Agostinho - Congresso Sobre Santo Agostinho

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Anotações da quarta lição de padre Giacomo Tantardini sobre “Agostinho, testemunha da Tradição” Universidade de Pádua Ano acadêmico 2003-2004 - terça-feira, 18 de maio de 2004

Congressos sobre a atualidade de Santo Agostinho Plus enim erat amicos docere humilitatem, quam inimicis exprobrare veritatem Era mais importante ensinar a humildade aos amigos do que desafiar os inimigos com a verdade (Santo Agostinho, Sermo 284) de Giacomo Tantardini

Vincenzo Milanesi Reitor da Universidade de Pádua Estou feliz por cumprimentar os estudantes, os docentes, as autoridades e todas as pessoas presentes na sala para a conclusão desta sétima edição dos congressos sobre a atualidade de Santo Agostinho. Este é um evento tão familiar para a Universidade e A incredulidade de Tomé, Caravaggio, PostdamSanssoucis, Bildergalerie também para mim, pessoalmente, que eu gostaria de tomar a liberdade de expressar de maneira extremamente breve meu apreço pela fórmula da lectio (que demonstra ser sempre apreciada), pela organização (que reúne associações estudantis importantes e qualificadas) e pela acolhida do público, além das autoridades e da mídia.

Refletir durante um tempo tão longo sobre um único autor é um fato singular. Dissemos mais de uma vez que nos encontramos diante de um grande homem do pensamento, como também da história da Igreja. Mas ele não é certamente o único que soma essas duas características. Santo Agostinho, nos últimos tempos, parece gozar de um destino particular também nas publicações não especializadas. Muito se falou dele por ocasião da mostra milanesa “Ambrósio e Agostinho”, que acaba de ser concluída, ou pelo fato de a editora Città Nuova ter chegado ao fim da monumental tradução e edição italiana de suas obras. Mas a insistência com a qual até mesmo os jornais voltam sobre a sua figura parece exceder todos esses eventos, por mais que sejam relevantes. Impressionou-me em particular, há algumas semanas, uma série de artigos dedicada ao santo de Hipona pelo jornal Sole 24Ore. Entre os vários títulos, havia um que me parecia chamar de perto para a maneira como Santo Agostinho foi lido nas nossas aulas nestes anos: “‘Só alimenta a mente aquilo que a alegra’: nessa máxima está a chave da sua atualidade”. De fato, a figura de Santo Agostinho, mesmo da maneira como padre Tantardini nos ajudou a redescobri-la nestes anos, não nos comunica apenas o inevitável sentimento de respeito e admiração que se poderia experimentar diante de uma extraordinária figura de filósofo ou mesmo de teólogo. Há um frescor e uma novidade que parecem pertencer-lhe como um dom totalmente pessoal e particular, desde que queiramos, como se fez nestes anos por meio dos congressos, estar diante de suas páginas. Eu acredito que o segredo do fascínio de Santo Agostinho esteja nesse frescor, que as conferências destes anos nos comunicaram, e que está aqui o motivo pelo qual muitos - docentes e estudantes de todas as faculdades - as apreciaram. E é por isso, sobretudo, que lhes agradeço e faço votos de que continuem no caminho que iniciaram. Eu lhes asseguro desde agora, portanto, a simpatia e o apoio, meus pessoais e da instituição universitária que represento, que ficará contente por hospedar a todos vocês novamente no ano que vem, a começar por padre Giacomo, nesta Aula Magna para o oitavo ciclo das leituras de Santo Agostinho. padre Giacomo Tantardini Agradeço eu também a todos vocês pela cordialidade com a qual acompanharam estes encontros, perdoando inclusive meus limites. Conforta-me em parte um pensamento de Santo Agostinho: “Melius est reprehendant nos grammatici quam non intelligant populi / É melhor os intelectuais nos criticarem às pessoas simples não nos entenderem”1. Agradeço em particular ao magnífico reitor, também pelas palavras que hoje nos dirigiu e pela hospitalidade tão liberal nesta Universidade.

A conferência de hoje deveria ser uma lectio brevis, mesmo porque este é o último encontro e o mês de maio é tempo de provas na universidade, logo antes das férias. Gostaria de ler apenas dois trechos. O primeiro foi distribuído a todos, o segundo se encontra no pequeno livro encartado à último edição da revista 30Dias2. É a transcrição da última aula, a terceira deste ano. O tema deste encontro, das leituras de hoje, poderia ser formulado da seguinte forma. Da última vez, acenei para o fato de que o sujeito do testemunho cristão não somos nós, mas é Jesus Cristo. O testemunho é o gesto da Sua presença, viva, operante. Esse é o testemunho de Jesus Cristo (cf. 1Cor 1,6)3. Se, portanto, o sujeito do testemunho é a sua presença viva, operante, em que sentido nós também, nós, os discípulos do Senhor, somos testemunhas dEle, “testemunhas da Sua ressurreição” (cf. At 1,22)? A resposta a essa pergunta é de certa forma antecipada pela frase de Santo Agostinho que sugeri que pusessem sob a imagem de capa do pequeno livro editado por 30Dias: “In parvulis sanctis ecclesia Christi diffunditur”4. A Igreja de Cristo se difunde por meio de pequenos santos, por meio de crianças santas. As duas leituras de hoje tentarão extrair imagens e conteúdo dessa expressão. Dizer crianças santas significa dizer crianças pequenas, pessoas humildes5, em cujo rosto e em cujos gestos da vida se reflete a presença do Senhor. O testemunho cristão é o reflexo de uma presença. “Nós, como num espelho, refletimos a presença do Senhor” (cf. 2Cor 3,18). 1. Sermo 284, 6 Comecemos a ler. O primeiro trecho é extraído de uma homilia que Agostinho pronunciou em Cartago. Ele havia sido convidado pelo bispo daquela Igreja para a festa dos santos mártires Mariano e Tiago, que se celebrava em 6 de maio. Agostinho vai a Cartago, preside a Eucaristia e faz essa homilia durante a Eucaristia. O trecho que lemos é a conclusão da homilia feita na grande comunidade de Cartago. Comparada à pequena Hipona, Cartago era realmente uma metrópole. “Propter nos pati voluit Christus / Cristo quis padecer por nós. / Ait apostolus Petrus: ‘Pro vobis passus est, relinquens vobis exemplum, ut sequamini vestigia eius’. / Diz o Apóstolo Pedro: ‘Cristo padeceu por vós, deixando-vos um exemplo, para que possais seguir os passos dele’. / Pati te docuit, / Ensinou-te a suportar o sofrimento / et patiendo te docuit [como foi que lhe ensinou a suportar o sofrimento?] / e te ensinou isso sofrendo ele mesmo a sua paixão. / Parum erat verbum, nisi adderetur exemplum. / A palavra teria sido pouca coisa, se não fosse acrescentado o exemplo. / Et quomodo docuit, fratres? / E de que modo nos ensinou, ó irmãos? / Pendebat in cruce, / Estava pregado na cruz, / Iudaei saeviebant / crescia a fúria dos judeus”. Aqui, o termo judeus indica apenas aqueles que, sob a

cruz, queriam a sua morte, pois Jesus era também judeu. Maria, sua mãe, e os primeiros discípulos eram todos judeus6. Portanto, judeus não indica aqui a totalidade de um povo, mas apenas indivíduos daquele povo; “in asperis clavis pendebat, sed lenitatem non amittebat. / estava pregado na cruz por duros pregos, mas não abandonava a mansidão. / Illi saeviebant, illi circumlatrabant, illi pendenti insultabant; / Eles se enfureciam, cercavam-no com gritos maus, insultavamno quando pendia da cruz; / quasi uno summo medico in medio constituto, phrenetici, circumquaque saeviebant. / o único médico supremo estava em meio a loucos que à toda volta enfureciam-se contra ele [summo, que não tem igual, com o qual nada se compara; medico, como alguém capaz de sanar o coração deles]. / Pendebat ille, et sanabat. / Ele pendia da cruz, e curava [Como assim, curava?]. / ‘Pater’ inquit ‘ignosce illis, quia nesciunt quid faciunt’. / ‘Pai’, disse, ‘perdoa-os, pois não sabem o que fazem’”. Curava assim, perdoando. A natureza humana ferida pelo pecado original não pode ser curada por meio de uma longa ascese ético-religiosa, mas por meio de um fato de perdão: “Pai, perdoa”. “Petebat, et tamen pendebat”: Agostinho fala como grande orador. A conversão de Agostinho, como é próprio da conversão cristã, valorizou todas as suas qualidades humanas, naturais, até as de cultura, de competência. “Petebat, et tamen pendebat; / Rezava [pedia] e, todavia, pendia da cruz; / non descendebat / não descia da cruz, / quia de sanguine suo medicamentum phreneticis faciebat / pois tornava seu sangue remédio para aqueles que se tornavam cada vez mais furiosos. / Denique quia verba petentis Domini, eiusdemque misericordiam exaudientis, quia Patrem petiit, et cum Patre exaudivit; / Enfim, sendo que as palavras do Senhor que pedia misericórdia [“Pai, perdoaos, pois não sabem o que fazem”] eram também as palavras dAquele que [como Deus] as escutava, pois [como homem] rezou ao Pai e [como Deus] com o Pai respondeu [como homem pediu perdão e como Deus respondeu a esse pedido de perdão], / quia illa verba non potuerunt inaniter fundi / sendo que aquelas palavras não puderam ser proferidas em vão, / post resurrectionem suam sanavit quos pendens insanissimos toleravit / depois da sua ressurreição curou aqueles que, enquanto pendia da cruz, tinha suportado quando gritavam furiosos contra ele”. E aqui começa o trecho pelo qual li este discurso de Agostinho. Faço apenas uma pequena observação de atualidade. Falou-se nestes últimos dias, também entre as autoridades civis, como, por exemplo, o presidente do Senado, Marcello Pera, a respeito de verdade, de timidez no afirmar a verdade, de relativismo, dizendo coisas que podem ser livremente compartilhadas ou não. Eu só queria mencionar que a graça da fé pode oferecer uma novidade de inteligência inclusive com relação

ao conteúdo das palavras que o mundo também usa, como a palavra verdade. Nas frases de Agostinho que leremos a seguir, vocês poderão intuir essa novidade de inteligência com relação aos esquemas do mundo (cf. Rm 12,2). “Ascendit in caelum, misit Spiritum Sanctum; / Ascendeu ao céu, mandou o Espírito Santo / nec se illis ostendit post resurrectionem, / e não se mostrou visivelmente, depois da ressurreição, àqueles que o haviam crucificado, / sed solis fidelibus discipulis suis, / mas [mostrou-se visivelmente] apenas a seus discípulos fiéis, / ne quasi insultare se occidentibus voluisse videretur / para que não parecesse que queria quase desafiar aqueles que o haviam matado. / Plus enim erat amicos docere humilitatem, quam inimicis exprobrare veritatem. / De fato, era mais importante ensinar a humildade aos amigos do que desafiar os inimigos com a verdade”. A verdade não é uma coisa que alguém possui e pode usar como um desafio. É pura confessio, puro reconhecimento7. Essa frase de Santo Agostinho me parece ter uma atualidade evidente e surpreendente. Era mais importante ensinar a humildade aos amigos do que desafiar aqueles que o haviam matado, os inimigos, com a verdade. “Resurrexit: plus fecit quam illi exigebant, non credendo, sed insultando, / Ressuscitou, fez mais do que aqueles exigiam, não acreditando, mas insultando / et dicendo: ‘Si filius Dei est, descendat de cruce’. / e dizendo: ‘Se és o Filho de Deus, desce da cruz’. / Et qui de ligno descendere noluit, de sepulcro surrexit. / E aquele que não quis descer da cruz, ressuscitou do sepulcro. / Ascendit in caelum, misit inde Spiritum Sanctum; implevit discipulos, / Subiu ao céu, mandou do céu [do Pai] o Espírito Santo, encheu [de graça] os discípulos; / correxit timentes, fecit fidentes / corrigiu aqueles que tinham medo [todos o abandonaram por medo. Agostinho falará de Pedro, de seu medo e de sua traição. Corrigiu, ou seja, sustentou aqueles que tinham medo. Corrigir no sentido de sustentar] e os tornou crentes nele [confiantes nele]. Petri trepidatio in fortitudinem praedicatoris repente conversa est. / E o medo de Pedro num instante [repente] foi transformado na fortaleza da testemunha”. Esse repente é uma das coisas mais estupendas do acontecimento cristão. Há dois meses fui ver as escavações do antigo batistério de São João às Fontes, sob o Domo de Milão, onde Ambrósio, na noite de Páscoa de 387, batizou Agostinho. Nos tempos de Ambrósio, o Domo de Milão, dedicado a Santa Tecla, uma mártir da Ásia Menor, estendia-se pela atual praça do Domo, e o batistério se encontrava sob o sagrado do atual Domo. Hoje, depois das escavações, os versos que Ambrósio compôs para o batistério no qual Agostinho foi batizado foram passados para uma lápide de mármore. A poesia termina com esta imagem: “Nam quid divinius isto / O que existe de mais divino do que isto: / ut puncto exiguo / que num pequeno instante / culpa cadat populi? / caia a culpa de todo um povo?”8. Punto exiguo é a mesma coisa que repente: num pequeno

momento de tempo, num instante, no gesto do Batismo, cai a culpa de todo o povo. Se comparada a toda a ascese religiosa e moral, é uma coisa desconcertante. Num pequeno instante. Não o termo de um longo caminho, mas um pequeno momento de tempo. E Agostinho não podia deixar de conhecer e de ficar maravilhado com o hino de Ambrósio para a Páscoa Hic est dies verus Dei. O hino de Páscoa de Ambrósio é a expressão do maravilhamento pelo fato de que o bom ladrão, o assassino bom, crucificado à direita do Senhor, entra imediatamente no Paraíso. “...Iesum brevi quaesiit fide.” O assassino bom procurou Jesus com uma fé pequena, breve, de um só instante, “iustosque praevio gradu / praevenit in regnum Dei” e, assim, dando um pequeno passo, antecipou-se a todos os justos no reino de Deus. Isso é o cristianismo. Basta um instante. Um instante de reconhecimento, de pedido, supplici confessione: “Jesus, lembra-te de mim, quando entrares em teu reino” (Lc 23,42). Foi assim para aquele assassino. É assim para cada um de nós no instante do sacramento do Batismo e no instante do sacramento da Confissão. Repente. Não é o termo de uma longa conquista, mas um instante de pedido e de graça9. E depois Agostinho descreve o instante em que Pedro, do medo, passou ao testemunho. “Unde hoc homini? / De onde isso vem ao homem? [de onde vem a Pedro poder passar do medo ao testemunho, da negação ao testemunho?] / Quaere Petrum praesumentem, invenis Petrum negantem... [praesumere pode também não ser, digamos assim, uma coisa má. Presumir significa pre-tender alguma coisa. Portanto, antecipar. Pretender algo antes. Antes do dom do Senhor10] / Se buscas ao Pedro que presume, encontras o Pedro que nega, / quaere Deum adiuvantem, Petrum invenis praedicantem / se buscas o Deus que ajuda [a graça de Deus que se inclina para Pedro], encontras o Pedro que testemunha”. Segue um trecho sobre o medo de Pedro e sobre a pessoa que é tornada testemunha num instante. Num instante, repente. “Ad horam trepidavit infirmitas, / Quando chegou o momento, a fraqueza [de Pedro] teve medo, / ut praesumptio vinceretur, non ut pietas deleretur / e isso para que sua pretensão [o fato de querer antecipar] fosse vencida, não para que a piedade fosse apagada”. Isso é belíssimo. De fato, mesmo quando Pedro o traiu, queria bem a ele. É uma coisa comovente. Assim são os pecados cristãos, os pecados da nossa fragilidade. Mesmo quando traiu, Pedro queria bem a Jesus. O traiu por fragilidade, mas a pietas que o ligava ao Senhor não foi destruída. E esta é uma coisa estupenda. Péguy diz que a tragédia moderna é que os pecados não são mais pecados cristãos11. Os pecados cristãos são pecados, e podem ser até pecados mortais, ou seja, que privam da graça de Deus12, mesmo assim não cancelam este último sentimento de afeto para com Aquele que encheu o coração de graça e de letícia.

“Implet ille Spiritu suo, / Jesus enche de seu Espírito / et facit praedicatorem fortissimum, / e torna testemunha fortíssima / cui praesumenti praedixerat: ‘Ter me negabis’. / aquele ao qual, quando presumia [quando queria antecipar, confiante em seu bom propósito], havia predito: ‘Vais me renegar três vezes’. / Praesumpserat enim ille de viribus suis / Pedro havia presumido baseado em suas forças [havia confiado em suas forças] / non de Dei dono /, não na graça de Deus / sed de libero arbitrio /, mas na sua capacidade de escolha. / Dixerat enim: ‘Tecum ero usque ad mortem’. / De fato, havia dito [a Jesus, antes da Paixão]: ‘Estarei contigo até a morte’. / Dixerat in abundantia sua: / Havia dito em seu ímpeto bom: [in abundantia sua; creio que se possa traduzir assim: não havia de per si maldade nesse seu presumir, era a expressão de um ímpeto bom] / ‘Non movebor in aeternum’. / ‘Não vacilarei jamais’ [aqui, Agostinho cita o salmo 29]. / Sed qui in voluntate sua praestiterat decori eius virtutem / Mas Aquele que em seu desígnio havia doado a Pedro o esplendor da virtude / avertit faciem suam, et factus est conturbatus. / tirou dele o olhar e Pedro caiu. / ‘Avertit’ inquit ‘Dominus faciem suam’; / ‘O Senhor’, diz, ‘tirou o olhar’; / ostendit Petro Petrum / e assim mostrou Pedro a Pedro”, tornou evidente a Pedro quem era Pedro, ou seja, um pobre coitado que traía. Fez Pedro ver quem era, que força tinha seu bom propósito; “sed postea respexit / mas depois o olhou / et Petrum firmavit in petra / e [olhando-o] confirmou Pedro na pedra [na graça da fé]”. Como é belo esse respexit. A fé de Pedro, as lágrimas de Pedro são um reflexo daquele olhar. “Quem Dominus respicit salvat.” Assim disse Santo Ambrósio13. “Imitemur ergo, fratres mei, quantum possumus, in Domino passionis exemplum / O máximo que pudermos, meus irmãos, imitemos no Senhor o exemplo da paixão. / Implere poterimus, si ab illo poscamus adiumentum, / Mas poderemos imitar o exemplo se a ele pedirmos ajuda [as palavras que estou para ler descrevem toda a vida cristã], / non praeveniendo sicut Petrus praesumens, / não antecipando [não querendo pre-venir, não querendo ir além do que o Senhor doa] como Pedro quando presumia / sed sequendo et orando / mas seguindo e pedindo [rezando] / sicut Petrus proficiens / como Pedro quando caminhava crescendo”. Impressionou-me também a expressão proficiens. Porque dessa forma se cresce. A pessoa não cresce querendo antecipar. Na vida cristã, a pessoa cresce seguindo e rezando. Seguindo o acontecimento da graça e pedindo. É assim que se cresce. E isso, com relação aos critérios do mundo, aos critérios, digamos até, bons, da religiosidade, da ética, da educação da cidade dos homens, é uma coisa incomparável14. Na vida cristã, não se cresce antecipando alguma coisa, possuindo como próprio alguma coisa. A pessoa cresce seguindo e pedindo. “Quando enim Petrus ter negavit, quid evangelista dicit, attendite: /

Quando Pedro renegou pela terceira vez, prestem atenção ao que diz o Evangelista: / ‘Et respexit eum Dominus, et recordatus est Petrus’. / ‘O Senhor o olhou e Pedro se lembrou’. / Quid est: ‘respexit eum’? / Que significa ‘o olhou’? [não sei se a exegese de Agostinho dessa passagem evangélica é a mais exata. De qualquer forma, sugere uma coisa que é também a mais comovente do ponto de vista da experiência humana] / Non enim Dominus in facie corporali eum tamquam commemorando respexit / O Senhor não olhou fisicamente para seu rosto, como se quisesse recordar seu pecado”. Como isso é bonito. Isso também acontece ao pai e à mãe diante do filho. É possível olhar para a criança para lembrar a ela os seus caprichos, e assim ela se torna mais triste e é confirmada em seus caprichos. O Senhor não olhou para Pedro dessa forma, não olhou para Pedro como se quisesse dizer a ele: “Viu? Você me traiu”. Não olhou para ele dessa maneira, para lembrar a ele que o havia traído. “Non sic est: Evangelium legite. / Não é assim: leiam o Evangelho. / Dominus in interioribus domus iudicabatur, / Jesus era julgado dentro do palácio, / Petrus in atrio tentabatur / Pedro era tentado no átrio. / Ergo ‘respexit eum Dominus’ non corpore, sed maiestate; / E, assim, o Senhor olhou para ele não com o corpo, mas olhou para ele com sua divindade; / non oculorum carnis intuitu, sed misericordia altissima / não foi com o olhar dos olhos de carne, mas com grandíssima misericórdia”. É um outro olhar o olhar da misericórdia15. O olhar da misericórdia gera a memória de uma beleza, de uma gratidão. A memória do primeiro encontro, de todas as vezes em que Jesus naqueles três anos olhou para ele dessa forma. Já o olhar que lembra o pecado gera a memória dos pecados (cf. Hb 10,3), portanto apenas uma tristeza maior. “Ille qui averterat faciem suam, respexit eum, et factus est liberatus. / Aquele que havia tirado dele o seu olhar o olhou, e Pedro foi libertado”. É bonito esse factus est liberatus. “Ipsa est enim vera et sana libertas”16. Liberdade sã, ou seja, curada da ferida do pecado. Liberdade verdadeira, ou seja, que corresponde a sua natureza. É a liberdade abraçada. É a liberdade do desejo satisfeito, respondido. “Ergo praesumptor periisset, nisi Redemptor respexisset. / E assim Pedro, que presumira, pereceria se o Redentor não o tivesse olhado. / Et ecce / E ei-lo [porque o olhou dessa forma] / lacrymis suis ablutus, / lavado por suas lágrimas [lágrimas de alegria, lágrimas de gratidão por ser olhado dessa forma17], / correptus et ereptus praedicat Petrus. / corrigido e elevado, Pedro testemunha. / Praedicat qui negaverat; / Testemunha, aquele que primeiro havia negado; / credunt qui erraverant. / e aqueles que primeiro se haviam afastado crêem. / Valet in phreneticis medicina illa sanguinis Domini. / O remédio do sangue do Senhor é eficaz diante dos maus. / Bibunt credentes quod fuderunt saevientes / Crendo, bebem o sangue que haviam derramado com seu furor”.

Esse era o primeiro trecho. Agostinho escreveu nas Confissões: “Por que, ó Senhor, me deixaste ler os livros dos filósofos neoplatônicos? Para que depois, quando li o apóstolo Paulo e quando tuas mãos curaram as feridas de meu coração, eu compreendesse a diferença inter praesumptionem et confessionem / entre presumir e reconhecer”18. Confessio é o puro reconhecimento de um acontecimento presente. Gratia facit fidem19. Se é a atração de um acontecimento presente que desperta o reconhecimento, a fé não pode ser usada como conteúdo de desafio. O olhar de Jesus (“Respexit eum et factus est liberatus”) não pode ser algo que nós possuímos, com o qual desafiamos os outros. Como é atual essa simplicidade cristã, essa ausência de defesas cristã. 2. Sermo 213, 8 Leiamos agora o trecho contido na nota 53 da página 27 do pequeno livro editado por 30Giorni. Agostinho está comentando o Credo dos Apóstolos, no qual está contido tudo o que é necessário crer20. No pequeno Credo dos Apóstolos está contido tudo aquilo em que devemos crer. Agostinho está comentando agora as últimas expressões. “Iam quod sequitur ad nos pertinet. / O que agora segue diz respeito a nós. / In* sanctam Ecclesiam”. Vejam que, ao lado do In, há um asterisco, porque em muitos códices não existe esse In. Isso também é significativo. De fato, as pessoas crêem em Deus Pai, crêem em Jesus Cristo, seu único Filho, crêem no Espírito Santo; de per si, não crêem “na” Igreja, crêem “[que existe] a” Igreja. Afirmam um dado. A fé, propriamente, é apenas no Senhor21. Por isso, em muitos códices não existe o In. E assim, no Credo latino que rezamos na missa, dizemos: Credo unam sanctam catholicam et apostolicam Ecclesiam. “Sancta Ecclesia nos sumus / A santa Igreja somos nós / sed non sic dixi ‘nos’, quasi ecce qui sumus, qui me modo audistis. / mas eu não disse ‘nós’ como para indicar os presentes, vós que me acabastes de me escutar”. A santa Igreja somos nós. Mas não é como dizer nós, aqui presentes nesta sala. É um nós dentro de um horizonte que confina com o céu. “Quotquot hic sumus Deo propitio christiani fideles in hac ecclesia, id est, in ista civitate / Nós todos que aqui estamos por graça de Deus, cristãos fiéis nesta igreja, ou seja, nesta cidade [de Hipona], / quotquot sunt in ista regione, / todos os que [por graça de Deus, cristãos fiéis] estamos nesta região, / quotquot sunt in ista provincia / todos os que [por graça de Deus, cristãos fiéis] estamos nesta província [da África], / quotquot sunt et trans mare / todos os que [por graça de Deus, cristãos fiéis] estamos além-mar, / quotquot sunt in toto orbe terrarum / todos os que [por graça de Deus, cristãos fiéis] estamos em toda a terra / quoniam a solis ortu usque ad occasum laudatur nomen Domini / pois do nascer ao pôr-do-sol é

louvado o nome do Senhor”. Eu gostaria de abrir um pequeno parêntesis. É muito bonito o que diz Santo Agostinho. Ele diz que a santa Igreja somos nós. Mas esse “nós” tem um horizonte católico. Indica e abraça a todos aqueles que reconhecem a presença do Senhor. Indica a “nós” também, mas dentro desse horizonte. E então é diferente dizer “nós”, dizemos isso dentro de um abraço maior. Esse “nós” não está apenas dentro de um abraço maior, católico, ou seja, que alcança a totalidade daqueles que reconhecem o Senhor, mas esse “nós” (e isso é também uma coisa evidente nos Padres da Igreja e na experiência cristã) pode brilhar no rosto do menor entre nós. Agostinho diz, por exemplo, “Petrus totius ecclesiae personam meruit gestare”22. Pedro mereceu carregar, representar, tornar presente a pessoa de toda a Igreja. E assim pode acontecer também entre nós. Talvez o menor entre nós, pela evidência da graça do Senhor, carregue, torne presente, torne evidente, em determinado momento, o que é a Igreja: testemunho, transparência de Jesus Cristo. Como Pedro, quando com as lágrimas O testemunhava. Lacrymis fatebatur / com as lágrimas expressava a Sua presença23. Assim, aquele “nós” abraça a totalidade da Igreja, abraça também a Igreja do Paraíso, e pode ser tornado presente, tornado evidente por uma só pessoa na qual o reflexo da Sua graça é resplandecente24. É um “nós” sui generis, o “nós” cristão, a Igreja que somos nós; “sic se habet Ecclesia catholica, mater nostra vera, vera illius Sponsi coniunx. / Assim é a Igreja Católica, verdadeira mãe de todos nós, verdadeira esposa de um tão grande esposo. / Honoremus eam, quia tanti Domini matrona est; / Sejamos seus devotos, pois é a senhora de um tão grande Senhor; / et quid dicam? Magna est Sponso et singularis dignatio / e que direi eu? Grande e singular é a condescendência do esposo: / meretricem invenit, virginem fecit / encontrou-a prostituta, tornou-a virgem”. Esse é o mistério da Igreja. Encontrou-a prostituta e por meio de seu olhar a tornou virgem. “Ex maculatis immaculata”25. Olhou para ela como olhou para Pedro, não para jogar na cara dela que era prostituta, mas para despertar esperança, memória do quanto era amada por Ele. “Quia meretrix fuit non debet negare / Pois não deve negar ter sido prostituta [não devemos negar sermos pobres pecadores (cf. 1Tm 1,15)26] / ne obliviscatur misericordiam liberantis / para não esquecer a misericórdia dAquele que a liberta [não para lembrar e, portanto, ser fixados nos pecados]. / Quomodo non erat meretrix quando post idola et daemonia fornicabatur? / Não era por acaso uma prostituta quando fornicava com os ídolos e com os demônios? / Fornicatio cordis in omnibus fuit; / A fornicação do coração [com os ídolos e com os demônios] foi de todos; / in paucis carnis, in omnibus cordis / de poucos foi a fornicação da carne [com os ídolos e os demônios], de todos foi a fornicação do coração. / Et venit / E Jesus veio”. Lembrem-se de Péguy: “E Jesus veio. Não incriminou. Não acusou

ninguém. Salvou”27. Não acusou ninguém: não olhou para acusar. Olhou para abraçar (cf. Lc 15,20). Salvou “...et virginem fecit / e a tornou virgem”; “Ecclesiam virginem fecit / Tornou sua Igreja virgem. / In fide virgo est: / É feita virgem na fé: / in carne paucas habet virgines sanctimoniales; / na carne, possui poucas virgens consagradas; / in fide omnes virgines debet habere, et feminas et viros / na fé, deve ter a todos virgens, tanto as mulheres quanto os homens”. Ser virgem na fé significa que a fé não é o resultado de um esforço do homem, mas é puro reflexo da presença do Senhor. É ser olhado por aquele olhar. A fé é virgem por isso, a fé é casta por isso. Não é produto da vontade do homem (cf. Jo 1,13). Se fosse produto da vontade do homem, não seria virgem. A fé é virgem porque é reflexo de pura graça, de pura atração, de Sua atração (cf. Jo 6,43.65)28. Justamente porque é assim, isso é fruto da graça, a fé não vai além, mas se atém à doutrina de Cristo (cf. 2Jo 9)29; “ibi enim debet esse castitas et puritas et sanctitas. / É lá [no coração] que deve haver castidade, pureza, santidade. / Nam vultis nosse quam virgo sit? / Quereis saber como a Igreja é virgem? / Apostolum Paulum audite, amicum sponsi audite, zelantem sponso, non sibi. Aptavi vos, inquit, uni viro. / Ouvi o apóstolo Paulo, ouvi o amigo do esposo, que é ciumento pelo esposo, não por si mesmo, que diz: Eu vos prometi a um único esposo. / Ecclesiae dicebat: et cui Ecclesiae? / Dizia-o à Igreja, e a qual Igreja? / Quocumque litterae illae pervenire potuerunt / Aonde quer que essas palavras pudessem chegar [portanto, também a nós]. / [...] Virgo est ergo Ecclesia. / [...] A Igreja, portanto, é virgem. / Virgo est, virgo sit: / É virgem, seja virgem: / caveat seductorem, ne inveniat corruptorem / esteja longe de quem a seduz [do diabo. Antes Agostinho havia acenado, citando Paulo (cf. 2Cor 11,2-3), à serpente que seduziu Eva], para que não encontre quem a corrompa. / Virgo est Ecclesia. / A Igreja é virgem [a Igreja é, na fé, puro reflexo de atração da graça]. / Dicturus mihi forte: Si virgo est, quomodo parit filios? / Tu, talvez, me dirás: se é virgem, como é possível que dê à luz? / Aut si non parit filios, quomodo dedimus nomina nostra / E, se não dá à luz, como é possível que tenhamos dado nossos nomes [antes do Batismo, aqueles que pediam para receber o sacramento davam seus nomes] / ut de eius visceribus nasceremur? / para nascer de suas vísceras [de seu ventre]? / Respondeo: Et virgo est, et parit / Eu te respondo: é virgem e dá à luz”. E assim termino com estas últimas linhas, que são exemplo também da afeição de Agostinho pela virgem Maria, a mãe do Senhor. “Mariam imitatur, quae Dominum peperit. / A Igreja imita Maria [assemelha-se a Maria], que deu à luz o Senhor. / Numquid non virgo sancta Maria et peperit / Não é acaso virgem santa Maria, e mesmo assim deu à luz / et virgo permansit? / e virgem continuou a ser? /

Sic et Ecclesia et parit, et virgo est / Assim também é a Igreja, que dá à luz e continua virgem”. Não se dá à luz para Deus a não ser na virgindade da fé. Dão-se à luz filhos para Deus apenas por reflexo, transparência da graça. Do contrário, agregam-se militantes, coniventes. Mas não se dão à luz filhos para Deus senão por reflexo de graça, por reflexo da Sua graça, no rosto e na vida, no coração e nas obras. Nas obras boas, ou seja, belas. Como as lágrimas de Pedro. Lacrymis fatebatur. Obras boas de Sua graça e de nossa liberdade. Da nossa liberdade tornada vera et sana libertas da Sua graça30. E assim podemos gratuitamente, livremente31 querer bem. E a pessoa pode ficar maravilhada por esse reflexo de graça. Por essa liberdade. Por isso, a condição de descristianização em que vivemos oferece uma possibilidade de beleza única. Pois é como que mais evidente neste tempo que uma pessoa, jovem ou adulta que seja, não se torna razoavelmente cristã a não ser por atração, a não ser, portanto, por liberdade. E a atração não pode ser produto nosso, do contrário não é atração. A atração só pode ser acontecimento gratuito. Só pode ser surpresa gratuita, maravilhamento gratuito. Por isso, só somos atraídos à fé virginalmente. Só virginalmente é possível dar à luz para Deus, como Maria. Et concepit de Spiritu Sancto. Como Maria concebeu virginalmente de Spiritu Sancto o Filho de Deus, da mesma forma de Spiritu Sancto geram-se filhos para Deus. Virginalmente, por puro reflexo de uma graça, de uma beleza, de uma liberdade, de uma gratuidade pela qual os primeiros a serem maravilhados somos nós. Ou não; pode ser que se maravilhem primeiro os outros, e não nós mesmos. Por uma beleza não nossa, que não é produto nosso, que não é posse nossa. No entanto, nada é tão nosso, tão livre, tão correspondente ao coração. “Et si consideres, Christum parit / e se olhas bem, é Cristo quem dá à luz”. É Cristo quem dá à luz no outro (cf. Gl 4,20). Dá à luz a própria presença, a própria atração, o próprio reflexo, a própria surpresa, o próprio maravilhamento. A própria liberdade. Comunica a própria beleza de graça32; “quia membra eius sunt qui baptizantur. / pois são membros de Cristo aqueles que são batizados. / Vos estis, inquit Apostolus, corpus Christi et membra. / Vós sois, diz o Apóstolo, corpo de Cristo e seus membros. / Si ergo membra Christi parit, Mariae simillima est. / Se, então, dá à luz membros de Cristo, a Igreja é como Maria”. Assim, com essa menção a Nossa Senhora, neste mês de maio, concluo e lhes agradeço. Anotação: 1 Agostinho, Enarratio in psalmum 138, 20. 2 Congressos sobre a atualidade de Santo Agostinho, Notas da terceira conferência de padre Giacomo Tantardini sobre “Agostinho, testemunha da Tradição” (Universidade de Pádua), Roma, 30Dias n. 6-7,

2004, pp. 56-66. 3 Cf. L. Giussani, Milão 1954. Cronaca di una nascita (março 1979) in Un avvenimento di vita cioè una storia (introdução do cardeal Joseph Ratzinger), Roma, Edit-Il Sabato, 1993, p. 346: “Nós tornamos Cristo presente por meio da mudança que Ele realiza em nós. É o conceito de testemunho”. 4 Agostinho, Enarratio in psalmum 112, 2. 5 Cf. Agostinho, Sermo 67, 5, 8: “Qui sunt parvuli? Humiles”. 6 Cf. Concílio Ecumênico Vaticano II, declaração Nostra aetate, 4. 7 Cf. Agostinho, Confessiones VII, 20, 26: “Iam enim coeperam velle videri sapiens plenus poena mea et non flebam, insuper et inflabar scientia. Ubi enim erat illa aedificans caritas a fundamento humilitatis quod est Christus Iesus? Aut quando illi libri me docerent eam? In quos me propterea, priusquam Scripturas tuas considerarem, credo voluisti incurrere ut imprimeretur memoriae meae quomodo ex eis affectus essem et, cum postea in libris tuis mansuefactus essem et curantibus digitis tuis contrectarentur vulnera mea, discernerem atque distinguerem quid interesset inter praesumptionem et confessionem, inter videntes quo eundum sit, nec videntes, qua et viam ducentem ad beatificam patriam non tantum cernendam sed et habitandam”. 8 Cf. L. Bianchi, “Nam quid divinius isto ut puncto exiguo culpa cadat populi?”, in: 30Dias, nº 3, março de 2004, pp. 50-53. 9 Cf. Antigo Breviário Ambrosiano, Feria III, hebd. IV, in Quadragesima, ad Matutinum: “Rogamus te, Domine Deus; quia peccavimus tibi: veniam petimus, quam non meremur. Manum tuam porrige lapsis, qui latroni confitenti paradisi ianuam aperuisti. Vita nostra in dolore suspirat, et in opere non emendat. Si exspectas, non corripimur; et si vindicas, non duramus. Manum tuam porrige lapsis, qui latroni confitenti paradisi ianuam aperuisti”. 10 Cf. L. Giussani, “Carisma e história”, in: 30Dias, nº 2, fevereiro de 2001, pp. 48-52: “A posição correta diante do Senhor não é a de quem não erra ou não errou, mas a de quem não pretende (pre-tende); não pretende alguma coisa antes, antes da Sua vinda. Por isso, a palavra misericórdia tem de ser o mais conscientemente possível exaltada perante os olhos do povo cristão” (pp. 49-50). 11 Cf. C. Péguy, Véronique. Dialogo della storia e dell’anima carnale, Roma, 30Giorni-Piemme, 2002, pp. 147-148. 12 Cf. Catecismo de S. Pio X, n. 143: “O que é o pecado mortal? O pecado mortal é uma desobediência grave feita à lei de Deus, com plena advertência do entendimento e consentimento da vontade”; n. 144: “Por que se chama mortal esse pecado? Chama-se mortal esse pecado porque dá a morte à alma, privando-a da vida da graça santificante e tornando-a merecedora do inferno”. 13 Ambrósio, Enarratio in psalmum 45, 15: “Quem Dominus respicit, salvat. Denique in Domini passione cum titubaret Petrus

sermone, non mente (licet ipse Petri sermo titubantis fidelior sit quam doctrina multorum), respexit eum Christus, et Petrus flevit; quo proprium lavit errorem. Ita quem vivus est voce denegare, lacrymis fatebatur”. 14 Cf. Agostinho, De civitate Dei V, 19: “Quantumlibet autem laudetur atque praedicetur virtus, quae sine vera pietate servit hominum gloriae, nequaquam sanctorum exiguis initiis comparanda est, quorum spes posita est in gratia et misericordia veri Dei”. 15 Cf. Francisco de Assis, “Carta a um ministro”, in: I. Silveira e O. Reis (orgs.), Escritos e biografias de São Francisco de Assis, Petrópolis, Vozes, 1988, p. 91: “E nisto reconhecerei que amas realmente o Senhor e a mim, servo dele e teu, se fizeres o seguinte: não haja irmão no mundo, mesmo que tenha pecado a não poder mais, que, após ver os teus olhos, se sinta talvez obrigado a sair de tua presença sem obter misericórdia se misericórdia buscou. E se não buscar misericórdia, pergunta-lhe se não a quer receber. E se depois disto ele se apresentar ainda mil vezes diante de teus olhos, ama-o mais do que a mim, procurando conquistá-lo para o Senhor”. 16 Agostinho, Enarratio in psalmum 67, 13: “Animalia tua inhabitabunt in ea. Tua, non sua; tibi subdita, non sibi libera; ad te egentia, non sibi sufficientia. Denique sequitur: Parasti in tua suavitate egenti Deus. In tua suavitate, non illius facultate. Egens est enim, quoniam infirmatus est, ut perficiatur: agnovit se indigentem, ut repleatur. Haec est illa suavitas de qua alibi dicitur: Dominus dabit suavitatem, et terra nostra dabit fructum suum: ut bonum opus fiat non timore, sed amore; non formidine poenae, sed delectatione iustitiae. Ipsa est enim vera et sana libertas. Sed Dominus hoc egenti paravit, non abundanti, cui opprobrio est ista paupertas; de qualibus alibi dicitur: Opprobrium his qui abundant, et despectio superbis. Hos enim dixit superbos, quos dixit qui abundant”. Cf. Enarratio in psalmum 67, 18: “Quid enim sunt vel ipsae alae, nisi duo praecepta caritatis, in quibus tota Lex pendet et Prophetae? Quid ipsa sarcina levis, nisi ipsa caritas quae in his duobus praeceptis impletur? Quidquid enim difficile est in praecepto, leve est amanti. Nec ob aliud recte intellegitur dictum: Onus meum leve est nisi quia dat Spiritum sanctum per quem diffunditur caritas in cordibus nostris, ut amando liberaliter faciamus, quod timendo qui facit, serviliter facit nec est amicus recti, quando mallet, si fieri posset, id quod rectum est non iuberi”. 17 Cf. Ambrósio, De excessu fratris sui Satyri I, 10. 18 Cf. supra, nota 7. 19 Cf. Tomás de Aquino, Summa theologiae II-II, q. 4 a. 4 ad 3: “Gratia facit fidem non solum quando fides de novo incipit esse in homine, sed etiam quamdiu fides durat. Dictum est enim supra quod Deus semper operatur iustificationem hominis, sicut sol semper operatur illuminationem aeris. Unde gratia non minus facit adveniens fideli quam adveniens infideli, quia in utroque operatur fidem, in uno quidem confirmando eam et perficiendo, in alio de novo creando”.

Cf. Agostinho, Sermo 212, In traditione Symboli: “Tempus est ut Symbolum accipiatis quo continetur breviter, propter aeternam salutem, omne quod creditur”. 21 Cf. Agostinho, In Ioannis Evangelium 29, 6: “Quis nesciat hoc esse facere voluntatem Dei, operari opus eius, id est, quod illi placet? Ipse autem Dominus aperte alio loco dicit: Hoc est opus Dei, ut credatis in eum quem ille misit. Ut credatis in eum; non, ut credatis ei. Sed si creditis in eum, creditis ei: non autem continuo qui credit ei, credit in eum. Nam et daemones credebant ei, et non credebant in eum. Rursus etiam de Apostolis ipsius possumus dicere: Credimus Paulo; sed non: Credimus in Paulum: Credimus Petro; sed non: Credimus in Petrum. Credenti enim in eum qui iustificat impium, deputatur fides eius ad iustitiam. Quid est ergo credere in eum? Credendo amare, credendo diligere, credendo in eum ire, et eius membris incorporari. Ipsa est ergo fides quam de nobis exigit Deus: et non invenit quod exigat, nisi donaverit quod inveniat. Quae fides, nisi quam definivit alio loco Apostolus plenissime dicens: Neque circumcisio aliquid valet, neque praeputium, sed fides quae per dilectionem operatur? Non qualiscumque fides, sed fides quae per dilectionem operatur: haec in te sit, et intelleges de doctrina. Quid enim intelleges? Quia doctrina ista non est mea, sed eius qui misit me: id est, intelleges quia Christus Filius Dei, qui est doctrina Patris, non est ex seipso, sed Filius est Patris”. 22 Agostinho, Sermo 295, 2. 23 Cf. supra, nota 13. 24 Cf. Concílio Ecumênico Vaticano II, constituição dogmática Lumen gentium, nº 31: “Ibi a Deo vocantur, ut suum proprium munus exercendo, spiritu evangelico ducti, fermenti instar ad mundi sanctificationem velut ab intra conferant, sicque praeprimis testimonio vitae suae, fide, spe et caritate fulgentes, Christum aliis manifestent”. 25 Ambrósio, In Lucam I, 17. 26 Cf. João Paulo I, Audiência Geral, quarta-feira, 6 de setembro de 1978 in Insegnamenti di Giovanni Paolo I, Cidade do Vaticano, Libreria Editrice Vaticana, 1979, pp. 51-52: “Existem aqueles que são menores do que nós, existem as crianças, os doentes, até os pecadores. Estive muito próximo, como bispo, também daqueles que não crêem em Deus. Formei em mim a idéia de que eles combatem, muitas vezes, não a Deus, mas à idéia errada que têm de Deus. Quanta misericórdia é preciso ter! E também aqueles que erram... É preciso realmente que estejamos muito bem centrados. Limito-me a recomendar uma virtude, tão cara ao Senhor, que disse: aprendam comigo que sou manso e humilde de coração. Arrisco dizer um despropósito, mas digo: o Senhor ama tanto a humildade que, às vezes, permite pecados graves. Para quê? Para que aqueles que cometeram esses pecados, depois, arrependidos, fiquem humildes. As pessoas não 20

têm vontade de se acharem uns meio santos, uns meio anjos, quando sabem ter cometido faltas graves. O Senhor recomendou muito: sede humildes. Mesmo que vocês tenham feito grandes coisas, digam: somos servos inúteis. No entanto, a tendência, em nós todos, é muito mais o contrário: nos mostrarmos. Abaixemo-nos, abaixemo-nos: é a virtude cristã que diz respeito a nós mesmos”. 27 Cf. C. Péguy, Véronique. Dialogo della storia e dell’anima carnale, op. cit., p. 161. 28 Cf. João Paulo I, Audiência Geral, quarta-feira, 13 de setembro de 1978 in Insegnamenti di Giovanni Paolo I, op. cit., p. 64: “...quando se trata de fé, o grande regente é Deus, pois Jesus disse: ninguém vem a mim se meu Pai não o atrai”. 29 Cf. supra, nota 20. 30 Cf. Concílio de Trento, Decreto De iustificatione, cân. 32 (Denzinger 1582): “Si quis dixerit hominis iustificati bona opera ita esse dona Dei ut non sint etiam bona ipsius iustificati merita, aut ipsum iustificatum bonis operibus, quae ab eo per Dei gratiam et Iesu Christi meritum (cuius vivum membrum est) fiunt, non vere mereri augmentum gratiae, vitam aeternam et ipsius vitae aeternae (si tamen in gratia decesserit) consecutionem, atque etiam gloriae augmentum: anathema sit”. No final do cânon, o próprio Denzinger remete ao capítulo 16 do decreto intitulado De fructu iustificationis hoc est de merito bonorum operum deque ipsius meriti ratione (Denzinger, 1545-1550) e em particular remete ao parágrafo que transcrevemos (Denzinger, 1548): “Neque vero illud omittendum est quod, licet bonis operibus in sacris Litteris usque adeo tribuatur ut etiam qui uni ex minimis suis potum aquae frigidae dederit promittat Christus eum non esse sua mercede cariturum [Cf. Mt 10,42; Mc 9,41] et Apostolus testetur ‘id quod in praesenti est momentaneum et leve tribulationis nostrae supra modum in sublimitate aeternum gloriae pondus operari in nobis’ [2Cor 4,17], absit tamen ut christianus homo in se ipso vel confidat vel glorietur et non in Domino [Cf. 1Cor 1,31; 2Cor 10,17] cuius tanta est erga omnes homines bonitas ut eorum velit esse merita quae sunt ipsius dona”. 31 Cf. Dante, Paraíso, XXXIII, 16-18: “La tua benignità non pur soccorre/ a chi domanda, ma molte fiate/ liberamente al dimandar precorre” (“Não só a quem te invoca, suplicante,/ brilha o fulgor de tua caridade,/ senão que às vezes vem do rogo adiante”; tradução de Cristiano Martins). 32 Cf. Tomás de Aquino, Super Epistolam B. Pauli ad Galatas lectura, cap. IV, 1. 6: “Quando ergo fides in homine efficitur informis per peccatum, Christus non est in eo formatus. Et ideo, quia in istis non erat fides formata, indigebant iterum parturiri, donec Christus in eis formaretur per fidem formatam, scilicet quae per dilectionem operatur. Vel donec Christus formetur in vobis, id est, formosus aliis per vos appareat”.

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