uma estrela de Hollywood! Isso aqui é um sonho, Angel! Oh! Desculpe -Pillar!
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Juan olhou para ela, que entendeu o que aquele olhar significava e disse: - Hector, precisa tomar alguns cuidados aqui, querido! Temos muitos funcionários que andam o dia todo pela casa, que, como pode ver, é imensa e tem muitas portas! Os únicos lugares onde podemos falar, sem riscos, são os dois escritórios utilizados por mim e por Juan, portanto, nada de Angel e, obviamente, nada de “namoros” em público, por favor! Temos que entender que, nem todas as pessoas, estão livres do preconceito. Temos que ser cuidadosos, amigo, muito cuidadosos! - Afastou-se um pouco, puxando Hector pelo braço e, diminuindo o tom de voz prosseguiu: - E, quanto a Miguel, espero que tenha consciência de que não pode envolver-se com nada ilícito, pois, estaremos de olho! Para falar a verdade, só o aceitei aqui por você, amigo! Não por discriminá-lo, mas, devido ao risco de envolver-se com o narcotráfico, que é fortíssimo nesta região. - Sei de tudo isso, Pillar e, antes de mais nada, agradeço por tudo o que fez por nós! Quanto à Miguel, está ciente de tudo o que falou e à oito meses encontra-se “limpo”. Está decidido a não perder a chance que você está oferecendo-lhe e que, assim que desejar, conversará pessoalmente com você, para agradecer,e, também, para saber qual trabalho fará na empresa.
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Pillar, então, convidou os três para reunirem-se em seu escritório para informar a Hector os detalhes do funcionamento da “Angel” e também para acertar nas bases salariais, os aposentos que ocupariam dentre outros detalhes. Naquele momento, o celular de Juan tocou: - Alô! Sim, sou eu! Olá Ingrid!Tudo bem? Oh! Mas que ótima notícia querida! E já tem data marcada? Daqui a dois meses? Isso é ótimo! Bom trabalho garota! Parabéns! Sabe que terá um prêmio da empresa por isso não? Isso mesmo. Ok! Boa tarde! E cuide bem do seu rico empresário! - Sorrindo, desligou o celular e disse: - Minha querida Pillar! Pode comemorar! O dono da maior rede de Supermercados de toda a Argentina, está se casando com uma de nossas “guapas”! - Por Dios! Solamente com os 60 por cento da “pensão” de Ingrid, pagaremos todas as nossas despesas, salários e, ainda, sobrará dinheiro! - disse Pillar, eufórica. - Já começo a pensar numas belas férias com minha “peruana” - disse Juan, divertido. Pillar adorou a idéia e, voltando a ficar séria, continuou a reunião!
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OS INCRÍVEIS DETALHES DE UMA TRAMA
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Os dias foram se sucedendo e Hector, como sempre, demonstrava toda a sua competência ao entrevistar os candidatos a emprego e sua fidelidade à Pillar, pois, rapidamente aprendeu a chamá-la assim. Miguel, que morava no cômodo ao lado do que morava Hector, que possuía uma porta secreta, que ligava a ambos, estava indo muito bem como motorista da empresa. Usava o carro popular com o logotipo da empresa, para serviços normais, e a BMW (que teve que aprender a dirigir), para levar Pillar ou Juan, a algum evento ou, até mesmo, a pequenas viagens. Cumprindo fielmente o seu tratamento, recuperou-se do vício e passou a ser um funcionário essencial à empresa. Por sua beleza, teve alguns problemas de assédio com as empregadas da mansão, porém, dizia-se comprometido, tirando das moças qualquer esperança ao seu respeito. A Blue Angel, passou a ser referência no setor de casamentos em toda a América do Sul, inclusive no Brasil, porém, antes de assinar o contrato com clientes brasileiros, a empresa alegava alguma dificuldade e não aceitava o serviço.
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FINAL
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Aquele feriado prolongado no país veio à calhar para Del Pillar e Juan. A viagem que tinha o status de “lua de mel”, foi várias vezes planejada e, logo em seguida, adiada por motivos de trabalho. Mas, aquela semana eles não adiariam. O dia da Padroeira Santa Rosa de Lima, cairia numa segunda feira e eles poderiam resolver tudo até quinta-feira e viajar tranquilamente. Hector, ficaria responsável, numa espécie de “plantão”, para qualquer eventualidade. Aliás, desde sua chegada, a dois meses, o casal passou a ter menos dificuldades, já que Hector era extremamente dedicado e competente. Assim, na sexta feira, pela manhã, Miguel os deixou no aeroporto, onde o Cessna já os esperava. Cumprimentaram, o piloto que, costumeiramente os transportava e tomaram seus assentos na luxuosa aeronave que, por exigência de Pillar, passava por revisão de pessoa por ela indicada e, na presença do próprio Raul, o piloto. Esse detalhe era devido aos ataques de grupos de narcotraficantes que, às vezes, seqüestravam aviões para negociar a soltura de algum “figurão” preso. Juan, a cada dia que passava, admirava mais a inteligência daquela mulher que, em circunstâncias tão adversas, seu coração escolhera! E ele a amava muito. O Cesnna já rasgava o céu peruano. Abaixo dele, os apaixonados, a paisagem fascinante da Cordilheira dos Andes e, na outra extremidade, o oceano Pacífico, azulando tudo a sua volta. Aquela vista era, de fato, deslumbrante, apesar que, devido a velocidade do jatinho, tudo passava muito rápido, tão rápido como os sonhos e,
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na verdade o era! Era um sonho que Pillar e Juan estavam realizando naquele momento! O sonho de terem a tão sonhada lua de mel, embora não tivessem oficializado o casamento, o que fazia parte dos planos futuros. Juan, em determinado momento, tocando-lhe o rosto com carinho, disse-lhe: - Querida, lembro que quando entramos nesse avião, pela primeira vez, estava ansioso para saber tudo o que aconteceu, como conseguiu trazer-me para cá. Espero que seja meu presente de lua de mel! - Ah é, bonitão? Ok, e o meu presente? - falou, com ar travesso, Pillar. Juan, então, enfiou a mão no bolso direito do blazer, que sempre usava, disse: - Aqui está, meu amor! Claro que não esqueci do seu presente! Espero que goste! – Pillar fez uma cara de espanto ao receber de seu amado, uma pequena caixa de prata que, por si só, já era um lindo presente, mas, ao abri-la, surgiu um lindo anel solitário, brilhante, sobre o veludo vermelho. Pillar ficou paralisada, olhando a jóia e, alguns segundos depois, abraçou e beijou Juan dizendo o quanto o amava e agradeceu a linda surpresa. Ia guardá-lo em sua bolsa, mas antes disse: - Amor, deve ter custado uma fortuna!!!
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Minha flor, não posso dizer que foi barato e, se fosse, não daria a você. Mas, posso dizer que a minha vida deve ter custado muito mais caro a você, não? - Pillar, sorrindo, respondeu:
- Moço, você não sabe o prejuízo que me deu! - Imagino e nem sei se valho metade disso! - disse Juan. - Vale muito mais, amor! Se tivesse que pagar o triplo, eu pagaria! - Só por curiosidade, quanto eu estava valendo no câmbio daquele dia? Quanto gastou para livrar-me da morte? - Não quero falar em dinheiro, para não sentir-se culpado, Juan! Mas, foi muito dinheiro mesmo! - Quanto, aproximadamente, amor? Não ficarei envergonhado. Posso achar que poderia ter gasto em coisas mais úteis - disse isso rindo. - Ok! Aproximadamente, Um milhão! - Madre Santa! Um milhão? - Sim, Juan! Convencer cinco membros da Alpha a se corromper, um legista a emitir um documento afirmando que o defunto era você, sem ser, o aluguel da casa onde ficou, fora o silêncio do senhorio, transportes e alimentação para dez pessoas, durante vários meses. Um milhão meu querido! Mas valeu muito à pena! Você
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é meu grande amor e um grande amor não tem preço! - Ele ouvia estupefato e não sabia se agradecia, chorava ou beijava seus pés. Ela era uma mulher fantástica! - Mas, e a polícia técnica, os peritos? Como solucionar isso? - Amor, seu corpo foi achado muito tempo depois! A polícia de Conselheiro só viu sua roupa, um cordão de ouro e um anel, seus sapatos foram queimados no local onde o cadáver foi incinerado. Depois, o levamos para a capital, por sugestão de um infiltrado no IML, que alegou falta de recursos para fazer a perícia em um cadáver decomposto e incinerado a meses! Mas, não se sinta culpado, meu amor, não gastei menos com Carlos e Ricardo. Ali foi barra pesada! Carlos, condenado a 12 anos de prisão e Ricardo estava preso por tráfico de drogas e, para complicar mais as coisas, pelo pai de Ricardo, um investigadorzinho, que detesto! - Puta que pariu! O pai de Ricardo é policial? Quem é ele? - O nome de Ricardo é: Ricardo de Almeida Santiago. Esse sobrenome te lembra alguém? - Pillar disse essas palavras olhando no fundo dos olhos de Juan. Ele pensou e respondeu: - Sim, amor! lembro sim , Adauto Santiago! Os motores mudaram de som, indicando a redução de velocidade, por isso a conversa foi interrompida. Era o momento de apreciar outra paisagem espetacular. Estavam chegando ao destino, a linda e paradisíaca, Ilha de
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Eleuthera, no Caribe. Era, naquele paraíso, que iriam se amar, durante quatro dias! Estavam radiantes de felicidade. O jatinho aterrissou e eles desembarcaram sorrindo, rumo ao seu Éden, onde só haveria paz e amor, não haveria pecado, porque amar, para aqueles dois seres, seja da forma que for, jamais será pecado. Na manhã de sábado, 30 de agosto de 2014, Juan e Pillar caminhavam abraçados pela praia caribenha. Pisavam a areia rosa, que fazia um lindo contraste com o azul cobalto do Oceano Atlântico. Conversavam e namoravam descontraidamente até que Pillar, parando de caminhar, disse: - Você ainda não me contou a sua história, Juan! - Jurei que só contaria após conhecer Machu Picchu e, também, quero me vingar, pela ansiedade que me fez passar, senora Gimenez! – Sorrindo graciosamente, ela respondeu: - Não sou ansiosa, meu amor! A vida me ensinou a ser paciente, portanto esperarei! - E, pegando-o pela mão, seguiram caminhando e respirando o ar salinizado do mar de Eleuthera. Retornaram à Huanchaco no domingo a tarde, e tiraram o resto do dia para descansar, somente Hector e Miguel sabiam que estavam em casa. Dormiram até às sete da noite, pois o cansaço da longa viagem os esgotaram completamente.
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À noite, Juan convidou-a para sair, jantar fora e, quem sabe, ir a uma boate, para divertirem-se um pouco. Pillar adorou a idéia e, imediatamente, abriu o guarda roupas. Passou a procurar a melhor roupa para noite. Isso, para ela, era um martírio! Nunca conseguia escolher a “melhor” entre tantas coisas lindas que possuía! Na verdade, ali tinha peças que nunca tinha, sequer, usado e, obviamente, não lembrava. Juan foi para a toalete, preparar-se para o passeio e, enquanto tomava banho, pensava: “Como sua vida mudara em tao pouco tempo? Ele estava vivendo um sonho! Pillar era uma mulher, simplesmente, maravilhosa e ele, que tinha tido outros dois casamentos, nunca sentiu, por nenhuma das ex esposas, o que sentia por ela. Na verdade, Pillar, ou melhor, Ângela Marta Bernardini, era a mulher de sua vida! Jantaram num restaurante na orla da Praia de Mancora, uma das mais belas do Peru e Pillar optou por caminhar descalça na areia, namorar sob a luz da lua, que estava linda àquela noite. Juan concordou e começaram a andar, beirando a água fria trazida pelas ondas que ali se desfazem. Pararam, de repente e, olhando em volta, para terem a certeza de que estavam realmente sozinhos, começaram a beijar-se com mais paixão. As carícias foram ficando mais ousadas. Afastaram-se da água, e sentaram-se na areia branca que, sob o luar, parecia-se muito com brancos lençóis. O barulho das ondas acentua o romantismo e, à cada beijo, à cada toque, o desejo os inundava, convidando-os a enlouquecer! Entao, esqueceram que estavam num local público e, a impressão, é que nem
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ligavam para isso, se lembrassem, pois, a magia do amor imperava e, ali, tendo a lua e o mar como testemunhas, deram vazão à paixão que os incendiava o corpo e a alma! Ficaram assim, reféns daquele amor, por minutos? Horas? Não saberiam responder! A areia na pele, nos cabelos, já não os importunava. Estavam inebriados de paixão e só voltaram à realidade, quando os primeiros raios de sol surgiam, lá onde o mar parece terminar. Rindo, pra valer, da peraltice cometida, sem a menor responsabilidade, recompuseram-se, mas, ali permaneceram, abraçados, trocando palavras de amor. - Posso te dizer uma coisa, minha querida? Você é o amor da minha vida, por isso, pagou um milhão por ela! Pillar, com aquele ar de moleca, respondeu: - Não foi só por isso, meu querido! Foi ,também, um agradecimento! - Como assim, amor,agradecimento? - Sim! Agradecimento, por ter realmente se apaixonado por mim e não ter me levado para a delegacia, Sr.Investigador! - “Caramba! Você sabia?
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- Não! Eu não sabia, minha vida! Soube naquela tarde, em que você ligou avisando que não iria me ver à noite, por causa de uma viagem. Se você viesse, eu teria que dar um jeito de você não entrar, pois dali mesmo, iria para o local onde o matariam. Aquela viagem, embora fosse mentira, pois você estava no DP, veio à calhar, porque ganhei tempo para fazer meus contatos e pôr em prática a idéia que eu e Carlos tivemos para salva-lo, e trazê-lo para junto de mim. - Madre Santa! Você não é deste mundo Ângela! - Sou desse mundo sim! Você que morreu, portanto, uma “alma penada”! - Pillar gargalhou da própria piada e seu amado, também, achou engraçado. Quando cessaram os risos, ele a olhou nos olhos com imensa ternura e disse: - Estou, realmente chocado, Pillar! Tudo foi planejado e executado com uma perfeição incrível. Eu sou muito feliz por tê-la conhecido, por tê-la amado e, principalmente, por ser amado, dessa forma, por uma “garota” tão especial. - Humm, garota? Está querendo me agradar “seu tira”, de uma figa? Deve estar querendo algo! - brincou ela. - Sim! quero te pedir, duas coisas. Quero que me beije e depois diga: “Eu te amo, Luiz Alberto”! - Oh! Não! Isso não! Só amo um homem, e o nome dele é Sérgio! - riram pra valer dessa vez.
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- Ah é? Então, vou prendê-la agora. - Ra Ra Ra! Terá que me pegar, seu “tira barrigudo”! - E saiu correndo. Luiz arregaçou as pernas das calças e, antes de correr, gritou: - Muito fácil te pegar, sua Lhama peruana! - Correu atrás dela, alguns metros, até alcançá-la. Então, pararam, ofegantes e, ainda rindo muito, beijaram-se com ardor, deixando ali, naquela praia, o registro de um amor lindo, completo, porém, inimaginável e, até, impossível de acontecer, diante do que eram e que tiveram que deixar de ser, para que seus corações assumissem o leme de suas vidas, deixando de lado a razão. Razão é coisa de gente normal. Ângela Bernardini era mais que isso, era especial,para não dizer, genial. Saíram abraçados pela praia, como dois adolescentes, vivendo o primeiro amor. E o mesmo sol, que um dia aqueceu e abençoou as plantações do povo Inca, agora aquecia o corpo e abençoava a alma daqueles dois amantes, com a promessa de que aquele amor , tão inusitado , de início, seria eterno! Seria para sempre! Pilla mostrou sua forma, única e despudoradamente bela, de amar. Mas, nesse caso , não houve espaço para o pecado porque, quem ama assim, já está perdoado, segundo as leis do próprio coração!
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F i m!
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“QUEM PODERÁ JULGAR AQUELE QUE ERROU, SEGUINDO OS DESÍGNIOS DO CORAÇÃO?”
Escrever um livro, era um sonho! Confesso, não acreditava que conseguisse! Não julgo minha cultura suficiente para tão grande responsabilidade! Quando jovem, devorava livros e me perguntava - “de onde os autores buscavam tantas idéias, tantas palavras, para compor suas obras”? À cada livro que lia, minha reverência a Sidney Sheldon, Robert Koch, Agatha Christie, Harold Robbins, Jorge Amado, dentre outros, crescia, ao ponto de vê-los como homens superdotados ou verdadeiros semi deuses! Escrever “Passionais”, então, foi um prêmio à ousadia deste humilde aprendiz de escritor que dedicou-se, de corpo e alma, à elaboração desta obra que posso qualificar de “surpreendentemente agradável”. Enfim, não posso
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garantir que Passionais será um grande sucesso, mas, garanto, dentro da minha experiência de leitor, que não será um fracasso. A estória tem ingredientes que prendem a atenção do leitor do começo ao fim - amor, emoção, suspense, ação, drama - e um final que, mesmo procurando palavras, a única, que melhor o define é: DELICIOSO!!! Espero que você, amigo leitor, viaje com nossos personagens, emprestem-lhe a sua alma, dêem-lhes vida e vocês entrarão num êxtase cinematográfico, a cada página do meu primeiro livro, o surpreendente “PASSIONAIS”. À vocês, minha eterna gratidão!
J.R.Henriques
Santos, 05/07/2018.
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