A Moda E Ludica Def

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  • Pages: 118
CENTRO DE TECNOLOGIA DA INDÚSTRIA QUÍMICA E TÊXTIL FACULDADE SENAI-CETIQT CURSO DE BACHARELADO EM DESIGN – HABILITAÇÃO: MODA

DAVID ANGEL MESQUITA PALLAS

A Moda é Lúdica. O universo lúdico e a arte naïf inspirando uma coleção.

______________________________________________________ Rio de Janeiro 2006

David Angel Mesquita Pallas

A Moda é Lúdica. O universo lúdico e a arte naïf inspirando uma coleção.

Monografia para Graduação a ser submetida à Comissão Examinadora do Curso de Bacharelado em Design, da Faculdade SENAI-CETIQT, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Bacharel em Design de Moda.

Profª Deborah Chagas Christo Orientador(a) (professor da disciplina de Projeto de Conclusão II)

Rio de Janeiro 2006

Ficha Catalográfica

Pallas, David Angel Mesquita. A Moda é Lúdica. – O universo lúdico e arte naïf inspirando uma coleção / David Angel Mesquita Pallas. - Rio de Janeiro, 2006. 118 p

Monografia para Graduação a ser submetida à Comissão Examinadora do Curso de Bacharelado em Design, da Faculdade SENAI-CETIQT, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Bacharel em Design de Moda.

1. Lúdicidade. 2. Design de Moda. 3. Arte Naïf I. Título.

David Angel Mesquita Pallas

A MODA É LÚDICA. O universo lúdico e a arte naïf inspirando uma coleção.

Monografia para Graduação a ser submetida à Comissão Examinadora do Curso de Bacharelado em Design, da Faculdade SENAI-CETIQT, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Bacharel em Design – Habilitação Moda.

Banca Examinadora:

______________________________________________________________________ Professora Deborah Chagas Christo, Mestra em Design, PUC Rio.

______________________________________________________________________ Professora Mônica Queiroz, Mestra em Arquitetura, PRÓ ARQ –FAU/UFRJ.

______________________________________________________________________ Gabriela Duarte Cardinalle, sócia da loja Tudo é Moda, Pós Graduada em Gestão Estratégica, Universidade Veiga de Almeida.

Rio de Janeiro, __________________________

_________________________________________ Professora Maria Luisa Bei Catoira Coordenadora do Bacharelado em Design – Habilitação Moda

A MODA É LÚDICA. O universo lúdico e a arte naïf inspirando uma coleção. David Angel Mesquita Pallas.

Dedico este trabalho para: Meus pais e meu avô David Pallas. Meus irmãos Luciana e Rafael. Meu sobrinho Guga. Meu grandes amigos e incentivadores Marco Torreiro e Nize Britto. Minhas avós, modistas das quais herdei o gosto pela moda, Eldozina da Motta Mesquita (in memoriam) & Amparo Bellón Suarez de Pallas.

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AGRADECIMENTOS

Para a realização deste trabalho contei com a colaboração, o apoio e a amizade de inúmeras pessoas, as quais gostaria de agradecer: À super orientadora Deborah Chagas Christo, mestra que me revelou novos horizontes na linha de pesquisa, incentivadora e amiga nas horas de desespero contra o tempo, orientando-me desde a primeira idéia sobre o tema. Sem ela nada teria acontecido. Sou seu devedor! À Professora Mônica Queiroz, mestra de disciplinas indispensáveis para a formação profissional de um designer de moda: Fundamentos da Cor e Desenvolvimento de Produto III. Grato por me repreender quando necessário, incentivar quando preciso e acima de tudo, por me colocar sempre em experiências desafiadoras e instigantes no meio acadêmico. Todo corpo docente da Faculdade Senai Cetiqt, em especial os professores: Claudia Cardoso, Cristina Rolim, Cristina Seixas, José Luís Dutra, Maria do Carmo Rainho, Pedro Tostes, Paulo Fulco, Paulo Leite, Rosa Cavaleiro e Sonia Volpini. Um pouquinho de vocês também está aqui. Os antigos mestres que hoje considero grandes amigos. Sergio Sudsilowisky e Váleria Ottoni. Obrigado com suas orientações e ajuda sempre, tanto no âmbito acadêmico e quanto na vida. À todos os funcionários da Biblioteca da Faculdade Senai - Cetiqt, grato pela paciência e pelas orientações bibliográficas. À amiga Rosane de Souza Kalil, grande incentivadora da minha vida acadêmica, me mostrando que nunca é tarde para começar uma nova jornada. Graças a tua amizade hoje realizo uma segunda faculdade! Meu muito obrigado eterno! Sem esquecer das queridas amigas de curso: Aline Camelo, Beatriz Andrade, Bárbara Pontalti, Cristina Serapião, Érica Portilho, Juliana Costa, Letícia Nolasco, Luciana Riquet, Liz Unikowski, Maria Fernanda Portela, Rebeca Dalmiere, Rose Laurentino e Talita Hess. Ao Museu Internacional de Arte Naif do Brasil - MIAN. Alexandra de Britto Costa - Alexia Costa, minha “eterna chefa”, mestra e grande amiga, por contribuir com dicas em diversos tópicos deste trabalho, apresentando-me a uma nova visão do que venha a ser o lúdico na moda. Alexia, também sou seu eterno devedor! À marca Mamãe q fez, na figura de Gleice e Amanda Oliveira, tia e prima e ex - sócias, sempre dispostas a tudo para me ajudar nesta nova vida acadêmica e neste trabalho em especifico na elaboração da blusa protótipo.

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À Empresa In+Up, na figura da designer Rafaela Bellón e do empresário Roberto Levacov, pela confiança e pela compra da idéia de elaboração do protótipo da calça jeans. E a minha queridíssima ex-aluna, do Curso de Extensão em Produção de Moda do Senai - Cetiqt, Ana Luiza Santiago, que me ajudou como modelo de prova dos protótipos e no mini ensaio que aparece neste trabalho.

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“(...) É tão novo, quero dizer, é tão velho, quero dizer... Quero dizer, ela mostra como realmente é. É tão velho, é verdadeiro. É tão verdadeiro que é novo. É o visual mais antigo, o mais novo visual antigo (...) “ (ALTMAN, Robert. Prêt-à-Porter. Miramax Home Entertainment.1994. 1 vídeocassete (133 min):VHS. NTSC, son, color.Legendado.Comédia)

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RESUMO

Palavras-chave: Lúdico, imagens lúdicas, design, moda e arte naïf.

Entendendo o fenômeno da ludicidade como inerente ao processo de formação da cultura humana e tendo suas manifestações de plenitude no jogo, o presente estudo procura estabelecer um diálogo entre o universo lúdico e a moda. Analisando a ludicidade como uma das molas propulsoras da criatividade humana, não restrita ao ambiente infantil, buscamos o reforço na defesa de que o sucesso de um produto de design de moda deve possuir entre seus atributos manifestações do ludismo. Como forma de uma comprovação prática da teoria, buscamos desenvolver uma coleção baseada em princípios do universo lúdico e na arte naïf.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Desfile Alexandre Herchcovitch no SPFW, foto Fernando Louza................. 17 Figura 2 – Fotografia do Interior e fachada da loja Sommer ......................................... 18 Figura 3 – Fotografia de Editorial “Lúdico”, Mundo Mix Magazine.............. ..................18 Figura 4 – Pintura rupestre – Bisão de Altamira – Espanha .......................................... 26 Figura 5 – Estatueta de figura feminina em marfim, 20.000 anos - França .................. 27 Figura 6 – Manuscrito religioso bizantino, séc.X d.C. ................................................... 29 Figura 7 – Pintura de Jan Van Eyck, Retrato de Giovanni Arnolfini e sua esposa,1434.... .... .................................................................................................................................. 30 Figura 8 – Pintura de Jan Van Eyck, A Anunciação,1435 ............................................. 30 Figura 9 – Pintura de Jan Van Eyck, A Virgem e o Chanceler Rolin,1435 .................... 30 Figura 10 – Pintura de Jan Van Eyck, A Virgem e o Chanceler Rolin,1435 – detalhes ampliados ......................................................................................................................31 Figura 11 – Pintura de Hieronymus Bosch, O Jardim das Delícias ou A Pintura do Madronho Rolin,1506 ...................................................................................................33 Figura 12 – Pintura de Hieronymus Bosch, O Jardim das Delícias ou A Pintura do Madronho Rolin,1506 – detalhes ampliados.................................................................. 34 Figura 13 – Pintura de Rembrandt, Lição de anatomia do Doutor Nicolaes Tulp, 1632..... ......................................................................................................................... 35 Figura 14 – Pintura de Diogo Velázquez, As meninas, 1656......................................... 36 Figura 15 – Pintura de Diogo Velázquez, As meninas, 1656 – detalhes ampliados...... 37 Figura 16 – Pintura de Paul Gaugin, Mulheres de Taiti na Praia, 1899......................... 39 Figura 17 – Pintura de Pablo Picasso, Nu com guradanapo, 1907 ............................... 39 Figura 18 – Pintura de Henri Rousseau, A cavalgada, 1894 ......................................... 39 Figura 19 – Pintura de Amadeo Modigliani, Retrato de Kisling, 1915............................ 39 Figura 20 – Pintura de Andy Warhol,, Coca-cola verde, 1963 ....................................... 40 Figura 21 – Pintura de Roy Lichtenstein, Ok, Você é formidável!, 1963........................ 40 Figura 22 – Foto da “cadeira banquete”, Estúdio Campana – Irmãos Campana – Brasil ...................................................................................................................................... 41 Figura 23 – Foto da “cadeira beijo”, Menphis Design – Itália......................................... 41 Figura 24 – Ilustração de um Quadrinho - Erótico de Carlos Zéfiro, década de 40 ...... 43

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Figura 25 – Ilustração de capa de livro de contos infantis da década de 40. ............... 43 Figura 26 – Cartaz do Filme Star Wars I, 1977. ........................................................... 43 Figura 27 – Tira de quadrinhos de Miguel Paiva, Radical Chic, 1982. ......................... 43 Figura 28 – Primeiro galã virtual brasileiro. .................................................................. 44 Figura 29 – Cena do jogo virtual Tomb Raider e a personagem Lara Croft.. ............... 44 Figura 30 – Web page interativa do Museu do Lúdico Virtual Brasileiro. ..................... 45 Figura 31 – Fotografia do Parangolé de Helio Oiticica ................................................. 46 Figura 32 – Exposição de Arte-Moda Contemporânea “ Yellow Baguette a-poc” de Issey Miyake.. ........................................................................................................................ 46 Figura 33 – Foto-montagem sobre o ciclo de tendência da moda da jardineira no século XX...................................................................................................................................47 Figura 34 – Fotografia do desfile da designer espanhola Agatha Ruiz de la Prada,2004.. ...................................................................................................................................... 55 Figura 35 – Fotografia de Editorial da Visioniere- UK realizado por Alexander Mac Queen. Foto e Produção de Nick Knigth, 1996.. ......................................................... 55 Figura 36 – Fotografia do desfile Alexander Mac Queen Primavera verão 2004.. ....... 56 Figura 37 – Foto de Editorial da Revista Elle, 1970.. .................................................... 56 Figura 38 – Foto Publicitária da griffe Rocky Jeans. .................................................... 57 Figura 39 – Cartaz da exposição Radical Fashion Produção e Foto de Nick Knight..... 58 Figura 40 – Foto de desfile de Issey Miyaki, outono inverno 1999/2000. ..................... 58 Figura 41 – Foto de desfile da Comme des Garçons, primavera verão 1997. .............. 58 Figura 42 – Foto de look da coleção The ludic Game de John Galliano ...................... 59 Figura 43 – Foto de desfile da Christian Dior inspirado em Joan Crawford................... 59 Figura 44 – Pintura de Maria Balan, Camponeses indo ao Mercado, Iugoslávia, 1986............................................................................................................................... 63 Figura 45 – Pintura de Jean Georges, Haiti, 1966. ....................................................... 63 Figura 46 – Pintura de Lívia, Brasil, 1974......................................................................64 Figura 47 – Pintura Naïf anônima, Alegria , Índia século XIX . .................................... 64 Figura 48 – Pintura de Sílvia de Leon Chalreo, No Circo, 1982. .................................. 70 Figura 49 – Pintura de Sílvia de Leon Chalreo, As lavadeiras, 1953. ........................... 70 Figura 50 – Pintura de Cardosinho, Cascatinha da Tijuca, Rio de Janeiro, 1942. ........ 71 Figura 51 – Pintura de Cardosinho, Colheita de café, Rio de Janeiro, 1945. ............... 72

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Figura 52 – Pintura de Heitor dos Prazeres, Sambistas, Rio de Janeiro, 1964. ........... 76 Figura 53 – Pintura de Heitor dos Prazeres, Frevo, Rio de Janeiro, 1966 .................... 76 Figura 54 – Pintura de Grauben, Pássaros e Borboletas, Ceará 1966. ........................ 77 Figura 55 – Pintura de Elisa Martins da Silveira, O casamento, Piauí,1955.................. 77 Figura 56 –.Pintura de José Antonio da Silva, Os bois, São Paulo,1983 ...................... 78 Figura 57 – Pintura de Iracema Arditi, Ponte Pequena, São Paulo,1989. .................... 79 Figura 58 – Pintura de Iracema Arditi, O Amarelo de Iracema, São Paulo,2000. ......... 80 Figura 59 – Pintura de Iracema Arditi, Nesga no Céu, São Paulo,1977........................ 80 Figura 60 – Pintura de Chico da Silva,Meus animais imaginários, Acre, 1965.............. 82 Figura 61 – Pintura de Poteiro, Sonho do artista, Goiás 1979....................................... 83 Figura 62 – Pintura de Maria Auxliadora, Figura de candomblé, São Paulo, 1974. ..... 83 Figura 63 – Pintura de Lia Mittarakis, Enseada de Botafogo,1985. .............................. 83 Figura 64 – Pintura de Elza O.S., Mocinha com Flores,Pernambuco, 1970. ................ 84 Figura 65 – Pintura de Rosina Becker Do Valle, Palavras de São Francisco para os animais, Rio de Janeiro, 1982. ..................................................................................... 84

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

SPFW – São Paulo Fashion Week. R.P.G. – Real Playing Games. MIAN – Museu Internacional de Arte Naïf do Rio de Janeiro. Óleo s/ tela – Óleo sobre tela. Óleo s/ linho – Óleo sobre linho. Guache s/ cartão – Guache sobre cartão. Resina s/ tela – Resina sobre tela. Ob. Cit. – Obra citada. Alt. - altura U.K. – United King down (Reino Unido). URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 15

2. LÚDICO E A MODA ................................................................................................ 17

2.1. O que é lúdico ....................................................................................................... 17 2.2. Formas e representações gráficas lúdicas no design e nas artes visuais............. 25 2.3. O lúdico na moda: do jogo da sedução aos jogos da interação e da individualização......................................................................................................47 2.4. Formas e representações lúdicas na moda ........................................................ 54

3. ARTE NAïF INSPIRAÇÃO LÚDICA POPULAR...................................................... 61 3.1. O que é Arte NaÏf – uma representação pictórica da alma do coletivo..................61 3.2. O Naïf no Brasil – um breve resumo do brilhantismo lúdico nacional....................66

4. PROJETO E DESENVOLVIMENTO DE COLEÇÃO ............................................... 85 4.1. Conclusões para formatação da coleção..............................................................85 4.2. Cartela de Cores....................................................................................................86 4.2.1. Inspirações para construção da cartela de cor.....................................................87 4.3. Croquis e especificações técnicas.........................................................................92 4.4. Foto dos protótipos confeccionados....................................................................110

5.CONCLUSÃO ......................................................................................................... 114

6.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 115

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1 - INTRODUÇÃO

O propósito inicial deste trabalho era somente estabelecido na formatação de uma coleção com os temas arte naïf e ludicidade, fato este devido a uma identificação com a estética primitivista e com temas que abordem a cultura popular. Entretanto ao pesquisar os temas em questão, novos conhecimentos e reflexões surgiram e fizeramse importantes na formatação do nosso produto final, uma coleção feminina e masculina inspirada no lúdico e na arte naïf.

Baseados na união das teorias dos filósofos Michel Maffesoli, Johan Huizinga e do sociólogo Gilles Lipovetsky, no primeiro capítulo, analisaremos e buscaremos respostas para o que é de fato o ludismo, quais são as suas manifestações na sociedade, no homem e na moda. Partiremos do princípio de que a ludicidade é muito mais ampla que infantilismo, como muitos associam. Para estes teóricos o lúdico está associado aos jogos, de qualquer natureza, infantis ou não, assim como o primitivismo, os rituais, as trocas, as ações e hábitos corriqueiros, as representações burlescas, a teatralidade, o simulacro e a cultura popular como um todo. Sendo assim, buscaremos respostas para os seguintes questionamentos: O que é lúdico e qual sua importância para a moda e o design? Quais são e como definir as representações imagéticas lúdicas? Se a ludicidade é um fenômeno de formação da cultura humana ligada ao jogo, a moda por ser um fenômeno social e um jogo de troca de sinais e signos não seria considerada lúdica?

A seguir, devido a uma identificação nossa, e por acreditar na teoria de Carl Jung de que a Arte Naïf é uma representação pictórica da alma do coletivo, assim como o lúdico é uma manifestação de sua alma; apresentaremos dados relevantes sobre este movimento, tendo foco na arte naïf nacional, que dará informações necessárias para a realização de nosso projeto de coleção.

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Este projeto, resultante da pesquisa anterior, contará com um texto explicativo que relatará nossas conclusões para o design das peças propostas; cartelas de cor; croquis de dez looks femininos e dez looks masculinos e explicação sobre as peças e a apresentação em foto do look protótipo confeccionado do segmento feminino.

Como capitulo final, apresentaremos nossas conclusões quanto as questões teóricas e quanto a formatação do produto realizado.

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2 – O LÚDICO E A MODA.

2. 1 - O que é lúdico.

Normalmente, as únicas formas que a moda nacional revela ao público sobre o que venha ser o universo lúdico são: estampas e grafismos de brinquedos ou jogos infantis, editoriais com looks que remetem a caracterização de heróis de contos e fábulas ou ainda leves comentários jornalísticos de que algum estilista realizou um desfile lúdico já que suas peças eram divertidas.

Fig.1- Desfile Alexandre Herchcovitch no SPFW, foto Fernando Louza, Fotosite,Revista Elle,em jun de 2004.

“Érika Palomino - Jornalista de Moda: Foi o desfile em que Alexandre Herchcovitch usou flores na passarela. Especialmente o fim, quando ele entrou de mãos dadas com as modelos. E depois, quando começaram a rodar em volta do urso de flores, com as pessoas aplaudindo. Foi doce, meigo, lúdico (o grifo é nosso) e com um romantismo que jamais imaginei ver no estilo do menino que conheci desenhando caveiras, com looks sujos de sangue e vinil...” 1 1

GUIMARÃES, Cláudia. 10 Momentos Inesquecíveis – o que habitues amaram. Elle, São Paulo, jul.2006. Seção SPFW 10 anos.Disponível em: Acesso em: 13 set.2006. 17

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Fig.2 - Interior e fachada da loja Sommer de Marcelo Sommer, fotos, Eduardo Svezia, Revista Elle, junho de 2004

“Moda Lúdica - Marcelo Sommer é o dono da fachada mais linda e de um dos momentos mais bacanas da moda dos últimos tempos: o desfile da SPFW em janeiro, em plena rua Augusta. A Sommer (n° 2619, tel: 3061 6111) tem 200 m² de pura fantasia. Xícaras gigantes, carrossel e brinquedos nas prateleiras decoram o lugar, que vende roupas com um quê lúdico (o grifo é nosso) e outro quê de juventude urbana transviada.” 2

3

Fig.3 – Editorial “Lúdico”, foto Rochelle Costi , Mundo Mix Magazine,novembro de 1999

2 3

ESCHAMOTTO, Simone.Achados na Augusta. Moda lúdica Elle, São Paulo, ano 17, n.6,p.60, jun. 2004. COSTI, Rochelle.[Editorial “Lúdico”, Mundo Mix Magazine – n. 5, 1999] 1999.2 fot.,color.

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É verdade que os exemplos anteriores pertencem à temática lúdica, entretanto ela é sem dúvida muito mais ampla e complexa para a moda, o design, as artes e a cultura como um todo e a todas as manifestações da criatividade humana. Se analisarmos a palavra no âmbito etimológico, gramatical e filosófico, observaremos uma série de significados, facilmente esquecidos, do que venha a ser o lúdico. Segundo o Dicionário Ilustrado da Língua Portuguesa, o significado do adjetivo lúdico é: “Relativo a espetáculo público, que se refere a jogos, brinquedos e divertimentos. (de ludo)” 4 . Buscando outros verbetes na mesma publicação, encontramos: “Ludo (s.m) Espécie de jogo em que se utiliza dados, jogo, brinquedo, divertimento (Do lat: ludus)” 5, “Ludu (latim) Jogo”.

6.

Observando estes verbetes de dicionário, vemos que lúdico está

associado à questão do jogo para o coletivo e não restritivo ao universo infantil

Essa constatação é reafirmada através de diversas teorias filosóficas como as de Johan Huizinga, relatadas a seguir em uma crônica do jornalista Hélio Schwartsman: “A idéia de jogo é central para a civilização. Em seu Homo Ludens, de 1938, Huizinga afirma que todas as atividades humanas, incluindo filosofia, guerra, arte, leis e linguagem, podem ser vistas como o resultado de um jogo, ou, para usarmos a terminologia técnica, sub specie ludi (a título de brincadeira). A escrita alfabética [,por exemplo,] surgiu porque alguém resolveu brincar com sons, significados e símbolos. A filosofia, se quisermos, é um grande jogo de conceitos. Mesmo as guerras, particularmente as guerras antigas, ocorrem segundo certas regras que lembram jogos e não excluem gestos de cavalheirismo. O Direito, então, é pura encenação. Na Inglaterra advogados e juízes ainda usam perucas (por aqui só sobrou a toga), numa evidência incontestável de que o mundo das leis tem muito de teatro. (Infelizmente, o português, ao contrário de várias outras línguas da Europa Ocidental, não usa a palavra "brincar" ou "jogar" para designar o ator que representa um papel; essa coincidência é clara, por exemplo, no inglês to play ou no francês jouer). Huizinga não chega a decretar que o amor ao jogo é o traço que distingue o homem de outros animais, mas fica perto disso. O Homo ludens, o homem que brinca, não substitui o Homo sapiens (homem que sabe, que raciocina), mas se coloca ao lado e um

4

Dicionário Ilustrado da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1972, p.1013. Id.,Ibid., p.1013. 6 Id.,Ibid., p.1013. 5

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pouco abaixo deste, mais ou menos na mesma categoria que o Homo faber (homem que trabalha) de Max Frisch. Não sei como andavam os estudos zoológicos em 1938, mas a prudência de Huizinga foi recompensada. Hoje sabemos que mamíferos em geral e até algumas aves brincam. O lúdico parece desempenhar um papel importante no aprendizado. De todo modo, há autores que ainda sustentam ser o homem o único animal que é capaz de jogar ao longo de toda a sua vida e com o propósito claro de extrair prazer da brincadeira. Voltando a Huizinga, o autor define jogo como atividade ou ocupação voluntária executada dentro de certos limites fixos de tempo e espaço, de acordo com regras livremente aceitas, mas absolutamente restritivas, que tenha seu fim em si mesma e que se faça acompanhar de um sentimento de tensão, alegria e da consciência de que ela difere da vida ordinária.” 7 O sociólogo Michel Maffesoli, no qual este trabalho está fundamentado, também, pactua neste aspecto com o filósofo Huizinga e afirma que o lúdico ou o jogo (como a sociedade preferiu rotular o fenômeno com o passar dos anos, substituindo o termo ludu pelo termo jocu, também latino, que significa zombaria ou gracejo) baseia-se em uma atividade física ou mental organizada por sistemas de regras que definem a perda e o ganho, ou ainda, a simples troca de algo entre seres. A ludicidade é inerente a toda sociedade estabelecida, são as ações não lógicas que constituem a maior parte da vida cotidiana, ou seja, todos os aspectos da existência. São os diversos rituais cotidianos que pontuam a vida em sociedade e a sobrevivência de qualquer ser. 8 “O lúdico é a repetição factual numa ordem absoluta, é o ato essencial da troca” 9 ,ou seja, o jogo político, sexual, religioso, da sedução, do poder, da sobrevivência, toda manifestação do coletivo que realize “a transferência mútua e simultânea de coisas entre seus respectivos donos” 10 é um fenômeno lúdico.

7

HUIZINGA, Johan Apud SCHWARTSMAN, Hélio.Ludopédio. Folha Online, São Paulo, 27 jun.2002.Seção Pensata. Disponível em: Acesso em: 15 set.2006. 8 MAFFESOLI, Michel. O mistério da conjunção: ensaios sobre comunicação, corpo e sociedade. Porto Alegre: Sulina, 2005, p. 47 e seg. 9 MAFFESOLI, Michel. Ob.cit., p 49. 10 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p.1412. 20

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Ainda, de acordo com as teorias de Maffesoli, o lúdico nas suas diversas manifestações, “não é virtuoso nem pecador, é a expressão bruta de um querer viver fundamental, de um fluxo vital que não deve nada à ética ou a lógica”

11

.

O Lúdico por ser primitivo é uma totalidade que não esta restrita ao homem, ele é também comum ao mundo animal. O lúdico é o jogo, de qualquer natureza, infantil ou não, assim como o primitivismo, os rituais, as trocas, as ações e hábitos corriqueiros, as representações burlescas, a teatralidade, o simulacro e a cultura popular como um todo. 12

Sendo assim, concluímos que o lúdico estaria estabelecido em diversas manifestações cotidianas e repetitivas onde houvesse a troca, o ritual e em qualquer sociedade, caracterizado por ações não lógicas, primitivas, que são vitais para a existência da mesma. Como por exemplo: Quando abelhas operárias polinizam flores elas estabelecendo um esquema lúdico entre colméia e operária, entre operária e flor e entre flor e colméia, ou quando se estabelece a caça no reino animal, ou a cúpula entre seres da mesma espécie, vemos constituir o jogo da sobrevivência, o lúdico da vida animal.

Podemos citar ainda: a troca entre os favores da prostituta e de seu cliente, jogos sexuais e de sobrevivência; a confissão de um pecador ao padre e a cerimônia religiosa, jogos religiosos; o de sair para beber e dançar com os amigos, jogos do prazer; as piadas, os provérbios, jogos populares; a estratégia dos generais, jogos de guerra; a união entre partidos de ideais opostos em época de eleição, jogos políticos; a relação patrão e empregado, jogos do poder; o flertar e as carícias entre namorados, jogos da sedução; o ato de customizar uma roupa para mostrar sua personalidade perante a sociedade e as micro-atitudes das tribos urbanas e seus rituais, jogos de aceitação e de linguagem.

11 12

MAFFESOLI, Michel. Ob. cit., p.47. Id.,Ibid., p. 49-59.

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Ou ainda, segundo Maffesoli, as discussões do café do comércio, as banalidades de vizinhanças, as tiradas e saudações que pontuam os trajetos cotidianos, o estalar dos dedos e o balançar das pernas sem motivo aparente, a cabala, a astrologia, a criança e a bola, a bordadeira e seu ofício repetitivo apreendido por seus antepassados, o ato de embelezar-se, a interferência do público em uma instalação de arte, o pintor e o prazer de pintar, o pintor pré-histórico e sua pintura rupestre, etc. 13 O lúdico, ou o jogo é também estabelecido em diversas manifestações que criam uma realidade paralela ilusória brincando com a realidade real, como por exemplo, os jogos virtuais de computador, os R.P.G.s, ou até nas artes como uma encenação teatral, o jogo do simulacro. “... Em latim, as palavras ludus (jogo) e illusio (ilusão) partilham a mesma raiz (...), além das regras restritivas, o lúdico precisa encerrar as sensações de’ tensão’ e ‘alegria’ e a ‘consciência de que [essa atividade] difere da vida ordinária’. É nessa passagem que se abre caminho para a emoção, o elemento que impossibilita a abordagem puramente racional de [uma criação] e que fatalmente o transformaria em algo despropositado. O sentido surge justamente quando desprezamos por alguns instantes a razão e saltamos um bocadinho para fora da vida ordinária, seja como participantes, seja como [espectadores]. Para além do caráter catártico da experiência, o espírito de brincadeira que, ao menos para os grandes criadores, ainda é alma da [arte] foi fundamental na experiência humana. Huizinga identifica três funções no jogo: a agonística (competição), a lúdica (exuberância, ilusão) e a diagógica (passatempo, ócio). Olhando apenas com os olhos da razão, veríamos aí uma imensa perda de tempo que ainda traz o risco de nos fazer esquecer assuntos ‘sérios’. Se, por outro lado, lançarmos um olhar mais benigno e tolerante, podemos concluir, com o historiador, que o jogo, a brincadeira tiveram o mérito nada desprezível de ajudar a produzir a linguagem, as leis, à ciência, à filosofia, signos que costumamos tomar como indicativos da civilização (...) “ 14 . Dentro deste ato de simulacro lúdico Maffesoli cita também a forma como a morte é teatralizada na sociedade italiana: “O jogo da Morte na Itália, sua encenação totalmente pomposa, sem negligenciar toda a gravidade e todo o sofrimento que suscita, baseia-se na simulação e no jogo. Pode-se ate mesmo 13

MAFFESOLI, Michel. Ob.cit., passim. HUIZINGA, Johan Apud SCHWARTSMAN, Hélio.Maratona esportiva. Folha Online, São Paulo, 02 set.2004.Seção Pensata. Disponível em: Acesso em: 15 set.2006. 14

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dizer que essa espetacularização manifestada nos funerais e nos túmulos é uma maneira de amenizar, de negociar com a irrefutável finitude.Não se deve esquecer que o rei e o bufão, o padre e a criança, o juiz e o bandido, enfim, todos se fantasiam, jogam, se maquiam, criam atitudes lúdicas (...) O jogo, o ludismo, sob todas as suas formas, com suas modulações rituais, lembra que a existência não se divide, que não há uma gradação de importância, uma hierarquia de valores, ou antes, que se assim é, está-se diante de mais um avatar do jogo. Não se pode dizer que a vida social é regida por um fenômeno importante, por exemplo, a produção, tendo como recompensa algumas fatias de segunda ordem, a cultura, a arte, etc.Tal simplismo não se sustenta mais. A reflexão sobre a eficácia do imaginário está aí para provar isso. Assim, o jogo lembra essa regra antropofágica fundamental que situa o sério e o lúdico como momentos equivalentes de uma mesma insignificância.” 15

A ludicidade remete-nos então, a criar uma imagem, quase fantasiosa e primitiva, expressão da alma do coletivo, repleta de ingenuidade, e que estabeleça o jogo da troca entre a emoção e o prazer, trazendo as informações visuais sobre a cultura popular, uma expressão visual dos arquétipos existentes de uma determinada sociedade.

E porque o lúdico ficou tão estigmatizado ao mundo infantil na sociedade moderna e principalmente na moda? Essa problemática deve-se a uma provável constatação de Maffesoli de que “a imagem”, o que aparece, e o pensamento do que é o lúdico foi completamente secundarizada no produtivismo ocidental. Na melhor das hipóteses, é o luxo supérfulo para alguns momentos de lazer. O significado do lúdico teve a mesma valia de uma bailarina sustentada pelo rico burguês produtivo, que a qualquer momento foi dispensada por cansaço do burguês ou por medida de economia”.

16

O motivo da restrição do significado do lúdico ao mundo dos jogos, mitos e sonhos infantis, pode ser complementado ainda pela constatação de Rosane Preciosa de que a sociedade, e em específico o campo da moda, abusa do emprego dos adjetivos, o 15 16

MAFFESOLI, Michel. Ob.cit., p. 51. MAFFESOLI, Michel., Ob.cit., p. 47. 23

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que leva a restrição dos significados das idéias e das coisas. 17 Citando Humberto Mariotti, Preciosa observa: “O uso dos adjetivos é uma das principais ferramentas da racionalização. Seu excesso transforma a descrição em julgamento e praticamente inutiliza a comunicação, pois dificulta a autonomia de quem escuta, tornando-se assim um instrumento de imposição dos juízos de quem fala. A descrição transformada em julgamento exclui o interlocutor, a menos que ele aceite de saída o ponto de vista de quem descreve. As divisões bom e mau, melhor e pior, são aceitáveis pela lógica linear, porque são polaridades conhecidas. Já a diferenciação é atemorizadora para quem está atrelado á visão de mundo repetitiva desse modelo de pensamento. Diferente quer dizer desconhecido, fora do padrão, sugere imprevisibilidade, assimetria. (...) Usados dessa maneira, os adjetivos se transformam num modo de rotular pessoas e situações, de marcá-las e confiná-las em currais – os pólos (...) Contemporaneamente presenciamos nas edições de moda uma particularidade: as imagens vêm obrigatoriamente acompanhadas de uma enxurrada de adjetivos, que as emparedam, tentam a todo custo capturá-las, domá-las, delas extrair um sentido, uma coerência possível, uma familiaridade qualquer”. 18

A pesquisadora conclui a problemática da seguinte forma: “É curioso então nos deparamos com certas manifestações de moda que se configuram como poéticas bem singulares, como momentos únicos inclassificáveis ainda, e, por isso mesmo, não se deixam capturar por padrões perceptivos desgastados, serem abrigadas sob rubricas genéricas que as rotulam, as aplainam, configurando-as muitas vezes numa explicação estéril, com vistas apenas a arrancar uma consensualidade, obter um alivio imediato: é isso!” 19

Portanto podemos concluir que por seu caráter banal, para a sociedade produtivista e por estar desvinculado a um teor de moralidade; não é bom ou ruim, apenas existe; o real significado do lúdico foi abolido do pensamento moderno e substituído como

17

PRECIOSA, Rosane. Produção estética: notas sobre roupas, sujeitos e modos de vida. São Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 2005, p 48-50. 18 MARIOTTI,Humberto Apud PRECIOSA, Rosane. Produção estética: notas sobre roupas, sujeitos e modos de vida. São Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 2005,p 48-49. 19 PRECIOSA, Rosane. Produção estética: notas sobre roupas, sujeitos e modos de vida. São Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 2005, p.49. 24

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adjetivo para atividades infantis como observamos anteriormente. O lúdico é como o de respirar, todos exercem, mas poucos refletem intrinsecamente sobre ele.

2. 2 - Formas e representações gráficas lúdicas no design e nas artes visuais.

Um conceito muito abrangente de que a forma segue a diversão, o jogo e o coletivo nas Artes Visuais 20 e no Design, inclusive no de moda onde analisaremos em subcapitulos posteriores, estimulou-nos para a compreensão de uma rede de novas interligações, muito mais vasta do que à partida poder-se-ia imaginar, e proporcionounos uma tarefa muito instigadora, o de classificação de uma obra ou imagem como sendo lúdica.

Embora muito estudado pela psicologia, devido aos efeitos causados sobre as pessoas, e principalmente nas crianças, observamos em nossa pesquisa o seguinte fato: o lúdico é pouco analisado como sendo uma das molas propulsoras dos processos que lidam com a criatividade

21

como o design, as artes e a cultura como um

todo. Entretanto, as observações iniciais apresentadas neste trabalho, já comprovaram o papel primordial e fundamental do ludismo, na formação do universo cultural, imagético e artístico de uma sociedade.

O jogo é um recorte do tempo, onde a pessoa assume uma vida paralela à real. A cultura humana só se dá com a existência dessa segunda realidade paralela, sendo natural uma certa tendência do homem ao jogo, este é um grande agente responsável pela manifestação cultural e artística. Tudo isso se dá devido ao fascínio e atração provocada pelo jogo no homem, e a importância do jogo no nascimento das culturas 20

Referimo-nos a Artes Visuais as artes que trabalham com a imagem em seu sentido artístico.Artes plásticas de qualquer nível, representações pictóricas e escultura das mais diferentes escolas e períodos históricos, bem como as instalações artísticas, fotografia, desenhos de qualquer natureza, charges, caricaturas, cartoons e imagens de moda (como fotografias, croquis e outras representações visuais deste universo) etc. 21 HUIZINGA, Johan. Homo Luddens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo, Perspectiva, 1993, p.63. 25

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primitivas e a sua necessidade para a formação da cultura no estado em que a conhecemos hoje. 22 Ao olharmos para uma imagem, muitas vezes temos uma nova sensação, e efetuamos o jogo de transpormo-nos para uma nova realidade imagética que aconteceu a diversos anos antes de nossa existência, uma espécie de viagem no tempo, ou a um espaço e dimensão não antes conhecido e explorado, ou até mesmo inexistente dentro da nossa realidade.

Quando o homem pré-histórico necessitou relatar os fatos de sua vida em representações pictóricas, estabelecendo uma comunicação com outros de sua sociedade, formou-se o principio lúdico de criar uma realidade paralela. Um jogo que transforma o momento que a principio teria uma finitude em um momento muitas das vezes infinito e atemporal. Criando a imagem pictórica, o homem pré-histórico criou o jogo do simbolismo, dos significados e da comunicação imagética de uma realidade cotidiana, e estabeleceu um processo lúdico na formação da imagem.

23

Fig. 4 - Representação Lúdica Primitiva do cotidiano e da caça - Bisão representado em pintura primitiva pré histórica – Cova de Altamira – Santander – Espanha – 14 mil anos.

22

Id.,Ibid., passim. BISÃO, pintado no teto da Caverna de Altamira. Santander – Espanha, aproximadamente 12.000 AC. 18 x 9m. ATLAS da História Universal – The Times.Rio de Janeiro: O Globo, 1995, p 11. 23

26

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Como foi estabelecido por Huizinga e Maffesoli, o lúdico é inerente do ser humano e conseqüentemente

de

qualquer

sociedade 24 ,

sendo

assim,

observando

as

constatações acima, concluímos que: o processo criativo do homem advém de alguma forma do fenômeno lúdico e originalmente também o processo de produção de imagens teve origem neste fenômeno.

Então, poderíamos estabelecer que toda imagem produzida pelo homem é lúdica? Embora até certo ponto plausível, pois as primeiras imagens produzidas pelo homem segundo nossa constatação tiveram origem no fenômeno lúdico, a resposta a esse questionamento é não, pois as imagens produzidas posteriormente às imagens primitivas, muitas das vezes, não possuíam ou não possuem, várias características importantes que a classificam como originadas do fenômeno como: o de ser ligado à troca, ao insignificante, ao cotidiano e as ações e hábitos corriqueiros, às representações burlescas, à teatralidade, ao simulacro, a cultura popular como um todo, ao ciclo e conseqüentemente ao ritual, um fator importante para o estabelecimento do ludismo.

25

Fig.5 - Representação Lúdica Primitiva Sagrada – Estatueta de mulher esculpida em marfim de mamute, encontrada na França, produzida a 20 mil anos Em muitas culturas a mulher era tida como ser divino, pelo fato de poder gerar outra vida. A figura não tem rasgos faciais nem pés.Por trás, umas linhas gravadas sugerem uma saia ou um avental que cobre as pernas por baixo das nádegas.

24

HUIZINGA, Johan. Ob.cit., passim. MAFFESOLI, Michel. Ob.cit.,passim. 25 ESTATUETA em marfim de mamute. Lespugue - França, aproximadamente 18.000 AC. 14,7 cm de alt .ATLAS da História Universal – The Times.Rio de Janeiro: O Globo, 1995, p. 10. 27

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“O ritual teve origem no jogo sagrado, a poesia nasceu do jogo e dele se nutriu, a música e a dança eram puro jogo. O saber e a filosofia encontram expressão em palavras e formas derivadas das competições religiosas. As regras da guerra e as convenções da vida aristocráticas eram baseadas em modelos lúdicos. Daí se conclui necessariamente que em suas fases primitivas a cultura é um jogo”. 26.

A adoração das imagens sagradas é um ato lúdico, pois o que é adorado não é o objeto em questão, mas o aquilo, o ser divino que está representado nele, com isso existe uma transposição para uma realidade paralela, onde o homem através de seu imaginário joga com a possibilidade de transformar o ser sagrado intangível em algo tangível, o objeto.

Sendo assim, seria heresia ou desrespeito afirmar que as imagens sagradas são lúdicas? Complementando e respondendo a este questionamento, poderíamos citar inúmeros exemplos da presença do jogo na produção de imagens sagradas tanto em nossos tempos como em remotos. Entretanto a afirmação de São Thomas de Aquino na Idade Média, já responde esta pergunta e mais uma vez liga o lúdico, o jogo e o brincar à criação: “O brincar é necessário para levar uma vida humana (…) Deus brinca. Deus cria, brincando. E o homem deve brincar para levar uma vida humana, como também é no brincar que encontra a razão mais profunda do mistério da realidade, que é porque é ‘brincada’ por Deus (…)” 27

26 27

HUIZINGA, Johan. Ob.cit., p 89. AQUINO, Tomás de. Suma Teológica II-II, 168, 3, ad 3. 28

A MODA É LÚDICA. O universo lúdico e a arte naïf inspirando uma coleção. David Angel Mesquita Pallas.

28

Fig. 6 – Representação Lúdica do Cotidiano aplicada na doutrina religiosa – A ilustração de um manuscrito religioso bizantino, mostra camponeses disfarçados de zeladores de javalis criando uma alusão à parábola do filho pródigo.Século X d.C.

No passar dos séculos, as religiões, e muitas das vezes até hoje, para se estabelecerem e doutrinarem seus fiéis, utilizaram e produziram imagens lúdicas. Este artifício foi amplamente divulgado e praticado, por exemplo, na Idade Média Ocidental, onde arte e religião quase sempre são indissociáveis nesse período.

A Igreja Católica e as demais religiões cristãs, por fazerem parte do cotidiano da sociedade ocidental, naqueles tempos, produziram uma gama de incontáveis imagens lúdicas, além do que muitas das vezes eram as patrocinadoras dos artistas.

No campo das artes, da idade média, e que pode ser usado nos dias atuais, Mafessoli dá como exemplo de ludismo a pintura de Jan Van Eyck. A maravilhosa minúcia, no cenário, nas vestimentas, nas expressões ou situações, é um livro de imagens que revela uma infinidade de detalhes concretos; cada observador pode identificar-se com algo na obra e imaginar o que pode, ou poderia, ter-se passado em determinada situação. A precisão dos detalhes, característica desse pintor, é muito próxima dessa sensibilidade popular, pois une, ao mesmo tempo, o concreto e o poético, o trivial e o fantástico, o monótono e o excepcional

29

.

28

ILUSTRAÇÃO de manuscrito Bizantino, séc. X. ATLAS da História Universal – The Times.Rio de Janeiro: O Globo, 1995,p 105. 29 MAFFESOLI, Michel. Ob.cit., p. 58-59. 29

A MODA É LÚDICA. O universo lúdico e a arte naïf inspirando uma coleção. David Angel Mesquita Pallas.

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31

Fig.7 - EYCK, Jan Van Retrato de Giovanni Arnolfini e sua esposa. 1434.

Fig.8- EYCK, Jan Van, A Anunciação . 1435.

32

Fig.9- EYCK, Jan Van A Virgem e o Chanceler Rolin, 1435.

30

EYCK, Jan Van. Retrato de Giovanni Arnolfini e sua esposa. 1434.1 original de arte, óleo s/ madeira, 82 x 60 cm. National Gallery, Londres. Disponível em: . Acesso em: 15 set. 2006. 31 EYCK, Jan Van. A Anunciação. 1435.1 original de arte, óleo transferência de madeira para tela, 93 x 37 cm. National Gallery of Art, Washington.Disponível em:. Acesso em: 15 set. 2006. 32 EYCK, Jan Van.. A Virgem e o Chanceler Rolin. 1435.1 original de arte, óleo s/ madeira, 66 x 62 cm. Museu do Louvre, Paris.Disponivel em: . Acesso em: 15 set. 2006. 30

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Fig.10- EYCK, Jan Van. A Virgem e o Chanceler Rolin, 1435 (detalhes ampliados).

Além das observações de Maffesoli, sobre a obra de Jan Van Eyck, podemos destacar que as pinturas do artista remetem a sensações e a aspectos lúdicos já teorizados anteriormente como a cultura popular regional e temporal, a teatralidade, o simulacro e a representação de hábitos corriqueiros. Em especial, a obra A Virgem e o Chanceler Rolin através de alguns aspectos pictóricos, transmite algumas mensagens de caráter semiológicas ligadas à relação interpretativa de quem vê, ou seja, o signo apresentado causa um segundo significado e signo fora do apresentado

33

. Esses tipos de

mensagens, neste caso lúdicas, são apresentados pela expressão facial e gestual do bebê totalmente adulta tendo como função o reconhecimento do ente divino e sábio, o menino Jesus. Para reafirmar a mensagem Eyck utiliza um “símbolo icônico” 4 lúdico do cristianismo na mão da criança, o mundo com uma cruz, que o denomina como a aparição de Menino Jesus de Praga.

Outros artistas do período medieval valer-se-ão de temas cotidianos para a criação de um universo paralelo, onde a mensagem desejada será passada através do jogo lúdico das imagens. Tal fato pode-se observar na obra o Jardim das Delicias, de Hieronymus Bosch, onde o pintor criou um universo paralelo, para abordar a questão da sexualidade. 33

NIEMEYER, Lucy. Elementos de semiótica aplicados ao design. Rio de Janeiro: 2AB, 2003, p. 31-35. 31

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“A obra o ‘Jardim das Delícias’ do pintor holandês Hieronymus Bosch, retrata em seu painel central a realidade e as conseqüências do primeiro pecado, a luxúria. Para muitos, Bosch ultrapassa a narração do seu universo simbólico para recriar através de sua originalidade. Dentro da visão medieval, época em que viveu Bosch e a obra foi produzida, o ato sexual, que nesta obra torna-se o objeto central, significava a perda do estado de graça pelo homem, sendo visto com profunda desconfiança. Bosing, estudioso das obras de Bosch, destaca que o ato sexual era visto ‘na melhor das hipóteses, como um mal necessário e na pior, como um pecado mortal’. É notório na tela as várias formas em que os jogos de amor se expressam, o ‘Jardim’ assemelha-se a um grande parque, tendo nos frutos espalhados à representação dos prazeres da carne, o ato de colher frutos na linguagem medieval significava fazer sexo. Esta obra e suas várias cenas de grande originalidade é amplamente admirada e constantemente reinterpretada ao longo dos séculos. Observamos nas cenas de toda a obra um ambiente em que a ludicidade se faz presente, seja pelos jogos de amor seja pelas cenas de brincadeiras representadas seja pelo interpretar de cada um ao observar o quadro e suas cenas (...) Segundo Santin ‘a ludicidade se constitui por uma atmosfera de total liberdade e autonomia’. Para o autor a ludicidade surge da vontade de ‘querer brincar’, de forma espontânea e surpreendente: para que o lúdico desapareça basta não querer mais. Ressalta ainda que a ludicidade ‘Não pode ser apreendida pela palavra, mas pela fruição. O comportamento lúdico é vivência, isto é, é fruição’ (...) Na análise das imagens presentes no ‘Jardim’ de Bosch, a ludicidade se faz presente não só através dos jogos de amor, mas também pelos seres que se encontram brincando com árvores e bolas na paisagem do ‘Jardim’. Nota-se que o próprio quadro pode servir aos propósitos do jogo, através da procura do simples observador da obra aos personagens que parecem brincar de se esconder em meio a tantas figuras que povoam toda a paisagem do ‘Jardim’(...) A intencionalidade da obra era moralizar a sociedade vigente contra o pecado da luxúria, no entanto, o ‘Jardim das Delicias’ se apresenta, hoje, como um grande parque em que o elemento sedução torna-se evidente. O uso dos frutos espalhados pelo ‘Jardim’ serve de metáfora para o ato sexual, suavizados por Bosch. Para Huizinga, o ato público com a apresentação da obra se faz necessário para que as artes plásticas expressem seus elementos lúdicos. O quadro de Bosch, todavia é uma grande viagem a um mundo lúdico singular, já que as imagens permitem uma interpretação subjetiva da obra a cada observador, seja através 32

A MODA É LÚDICA. O universo lúdico e a arte naïf inspirando uma coleção. David Angel Mesquita Pallas.

da visão moralizadora de Bosch, seja pela visão infantil dos elementos que brincam pelo ‘Jardim’, seja pela visão artística expressa nos detalhes minuciosos de rara beleza estética, ou seja, pela visão sexual, expressa pelos inúmeros casais que vivenciam seus jogos de amor e sedução presentes no ‘Jardim’...” 35

36

Figura 11- BOSCH, Hieronymus.O Jardim das Delícias ou A Pintura do Madronho, aproximadamente 1506.

35

DA SILVA, Cybelle Câmara et al. Contemplando O Jardim das Delícias de Bosch: Um diálogo com Huizinga e Caillois. In: ENAREL, 14, 2002 Santa Cruz do Sul –RS - Brasil, TESE, UNISC, 2002.Disponível em: . Acesso em: 09 out.2006. 36

BOSCH, Hieronymus.O Jardim das Delícias ou A Pintura do Madronho, aproximadamente 1506, 3 originais de arte, óleo s/ madeira e tela, 220 x 195 cm. Museu do Prado, Madrid. O MUNDO dos Museus, v. Museu do Prado.Rio de Janeiro.Codex. 1968, p.68-69. 33

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Figura 12- BOSCH, Hieronymus.O Jardim das Delícias ou A Pintura do Madronho, aproximadamente 1506 (detalhes do painel central ampliados).

O fenômeno da interpretação subjetiva e particular das imagens pictóricas lúdicas e cotidianas para cada observador, pode ser visto na arte em variadas obras dos mais diversos estilos e escolas no decorrer dos tempos. No caso de Jardim das Delicias, vemos a mensagem original do pintor, o de moralizar a Luxuria, se perder e ser transformada em uma imagem de vários significados particulares. Entretanto os aspectos lúdicos de transposição a uma nova realidade, da abordagem de um tema cotidiano e do jogo de interpretação das imagens não desaparecem, uma vez que o processo de criação teve origem no ludismo, que é atemporal e presente em qualquer cultura.

Pelo fato do aspecto lúdico ser uma das molas propulsoras da criação, vemos outras expressões da ludicidade em movimentos de arte ocidentais posteriores ao medieval como, por exemplo, em algumas obras sacras do renascimento, do maneirismo e do barroco primitivo europeu, o simulacro e a teatralidade se fazem presente, pois pessoas comuns posavam e representavam as personagens bíblicas para o pintor,

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estabelecendo o jogo da interpretação e da encenação como item base para a criação da obra.

Já no barroco holandês, onde o estado e a igreja não eram os patrocinadores das artes e sim ricos comerciantes locais, uma vez que a Holanda em tal época não se encontrava sob julgo da Igreja de Roma e sim sobre o domínio da religião protestante, vemos à busca da retratação da realidade crua e cotidiana, como nas obras de Rembrandt. 37

38

Fig.13- REMBRANDT, Lição de anatomia do Doutor Nicolaes Tulp, 1632

“... as pessoas que estão habituadas às belas figuras da arte italiana ficam chocadas, às vezes, quando vêem pela primeira vez os quadros e as gravuras de Rembrandt, pois ele parece não dar importância alguma à beleza nem mesmo evitar a fealdade nua e crua... ele atribuía um valor muito mais alto à verdade e a sinceridade do que a harmonia e à beleza...” 39

37

REZENDE, Antonio Paulo; DIDIER, Maria Thereza. Rumos da história: A Construção da Modernidade. São Paulo. Atual Editora. 1996.p.210 38 REMBRANDT. Lição de anatomia do Doutor Nicolaes Tulp. 1632.1 original de arte, óleo s/ tela, 17 x 21 cm. Museu Mauritshuis, Amsterdam. O MUNDO dos Museus, v.Museu Mauritshuis.Rio de Janeiro.Codex.1968 p.47. 39 GOMBRICH, E.H. Apud REZENDE, Antonio Paulo; DIDIER, Maria Thereza. Ibid.,p.210

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Ainda no barroco, observamos o fascínio do pintor espanhol Diogo Velázquez pelo jogo de luz e sombra em suas pinturas. Um de seus trabalhos mais famosos, As Meninas, revela o fascínio do artista pelo jogo acima citado e por outros aspectos lúdicos:

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Fig.14 - VELAZQUEZ, As meninas, 1656.

Esse quadro poderia ter como sub-título “o artista no seu atelier”, pois Velásquez representa a si mesmo a trabalhar numa enorme tela, nada mais que um aspecto lúdico através do simulacro, da teatralidade, da representação fiel do cotidiano e do jogo de interação do autor com a própria obra. Segundo alguns autores, na realidade Velásquez não é o pintor e sim o cavalheiro que esta na porta ao fundo. Ao centro está a Princesa Margarida, que acabara justamente de posar para ele, entre suas companheiras de brinquedo e damas de honor, um exemplo de representação do aspecto lúdico infantil. Os rostos de seus pais, o Rei e a rainha aparecem no espelho da parede do fundo. Terão eles acabado de entrar no salão e estarão a ver a cena tal como nós, ou será que o espelho reflete parte de uma tela, presumivelmente um retrato de corpo inteiro da família real, em que o artista estava a trabalhar? Um jogo lúdico do 40

VELÀZQUEZ, Diogo. As Meninas. 1656.1 original de arte, óleo s/ tela, 318 x 276 cm. Museu do Prado, Madrid. O MUNDO dos Museus, v.Museu do Prado.Rio de Janeiro.Codex.1968, p.48. 36

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simulacro, da teatralidade ou da representação do cotidiano, ou ambas? Essa ambigüidade faz parte da fascinação do pintor brincar com a luz. Para Velásquez, é a luz que cria o mundo visível, o seu propósito não é mostrar figuras em movimento, mas o movimento da própria luz e a infinita gama dos seus efeitos na forma e na cor.

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Fig.15- VELAZQUEZ, As meninas, 1656( detalhes ampliados).

Entretanto o que nos chama mais atenção é que o próprio movimento barroco é um reflexo da manifestação do ludismo no homem através de aspectos como: o simulacro e a teatralidade na hora da representação, a busca incessante do realismo nas pinturas de cenas religiosas, o exagero e a ostentação, o jogo de luz e sombra utilizado pelos

41

JANSON, H.W. Apud REZENDE, Antonio Paulo; DIDIER, Maria Thereza. Ibid.,p.211

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artistas, a importância da retratação de temas cotidianos, desde as cenas mais populares à nobreza e a valorização em minúcias dos detalhes antes insignificantes. O fato é que Diogo Velázquez, e outros tantos gênios da pintura barroca, e de outros movimentos de arte posteriores e anteriores, utilizavam e utilizam o lúdico como principio básico em suas criações. Essa utilização na criação é feita ou pelo jogo no que diz respeito a técnicas de representação da imagem como o jogo de cor, luz e sombra; ou na forma de enviar mensagens pelas imagens criadas como, por exemplo, a retratação de si próprio na tela - caso de Velásquez em As Meninas ou na formação de uma segunda realidade -caso de Eyck em Jardim das Delicias.

A ludicidade se materializa em todo o processo de humanização do homem e de sua produção artística, intelectual e visual na qual se expressam principalmente os sentimentos de prazer e de alegria como inspiração, ou impulso para os diversos jogos. Dentre eles o jogo de representação da imagem, da arte ou a criação de utensílios. 42

Talvez, na busca dessa ludicidade, na realização do jogo da representação da imagem, que resulte em prazer e alegria, conseguimos explicar o porquê de Velázquez ter se auto-retratado em uma obra como As Meninas ou pintores do barroco primitivo europeu criarem uma teatralização de pessoas comuns posando como personagens bíblicas. Mais tarde, Gauguin ter se exilado na Oceania no intuito de reaprender a pintar com os primitivos, Picasso e Modigliani recorrerem a arte negra como uma necessidade de recomeçar tudo, de retomar as coisas em bases mais verdadeiras, mais puras ou ainda, Henri Rousseau, o grande pintor naïf, sem nunca ter saído de Paris, usando apenas sua imaginação, ter pintado florestas de um exotismo impressionante 43 . Além das obras criadas por Andy Warhol e Roy Lichtenstein, nos anos 60 possuírem como característica marcante o retorno ao real e a intenção de entrar em contato com o público e levá-lo à reflexão sobre as imagens do seu cotidiano e conseqüentemente a

42

MAFFESOLI, Michel. Ob.cit., passim O MUNDO fascinante dos pintores naifs. Exposição Sinopse do acervo do futuro Museu Internacional de Arte Naïf – Paço Imperial do rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Museu Internacional de Arte Naïf, 1989.Catálogo p.22. 43

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Fig.20 – WARHOL, Andy. Coca-cola verde, 1963.

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Fig.21 - LICHTENSTEIN, Roy. Ok, Você é Formidável, 1963.

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WARHOL, Andy. Coca-cola verde, 1963. 1 original de arte, óleo s/ tea., CIVITA, Vitor (Ed.).Arte nos séculos. In: ___ A arte contemporânea. Rio de Janeiro: Abril Cultural, 1971.v.7.p.1733. 51 LICHTENSTEIN, Roy. Ok.,Você é Formidável, 1963. 1 original de arte, oleo sobre tea., CIVITA,Vitor (Ed.).Arte nos séculos. In:___ A arte contemporânea. Rio de Janeiro: Abril Cultural, 1971.v.7.p.1733. 41

A MODA É LÚDICA. O universo lúdico e a arte naïf inspirando uma coleção. David Angel Mesquita Pallas.

E o que seria afinal uma imagem lúdica? Comparando a teoria do pensamento do que é lúdico ao objeto ou a imagem, podemos dizer que eles remetem a ludicidade quando representarem a “expressão multiforme do trajeto que existe entre o arquétipo e o estereotipo” 52 , ou seja, a imagem lúdica é uma imagem que aparentemente classificada como insignificante, está relacionada ao inconsciente coletivo, e que de alguma forma imprimirá no espectador, ao passar sua mensagem, o sentimento do jogo e da troca, da interação. Despertando-o para uma mensagem a principio subliminar, mas que, no entanto ele irá descobrir através da curiosidade o porquê dela existir.

Nessa busca do seu significado a imagem leva o espectador para seu universo paralelo e para alguma forma de jogo. O homem necessita do jogo e da competição para validar sua existência. “Os jogos e a ludicidade, têm como finalidade nos ajudar na adaptação à realidade, além de facilitar sobremaneira o aprendizado e o comportamento cognitivo” 53 . Isso explicaria a existência de uma fatia de mercado para os adultos que trabalha com sucesso com objetos de design que imprimem uma imagem estética infantilista e lúdica como: móveis, objetos de decoração e outros.

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MAFFESOLI, Michel. Ob.cit., p 48. HUIZINGA, Johan. Ob.cit, p. 97. 54 CAMPANA, Estúdio. Cadeira banquete Disponível em: . Acesso em: 03 jan.2006. 55 MEMPHIS Design. Cadeira Beijo. Disponível em: . Acesso em: 12 set.2006. 42 53

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Fig.22–CAMPANA, Estúdio. Cadeira Banquete

Fig.23 –Memphis Design,. Cadeira Beijo

Devido ao fato mencionado no parágrafo anterior, é possível que a ludicidade, e conseqüentemente as imagens lúdicas, estejam tão associadas nos dias de hoje com a estética infantil, pois o jogo remete-nos a uma primitividade estabelecida no brincar, no experimentar, no fazer de conta em um mundo paralelo, estereotipada por séculos como um comportamento infantil, entretanto a ludicidade e o jogo não estão relacionados à restrição etária, uma vez que qualquer ser vivo necessita do jogo da troca para sua existência. O jogo e a arte reproduzem alguns dos aspectos do real por meio de regras, porém se situam em um outro espaço, por exemplo, quando uma criança “faz de conta” ela está vivendo em uma outra dimensão e assim o é com a arte.

Possivelmente essa necessidade do homem pelo jogo e pela imagem lúdica, que remete a um universo paralelo, foi um dos fatores para o surgimento, e com sucesso, de alguns fenômenos lúdicos da industria de cultura de massas para adultos, hoje por muitos consideradas obras de arte, como: as charges, as caricaturas, as revistas em quadrinhos, os filmes de ficção científica, os super-heróis e atualmente os personagens e jogos virtuais. “A partir dos anos setenta, com a libertação da sociedade, do corpo e da sensualidade, na esteira da invenção da pílula anticoncepcional e do movimento hippie, a imagem passa a ser mais lúdica e participativa do que nunca. A arte se desprende da parede e vai buscar nos objetos a liberdade do jogo. A relação entre a obra e o público pede o corpo todo.” 56

56

MATTAR, Denise. EXPOSIÇÃO HOMO LUDENS - DO FAZ-DE-CONTA À VERTIGEM,2005,São Paulo.Catálogo, São Paulo: Itaú Cultural, 2005, p.5. 43

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Fig. 24 - Ilustração de um Quadrinho - Erótico de Carlos Zéfiro. Imagem lúdica sexual que levava os adultos brasileiros a uma outra dimensão e a interação com personagens.. Muitos críticos consideram esses quadrinhos como verdadeiras obras de arte.

Fig. 25- Ilustração de capa de Livro Infantil da década de 40. Uma imagem lúdica do infantilismo, do faz de conta..

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Fig. 26 - Primeiro Cartaz do Filme “Guerra nas Estrelas”, sucesso cinematográfico do diretor George Luca sem 1977, repleto de imagens lúdicas que levam o espectador a uma dimensão imaginária. Um dos primeiros filmes a trabalhar com recursos em computação gráfica para criação de um universo paralelo.

Fig. 27 – Tira do quadrinho “RadicalChic”, criada pelo cartunista Miguel Paiva em 1982. O universo paralelo da personagem, criava imagens lúdicas e de fácil identificação das mulheres cariocas.

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ZEFIRO, Carlos. A Dama da tarde. 1960. Disponível em: Acesso em: 12 set.2006. 58 NILS. Ilustração de capa de livro.VECCHI (Ed.). Os Mais Belos Contos de Fadas Tchecos. Rio de Janeiro: Casa Editora Vecchi, 1949. 59 STAR wars. Los Angeles: 20th Century Fox Film Corporation,[1977}.1 cartaz:color. Disponível em: Acesso em: 14 set.2006. 60 PAIVA, Miguel.Radical chic.1982.1 original de revista, desenho. Disponível em: Acesso em: 14 set.2006.

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Fig. 28 - Primeiro Galã Virtual Brasileiro.,Imagem lúdica computadorizada , realizada a partir de pesquisas sobre os traços dos galãs preferidos das mulheres brasileiras. Jogo adulto - feminino e coletivo.

Fig.29 – Cena do jogo virtual “Tomb Raider” com a personagem Lara Croft. O jogo com imagens lúdicas virtuais, deu origem a uma nova imagem lúdica, o filme homônimo do jogo, no cinema interpretado pela atriz Angelina Jolie. (imagem ao lado na abertura do jogo virtual) .

A realidade virtual dos games é também um outro mundo, no qual a imaginação é substituída pelo ritmo vertiginoso, sendo assim, a imagem virtual dos jogos eletrônicos ou as criadas pelos computadores seriam consideradas lúdicas. O jogo virtual propõe ações em tempo real, e mistura jogo e vida, criando um novo universo repleto de imagens lúdicas. O game interage com o espectador, assim como a arte contemporânea e cria uma nova realidade. Nele o jogador não é mais um elemento de fora que manipula a ação, ele está dentro, veste seu personagem, mergulha na realidade virtual. A Interatividade, uma das forças motoras do ludismo, é também o princípio mais interessante do mundo digital, ou seja, da Internet, do site, do game, do software. E se apresenta certamente como o maior desafio da mídia de massa, que busca alucinadamente a participação do público para enfrentar a Internet. O jogo ou a ludicidade, e conseqüentemente suas imagens, representações, objetos e muitas vezes a arte, só se estabelecem a partir dessa interatividade de entrar em uma segunda dimensão de algo dito como insignificante, mas que é de nosso cotidiano e reconhecimento. 61

PATSZCH, Luciano.A Semana em Tudo. Internet. TUDO O QUE EU QUERO, São Paulo, Editora Abril ano 0, n.0, edição de estréia, p.13, jan. 2001. 62 TOMB raider.C.A., EUA.: Warner/Interactive,2002.1 CD- ROM.Windows Millenium. [imagens virtuais]. 45

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Não por acaso, hoje a arte está tão interligada ao fenômeno da virtualidade. O mundo digital permite que o público possa diretamente interagir com a obra, junto com o artista ele se torna criador, estabelece-se então uma espécie de criação coletiva, como faziam os homens das cavernas de Altamira, onde cada componente daquela sociedade foi participante para a construção de uma imagem, um mural rupestre, que descreve sua época e as suas realidades.

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Fig.30 – Página Virtal do Museu do Lúdico-O único Museu Lúdico Brasileiro é virtual, e o internauta através de diversos jogos apresentados realiza experimentos e interage com obras consagradas .Na figura acima uma interatividade nossa e virtual.

Cada época tem suas idéias obsessivas, que nada tem de pessoais. A obsessão do homo-ludens pós-moderno nos parece ser a da interatividade, pois a experiência compartilhada, a troca, gera um valor e funciona como vetor de criação e nessa criatividade interativa, que o homem consegue se desvencilhar do kaus atual e se estabelecer em uma dimensão que não a dele.

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“O parangolé do artista plástico carioca Hélio Oiticica é um exemplo maravilhoso de explicitação dos fundamentos da interatividade. Ele é pura proposição à participação ativa do espectador. Trata-se de participação sensório-corporal e semântica e não de participação mecânica. Oiticica quer a intervenção física na obra de arte e não apenas ‘contemplação imaginal separada da proposição’.O fruidor da arte é solicitado à ‘contemplação’ dos significados propostos no parangolé. E as 63 64

LÚDICO Museu. Disponível em: . Acesso em: 03 ago. 2006. MAFFESOLI, Michel.. Ob.cit., p 11-15. 46

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proposições são abertas, o que significa convite à co-criação da obra. O indivíduo veste o parangolé que pode ser uma capa feita com camadas de panos coloridos que se revelam à medida que ele se movimenta correndo ou dançando. Oiticica o convida a participar do tempo da criação de sua obra e oferece entradas múltiplas e labirínticas que permitem a imersão e intervenção do ‘participador’, que nela inscreve sua emoção, sua intuição, seus anseios, seu gosto, sua imaginação, sua inteligência, sua criatividade, seu lado lúdico...” 65

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Fig.31– Parangolé em movimento.

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Fig.32- Exposição de Arte-Moda Contemporânea “ Yellow Baguette a-poc” de Issey Miyake em Tókio no ano de 2003. Imagem Ludica fazendo-se presente pois a roupa brincava com as formas do corpo e o público interagia com os tecidos que saiam da mesma..

Sendo assim, toda imagem que permita de alguma forma a interatividade do ou com o espectador, baseada em aspectos do cotidiano, do insignificante, levando-o para um universo paralelo, e que remeta o homem ao jogo, ao ciclo, pode ser considerada lúdica. A imagem lúdica seduz o homem, não discriminando sua crença, cor, idade ou qualquer outro aspecto estabelecido pela sociedade, e o leva a experiência compartilhada que gera um valor e que funciona como vetor de criação, um jogo de troca de sinais e signos. 68

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SILVA,Marco. Pedagogia do Parangolé. Em Questão. UERJ. Rio de Janeiro. Seção Artigo. Disponível em:. Acesso em: 15 set. 2006. 66 SILVA,Marco. Id., Ibid. Disponível em:. Acesso em: 15 set. 2006. 67

YOSHINAGA, Yasuaki. . Yellow Baguette a-poc. Pattern Language. Clothing as Communicator.. .Artinteractive.. London.

Seção. Galery Disponível em: < http://www.artinteractive.org/shows/patternlanguage/files/artists/miyake.html >. Acesso em: 15 set. 2006. 68

MAFFESOLI, Michel. Ob.cit., p. 14 47

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2. 3 – O lúdico na moda: do jogo da sedução aos jogos da interação e da individualização.

O que é a moda atual senão um fenômeno social um jogo de troca de sinais e signos, repleta de ciclos chamados de tendências que ora ou outra reaparece depois de dez, vinte ou trinta anos?

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Fig.33- Tendência da moda da jardineira - “Nos ciclos da moda, há peças que saem de cena temporariamente para voltar com 70 força total.”.

Para nós, a divina arte do sistema capitalista é efêmera e fundamentada em arquétipos. Nada mais que um dos diversos jogos criados pelo ocidente, um jogo lúdico, que com o passar dos tempos adquiriu uma linguagem própria refletindo o tempo, o desejo, as necessidades e a alma da sociedade. “Será que a moda é um sistema fechado e de tal forma autônomo que se pretende desvinculado das esferas ético-estéticas da existência? Será que a moda não se contamina com as práticas sociais que se inscrevem num ambiente histórico-social? O que lhe parece? Todos nós manifestamos uma visão de mundo, e na maior parte do tempo, não nos damos conta dos signos que vamos emitindo. A roupa que já nos socorreu em meio as intempéries, já nos cobriu as ‘vergonhas’, deslocou dessa funcionalidade básica e

69

ROGAR, Sílvia View. Ícones repaginados. Vogue Brasil, São Paulo, Especial Passarelas Verão 2007, p.20, ago. 2007. 70 ROGAR, Sílvia. Id.,Ibid, p.20, ago. 2007. 48

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complexificou seu discurso: ela nos exibe como, de fato somos, nos constituímos ou de como desejaríamos nos constituir.” 71 Esse significado que damos a veste, a roupa, que muitas vezes é reflexo do que gostaríamos de ser, não é um fenômeno lúdico? Se analisarmos toda a teoria do que é lúdico e compará-las com as teorias que explicam o que é a moda atual, não estaríamos diante de admiráveis conhecidencias? E as imagens na moda atual, não nos transpõem a um outro universo? Para entendermos melhor estes questionamentos e respondê-los partiremos do principio, a relação do homem com o vestir e o inicio da formação da moda.

“O homem inventou o vestuário por três motivos: proteção contra as intempéries, pudor para ocultar a nudez, adorno para se fazer notar.” 72. A partir do momento que o homem determina no vestuário outro tipo de função a não ser o de proteção, ele passa a estabelecer uma função lúdica. “(...) O ato de cobrir as vergonhas, o pudor para ocultar a nudez, nada mais é que um fenômeno lúdico, instaurado pelas religiões, pelo ritual e pelo convívio social, retirando do ser humano sua relação com o seu próprio corpo, e fazendo um jogo do mimetismo (...) camufla-se e afirmar-se que aquele corpo não é dotado de sexo (...) transpõe o corpo para outra realidade (...) Já o ato de instituir a vestimenta como um adorno está ligado aos jogos da sedução, do embelezamento, da teatralização ou ao jogo da distinção social. ” 73 Para nós, não é a passagem da proteção ao adorno ou o de cobrir as vergonhas que interessa, mas a tendência de toda cobertura corporal a inserir-se num sistema formal organizado, normativo, consagrado pela sociedade, a transformação do vestuário em uma função de significação 74 ; além do surgimento da moda, e de como o lúdico, essa mola propulsora de criatividade, interferiu e interfere para sua formação, uma vez que já vimos que o ato de vestir dependendo da funcionalidade é lúdico.

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PRECIOSA, Rosane. Produção estética: notas sobre roupas, sujeitos e modos de vida. São Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 2005, p.29-30. 72 BARTHES, Roland.Inéditos.Vol. 3: Imagem e moda. São Paulo:Martins Fontes, 2005. p.363-364 73 MAFFESOLI, Michel. A sombra de Dionísio. Contribuição a uma sociologia da orgia. Rio de Janeiro: Graal,1985 p.67-68 . 74 BARTHES, Roland. Id.,Ibid., p.364. 49

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A moda é originária, dentre outros fatores, da ludicidade, da necessidade do homem ocidental em transformar a veste em adorno e instituir o jogo da sedução ou da distinção. “Por mais primordial que seja a consagração da individualidade e da novidade no estabelecimento da moda, ela não fornece, por si só, toda a inteligibilidade do fenômeno. Uma lógica tão complexa quanto a moda, abarcando tantos aspectos da vida social, individual, cultural, estética, não pôde aparecer senão pela sinergia de uma multiplicidade de fatores que, mesmo não sendo sempre absolutamente independentes uns dos outros, tiveram cada um sua eficácia própria. Além dos fatos sociais (...) [como] a sociedade de corte, o status das classes aristocráticas, o desenvolvimento das cidades, outros fenômenos tiveram um papel de primeiro plano. A promoção da individualidade mundana, o superinvestimento na ordem das aparências, o refinamento e a estetização das formas que distinguem a moda enraízam-se em um feixe de fatores culturais próprio do Ocidente. É preciso insistir nisso: na genealogia da moda, são os valores, os sistemas de significação, os gostos, as normas de vida que foram ‘determinantes em última análise’, são as ‘superestruturas’ que explicam o porquê dessa irrupção única na aventura humana que é febre de novidades (...)”. 75 A moda apareceu no fim da Idade Média, no tempo em que “a arte apresentava uma nítida tendência ao excesso decorativo, à proliferação do ornamento, à profusão dos caprichos (...) nas modulações elegantes das miniaturas góticas” 76 . Surgiu quando se tem o indicio do início das luzes do renascimento. Com isso, supomos que, a moda, foi um reflexo de um sentimento lúdico no homem ocidental, um jogo que buscava a transposição para uma outra realidade que não a medieval. Um jogo de sair das trevas e ir para a luz.

Confirmamos possivelmente esse jogo, esse ludismo, como um dos elementos na formação da moda no seguinte trecho onde Gilles Lipovetsky o trata como jogo do imaginário cortês: “A moda aparece [na Idade Média, onde] é igualmente a era dos vestuários excêntricos que culminam na corte de Carlos VI e dos duques de Borgonha, com os trajes bipartidos vermelho e violeta 75

LIPOVETSKY, Gilles. O império do Efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas.São Paulo: Companhia das letras, 1989, p.61-62 76 LIPOVETSKY, Gilles. Id.,Ibid., p.63. 50

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ou azul e amarelo, com os toucados femininos em forma de cone - o hennin -, os cabelos raspados nas têmporas e acima da testa, os chapeirões em forma de crista de galo, as largas mangas até o chão. Não nos enganemos: todas essas novidades, com seus exageros ou seus excessos, não são senão uma manifestação entre tantas outras dessa necessidade de estetismo, desse culto da ornamentação e do espetáculo que caracterizou o final da Idade Média (o grifo é nosso) [repleta de ludicidade, onde a vestimenta assume a função de significação], mas que se prolongou bem além. Nos séculos XIV e XV impuseram-se, nas formas da cultura, um espírito barroco, o gosto pelo cenário teatral e feérico, a atração do exotismo, do raro, das fantasias gratuitas que correspondem ao triunfo da cultura cortês, de seu ideal de jogo e de preciosidade mundana (o grifo é nosso). Aos percursos ondulantes das formas e à riqueza profusa dos ornamentos na arte correspondem agora os trajes sofisticados, estranhos, extravagantes da corte e das festas noturnas. Sob a ação do espírito de jogo do imaginário cortês (o grifo é nosso). Difundiram-se a ótica da teatralidade, a necessidade imperiosa do efeito, a propensão à ênfase, ao excesso e ao Pitoresco que definem especialmente a moda, essa arte de corte dominada pelo espírito barroco pelo menos até as rupturas puristas e modernistas do século XX. Pois desde a metade do século XIV a moda não cessou de obedecer profundamente ao fascínio do efeito e do artifício, à exuberância e ao refinamento dos detalhes decorativos. Na arte, as formas barrocas e clássicas se alternarão e por vezes se misturarão; na moda, o espírito barroco jamais renunciará a impor completamente sua lei, A emergência da moda testemunha essa evolução do gosto cativo do embelezamento amaneirado das formas; é muito mais o signo do progresso do gozo estético do que o do crescimento das riquezas ou mesmo do novo sistema das relações sociais próprias às sociedades de corte.” 77 Ainda na formação da moda, o jogo da sedução interferiu no vestuário, acarretando nas distinções entre masculino e feminino, e sexualizando a aparência, devido à nova concepção do relacionamento entre homem e mulher na Idade Média, “o amor cortês”. 78 77

LIPOVETSKY, Gilles. Id.,Ibid., p.63-64 O amor cortês está duplamente implicado na gênese da moda. Por um lado considerando que o amor verdadeiro devia ser procurado fora do casamento, que o amor puro era extraconjugal, (...) legitimando a escolha livre do amante pela dama (...)Por outro lado mais diretamente o amor cortês produziu uma nova relação entre os sexos, instalou um novo dispositivo galante que não atuou pouco no processo se estetização das aparências que é a moda.(LIPOVETSKY, Gilles. Id.,Ibid. p.65) Da Idade Média ao século XVI a prostituição corrente e publica passa a ser tolerada(...)Depois a promiscuidade dos banhos públicos e o perigo moral das casas de todos os tipos deixa de ser tolerado. As diversas formas de chateamento policial preparam o caminho para o higienismo do século XIX, 51 78

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“(...) As modificações na estrutura do vestuário masculino e feminino que se impõem a partir de 1350 são um sintoma direto dessa estética preciosista [do jogo sedução]. O traje marca, desde então, uma diferença radical entre masculino e feminino, sexualiza como nunca a aparência. O vestuário masculino desenha a cintura no gibão curto e valoriza as pernas apertadas em calções longos; paralelamente, a nova linha do vestuário feminino molda o corpo e sublinha as ancas, faz aparecer nos decotes os ombros e o colo. O vestuário empenha-se, assim, em exibir os encantos do corpo acentuando a diferença dos sexos: o gibão estofado dá relevo ao tórax masculino, as braguilhas terão por vezes formas fálicas; um pouco mais tarde, o espartilho, com sua armação, permitirá durante quatro séculos afinar a cintura feminina e erguer o colo. O traje de moda tornou-se traje de sedução, desenhando os atrativos do corpo, revelando e escondendo os atrativos do sexo, avivando os encantos eróticos: não mais apenas símbolo hierárquico e signo de estatuto social, mas instrumento de sedução, poder de mistério e de segredo, meio de agradar e de ser notado no luxo, na fantasia, na graça amaneirada. A sedução afastou-se da ordem imemorial do ritual e da tradição; inaugurou sua longa carreira moderna individualizando, ainda que parcialmente, os signos do vestuário, idealizando e exacerbando a sensualidade das aparências. Dinâmica dos excessos e amplificações, redobramento dos artifícios, preciosidade ostentatória, o vestuário de moda dá testemunho de que já se está na era moderna da sedução, da estética da personalidade e da sensualidade.” 79 O que vemos aqui é o jogo da sedução, atuando nitidamente no vestuário e na moda que começava a se estabelecer, tornando os corpos objetos lúdicos, produzindo na silhueta da mulher, da fêmea, traços de vespa, com ancas fartas e cintura fina, e na dos homens traços exacerbados de sua masculinidade, seu corpo viril. Mas, não devemos esquecer que a moda em seu principio trabalha também com a ludicidade através dos jogos da aparência e do jogo da criação do belo. Uma necessidade do homem, do homo ludens, em se aproximar de Deus brincando de criar universos paralelos. Através de uma nova relação com a arte e imagem ele transforma seu habitat, seu olhar sobre o mundo, com a moda ele recria seu corpo, modula sua aparência e muda o olhar de si mesmo.

cuja principal ambição era canalizar e tornar produtiva toda energia, inclusive a sexual (MAFFESOLI, Michel. O mistério da conjunção: ensaios sobre comunicação, corpo e sociedade. Porto Alegre: Sulina, 2005. p 38-39). 79 LIPOVETSKY, Gilles. Id.,Ibid. p.65-66 52

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“Não se pode deixar de relacionar o aparecimento da moda a essa outra forma de sedução representada, a partir do século XIII, pela aparência sensível do mundo na arte do Ocidente. O mundo da vida tornou-se objeto de deleite, é considerado belo e digno de atenção, vai despertar entre os artistas uma preocupação propriamente estética cada vez mais marcada.Com a arte medieval desenvolve-se um novo olhar sobre o mundo terrestre e o concreto: a expressão do mistério incognoscível e do sobre-humano impessoal recua em proveito da descoberta e da descrição do real da vida em sua diversidade. O escultor gótico substitui os monstros fantásticos pelos animais vivos, pelos bosques, os pequenos jardins, as folhagens que nos circundam. Representa os trabalhos dos homens, aproxima Deus do homem propagando uma imagem da Virgem mais feminina e mais maternal, um Cristo impregnado de doçura e de humanidade. Realismo artístico de origem medieval, que ganhará uma nova face na Renascença com a busca da profundidade e do relevo na arte do retrato, da paisagem, da natureza morta. Esse senso do concreto, esse interesse pela experiência visual e pelas aparências na arte são de grande importância; traduzem a glorificação do mundo criado, a valorização das belezas do mundo humano e terrestre.” 80 O ludismo está inerente na moda desde seu surgimento, seja pelos jogos da sedução, da distinção, da teatralização barroca, ou pela criatividade em novas formas de silhueta corporal através das roupas. Assim como a arte e a cultura, a moda cria universos paralelos que vão se estabelecendo de maneira estilística, e refletindo os anseios, os pensamentos do homem de determinada época.

A moda teve no ludismo uma mola propulsora para sua criatividade e se estabeleceu dentre outros fatores pelos jogos criados pelo homem, porém até esse momento, não estamos diante de um fenômeno social lúdico, pois é estabelecida pelas cortes e nos séculos mais tarde, até meados do século XX, pela elite burguesa e aristocrática, faltalhe o insignificante, o coletivo. A veste pode ser lúdica, mas o fenômeno moda não, pois lhe falta esse atributo de coletividade, de insignificância para considerá-la como um fenômeno social lúdico.

Mas com o advento do Prêt-à-porter do Século XX, a partir dos anos 60, a moda começa a conceber “roupas com espírito de mais voltado à audácia, à juventude, à 53

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novidade do que a perfeição e a ’classe’” 81 . A máquina da moda do Prêt-à-porter, já constituída e consolidada, volta-se para o coletivo e nele se inspira, representando a alma do coletivo. “Após a Segunda Guerra Mundial, o desejo de moda expandiu-se com força, tornou-se um fenômeno geral, que diz respeito a todas as camadas da sociedade. Na raiz do prêt-à-porter, há essa democratização última dos gostos de moda trazida pelos ideais individualistas, pela multiplicação das revistas femininas e pelo cinema mas também pela vontade de viver no presente estimulada pela nova cultura hedonista de massa. A elevação do nível de vida, a cultura do bem-estar, do lazer e da felicidade imediata acarretaram a última etapa da legitimação e da democratização das paixões de moda. Os signos efêmeros e estéticos da moda deixaram de aparecer, nas classes populares, como um fenômeno inacessível reservado aos outros; tornaramse uma exigência de massa, um cenário de vida decorrente de uma sociedade que sacraliza a mudança, o prazer, as novidades. A era do prêt-à-porter coincide com a emergência de uma sociedade cada vez mais voltada para o presente, euforizada pelo novo (...)” 82 Sendo assim, antes, até mesmo na era dos grandes costureiros do inicio do século passado, a moda era um reflexo da mente de grandes mestres, que a elevavam para o patamar de arte, mas muito embora estes mestres sofram a influencia dos acontecimentos históricos, da vida cotidiana, o coletivo era uma fonte inspiração. A moda continuava o ciclo anterior, a elite pensa cria e o coletivo copia.

A moda só se torna totalmente lúdica quando o coletivo serve de inspiração para os criadores, quando aspectos do cotidiano trivial das grandes massas, refletem em suas vestes seus códigos, seus significados de vida, e isso ocorre após a Segunda Grande Guerra com o Prêt-à-porter. “A moda [atual] (...) processo de incorporação transitória... se orienta [sic] segundo treze atributos distinto: a fantasia, a novidade, a juventude, a atualidade, a originalidade, o caráter

80

LIPOVETSKY, Gilles. Id.,Ibid., p.66-67. LIPOVETSKY, Gilles. Id.,Ibid., p.110. 82 LIPOVETSKY, Gilles. Id.,Ibid., p.115. 81

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transitório, a futilidade, o luxo, a beleza, a elegância, a utilidade, e a idealização de consumação” 83 Sendo assim, parafraseando Tupã Gomes Correia, concluímos que possivelmente, a moda atual além destes diversos atributos, se orienta através dos arquétipos da sociedade, da alma do coletivo, tornando-se um fenômeno social lúdico.

Reforçamos essa conclusão pelos recentes rumos recentes que a moda vem realizando, por exemplo, através de: designers buscando nas informações do cotidiano, do insignificante, temas para suas inspirações; produtos de moda, cada vez mais, permitem que o usuário interfira em seu uso ou conformação (calças reguláveis no tamanho, peças que podem se tornam vestidos ou blusas...), criando a interação entre criador, público e obra, como na arte contemporânea; desfiles de moda cada vez mais teatralizados; imagens de moda que remete-nos a um universo paralelo, baseadas no que somos ou desejaríamos ser.

2. 4 – Formas e representações lúdicas na moda.

A imagem lúdica, como vimos anteriormente, remete o espectador a um outro universo e possui a capacidade de infiltrar-se em no imaginário e funcionar como uma espécie de expansor que remeta a um jogo interativo entre espectador e imagem. Imagem esta impregnada pelos aspectos do cotidiano, do insignificante, do ciclo, do ritual, do coletivo. Muitas das vezes a forma mais obvia de caracterizar uma imagem de moda como lúdica, assim como uma coleção ou peça de design é através do infantilismo lúdico. A imagem de moda infantilista remete-nos sim ao jogo, a uma viagem a um universo esquecido ou não presente do mundo real adulto, porém não foram as únicas observadas em nossa pesquisa, como as apresentadas a seguir.

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CORRÊA,Tupã Gomes.Moda &Pop Music. Transcendências do consumo.São Paulo: InMod Instituto da moda CEM/Livros,2000.p 12 55

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Fig.34 – Desfile da designer espanhola Agatha Ruiz de la Prada – Semana de Moda de Madrid remetendo a ludicidade infantil com o tema Aliceno país das maravilhas Agosto de 2004 .

Fig.35 - Revista Visionaire,-UK Fotografia e Produção Nick Knigth Vestido da Coleção de Alexander MacQueen - Setembro de 1996 – Ludicidade que remete a um Universo Paralelo.

Considerando essa duas imagens de moda como lúdicas, vemos que as mesmas são dispares quanto sua abordagem e concepção. Enquanto a primeira pode ser considerada lúdica pelo seu aspecto de teatralidade, uma vez que se trata de um desfile, existindo também a impregnação do universo lúdico infantil nas formas do vestuário e de sua estamparia; a segunda é lúdica não só pela roupa que estabelece um misto de futurismo, extravagância pela forma e etnicidade na estamparia oriental, mas por todo seu contexto, que nos leva a refletir questões do nosso cotidiano: o belo, o grotesco, o desconfortável. Leva-nos a uma realidade inexistente, a um mundo paralelo de seres futuristas. A um rompimento do nosso real a um mundo novo desconhecido.

84 85

PRADA, Agatha Ruiz de la Prada.Disponível em: . Acesso em : 13 mai..2006. LEHNERT,Gertrud.A history of fashion in the 20 th century..Germany: Könemann, 2000, p. 111. 56

A MODA É LÚDICA. O universo lúdico e a arte naïf inspirando uma coleção. David Angel Mesquita Pallas.

Mas como saber se as imagens de moda são lúdicas ou não? Ao nosso ver, da mesma forma que classificamos as imagens lúdicas, analisando se possuem os aspectos característicos do insignificante, do estar relacionada ao inconsciente coletivo, que de alguma forma imprimirá no espectador, ao passar sua mensagem, o sentimento do jogo e da troca, do ciclo, levando-o para um universo paralelo.

Concluímos, através da análise de diversas, que alguns tipos de imagens de moda conseguem estabelecer-se nessa classificação mais facilmente, obvio que neste sistema classificatório estariam as do universo lúdico infantilista de moda, porém as que remetem mais facilmente este aspecto de ludicidade são as que estabelecem uma espécie de simulacro, como as de alguns desfiles de moda e de algumas campanhas publicitárias e as de “editoriais de moda após a década de sessenta, onde as imagens de moda começam a imprimir uma mensagem quanto ao estilo de vida ou um conceito”. 86

87

Fig.36 – Desfile Alexander MacQueen Primavera/Verão 2004.

88

Fig.37- Foto de editorial da RevistaElle 1970.

86

CATOIRA, Lú .FACULDADE SENAI CETIQT. Curso de Bacharelado em Design de Moda. Aula de Momentos da imagem na Produção de Moda.Rio de Janeiro, 2006 1 v. não paginado, fotocopiado. 87 MC QUEEN, Alexander. Disponível em:. Acesso em: 15 mai. 2004. 88 LEHNERT, Gertrud. Id.,Ibid p.73 57

A MODA É LÚDICA. O universo lúdico e a arte naïf inspirando uma coleção. David Angel Mesquita Pallas.

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Fig.38 – Publicidade da griffe Rocky Jeans.

A ludicidade por ser uma das molas propulsoras da criação muitas das vezes estará presente não só na criação das imagens de moda, mas também refletira na própria forma do design da roupa a sua marca através de novos volumes ou mesmo atribuindo as peças de vestuário novas significações, novos mundos, pois ele se estabelece assim como a arte contemporânea na função de romper barreiras e criar universos paralelos, ou seja, a chamada moda arte moderna também esta estabelecida, através de nossas conclusões, em princípios lúdicos.

A ludicidade na moda arte ou moda radical, ou lúdica como aqui chamamos, segue os mesmos passos da arte contemporânea e de todo pensamento filosófico que cerca essa temática. Através de experimentos com a forma e apresentação da imagem do corpo humano, criam do desconforto visual e buscam inventar novos universos e levam o espectador a essa nova realidade de interação, um jogo de novas imagens. “Atualmente, o que seria habitar fronteiras, desafiar o óbvio, subverter convenções? O que é ser radical? Em tempos em que tanto já foi feito, isto não é tarefa simples, especialmente em se tratando do famoso mundo fashion, aonde alguns mecanismos de funcionamento vêm dominando a criatividade de forma 89

LEHNERT,Gertrud. Id.,Ibid., p 88. 58

A MODA É LÚDICA. O universo lúdico e a arte naïf inspirando uma coleção. David Angel Mesquita Pallas.

avassaladora. E se a Arte é ‘inventar mundos’ que desafiem o mundo existente, criar e materializar novas sensibilidades, escutar o tempo, resistir aos mecanismos dominantes e, portanto causar sensações e reflexões (...) que se plantam em seus terrenos, que se faz em seus não parâmetros.” 90

91

Fig.39– Cartaz da exposição Radical fashion. Produção Nick Knigth.

92

Fig.40- Desfile Issey Miyaki,. outono inverno1999/2000.

93

Fig.41 – Desfile Comme des Garçons primavera verão 1997.

Essa moda, e para nós é a síntese do ludismo tem sido aquela que faz esquinas em planas e glamourosas passarelas, baseadas nos movimentos populares, no cotiano, no insignificante, que questiona perfeitos corpos, que produz imagens tóxicas. Aquela que incomoda, mais do que acomoda em combinações perfeitas. E nem sempre incomodar significa chocar, assim como muito se tem dito sobre alguns rebeldes de cortes e costuras e visões. Mas quase sempre tem a ver com beleza. Não aquela que enche

90

WILCOX, Claire. Radical Fashion. Exposição Victoria and Albert Museum. V&S. London. Seção Artigo. Set.2000.Disponível em:. Acesso em: 15 mar. 2006. 91 KNIGHT,Nick. Radical Fashion. Cartaz Exposição Victoria and Albert Museum. V&S. London. Seção Artigo. Set.2000.Disponível em: . Acesso em: 15 mar. 2006. 92 LEHNERT, Gertrud. Id.,Ibid., p. 88. 93 LEHNERT, Gertrud. Id., Ibid., p. 88. 59

A MODA É LÚDICA. O universo lúdico e a arte naïf inspirando uma coleção. David Angel Mesquita Pallas.

olhos menos abertos ao estranhamento, mas aquela que fala ao mundo sensível de todos nós. Mas quem são esses designers? 94 “Todos são criadores inseridos no mercado. Possuem suas griffes, vendem seus produtos, alimentam o funcionamento da moda, a capitalizam, porém, ousam questioná-la, ousam dizer de si, ousam dialogar com instâncias sensíveis, ousam criar incômoda moda. Em muitos momentos chacoalham suas diretrizes, confundem mídia e espectadores que esperam fórmulas fáceis. Não se deixam aprisionar. Permitem-se estranhar o próprio mundo que os cerca. Escutam e esculpem os corpos e criam mais que roupas, inventam paisagens.” 95

96

97

Fig.42 – Foto de um look do desfile da coleção de John Galliano, ,1985

Fig.43 – Foto de Desfile da coleção de Jonh Galliano para Christian Dior inspirada na personalidade da

intitulada “The ludic game”.

atriz Joan Crawford.

A moda lúdica radical nos presenteia com imagens, formas e cores inspiradas no nosso cotidiano, estabelecendo assim a interação entre criador, público e obra, através do jogo que é estabelecido nas infinitas possibilidades da troca.

94

WILCOX, Claire Id.,Ibid. WILCOX, Claire Id.,Ibid. 96 GALLIANO, John..Ludic game.1985. 1 fot., Color. Coleção particular Alexia Costa. 97 GALLIANO, John.Desfile Cristian Dior. Disponível em: . Acesso em: 03 nov. 2006. 95

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A MODA É LÚDICA. O universo lúdico e a arte naïf inspirando uma coleção. David Angel Mesquita Pallas.

Com isso concluímos que essa ludicidade e interação são observadas também não só na moda arte, mas em peças de design de moda que presenteiam o usuário com a possibilidade da experimentação de novas formas e funções, por exemplo os shorts e calças saias, as calças que com zíperes se transformam em bermudas, ou seja roupas e objetos de moda que modulam o corpo e que se transformam de acordo com a vontade do usuário. Entretanto estas para serem consideradas lúdicas devem estar estabelecidas e inspiradas no cotidiano, no insignificante, na representação de formas da alma do coletivo.

Tendo esta visão de que o lúdico é também a representação da alma do coletivo. Que tipo de manifestação dentro da cultura e da arte popular brasileira, poderia estar tão intrínseca ao Lúdico, diretamente ligada ao primitivismo, e tão afastada do maniqueísmo capitalista? Que tipo de ação, estabelecida puramente no ludismo e no exercício da criatividade do coletivo, poderia inspirar aliando a teoria “filosófica e sociológica”, do que venha a ser a moda lúdica, resultando em uma inspiração para a formação do desenvolvimento de uma coleção? Para nós uma das respostas a estas perguntas foi a Arte Naïf.

61

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~~

~~

A MODA É LÚDICA. O universo lúdico e a arte naïf inspirando uma coleção. David Angel Mesquita Pallas.

4.2.1 – Inspirações para construção da cartela de cor

Ciano pantone 2915 pc Código de cor:CI

Carmim pantone 7428 pc Código de cor:Ca

Verde Banana pantone 584pc Código de cor:Vb

Quadro “Sambistas”de Heitor dos Prazeres

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Amarelo Intenso pantone 124 pc Código de cor:Ami

Vermelho pantone 199 pc Código de cor:Ve

Indigo pantone 2725 pc Código de cor:Ind

Verde abacate pantone 7490 pc Código de cor:Va

Quadro “Frevo”de Heitor dos Prazeres

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A MODA É LÚDICA. O universo lúdico e a arte naïf inspirando uma coleção. David Angel Mesquita Pallas.

Amarelo Intenso pantone 604 pc Código de cor:Ama

Quadro “Sonho do Artista”de Poteiro.

Rosa Pink pantone 239 pc Código de cor:Pk

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A MODA É LÚDICA. O universo lúdico e a arte naïf inspirando uma coleção. David Angel Mesquita Pallas.

Cinza Claro pantone 427 pc Código de cor:Czc Cinza Azulado pantone 5425pc Código de cor:Cza

Quadro “Palavras de São Francisco para os animais”de Rosina Becker.

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A MODA É LÚDICA. O universo lúdico e a arte naïf inspirando uma coleção. David Angel Mesquita Pallas.

Quadro “No circo” de Sílvia.

Areia pantone 7401 pc Código de cor:Ar

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4.4- Foto do prototipo confeccionado.

Croqui feminino da página 99 – base de modelagem das blussas da coleção e calças femininas da coleção. Material: blusa em renda e jersey. Calça corsário em jeans 7 oz.

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