Magnitude do Primeiro Pecado. Por causa dele a Todos os que Estiveram Fora da Graça do Salvador é Devida a Pena Eterna por
Santo Agostinho
Uma pena eterna parece dura e injusta para a sensibilidade humana porque, nesta fraqueza das nossas faculdades destinadas à morte, falta aquele sentido da altíssima e puríssima sabedoria com que se possa conceber quão grande foi o crime cometido na primeira queda. Efetivamente, quanto mais o homem gozava de Deus com tanto maior impiedade o homem abandonou a Deus e se tornou digno dum mal eterno aquele que em si destruiu um bem que poderia ser eterno. Daí resulta que se tenha tornado em massa condenada (massa damnata) todo o gênero humano— porque o primeiro que esse crime cometeu, foi punido com a sua estirpe, que nele estava radicada, de maneira que ninguém é libertado deste justo e merecido castigo a não ser por uma graça misericordiosa e imerecida; e assim se distribui o gênero humano: nuns patenteia-se o que pode a graça misericordiosa, e noutros a justa vindicta. Não poderia mostrar-se uma coisa e outra — graça e vindicta — em todos porque, se todos ficassem nas penas duma justa condenação, em nenhum se patentearia a graça misericordiosa e, ao invés, se todos fossem transferidos das trevas para a luz, em nenhum se patentearia a verdade da punição. Neste caso estão muitos mais homens do que naquele para que, assim, se mostre o que a todos era devido. E, se a todos fosse dado esse devido, ninguém teria a reprovar justificadamente a justiça do vingador; porque, porém, são em tão grande número os libertados, é caso para que sejam dadas as maiores graças pelo dom gratuito do libertador.
Fonte: A Cidade de Deus, Volume III, Fundação Calouste Gulbenkian, página 2171.