A Tradicao Travestida

  • November 2019
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A Tradição TRAVESTIDA a traiçã traição ção tra A Tradição travestida A TRAIC A Tradição travestida a traiçã ção o TRAV trai çã o s o d r A Tradição travestida A cTRAICAO trave a n o A Tradição TRAVESTIDA a traiçã traição ção TR t l wi r A Tradição travestida a traiçã traição ção o p A Tradição TRAVESTIDA A TRA A Tradição TRAVESTIDA A TRAI A Tradição travestida A TRAICAO traves

ou restos relançados duma nostalgia ou diz-curso ou ex-ciclo ou

vinha um copo de vinho caminho

livre linha viva este livro

sina

da ponta do diamante eterno o tempo risca na face do cristal o lago das galerias submergidas algo mina sob as campinas galga o vento as comas do crepúsculo gelado um putrefar primeiro flore lento dentro do tenso retinir silêncio densas nuvens navegam no ar calmo calma de morte se houver alma ela ressoa no ausente longe da faísca muda e alva átimo de ruínas noite larga a alba a aurora espera enquanto a esfera sobrevoa a gema congelada raia um tênue raio instante cintilante no orvalho

paleolítico alaúde fel ao vil ouvido do esquecido fere as lascas farfalhantes na intempérie que troa torna à tona o escarcéu ‘lembra-te? lambe-me os flancos nus flama-os com tua língua ardente me navegue destroça-te nas vagas não renegue-me’ faz sol no lago pútrefo de thânatos teatro de hipercúbicos milímetros sobre lentes fortíssimas retinas retêm a trama do cauim no vítreo cosmo asséptico coma cristalina instante excêntrico sempre durante e moras dentro no sem dentro ou antes

o que contém a caverna escura luz? contém o breu da noite morta sem estrelas luas ou luzes suas som silêncio denso em todo canto que a boca venta ouvida escuta lenta e absorta grita muda

e o grito lento encoberto manto da caverna envolve e absorve-lhe converte-se em bolha de vazio atrito entre pedra e água em branco recoberto em negro de negrume escuta! este negror sem sombra

e que a vida da caverna exala branca esvanecida em grito em sombra que o silêncio escuta atento e suga brando e lento o som da gruta galga disperso vesgo em visco muda se fora foi como o que esvai-se em pranto

o que fica deste oco ocado vazio cheio d’água transparente raso e ralo esvai pelos vãos deixando vãos vazios tudo em vão vão águas incolores inodoras e frias

águas que aguaceiam vazias transparece num disco de luz e desvanece de novo nas sombras no ocaso das luzes do rio que reaparece à frente, debaixo das rochas acaso de águas e rochas e raios de sol

o rosto negro magro de bonfim entrecortado por profundas rugas reflete o semblante sombrio da aurora mas de quando em vez que se abre em generoso e largo e profundo riso bril no manto breu da madrugada madrigal de pontos prata enluarada resplendendo meia luz de olhos meios entreabert’em meio à fé a meia vela em meio ao vale tens razão em meio à rua geométrica há aromas sem sentidos nesta bruma negra da noite

um raio de luz de sol fim de tarde um jorro de palidez no lodo verde do corredor trás da sala brotam plantas por entre fendas de cimento enegrecido pelo tempo da casa um halo de sol penetra o corredor contido luz vermelha reluz em tijolos vermelhos e exala o muro a rubrez que só ousa sair fim de tarde uma pequena flor delica deitada em minuciosos talos verdes paralelos à parede até a janela vislumbram os olhos um brilho verde claro e de branco em brancas pétalas e um pedaço de raio invade a sala obliquamente e resplenda em alvo tingindo o amarelo de sol fim de tarde uma alegria esmaecida um frescor de um dia vivido cor palha e dispersa e difusa ilumina olhos castanhos espelhos da tarde findoura

a música cai do negro disco impermanente ao negror do ser impermeável e penetra o negro véu permanente em luto pela vida não nascida dentro do ente e traz alguma cor ao frio cinza recorrente que se volta num estalo à alma doente crente estar oculta do ruído externo em eterno céu seu, a música cai e o silêncio noturno da noite, véu muito mais que qualquer luto contra o céu eterneceu e sopra o vulto incolor que permanece na impermanência que se esquece

sombrio o fronte sóbrio caminhar sobre pedras esquadrinhadas sobe a rua enevoada sob sereno emadrugado divagando em canto só

A idade desta cidade É um mistério tão pro fundo Quanto a sua identidade Fundada num lago imundo Morada da escuridade Outro e si deste ser mundo Este ser de mil verdades Sem margens face sem fundo Sonha o fixo e o acabado Onde a vida é a nostalgia De volver em sempre lago Onde tudo é fluido e vago Sem tristeza ou alegria E onde a morte é o adorado

pedras e árvores poste e calçada casas sonham singelas na manhã ensolarada de Piracanjuba bom dia ! muros e tijolos desgarrados velho no portal acomodado e velhas, velhinhas

noites densas onde donzelas dançam tensas as duras mãos se oferecem lentas olhos se aquecem chamas o sol da manhã faz sombras de folhas verdes pela janela aberta

luzes nos paralelepíped’azuis sob olhos negros de crianças pardas leves purpurilando bolas e becos e serenos amenos os pequenos para lá e para cá não param a vida não é menos

gatos e telhas e patos nos lagos na noite reflexos do luar insetos e uivar de cães na cidade cio tremula no fio da noite a conduzir florires e pássaros a zunir reluzir de sol na manhã luzir

Nós. Nas cordas que sustém Nos valsamos sem voltas Nus: tronco e curvas tortas As mãos se soltam, soltas Para o meu bem Bem, volvamos às valsas: loucas Líricas, danças mortas Vem. Almas e valsas, quem ? Ninguém veio... bailar e as vozes Roucas Ruídos. Cordas mudas, amém.

Teu dorso louro, desço e teço As sensações se cruzam Emergem, jorram resgatadas Me retorço em imagens que se desfazem lentas Tantas e dispersas Brutas Que abruptamente petrificam bruscas Todas e diversas, unas Numa unidade imóvel Tudo, eterno e infinitamente vasto Instante Não dura mais que isto, instável E imaterial Nada Me contorço em chamas Brumas Submergem, choram amargos Poros, soam mares Sais, salgados ares violentam ventas Fluidos doces viscos quentes, envolventes Ventre da manhã Miragem Cores e sabores falsos. Gostos, tatos e contatos: mera quimera Ardências frias, planas Um jardim etéreo sem espírito Frio Teus fios aéreos, sérios Teus gestos atonais nos ares: danças Corte de ar em vários Goles de ares, áreas de cheio e vazio Cheiros Preenchidos vácuos de essências e substâncias, várias Arenas: digladiam-se sentidos Guerras e guerreiros brutos

estes cacos de traços que se inscrevem soltos descrevem-se nas tuas bocas atrevem-se em teus olhares escrevem-se a si mesmos e saltam para a incerteza do esquecido traço que desenlaça em águas e sais e se deságuam secas estes traços se desescrevem tortos e desintegrados laços

ofício ofício vício obstinado não cria descria ou destrói não constrói ou desconstrói sedimenta desliza evapora cai e vai embora inexpressivo corrói as mãos do mineiro ouro? sal cal

embora como pluma que plana o ar devagar embora como perfume que se esvanece no ar embora com ar de cantar da maneira que passam as horas você foi embora embora ficaste

a fronteira de jaiara-orquídea e jaiara-serpente a fronteira das águas da confluência dos rios a fronteira dos átomos da superfície e do ar a fronteira do estado de origem com o outro diluamos todas as margens fluidas para atingirmos o âmago da margem rumo à sorte marginal

a morte no instante da morte é um corte e no instante do corte o gosto do gozo no instante do gozo a gosma num ácido instante e numenal semblante como a rosa aberta instantânea na tênue eterna névoa fragrante no ar a dama consorte a lavar e amar nossa sorte a planar aspirar expirar um acorde da sonata espiral

o papel do poeta é algo mudando para algo mundano que algo do mundo (que) algo agouro um mal agouro do mundo e o papel do poeta não se encharca das tintas não é mais amarelo que amarela com o tempo e torna poroso e áspero que colorem as tintas que vão se descolorindo num sem tom descolor que são todas as cores: branca esbranquiçadas retornam por todos os poros e afloram tal qual primavera refloram por todos os cantos colorem de todas as cores reflorem não são mais tintas papéis e poetas não mais cores e poros e algo não sei mais

lunar subi subi aa escada escada decantada decantada de de ladrilhos ladrilhos ppéétreos treos comunguei comunguei ao ao ppéé da da igreja igreja velha velha um um olhar olhar para para tr trááss aa cidade cidade nebulosa nebulosa viva viva sem sem alma alma viva viva que que se se mova mova aa esta esta hora hora desta desta noite noite se se movia movia aa ouvia ouvia seu seu respirar respirar vivaz vivaz eu a revia idosa revivia idade eu a revia idosa revivia idade me me movia movia em dire em direçã çãoo ao ao templo templo queria queria ver ver em em tempo tempo oo que escondia densas á speras pesadas que escondia densas ásperas pesadas paredes paredes dessas lisas tr ê mulas vacilosas m ã os deslizam dessas lisas trêmulas vacilosas mãos deslizam as as dobras dobras do do tecido tecido duro duro frio frio nnããoo vaticina vaticina oo vento vento arrepio sem pensar se move rumo à quina arrepio sem pensar se move rumo à quina oo mar mar revolto revolto se se revela revela vento vento revolvia revolvia olhar olhar ee via via olhar o mar quebrar em branco olhar o mar quebrar em branco sil silêêncio ncio ao ao mar mar aa voz voz àà voz voz volver volver oo olhar olhar daquela daquela alva alva voz voz tenaz tenaz olhar olhar fugaz fugaz contemplar contemplar todos todos os os anos anos passados passados naquele naquele ato ato inato inato um um estender estender aa mmããoo um um entender entender de de fato fato aa falta falta vestida vestida pelo pelo manto manto escuro escuro vvééuu cobrindo cobrindo lisos lisos talos talos que que se se deslizam deslizam aaééreos reos pela pela alva alva tece tece oo mar mar medita medita algo algo mar mar

Amo-te demente caridoso morrerei remorsoso e mórbido culpar-te-ei. Culpar-te-ás e partirás também ao imaterial abraço de teu rei e escravo? Escravo e rei não hei de entristecer em meu sofrer pois me darei a ti e a ti possuirei como tantos, como tantos, por dever morrerei, morreramos pelo carma dum caudal impiedoso e ressuscitaremos eu pedra e tu a flor do outro monte que um pássaro num arco sobre as árvores trouxe o olor vago dissipado pelo vento da manhã um frescor ainda um frescor à rocha desventurada

era uma casa muito engraçada não tinha teto não tinha nada ( v.m.)

aquele que não posso ser está vivendo não sei o que ele quer na funda noite escura daquele quarto ao fundo que sequer eu entro a casa agora estranha e a amada não escuta a voz daquele eu mudo que agora já não ama desenvolta ela passeia e se deita em sua cama e o quarto não clareia e mesmo assim enche de luz este outro a possui enquanto a casa se revela antiqüíssima morada de deuses que conduz aquele eu cego a viver à luz de velas ver sem velas ou sol imponderáveis nuances dela casa sem piso oitão ou teto vizinha do infinito um rociar de eternidade impregna os cômodos disformes foi tudo ti culpada amada a voltear por cômodos famintos de não sei quê de além amor a entristecer-te enquanto dormes com este outro e sem meu toque nos perdoe luz inconsciente a lumiar o mar profundo em que mergulha aquele que se diz eu na busca indefinida de um mapa o mar inunda cômodos e casa e tudo bóia e se perdeu do eu amar e amada cômodos e casa e aquele outro ainda chora o que não sinto e às vezes tem (tenho certeza) amada em leito seu e amor um pouco que (náufrago) não sei e luz é assim, às vezes vem...

vela que o vento leva que o vento come vela suspensa no ar e no escuro mar vela que voa ao longo do horizonte vela que incendeia por sobre o monte vela do desatino do aventureiro vela que voga a lua na noite cheia vela inflada de uma lufada vela inflamável no fim do olhar vela que vela a luz do plenilúnio vela da tua vala vela velha comadre de um sino vela entre deus e meus olhos vela que me leva vela que me lava do escuro breu vela vento que passou vela luz que enluou vela vala de minh’alma valo do meu corpo morto caravela da vida tênue vela ao vento ao sopro do vento que a voa que apaga

teus olhos são tão sol que molhas meu sol quando me olhas farol que me banha de tanta luz tamanha tanta cruz estranha soa no meu sol uma luz tamanha outra luz de tuas entranhas outra luz estranha a tua luz nua que luze em tua rua curva e turva e pura via para as tuas duas luas que me vias vias tão estreitas que diante de tua luz tamanha, estranha nas entranhas leite puro impuro são vias leito leite pleno leito plano lácteas estrelas leite amplo deleito estreito divino leitede estrelas leito profano leito entre o teu leite e o teu leito estrada de sóis me deito no desamparo extracto demeluz no teu jeito de deixar sol de me deixar sou as tuas duas luas na minha rua nua só no descampado desta luz tua: lua

leite puro leite pleno leite amplo divino leite

leito leito leito leito

impuro plano estreito profano

entre o teu leite e o teu leito me deito no desamparo no teu jeito de me deixar sol de me deixar sou só no descampado desta luz tua: lua

ontem nasceu narciso fogo de ritos narciso de amor foge preso no próprio riso rio de narciso de mim não sei se preciso frio rio de lava nos lábios de narciso

narciso se vê na fonte na fronte de todos os mitos narciso se transforma

estava tão mudo em hades lodo de muro antigo pelas frestas pelas festas de dionísio um quintal me invade! tardes de narciso riso de narciso siso de narciso ris? rio calmo como a morte rio forte

narciso se vê na fronte na fonte de todos os mitos narciso se transforma

era narciso que falava fala de narciso de que falo era narciso entre as águas sai o eco de narciso pelas ondas zeros se es palham — da lágrima de narciso por um tris te narciso

narciso se vê na fonte na fonte de todos os mitos narciso se transforma

zeus!

josarrá quem dera ter do mundo o silêncio que necessitas agora em que sentes sede de contemplar e o teu semblante destemido a pairar mal recobres o que descobre ao bulir em tais sonhos que tens teu olhar teu olhar, teu pobre olhar josarrá, mas há um cheiro negro no ar que colore os teus sonhos meninos e redescobre a cada olhar nos teus cantos, lugares, teu lar que enraíza o alicerce da casa e se espalha aos vãos de teu chão teu piso, e sobes enfim por teus móveis alcançando por fim teu telhado tuas vigas de cheiro ocreado tuas telhas de aranha que vêm que vão

não em vão tua vida emaranha tantos casos de casa encantada pelo vão das paredes caminham caminham tanto e não chegam a lugar que luares tu queres panhar josarrá? não te notas, não queres notar não deves, não podes voar por teares tecidos de ar não deves negar tuas cores teu manto, teus tantos encantos de uma cor que de cores te enche solta o pranto que queres chorar e diz josarrá, diz que o cheiro permeia o ar que vem de tão longe e tanto tempo a jorrar e deságua num rompante de dor desnorteia o poente do sol que brotas agora em teu sonhar tua solidão, josarrá teu amar.

de um lado o lodo da noite do outro outro lodo e as gramas putrefatas vicejando esta faixa dura e noturna dividindo o deserto é uma serpente sem casa deglutindo metais e peidando gases vomitando vísceras ao pasto de lama indiferente tu: reflexo de serpente no olho perdido no horizonte perdido

vieste para fugir mas encontraste buscar e voltas encontrarás vieste para encontrar

o que por onde passou nunca deixou atrás deixou este fino olor este calor e o amargor

este vago eco de amor branco do seu palor

quase partido bafo seco na boca

quase um toque de dor grito cego de uma flor alheia do seu compor pobre de uma só cor que insetos sabem de cor

foges mas deves voltar sem nunca sair deste norte como nunca saíste do não norte e não um são sempre no mesmo lugar sempre no agora mesmo que o vento soprar mesmo que o norte voar

no entanto a um passo está o norte no entanto um abismo de morte desenha entre nós este corte que o nada só o nada em acorde transpõe esta linha este forte

apague dos olhos o norte cale o norte da boca e ouça! o vento do norte zunir a sua melodia louca trazendo o norte pra dentro soprando na vela rouca

norte ensaio de morte de onde voltamos cada vez mais deus ateus cada vez mais

pelo que há de vão infindo no seio dele pela música que soa nadeante no seu silêncio pelo que ele não é sendo nas profundezas pelo desmarcamento das margens esparramadas pela marca da fluidez no seio dos demarcados

apenas eu sem mim nesta cidade que me rodeia sem outros sem si mudos à minha volta nesta avenida absorta em si no seu barulho surdo ao lençol de silêncio dos olhos que me olham de dentro do meu nada mais p'ro fundo do negror de minha ausência pálidas nuvens passam ignoradas e sob plácidos lagos serenos dorme a morte que seremos e dentro dela com ela comungando e a corroendo um átimo de norte dói correndo e salta leve brisa raio vento fogo do pensamento e fura a vida da avenida

ave em fúria gula sem nome que nos consome comida de nossas feridas que nos ilumina e a cada pedra destroçada do asfalto a cada ato ao acaso ao cheiro de gasolina a cada passo apressado mal sabe os homens o norte deste instante da face de joén nos seus semblantes do urro de prazer dos dois amantes da flor sem haste que brotou na face do tempo sem depois nem antes agora deste norte desnorteante

todo o vento num momento todo o tento num instante o vento e seu ventre aberto entre dois semblantes sempre dois movimentos vendo o abismo deserto arco precário istmo arbitrário centelha dissipada de vísceras vácuo o nada desse buraco esse sovaco no cerrado olhar fixo de vossas vozes ávidas de barro e engasgadas de catarro esse pigarro cósmico semi desnatado e carcomido de fragmentos iaras e suas árias aéreas o norte e sua sorte incerta

meus velhos versos de segunda vento e pássaros relva e rio dissolvo-me neles na esperança na esperança como nas lembranças em que vingo a má ventura onde perdem-se as razões, a harmonia e a sextina e o ritmo com as pulsações dentro e fora fora-se toda a fluidez e qualquer pertencimento a entidades obscuras que passaram a fluir transe e embriaguez doçura e tortura perderam-se, perdi-os e todos se lançaram e lancei junto com eles a qualquer alvo de água, de madeira ou de metal estou à salvo, não estou talvez... talvez...

poemas de

*

poeta do gran circo imperial das togas

* PSEUDÔNIMO DE MOREIRA CARDOSO VELHO

não chores amada mia que choras de amarga a vida pois saibas que a vida vinha devindo das idas mias até que a vida um dia envia por não sei vias ao pranto que tão doía à vida que então se via sem vida e que só temia que amargo não cessaria amada que amar-me-ia pois saibas amada mia que a dor do ir existe pois saibas que a dor insiste que a vida porém persiste e saibas que amar permite que saibas que embora triste mui triste que o amor existe

não digas amada meiga que o pranto quer não quer queira despenca da ribanceira não chores amada amiga pois olhas e então me diga se alguma qualquer ferida se achou maior um dia que um dia de alegria na vida de amada mia há chama alegre da vida maior que a dor da vida que o sol do meio dia sabes que a dor existe eu sei e sabes que o pranto insiste e tens saberes que a sina é triste e bem sabes que a dor persiste e vem vindo demais e tensa e hei de querer e embora não sei da dor que existe intensa a lei que amar de amar e de amar demais que amar te tenho e te tenho paz

Ora! Tudo que quero é dizer que amo. Só um velho como eu pode dizer tal coisa, hoje. Amo-te De incondicional amor intransitivo Como o dos poetas, como tem que ser. Como o amor dos tolos, de um se dar desmedido. Como os profetas, cegos de amar e ver. De um amor lascivo como o de animais, Puro instinto e violência, sangue e gozo. O amor do Cristo que me purificais, Límpido e eterno, cristalino, água e fogo. Do amor que flui de dentro para fora, De fora para dentro como o teu olhar em mim. Do amor que fica, mesmo indo embora, Tão dentro e forte ante a distância sem fim Da morte ou de um simples ir Para outro cômodo que não sei seguir. Amo-te de um amor impossível, De impossível exprimir. Mas tão impossível Que nem encontro palavras Para vos dizer. Quem saiba assim o diga Neste sereno não dizer...

Amo-te de um amor menino. Mas que redundância! Queres coisa mais infantil Que amar infante? Amo-te simplesmente. Mas isto também já foi dito por muitos (Por todos os que amam), Mas não importa para quem ama. Se algo importasse para quem ama, Não haveria amor, Como poesia não haveria Se o poeta pensasse antes. Se o amante pensasse antes Não haveria amante, Não haverias tu, amada e exaltada Por esta alma desarmada, desarrumada. Nem alma, se me permita Deus, havia Se amor não houvesse. Pois que amo-te enfim Em meio à tempestade E em princípio é princípio meu amar A ti e amando-te transbordar O amor. E amar a todos e a tudo, A mim e amar o amor. Amo-te como quem ama.

noite grande da cidade casas depois de tantas casas luzes que ofuscam estrelas postes e mais postes teia de fios metálicos estalando lâmpadas no ar ruas depois de ruas teias de ruas sem fim deste quarto pequenino o menino magricela solta a sua imaginação até o mais longe desvão mas não há desvão! cada vão cada vale vale um pedaço de casa desta teia de casas até onde? desta teia que o fio se esconde destas veias noturnas escorrem carros roncando pra onde sonha a noite que se move cada carro pros confins asfálticos de sua pele

esta noite tem tanta invenção luminosa ela tem tanto escuréu de noite grande pelos morros ondula a malha de luzes há luzes a mais depois dos morros? morro de vontade dissolver-me nesta idade nesta cidade nesta sede de enredar-me nesta rede vede!

noite grande do sertão vede esta noite longa larga noite profunda vede esta noite de redes vede esta noite de malhas vede este céu repicado vede o repisque de estrelas vede este cheiro de noite e o cheiro do galho picado salpicado de orvalho esta noite picadas escuras esta cíclica noite de luas três luas e não lua vede esta noite sem ruas o cheiro verde vai entranhando as narinas a poeira não passa o vento não vem nem vai nesta noite imóvel que nos cerca teias de terras teias de verdes teias de tantos galhos que se cruzam no cruzeiro teias de quanto mistério

deste carro ou desta tapera solta no sertão solta o menino a sua ilusão de ver o invisível que não sabe o indizível que não se vê saindo de si sobre a serrania quantas grotas sem seu olhar brotam neste agora neste instante de noite fulgurante de formigas fervilhantes e estrelas sem fim a nos olhar estalando (em) nossos olhares de lembrar e de brilhar

noite minha pequenininha noite contida eu sei de cada canto seu cada recanto de breu ou brilho noite pequena eu sei só não sei o porquê de todo dia toda noite eu não sei mais noite mais íntima sei onde acabas com as casas onde as asas se divisam onde as abas desta noite só não sei porque estas beiras me cheiram sem eira nem beira não sei porque que te beijam meus beiços com tanto ardor lua cheia de quintal encheste o meu portal para o sem fim de mim tão pequeninim noite do meu morrim

tu és em cada poste cada luz cada lua e cada estrela cada telha cada casa e casa-te com cada paralelepípedo negro de amor que te carrega de dia e se consome de noite no seu fulgor abraçando-nos brincando-nos de nós nos nós do futuro noite o futuro é escuro quero-te passada luz-minada

o nariz frio do cachorro alegre e um portão monstruoso o muro alto velho verde de lodo e descascado cascas de árvores e passeios de praças bicicletas e bolas bobas meninas e meninos sonsos e tristes alegres e tristes postes de luzes cinzas e janelas mortas e abertas tortas ruelas voltas e voltas mortas e tristes vilas e rodas vivas e noites vivas e mortas manhãs e tardes quentes e longas

faz frio na rua nua frio de batê-quexo faz cheiro de chuva molhada vai ter pardal nos fios vai ter pinguinho nas folhas que hoje eu sei é orvalho amanhã de manhã tem frio tem cheiro de terra fresca flor de jabuticaba depois do aguaceiro

tapera é uma espera no meio do nada no veio do dia plantada no seio da noite rebrotada tapera

abando nada beira de ninguém sem eira na esteira do musgo e do lodo na esteira

tapera na capoeira grota de vaca fugida greta de visco ungido fundida no cisco fugido pro zóio doído de luz que tampa a tapera tapera uma sombra salpicada de sol picada de noite no veio do dia

jurubeba é uma biloca verde margosa feito fel que levada ao céu da boca leva a boca ao céu feito o amor depois da dor feita a vida desfeita de uma ferida jurubeba é um ensina dor jurubeba é um amar gor é uma esfera repleta de flor antes e depois de flor na embriagada língua eufórica sofrida queimada de antiflor jurubeba é um desvéu que desvela o amargo-doce é um favo de fel no céu da boca ávida de mel é mel

tão apurado que amarga

sou o que lembro e o que lembro é mandinga pr’eu ter sido o que sonhei um dia ido e dolorido não sei se setembro não sei se me relembro ou a lembrança que há de vir ao ar se insinuar é o enchimento amanhã do esvaziar que ficou perdido na manhã esperança acordes pobres de pardais infância fios de postes das catadupas ignoradas pela alegria brincando sem nada pensar sobre as pedras da rua sem ânsia sobre a perda a distância medita esferográfica sobre a mesa dos tempos idos só doridos e sarados neste retraçar florido de alma velha sem viço pra ginástica ó pardais e jabuticabas bobos e bolos cidade natal pós-modernamente em cacos nesta cabaça podre que a guarda saco de gatos lentos e sem unhas do desconsolo

Meu coração é uma cidade antiga, De casas brancas e compridos muros Com pomares amplíssimos, escuros... (G.X.)

arrasto um punhado de pó pelas ruas arauto das casas desertas e puídas pelo silêncio e pela treva carcomida de luz entrante de uma fresta (festa de meninos) gatos conhecem-na biblicamente entre móveis silentes calmamente roçam pêlos nas suas entranhas casa estranha trêmulo vácuo arrepio de frio sob a tarde de morrinhos quintal pomar escuro mar de podridão doce muro de frinchas funcho e hortelã lã estas redes de madeira teto tateante alto de barro piso em falso um braço de halo sobra do sol que arrasto

joaquim papudo vagueias ruas alheias paradas

vivas

Estes poemas pertencem originalmente ao Ciclo de Jaiara e foram refeitos entre 2002 e 2005 para se ler em tela cheia no computador. São versos do Moreira Cardoso, que desejou o profundo até a morte (de velho). Aqui, foram travestidos em bytes além (aquém?) do literário. À margem do literário. Se há algo que preste nestes (em quaisquer) poemas são as margens que eles evocam. Wilton Cardoso Goiânia 26.11.2005

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