Dos Tratados sobre o Evangelho de São João, de Santo Agostinho, bispo Deus enviou seu Filho ao mundo para o salvar Deus mandou seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele (Jo 3, 17). O médico tudo fez para curar o doente. Aquele, portanto, que recusa observar as prescrições do médico, mata-se a si mesmo. O Salvador veio ao mundo. Por que foi ele chamado Salvador do mundo? Porque deve salvar o mundo e não condenálo. Se recusas a salvação que ele te oferece, serás condenado por ti mesmo. Por que serás condenado? Vê o que está dito: Quem crê nele não será condenado, mas quem não crê já está condenado (Jo 3, 18). A condenação ainda não foi publicada, mas já foi pronunciada. O Senhor conhece os que lhe pertencem, conhece aqueles a quem está reservada a coroa e os que estão destinados ao castigo; distingue em sua eira o grão de trigo da palha, a seara do joio. Quem não crê já está condenado. Por quê? Porque não acreditou no nome do Filho único de Deus. Ora, o julgamento consiste nisso: a luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más (Jo 3, 8-19). Meus irmãos, em quem o Senhor encontrou boas obras? Em ninguém. Encontrou obras más em todos. De que modo, então, alguns praticaram a verdade e aproximaram-se da luz, como indica o que segue: Quem pratica a verdade se aproxima da luz, para que suas ações sejam manifestadas, já que são praticadas em Deus (Jo 3, 21)? Como alguns fizeram o bem e aproximaram-se da luz, isto é, de Cristo, enquanto outros preferiram as trevas? Se ele encontrou todos os homens pecadores e os curou a todos do pecado; se a serpente, sinal figurativo da morte do Senhor, curou os que tinham sido vítimas de suas picadas; se foi contra essas picadas que a serpente foi elevada, isto é, se foi a morte do Senhor que salvou os homens sujeitos à morte e ao pecado, como entender estas palavras: Ora, o julgamento consiste nisto: a luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más? (Jo 3, 19). Que quer dizer isto? De quem eram as boas ações? Não vieste para justificar os pecadores? Mas o texto diz: Amaram mais as trevas do que a luz. Eis a questão essencial. Houve muitos que preferiram seus pecados e outros que os confessaram. Ora, quem confessa e acusa seus pecados já está em comunhão com Deus. Deus acusa teus pecados; se também tu os acusas, tu te unes a Deus. O homem e o pecador são coisas bem distintas. O homem é obra de Deus, o pecador é obra do homem. Apaga o que fizeste para que Deus salve sua obra. É preciso que odeies em ti tua obra e ames em ti a obra de Deus. Quando começas a detestar o que fizeste, a acusação do mal que cometeste é o começo de tuas boas ações. Praticas então a verdade e te aproximas da luz. [ In Ioannis Evangelium Tractatus 12, 12-13, Corpus Christianorum Latinorum 36,127-128 ]