Aeg-cad2_-_mundializacao_do_capital

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AEG – Ambiente Econômico Global

Caderno 2 A Mundialização do Capital Prof Fabio Uchôas de Lima [email protected] Este material foi produzido com o intuito de fornecer melhores subsídios aos alunos dos diversos cursos, tomando como base informações contidas em diversos livros, periódicos e sites da Internet, preferencialmente àqueles indicados no programa do curso, reunindo várias pesquisas e conhecimentos adquiridos ao longo da vida acadêmica. Quero esclarecer que este material não possui nenhum vínculo com as Instituições de Ensino onde atuo, nem nenhuma forma de comércio autorizada. Peço apenas a gentileza de não fazer nenhum uso comercial ou inserção em livros, periódicos, ou quaisquer outras mídias sem minha expressa autorização, garantida pela Lei 9610/98. Quaisquer críticas ou sugestões serão muito bem recebidas e podem ser enviadas ao meu e-mail. Periodicamente faço uma revisão do material de modo a aprimorá-lo ainda mais, e agradeço as colaborações recebidas. São Paulo – Setembro 2008

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1. A Empresa Multinacional e o Investimento Estrangeiro Direto O comércio internacional é a troca de bens e serviços através de fronteiras internacionais ou territórios. Na maioria dos países, ele representa uma grande parcela do PIB. O comércio internacional esteve presente através de grande parte da história da humanidade (ver rota da seda), mas a sua importância econômica, social e política se tornou crescente nos últimos séculos. O avanço industrial, dos transportes, a globalização, o surgimento das corporações multinacionais, e o outsourcing tiveram grande impacto no incremento deste comércio. O aumento do comércio internacional é normalmente relacionado com o fenômeno da globalização. As multinacionais surgiram em sua maioria no final do século XIX e começo do século XX, foram as empresas que inovaram em seus respectivos setores econômicos e hoje controlam fatias expressivas do comércio mundial . As empresas multinacionais, ou EMNs, ou ainda, MNCs (multinational corporations), mantém seus centros de decisão financeiros em paraísos fiscais, para se livrarem de impostos nos seus países de origem, além de alterarem seus balanços patrimoniais nos países onde têm matrizes. As MNCs deveriam ser realmente globais, e não serem controladas por uma matriz, que geralmente está localizada em um país desenvolvido, onde eles conduzem grande parte de sua pesquisa e pra onde geralmente seus lucros são repatriados. A estrutura altamente centralizada permite uma grande mobilidade às multinacionais. Embora gerem empregos, aumento de investimentos, tecnologia e lucros, elas não possuem lealdade aos cidadãos nos países onde se instalam. Em tempos econômicos ruins, elas preferem fechar as subsidiárias do que encerrar as atividades das matrizes, em seu país de origem. Os governos dos países onde as multinacionais se instalam podem ter algum poder de barganha, mas em países em desenvolvimento, onde as economias são freqüentemente fracas, o governo do país de destino fica vulnerável e geralmente oferece incentivos fiscais como benefício para que elas se instalem. Não raramente, essas empresas se beneficiam dessa situação econômica privilegiada para exigirem condições de atuação ainda melhores. As Multinacionais são uma importante forma de movimentação de investimento direto externo. É assim que uma empresa sediada em um determinado país cria ou aumenta suas subsidiárias em outro através das movimentações internacionais de capital. Isso não envolve apenas transferência de recursos, mas também aquisição de controle de empresas em outros países. Isto é, a subsidiária não tem apenas uma obrigação financeira com a matriz, ela possui um vínculo mais forte pois faz parte da mesma estrutura organizacional. Transnacionais O termo multinacional está progressivamente saindo de uso já que ele podia induzir à idéia de que uma empresa teria várias nacionalidades. Atualmente, tais empresas recebem a denominação de Empresa transnacional, pois na realidade tem suas matrizes em um determinado país e atuam em inúmeros outros. Empresas transnacionais são corporações que não têm seus capitais originários especificadamente deste ou daquele país e não necessariamente dominam o processo de produção em seus diferentes segmentos, ou seja, a totalidade da cadeia produtiva de um produto. Um certo produto pode, dentro deste sistema, ter seus componentes produzidos em diversas regiões do mundo e montados em alguma localidade específica. Isso acontece principalmente sob a economia dita globalizada, em que as corporações (empresas) buscam a redução de seus custos (de mão-deProf Fabio Uchôas de Lima

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AEG – Ambiente Econômico Global obra, de impostos, de acesso a financiamentos mesmo em países mais pobres do que aquele da qual ela se originou, etc) com o objetivo de se tornarem mais competitivas e de dominarem amplo percentual do mercado a que se destinam seus produtos e/ou serviços. As empresas transnacionais seriam entidades autônomas que fixam suas estratégias e organizam sua produção em bases internacionais, ou seja, sem vínculo direto com as fronteiras nacionais, sendo acusadas por alguns, por este motivo, de não serem vinculadas a qualquer país, mesmo àquele no qual se originou.

1.1 Globalização e Dependência Monetária e Financeira No período de 12 meses (julho 2006 a julho 2007) o Investimento Direto Estrangeiro no Brasil acumula US$ 32,3 bilhões, superando os fluxos anuais de IDE recebidos desde 2001. No mês de julho/2007 (SOBEET, 2007) houve a superação da marca histórica atingida em 2000, de US$ 32,8 bilhões. Sem dúvida, um sinal de apetite por investimentos no país. Daqui para frente, esse processo deve se acelerar ainda mais. A maior parte dos países que passou pela experiência da obtenção do Grau de Investimento apresentou aumento do IDE dois anos antes da reclassificação ante o biênio anterior. O aumento médio foi de 20% nesta comparação. E no biênio posterior ao da obtenção do Grau de Investimento o IDE aumentou de forma ainda mais intensa. Ou seja, o mercado pode sim antecipar pelo menos parte da obtenção do Grau de Investimento. Mas após este evento os fluxos de IDE continuam a aumentar. Isso deve se aplicar ao Brasil. No médio prazo devemos superar recorde histórico de fluxos de IDE. Mas depois da obtenção do Grau de Investimento, os fluxos podem aumentar ainda mais. Os fluxos de Investimento Direto Estrangeiro superam em 2007 o recorde histórico nos últimos 12 meses o investimento.

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AEG – Ambiente Econômico Global O ingresso de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) no mês de junho de 2007, de US$ 10,3 bilhões, confirma a sua trajetória de crescimento. Nos 12 meses que antecederam essa marca, o mesmo já acumulava US$ 32,3 bilhões, contra US$ 18,8 bilhões ao final de 2006. Em termos de setores de destino de fluxos de IDE no primeiro semestre de 2007 destacam-se os de intermediação financeira e a indústria química, com US$ 2,3 bilhões e US$ 0,7 bilhão, respectivamente. Em termos de origem de capital, por sua vez, no mesmo período os fluxos provenientes de países emergentes continuam a surpreender. Sua participação no total de IDE ingressado no país saltou de 7,2% em 2006 para 24,5% no primeiro semestre deste ano. Cabe notar que a trajetória do IDE aponta para o rompimento de recordes. Como se observa no gráfico, o fluxo de IDE corrente já supera os fluxos anuais recebidos desde 2001. Isso ocorre a despeito da quase inexistência de privatizações desde então, ao contrário do triênio 1998-2000, auge do período de privatizações. Ou seja, mesmo sem fluxos destinados às privatizações na mesma magnitude do passado, o fluxo de IDE exclusive privatizações já superou o recorde de US$ 25,7 bilhões observado no ano de 2000. Mas mesmo considerando as privatizações o fluxo de IDE irá superar o recorde de 2000 ainda no mês de julho. Sem dúvida, um sinal de apetite do investidor estrangeiro. Nas primeiras posições do ranking dos 20 principais países com maiores ingressos de IDE no Brasil continuam a constar países tradicionalmente exportadores de capital. Mas isso não significa falta de novidades no ranking dos países com maiores ingressos de IDE no país. Novos países tendem a ganhar posição de destaque e o conjunto de países emergentes e não desenvolvidos assumem crescente participação nos fluxos de IDE. Isso reflete, entre outros fatores, a crescente atratividade da economia brasileira a novos investimentos estrangeiros frente à perspectiva de estabilidade econômica conquistada nos últimos anos.

2. O Que é a Mundialização do Capital Estudando-se as origens do fluxo internacional de capitais, percebe-se que a partir da década de 1980 surge uma nova etapa de desenvolvimento do capitalismo mundial, que pode ser caracterizada como sendo a da "mundialização do capital" (uma denominação precisa para o fenômeno da "globalização"). Na verdade, estamos diante de um novo regime de acumulação do capital, um novo patamar do processo de internacionalização do capital, com características próprias e particulares se comparada com etapas anteriores do desenvolvimento capitalismo. Esse novo período capitalista se desenvolve no interior de uma profunda crise de superprodução (Brenner, 1999) e é caracterizado por outros autores como sendo marcado pela "produção destrutiva" (Mészáros, 1997) ou ainda pela "acumulação flexível" (Harvey, 1993). Partindo das análises teóricas de Chesnais, autor do livro "Mundialização do Capital" (1994), e mais recentemente, do livro "Mundialização Finanaceira" (1999), apresenta-se um novo sentido no desenvolvimento do capitalismo mundial para, a partir daí, apreendermos seus impactos sobre o mundo do trabalho. Uma série de indicadores macroeconômicos da década de 90 apontam que a economia mundial ainda mantém-se numa longa depressão permeada por momentos de desacelaração, recessão e crescimento não-sustentado das economias capitalistas. Chesnais irá concluir que estamos diante de um novo regime mundial de acumulação do capital, que alterou, de modo específico, o funcionamento do capitalismo. Ele irá denominar a nova etapa do capitalismo mundial, na falta de uma denominação melhor, de "regime de acumulação predominantemente financeira", que caracteriza a "mundialização do capital". Ela é, segundo esse autor, "algo mais – ou mesmo outra coisa – do que uma simples fase a mais no processo de internacionalização do capital iniciado há mais de um século" (Chesnais, 1997). Dentre os traços marcantes da macroeconomia do capitalismo mundial na década de 90 que, segundo Chesnais, caracterizam o novo regime de acumulação predominantemente financeira, denominado de mundialização do capital temos:

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AEG – Ambiente Econômico Global a) Taxas de crescimento do PIB muito baixas, inclusive em países que desempenharam b) c) d) e) f)

tradicionalmente o papel de "locomotiva" junto ao resto da economia mundial (como o Japão). Deflação rastejante. Conjuntura mundial extremamente instável, marcada por constantes sobressaltos monetários e financeiros. Alto nível de desemprego estrutural Marginalização de regiões inteiras em relação ao sistema de trocas Concorrência internacional cada vez mais intensa, geradora de sérios conflitos comerciais entre as grandes potências da "Tríade" (Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão).

A economia capitalista mundial – também chamado de sistema do capital – parece manter-se no interior de um período de depressão de longa duração, da qual, segundo Chesnais, somente poderá sair mediante choques "externos" à economia, no sentido estrito da palavra (o autor não esclarece que "choques externos à economia" poderiam ser esses, mas supõem-se ser, por exemplo, guerras). Os mecanismos internos de ação do capitalismo, em particular nos países centrais do sistema, tendem a ter por objetivo menos a acumulação sob a forma de investimentos geradores de nova capacidade do que a salvação/manutenção das posições adquiridas (Chesnais, 1995:1). A característica predominante do novo regime mundial de acumulação capitalista é ser “rentista e parasitário”, isto é, está, de modo crescente, subordinado às necessidades próprias das novas formas de centralização do capital-dinheiro, em particular os fundos mútuos de investimento (mutual investments funds) e os fundos de pensão (as características rentistas dizem respeito também ao capital produtivo). O poder deste capital-dinheiro é sustentado pelas instituições financeiras internacionais, tais como FMI e Banco Mundial, e pelos paises mais poderosos do planeta a qualquer que seja o custo.

2.1 Origens políticas (e estruturais) da mundialização do capital A "mundialização do capital" é, antes de tudo, decorrente de determinações políticas. É essencial levarmos em consideração, ao mesmo tempo, o político e o econômico, para que possamos compreender a verdadeira natureza da mundialização do capital. Na verdade, uma acumulação predominantemente rentista, reflete mudanças qualitativas nas relações de força política entre o capital e o trabalho, assim como entre o capital e o Estado, em sua forma de Estado de Bem-Estar. O marco histórico da "mundialização do capital" é a recessão de 1974 - 1975, o início de uma "longa crise rastejante". A partir daí, o capital procurou, de todas as formas, romper as amarras das relações sociais, leis e regulamentações dentro das quais se achava possível prendê-lo com a ilusão de poder "civilizá-lo". O capital teve êxito, apesar de ser de modo bastante desigual, conforme cada país. (Alves,1999) O que contribuiu para a ofensiva do capital a partir dos anos 70 foi:

a) A força intrínseca do capital adquirida graças à longa fase de acumulação dos "trinta anos gloriosos" (após a II Guerra Mundial”) b) As novas tecnologias que as corporações transnacionais, perseguidas pela concorrência dos grupos japoneses, souberam utilizar para seus próprios fins, principalmente com o intuito de modificar suas relações com os trabalhadores assalariados e as organizações sindicais. c) Um apoio fundamental por parte dos próprios Estados capitalistas, sob a forma das políticas de liberalização, desregulamentação e privatização (as políticas neoliberais). Portanto, o que se conclui é que: •

os "trinta anos gloriosos" – o período fordista – tendeu a contribuir, no plano da subjetividade política, para a ilusão social-democrata de que era possível "domar" o capital no âmbito dos modos de regulação nacionais. A nova ofensiva do capital na produção e na política, a partir da crise capitalista nos anos 70, irá contribuir para derrubar a ilusão social-democrata clássica.

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por outro lado, no plano da objetividade do desenvolvimento da acumulação capitalista, os "trinta anos gloriosos" contribuíram para tornar mais robusto o capital industrial e financeiro decorrente do longo período de crescimento capitalista, dentro do qual se desenvolveram as novas tecnologias vinculadas à III Revolução Tecnológica (e não apenas isso, mas principalmente o mercado financeiro).

É só através da "revolução conservadora", das políticas neoliberais, de liberalização, desregulamentação e de privatização, com o triunfo do “mercado", que o êxito do capital seria completo. Foi a vitória de Margaret Thatcher, no Reino Unido, e Ronald Reagan, nos EUA, que deram uma dimensão histórico-concreta à ilusão social-democrata e a posição plena de robustez do capital industrial e financeiro, adquirida na "idade de ouro" do capitalismo mundial. Ocorre, a partir daí, mudanças qualitativas nas relações de força política entre o capital e o trabalho, assim como entre o capital e o Estado, em sua forma de "Estado de Bem-Estar". Dá-se uma nova – e precisa - orientação ao processo de internacionalização capitalista, com o capital voltando a ter liberdade para se desenvolver e, principalmente, para se movimentar em âmbito internacional de um país ou continente para outro – liberdade que não desfrutava desde 1914 : "…o capital não teria podido alcançar seus objetivos sem o sucesso da ‘revolução conservadora’ do final da década de 1970" (Chesnais, 1997:24) É a partir daí que a ideologia da "globalização" – subjacente às políticas neoliberais - é posta como a nova orientação capitalista, considerada como saída para a crise de 1974-1975. Ao mesmo tempo, se desenvolve a ideologia do "progresso técnico", que cultua as novas tecnologias que serão utilizadas pelas corporações transnacionais, através do novo complexo de reestruturação produtiva, para modificar suas relações com os trabalhadores e as organizações sindicais. Portanto, o complexo de reestruturação produtiva e, principalmente, as políticas neoliberais, que se desenvolvem a partir dos anos 80, possuíam como objetivo claro destruir as organizações sindicais, ou melhor, todas as instituições e relações sociais que colocavam obstáculos à lógica da valorização do capital, instauradas a partir do primeiro mandato de F. Roosevelt nos Estados Unidos e da vitória sobre o nazismo, na Europa Ocidental: Essas instituições e essas relações frearam a liberdade de ação do capital, garantindo aos assalariados elementos de defesa contra seus empregadores e, graças ao pleno emprego, uma assistência social para a grande maioria da população em, pelo menos, três pólos dos países industrializados. (Chesnais, 1997:24) É na virada da década de 70 para 80, no bojo da ofensiva do capital na produção ( a reestruturação produtiva) e da ofensiva do capital na política (o neoliberalismo) que se dá o "ponto de partida" para a mundialização do capital. De certo modo, os dirigentes políticos e sindicais de esquerda da Europa Ocidental (e nos EUA) – sociais-democratas e comunistas - contribuíram, de certo modo, para o avanço dos neoconservadores, por terem contido e moderado o "potencial verdadeiramente democrático, e, por isso, anti-capitalista, dos grandes movimentos sociais – operários e estudantis – que demarcaram a década de 1968-1978 na Europa, assim como nos Estados Unidos." (Chesnais, 1997:24). Na verdade, coube aos neoconservadores explorarem, em benefício próprio, o refluxo dos movimentos sociais na virada da década de 70 para 80. Mais uma vez, é imprescindível perceber, na análise de Chesnais, a articulação complexa entre o "econômico" e o "político" para, a partir daí, apreendermos a constituição do novo regime mundial de acumulação denominado "mundialização do capital’: O triunfo atual do ‘mercado’ não teria sido possível sem as intervenções políticas repetidas de instâncias políticas dos Estados capitalistas mais poderosos (em primeiro lugar os membros do G7). Por meio de uma articulação estreita entre o político e o econômico é que as condições para a emergência dos mecanismos e das configurações dominantes desse regime foram criadas. (Chesnais, 1997:23-24)

2.2 A Mundialização das operações industriais e financeiras do Capital O que é denominado "mundialização do capital" é caracterizada não pela mundialização das trocas - a troca de mercadorias e serviços – que nos anos 80 e 90 tiveram um crescimento bastante lento, inferior àquele dos anos 60 e 70, mas pela mundialização das operações do capital, em sua forma industrial ou financeira (na verdade, o que cresceu nos anos 80 e 90

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AEG – Ambiente Econômico Global foram os investimentos diretos e os rendimentos de capital, sem mencionar os investimentos de portifólio realizados no mercado financeiro). (Alves, 1999) Portanto, são tais operações mundializadas do capital – capital industrial e capital financeiro que são constitui o verdadeiro conteúdo da denominada "globalização" ou melhor, "mundialização do capital". Avalia-se que as empresas transnacionais (como matrizes, filiais ou demandantes em contratos de sub-contratação transfronteiras) respondem por dois terços do intercâmbio internacional de "bens e serviços". Aproximadamente 40% do comércio mundial pertence à categoria "intragrupo". (Chesnais, 1995) A "globalização" tendeu a alterar os fatores geradores de interdependência entre as economias nacionais. Por exemplo, nos anos 90, é perceptível a importância dos Investimentos Externos Diretos (IED) mais do que as trocas. O IED, ao contrário das trocas, tende a moldar as estruturas que predominam na produção e no intercâmbio de bens e serviços. De certo modo, é a importância do IED e sua peculiar natureza que corroboram para a disseminação de um padrão mundial de inovações produtivas (o que poderíamos denominar "toyotismo"), capazes de dar um molde comum à estrutura de produção (e de intercâmbio) do capital em vários lugares do mundo capitalista. Além disso, a disseminação do IED tende a ser acompanhado pela globalização das instituições bancárias e financeiras, cujo efeito é facilitar as fusões e aquisições transnacionais. O capital bancário e financeiro transnacionais acompanha – e impulsiona – as operações do capital industrial transnacional. Além do crescimento dos IED, a interdependência entre as economias nacionais ocorre nos anos 90 a partir do: (1) crescimento contínuo dos fluxos de trocas intra-firmas, (2) da disseminação de novas modalidades para acordos inter-empresas quanto à transferencia internacional de tecnologias (indo além da concessão de franquias e do comércio de patentes), o que implica a possibilidade das empresas e de alguns países capitalistas terem novos acessos a novos conhecimentos e às tecnologias-chave e (3) o surgimento de novos tipos de empresas multinacionais com formas organizacionais tipo "rede". Portanto, a "globalização" – ou a mundialização do capital - é antes de tudo, a "globalização do capital" e não a mera "globalização das trocas". O que implica em não reduzir a nova etapa de internacionalização capitalista a uma mera continuidade da ocidentalização do mundo iniciada no século XV. Em seus primórdios, a internacionalização capitalista surge como "globalização das trocas", do mero intercâmbio de mercadorias, impostas pelo Ocidente ao Oriente. É a constituição de um mercado mundial que muitos confundem com a "globalização" propriamente dita. A "globalização" ou, para ser mais preciso, a mundialização do capital, vai caracterizar a nova etapa de internacionalização capitalista, ou seja, a globalização dos investimentos e da produção. E quando dizemos "mundialização do capital", compreende-se tanto o capital produtivo aplicado na indústria e nos serviços, quanto o capital concentrado que se valoriza conservando a forma-dinheiro. Portanto, o que a mundialização do capital indica é que estamos diante de uma "globalização de uma massa de dinheiro que se valoriza", seja o dinheiro que se valoriza através da produção de mercadorias, seja o dinheiro que se valoriza conservando a forma dinheiro (os mercados financeiros). A operação de transformação do dinheiro em capital, seja D-M-D’, seja D-D’, tende a moldar as estruturas de produção e de intercâmbio de bens e serviços (o que implica numa globalização das relações sociais, políticas e culturais, ou seja, das próprias instituições capitalistas "triádicas"). É sob a era da mundialização do capital que se realiza plenamente a percepção de Marx no Manifesto Comunista (de 1848), de que o capital em seu processo de desenvolvimento sócio-histórico, "cria um mundo à sua imagem". As características da mundialização do capital (Alves, 1999) 1. É constituída pelo poder crescente do capital-dinheiro altamente concentrado, ocorrida, principalmente entre o período de 1985 e 1995. Ao dizer capital-dinheiro, Chesnais salienta o capital industrial, mas principalmente o capital financeiro, ou seja, aquele capital que se valoriza conservando a forma-dinheiro. Em nossos dias, o mercado financeiro é mundializado e possui modalidades e instrumentos variados. A questão é como analisar a relação entre essa unidade diferenciada e hierárquica que é o Capital. É o que faremos logo adiante.

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AEG – Ambiente Econômico Global 2. Observa-se mais o predomínio do investimento e da produção em relação a troca. 3. Acirra-se o processo de centralização financeira e de concentração industrial do capital, tanto no plano nacional quanto no plano internacional (por exemplo, os bancos e os grupos que mantém fundos mútuos e fundos de pensão). 4. Ocorre uma maior interpenetração entre os capitais de vários países, assim como criase, mediante o investimento internacional cruzado e as fusões-aquisições interfronteiras, de estruturas oligopolísticas transnacionais num número crescente de ramos da indústria ou de serviços.

Texto de Apoio GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA: ORIGENS Paul Singer Tudo começou quando, no fim dos anos 60, as empresas multinacionais (EMNs) dos EUA colocaram grande parte se suas reservas financeiras no euro-mercado, um mercado até então inexpressivo e completamente excluído de qualquer supervisão e controle por autoridades monetárias nacionais. O euro-mercado começou a crescer rapidamente, atraindo dinheiro particular e público de todos os países, até se transformar no grande mercado financeiro internacional, cuja rentabilidade sobrepujava à dos mercados nacionais porque os bancos que nele operavam estavam dispensados de manter reservas obrigatórias proporcionais ao valor dos depósitos. No início dos anos 70, os governos dos grandes países poderiam ter instituído o controle do euro-mercado por parte do FMI (Fundo Monetário Internacional) ou de alguma outra entidade intergovernamental, mas não o fizeram. Esta não-decisão está custando caro á economia mundial, pois ela ficou cada vez mais sujeita às vicissitudes da especulação financeira internacional. É interessante observar que a desregulamentação financeira só se tornou política explícita dos principais governos capitalistas na década de 1980. Ela se impôs de forma casual, como efeito periférico da crise do sistema internacional de pagamentos erigido em Bretton Woods, em 1944. Este sistema tinha por base taxas cambiais não propriamente fixas, mas negociáveis apenas multilateralmente. Isto significava que um país poderia alterar sua taxa cambial desde que contasse com o consentimento dos outros países-membros do FMI. Alterada a taxa, cabia ao governo intervir no mercado de câmbio – vendendo ou comprando divisas – para manter a taxa de câmbio de sua moeda dentro de uma estreita faixa de variação ao redor do novo valor "declarado". O sistema de Bretton Woods pressupunha que cada governo não só dispusesse de reservas cambiais suficientes para regular adequadamente o mercado de divisas, como também que ele pudesse em última análise subordinar o movimento internacional dos capitais controlados por seus cidadãos a objetivos nacionais. O sistema era administrado pelo FMI, mas a moeda chave era dos EUA, cujo governo deveria dar o exemplo, ao garantir a conversibilidade do dólar em ouro a uma taxa "declarada". Mas, em 1971, o governo de Nixon (presidente dos EUA) foi incapaz de resistir ao ataque especulativo contra o dólar e também não teve competência para negociar com os outros governos um realinhamento das taxas cambiais que permitisse reequilibrar as contas externas do país. Preferiu então quebrar unilateralmente o compromisso da conversibilidade do dólar, liquidando assim em parte o sistema internacional de pagamentos até então em vigor. O sistema de pagamentos que foi improvisado para substituir o de Bretton Woods, consagrou a livre flutuação das taxas de câmbio, deixando a cargo de cada governo adotar o regime cambial que desejasse. Deste modo, os governos ficaram descomprometidos de controlar e monitorar os fluxos internacionais de valores. Cada um seguiu o exemplo dos Estados Unidos, cujo governo gradualmente revogou as sanções fiscais que havia adotado com a finalidade de coibir a exportação de capitais, na vã tentativa de defender a paridade de 35 dólares por onça-ouro.

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AEG – Ambiente Econômico Global Os governos que constituíam a Comunidade Européia resolveram manter paridades cambiais relativamente fixas entre suas moedas, o que acabou desembocando na unificação monetária do continente, a ser inaugurada em 1999. Apesar da fidelidade européia a um sistema de controle governamental, ao menos do valor externo de cada moeda, não se registrou qualquer tentativa séria de estender este controle aos fluxos internacionais de valores. As EMNs (empresas multi-nacionais) européias surgiram depois das "americanas" e tiveram de lutar com denodo para enfrentá-las e conseguir um lugar ao sol no mercado mundial. Para ter alguma chance, tiveram de se unificar, tomando o mercado comum como base. Impunha-se, portanto, dar liberdade às EMNs para se fundir e se estabelecer em todos os continentes, exatamente como as dos Estados Unidos já vinham fazendo desde o fim da guerra. A desregulamentação dos mercados financeiros acabou se impondo, a cada um dos governos, de fora para dentro, em função da disputa por um mercado mundial em que as trocas comerciais iam sendo liberalizadas por meio de um laborioso processo de negociação multilateral. A crescente liberdade de comércio permitia às EMNs construir uma divisão internacional de trabalho entre suas filiais, situadas em dezenas de países. Tratando-se de oligopólios internacionais, o ganho proporcionado pelas vantagens comparativas não tinha de ser repassado aos clientes, podendo ser incorporado aos lucros. Surgiu desta forma um segmento específico da economia mundial, formado pelas EMNs, que se apoderava de uma parte do valor produzido em inúmeros países por ser capaz de tirar proveito das diferenças entre eles. Um relatório da UNCTAD (1996, p. 96) diz: "A produção internacional é agora uma parte integral e importante da economia mundial. Grande número de ETNs (empresas transnacionais) surgiram e estabeleceram filiais no estrangeiro. O número de ETNs sediadas nos quinze principais países desenvolvidos aproximadamente quadruplicou entre 1968/69 e 1993, passando de 7 mil a 27 mil. No mundo todo, há hoje quase 40 mil ETNs com cerca de 270 mil filiais estrangeiras (sem contar ligações em partilha de propriedade [(non-equity)]. O número de filiais por ETN tem aumentado – de cerca de quatro no começo dos 1990 para quase sete em meados desta década." À medida que este segmento se fortalecia, ele ganhava autonomia em relação aos governos, inclusive dos países em que residiam os grupos controladores. A economia das EMNs passou a apresentar uma lógica que se opunha à dos interesses "nacionais", mesmo considerando que entre estes interesses prevaleciam os dos capitais. Em outra palavras, a possibilidade de coordenar produção, distribuição, investimento, pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e novos processos etc. em muitos países diferentes suscitou uma lógica maximizadora de taxa de lucro para o conglomerado empresarial, formado por cada EMN, que jamais coincidiria com a de empresas circunscritas a uma única economia nacional. Só para dar um exemplo: o conjunto de leis e instituições de cada país determinam, em grande medida, o padrão salarial do trabalhador médio, e portanto o custo do trabalho para a maioria das suas empresas. Para estas, o padrão salarial é um dado que todas compartilham, portanto não é um elemento que interfira na concorrência entre elas. As multinacionais, no entanto, não precisam se conformar com este padrão. Para elas, o salário padrão é uma variável que influi em suas decisões a respeito de onde produzir, vender, comprar, investir etc. Elas minimizam o custo do trabalho, localizando sua produção onde o salário padrão é menor. A desregulamentação financeira não se restringe evidentemente ás EMNs. Ela concede a todos os capitais – grandes e pequenos, nacionais e multinacionais, produtivos e financeiros – a liberdade de se deslocar no espaço global para maximizar seu retorno. Mas, sua instituição só se explica pelas exigências da luta inter-oligopólica das multinacionais. O governo da maior economia, quando ela ficou inferiorizada na competição internacional, tentou conter a saída dos capitais unilateralmente, como vimos acima. Se tivesse tido êxito, as EMNs "americanas" teriam sido rapidamente suplantadas pelas EMNs de outros países – a não ser evidentemente que os outros países tivessem adotado medidas análogas de contenção. Mas, isso não se cogitava mais, pelo menos desde os anos 70. As possibilidades de desenvolvimento nacional foram sendo subordinadas cada vez mais ao desempenho competitivo das EMNs no mercado global. Resta observar que, uma vez desregulamentada a movimentação internacional dos capitais, tornou-se insustentável a regulamentação financeira interna a cada país, pois a diferença de custos levaria os intermediários a globalizar todas as operações.

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AEG – Ambiente Econômico Global De modo que em vários países, pouco a pouco se processou uma verdadeira regressão institucional: os bancos centrais foram sendo privados dos principais instrumentos de controle da oferta monetária, exceto a administração da dívida pública e sua manipulação diária no "mercado aberto". Embora o sistema monetário atual seja completamente diferente do padrão-ouro, que vigia até 1971, os dois se assemelham pela liberdade desfrutada pelos intermediários financeiros. A autoridade monetária se limita a administrar a oferta de liquidez "formal" (a base monetária) e a taxa de juros básica, que é a que o governo paga aos detentores de títulos da dívida pública. É importante notar que no Brasil ainda não chegamos a este ponto. Aqui, o Banco Central ainda conserva poder para controlar a oferta de crédito mediante as reservas obrigatórias e outros instrumentos. É que o sistema financeiro brasileiro ainda não foi inteiramente globalizado. Com a crescente penetração de bancos multinacionais, controlados por residentes no Primeiro Mundo, é provável que a possibilidade de fazer política monetária no Brasil também venha a ser esvaziada.

O CICLO FINANCEIRO INTERNACIONAL A desregulamentação do mercado financeiro ensejou um movimento cíclico de euforia prolongada que é periodicamente interrompida por pânicos. Este ciclo resulta da regressão institucional acima descrita. Todos os capitais são pela sua natureza financeiros e portanto são suscetíveis de se valorizar na esfera das aplicações – em que dinheiro se troca por dinheiro diferente – tendo em vista as expectativas. Tendo cada vez mais liberdade de fluir desta esfera à da produção e vice-versa e podendo escolher num imenso cardápio de inversões produtivas, aplicações em empréstimos de diferente espécies, opções por transação a termo etc., os capitais se dirigem em bando mais ou menos às mesmas aplicações, na esperança de que elas se valorizem. O que realmente acontece, já que a forte demanda pelos mesmos ativos não pode deixar de elevar-lhes as cotações. De modo que torna-se aparentemente muito fácil ganhar dinheiro especulando com ações, títulos de crédito, divisas, contratos futuros etc. Esta é a base da euforia que se auto-alimenta.

AS BOLSAS DE VALORES As bolsas constituem um exemplo ilustrativo. Em tese, dever-se-ia esperar que elas alcancem certo equilíbrio quando o valor das ações nelas transacionadas atinge uma proporção "razoável" ao retorno esperado (=dividendo distribuído lucro retido). Como a economia está sempre mudando, seria de se esperar que algumas empresas fossem beneficiadas pelas transformações, o que faria aumentar o seu retorno esperado; outras em compensação seriam desfavorecidas, acarretando a redução do seu retorno esperado. Haveria em conseqüência, procura maior pelas ações das primeiras e procura menor pelas das últimas, do que resultaria a subida da cotação daquelas e queda da cotação destas. Mas o índice representativo das ações de todas as empresas ou das empresas mais importantes não deveria mudar, pois o efeito liquido das subidas e descidas de cotações seria próximo de zero. Mas, não é isso o que se observa. As bolsas, sobretudo em virtude da globalização, são cenários de freqüentes manobras especulativas, que visam ao controle de grandes empresas, inclusive de multinacionais. Como vimos, a globalização acirra a competição entre as EMNs, o que induz sua permanente reestruturação mediante fusões e aquisições. Como o lucro destes conglomerados depende da divisão de trabalho que eles montam em seu interior, ele cresce com o número de empresas que os compõe, de países em que atuam e de produtos que manejam. De modo que as EMNs estão sempre procurando se expandir, sobretudo adquirindo outras EMNs ou se fundindo entre si. Diz o relatório da UNCTAD (1996, p. XIV) já mencionado: "O valor de todas as transações F&A(fusões e aquisições) trans-fronteiras [incluindo os investimentos de carteira (ou seja, que não implicam em transferência de controle)] dobrou entre 1988 e 1995, atingindo 229 bilhões de dólares. O valor das transações F&A de maioria [excluindo investimento de carteira e IDE (inversão direta externa) de minoria] aumentou 84% em 1988-1995, tendo alcançado 135 bilhões de dólares." Estas cifras dão uma idéia do enorme montante de recursos que as fusões e aquisições carreiam às bolsas.

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AEG – Ambiente Econômico Global As disputas pelo controle elevam as cotações das ações das empresas disputadas, proporcionando ganhos inesperados a todos os seus felizes detentores. Tais ganhos tornam-se conhecidos, atraindo novos capitais às bolsas. Ao adquirir ações, estes capitais ampliam a alta das cotações, o que se reflete no aumento acelerado dos índices como o Dow Jones em Nova Iorque ou o Bovespa em São Paulo. Efeitos análogos têm as privatizações de empresas estatais, muitas sendo de economia mista. A participação estatal é vendida em leilão, que eleva a cotação de todas as ações da empresa que está sendo privatizada, com ganhos inesperados para aqueles que as adquiriram antes. A crescente quantidade de privatizações avolumou a torrente de fusões e aquisições, das quais a venda de empresas do setor público ao privado é um caso particular. Como resultado, as bolsas no mundo inteiro estão em maré alta há anos. Mesmo após as quedas recentes, as cotações na maioria delas estão muito acima do que seria normal por qualquer critério razoável. A revista The Economist, de 1º/11/97 (p. 71), ofereceu diferentes avaliações da bolsa de Nova Iorque, a mais importante do planeta. A primeira e mais usual é a que relaciona o preço de cada ação com o lucro mais recente que ela proporcionou, a relação preço-lucro. "As relações preço-lucro este ano têm estado no nível mais alto há décadas." Outra avaliação é a chamada "relação q" que compara os preços das ações com o custo de reposição dos ativos das firmas: ".... ela se encontra ao redor de seu nível mais alto pelo menos desde 1925". E o valor dos dividendos como porcentagem do preço das ações é de cerca de 1,6%, sendo o mais baixo deste século: "Pesquisa de John Campbell da Universidade de Harvard e Robert Shiller de Yale resultou num achado perturbador. Tendo examinado cada uma das 29 ocasiões em que, desde 1872, a taxa de dividendos-preços das ações caiu abaixo de sua média de 4,73%, eles verificaram que sempre a taxa voltou á média, na maioria das vezes pela queda dos preços das ações e não pelo aumento dos dividendos. Se a história tiver de se repetir o Dow [Jones] teria de cair dois terços em termos reais." Charles Lee, da Universidade de Cornell desenvolveu um novo método de avaliação de preços de ações, considerando taxas de juros, dividendos e previsões de rendimento: "A taxa de Lee está agora em 1,5 – um pico nas últimas quatro décadas – comparada com a média de longo prazo de 1. Isso implica uma forte queda do Dow [Jones] em quatro meses." Estas avaliações não constituem surpresa para quem acompanha os mercados financeiros. O que surpreende é a longa duração do boom e a ausência de mais ataques baixistas, que proporcionam grandes ganhos àqueles que os desencadeiam. Basta que um grupo de grandes operadores resolva colocar coordenadamente à venda uma quantidade significativa de ações para provocar uma grande baixa das cotações, exatamente porque estão exageradamente altas. Poucos dias depois, o grupo pode recomprar as ações que vendeu a preços muito inferiores, embolsando a diferença. Dada a simultaneidade das quedas em todas as bolsas do mundo, em outubro e depois em novembro, há razões para suspeitar que algo desta natureza tenha ocorrido. Mas, o boom não se limita às bolsas. Houve também uma expansão extraordinária da oferta de crédito nos mercados internacionais. O total de fundos levantados nestes mercados em todo mundo passou de 279,1 bilhões de dólares em 1985 para 361,4 bilhões em 1990, o que representa um crescimento de 29,5%. Mas, no quinquênio seguinte – 1990/1995 – este total subiu para 832,2 bilhões de dólares, com um crescimento de 130,3%! É interessante observar que em 1985/1990, o valor dos fundos levantados pelos países desenvolvidos aumentou 35,5% ao passo que o levantado pelos subdesenvolvidos caiu 4%. Em 1990/1995, os países desenvolvidos ampliaram o valor levantados nos mercados internacionais de crédito em 132,17% e os subdesenvolvidos em 180,6%. (United Nations, 1996, Tabela A .31). É inegável que houve um boom de oferta de crédito internacional neste último quinquênio e que uma parcela crescente do mesmo se dirigiu ao Terceiro Mundo. Estes dados ajudam a entender o relativo sucesso da política de sobrevalorização cambial posta em prática pelo governo federal desde a implantação do Plano Real. Em 1994, havia enorme oferta de crédito que aparentemente não encontrava escoadouro nos países do Primeiro Mundo. Por isso, tão logo o Plano Real entrou em vigor, abrindo a perspectiva de uma próxima estabilização relativa dos preços, uma verdadeira enxurrada de capitais externos invadiu o país. Foi a grande procura por ativos denominados em reais que derrubou a cotação do dólar e sobrevalorizou a moeda brasileira.

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AEG – Ambiente Econômico Global Obviamente, as autoridades econômicas podiam ter colocado á disposição dos investidores quantidades suficientes de reais para manter a paridade anterior de R$ 1,00 = US$ 1,00. Mas, elas preferiram permitir que o dólar caísse até R$ 0,83 provavelmente para maximizar o potencial estabilizador da importação de toda espécie de produtos do exterior, a preços vis. A euforia financeira tem sido uma característica freqüente no capitalismo globalizado, desde a superação das crise ocasionada pelos dois choques do petróleo e o enorme aperto de liquidez promovido por Paul Volker, presidente do Federal Reserve System (o banco central dos EUA), a partir de 1979. Mesmo a gravíssima crise do endividamento externo de grande parte da América Latina não interrompeu inteiramente a euforia. E a crise que atingiu em fins de 1994 o México e por extensão a argentina e o Brasil, também foi circunscrita no espaço e limitada no tempo. Dados estes precedentes, é possível que os crashes de 1997 também possam ser circunscritos ao Sudeste da Ásia, onde tudo começou. Mas, há elementos para crer que desta vez a restauração da euforia será muito mais difícil.

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