O sorriso dos velhos � porventura uma das coisas mais ador�veis do mundo. N�o o era por�m o de Jo�o Barbosa no �ltimo dia de setembro de 1868, riso alvar e grotesco, riso sem pureza nem dignidade; riso de homem de setenta e tr�s anos que pensa em contrair segundas n�pcias. Nisso pensava aquele velho, ali�s honesto e bom; disso vivia desde algumas horas antes. Eram oito da noite: ele entrara em casa com o mencionado riso nos l�bios. � Muito alegre vem hoje o senhor! � Sim? � Viu passarinho verde? � Verde n�o, D. Joana, mas branco, um branco de leite, puro e de encher o olho, como os quitutes que voc� me manda preparar �s vezes. � Querem ver que �... � Isso mesmo, D. Joana. � Isso qu�? Jo�o Barbosa n�o respondeu; lambeu os bei�os, piscou os olhos, e deixou-se cair no canap�. A luz do candelabro bateu-lhe em cheio no rosto, que parecia uma mistura de Saturno e s�tiro. Jo�o Barbosa desabotoou a sobrecasaca e deu sa�da a um suspiro, aparentemente o �ltimo que lhe ficara de outros tempos. Era triste v�-lo; era cruel adivinh�-lo. D. Joana n�o o adivinhou. Esta D. Joana era uma senhora de quarenta e oito anos, rija e maci�a, que durante dez anos dava ao mundo o espet�culo de um grande desprezo da opini�o. Contratada para tomar conta da casa de Jo�o Barbosa, logo depois de enviuvar, entrou ali em luta com os parentes do velho, que eram dois, os quais fizeram tudo para exclu�-la sem conseguirem nada. Os dois parentes, os vizinhos, finalmente os conhecidos criam firmemente que D. Joana aceitara de Jo�o Barbosa uma posi��o equ�voca, embora lucrativa. Era cal�nia; D. Joana sabia o que diziam dela, e n�o arredava p�. A raz�o era que, posto n�o transpusesse uma linha das fronteiras estabelecidas no contrato verbal que precedeu a sua entrada ali, contudo ela esperava ser contemplada nas �ltimas disposi��es de Jo�o Barbosa; e valia a pena, em seu entender, afrontar os ditos do mundo para receber no fim de alguns anos uma d�zia de ap�lices ou uma casa ou alguma coisa equivalente. Verdade � que o legado, se fosse de certa consist�ncia, podia confirmar as suspeitas da sociedade; D. Joana, entretanto, professava a m�xima extremamente salutar de que o essencial � andar-se quente, embora os outros se riam. Riam-se os outros, mas de c�lera, e alguns de inveja. Jo�o Barbosa, antigo magistrado, herdara de seu pai e de um tio quatro ou cinco fazendas, que transferiu a outros, convertendo seus cabedais em t�tulos do governo e v�rios pr�dios. F�-lo logo depois de vi�vo, e passou a residir na corte definitivamente. Perdendo um filho que tinha, achou-se quase s�; quase, porque ainda lhe restavam dois sobrinhos, que o rodeavam de muitas e variadas aten��es; Jo�o Barbosa suspeitava que os dois sobrinhos estimavam ainda mais as ap�lices do que a ele e recusou todas as ofertas que lhe faziam para aceitar-lhes casa. Um dia lembrou-se de inserir nos jornais um an�ncio declarando precisar de uma senhora de certa idade, morigerada, que quisesse tomar conta da casa de um homem vi�vo. D. Joana tinha apenas trinta e oito anos; confessou-lhe quarenta e quatro, e tomou posse do cargo. Os sobrinhos, quando souberam disto, apresentaram a Jo�o Barbosa toda a sorte de considera��es que podem nascer no c�rebro de herdeiros em ocasi�o de perigo. O velho ouviu cerca de oito a dez tomos de tais considera��es, mas ateve-
se � primeira id�ia, e os sobrinhos n�o tiveram outro rem�dio mais que aceitar a situa��o. D. Joana nunca se atrevera a desejar outra coisa mais que ser contemplada no testamento de Jo�o Barbosa; mas isso desejava-o ardentemente. A melhor das m�es n�o tem no cora��o mais soma de ternura do que ela mostrava ter para servir e cuidar do opulento septuagen�rio. Ela cuidava do caf� matinal, escolhia as divers�es, lia-lhe os jornais, contava-lhe as anedotas do quarteir�o, tomava-lhe ponto �s meias, inventava guisados que melhor pudessem ajud�-lo a carregar a cruz da vida. Conscienciosa e leal, n�o lhe dava alimenta��o debilitante; pelo contr�rio punha especial empenho em que lhe n�o faltasse nunca o fil� sang�ento e o bom c�lice de Porto. Um casal n�o viveria mais unido. Quando Jo�o Barbosa adoecia, D. Joana era tudo; m�e, esposa, irm�, enfermeira; �s vezes era m�dico. Deus me perdoe! Parece que chegaria a ser padre, se ele viesse repentinamente a carecer do minist�rio espiritual. O que ela fazia nessas ocasi�es pediria um volume, e eu disponho de poucas p�ginas. Pode-se dizer por honra da humanidade que o benef�cio n�o ca�a em terreno est�ril. Jo�o Barbosa agradeceu-lhe os cuidados n�o s� com boas palavras, mas tamb�m bons vestidos ou boas j�ias. D. Joana, quando ele lhe apresentava esses agradecimentos palp�veis, ficava envergonhada e recusava, mas o velho insistia tanto, que era falta de polidez recusar. Para torn�-la mais completa e necess�ria � casa, D. Joana n�o adoecia nunca; n�o padecia de nervos, nem de enxaqueca, nem de coisa nenhuma; era uma mulher de ferro. Acordava com a aurora e punha logo os escravos a p�; inspecionava tudo, ordenava tudo, dirigia tudo. Jo�o Barbosa n�o tinha outro cuidado mais que viver. Os dois sobrinhos tentaram alguma vez separar da casa uma mulher que eles temiam pela influ�ncia que j� tinha e pelo desenlace poss�vel de semelhante situa��o. Iam levar os boatos da rua aos ouvidos do tio. � Dizem isso? perguntava este. � Sim, senhor, dizem isso, e n�o parece bonito, na sua idade, estar exposto a... � A coisa nenhuma, interrompia. � Nenhuma! � Ou a pouca coisa. Dizem que eu nutro certa ordem de afetos por aquela santa mulher! N�o � verdade, mas n�o seria imposs�vel, e sobretudo n�o era feio. Esta era a resposta de Jo�o Barbosa. Um dos sobrinhos, vendo que nada alcan�ava, resolvera desligar seus interesses dos do outro, e adotou o plano de aprovar o procedimento do velho, louvando-lhe as virtudes de D. Joana e rodeando-a de seu respeito, que a princ�pio arrastou a pr�pria caseira. O plano teve algum efeito, porque Jo�o Barbosa francamente lhe declarou que ele n�o era t�o ingrato como o outro. � Ingrato, eu? seria um monstro, respondeu o sobrinho Jos� com um gesto de indigna��o mal contida. Tal era a situa��o respectiva entre Jo�o Barbosa e D. Joana, quando na referida noite de setembro entrou aquele em casa, com cara de quem tinha visto passarinho verde. D. Joana tinha dito, por brinco: � Querem ver que �... Ao que ele respondeu: � Isso mesmo.
� Isso mesmo, qu�? repetiu D. Joana da� a alguns minutos. � Isso que a senhora pensou. � Mas eu n�o pensei nada � Pois fez mal, D. Joana. � Mas ent�o... � D. Joana, d� suas ordens para o ch�. D. Joana obedeceu um pouco magoada. Era a primeira vez que Jo�o Barbosa lhe negava uma confid�ncia. Ao mesmo tempo que isso a magoava, fazia-a suspeitosa; tratava-se talvez de alguma que viria prejudic�-la. Servindo o ch�, depois que Jo�o Barbosa se despira, apressou-se a caseira, na forma de costume, a encher-lhe a x�cara, a escolher-lhe as fatias mais tenras, a abrir-lhe o guardanapo, com a mesma solicitude de dez anos. Haveria por�m uma sombra de acanhamento entre ambos, e a palestra foi menos seguida e menos alegre que nas outras noites. Durante os primeiros dias de outubro, Jo�o Barbosa trazia o mesmo ar singular, que tanto impressionara a caseira. Ele ria a mi�do, ria para si, ia duas vezes � rua, acordava mais cedo, falava de v�rias altera��es em casa. D. Joana come�ara a suspeitar a causa verdadeira daquela mudan�a. Gelou-se-lhe o sangue e o terror se apoderou de seu esp�rito. Duas vezes procurou encaminhar a conversa ao ponto essencial, mas Jo�o Barbosa andava t�o fora de si que n�o ouvia sequer o que ela dizia. Ao cabo de quinze dias, conclu�do o almo�o, Jo�o Barbosa disse-lhe que a acompanhasse ao gabinete. � � agora! pensou ela; vou saber de que se trata. Passou ao gabinete. Ali chegando, sentou-se Jo�o Barbosa e disse a D. Joana que fizesse o mesmo. Era conveniente; as pernas da boa mulher tremiam como varas. � Vou dar-lhe a maior prova de estima, disse o septuagen�rio. D. Joana curvou-se. � Est� aqui em casa h� dez anos... � Que me parecem dez meses. � Obrigado, D. Joana! H� dez anos que eu tive a boa id�ia de procurar uma pessoa que me tratasse da casa, e a boa fortuna de encontrar na senhora a mais consumada... � Falemos de outra coisa! � Sou justo; devo ser justo. � Adiante. � Louvo-lhe a mod�stia; � o belo realce de suas nobres virtudes.
� Vou-me embora. � N�o, n�o v�; ou�a o resto. Est� contente comigo? � Se estou contente! Onde poderia achar-me melhor? O senhor tem sido para mim um pai... � Um pai?... interrompeu Jo�o Barbosa fazendo uma careta; falemos de outra coisa. Saiba D. Joana que n�o a quero mais deixar. � Quem pensa nisso? � Ningu�m; mas eu devia diz�-lo. N�o a quero deixar, estar� a senhora disposta a fazer o mesmo? D. Joana teve uma vertigem, um sonho, um relance do Para�so; ela viu ao longe um padre, um altar, dois noivos, uma escritura, um testamento, uma infinidade de coisas agrad�veis e quase sublimes. � Se estou disposta! exclamou ela. Quem se lembraria de dizer o contr�rio? Estou disposta a acabar aqui os meus dias; mas devo dizer que a id�ia de uma alian�a... sim... este casamento... � O casamento h� de fazer-se! interrompeu Jo�o Barbosa batendo uma palmada no joelho. Parece-lhe mau? � Oh! n�o... mas, seus sobrinhos... � Meus sobrinhos s�o dois capad�cios, de quem n�o fa�o caso. D. Joana n�o contestou essa opini�o de Jo�o Barbosa, e este, serenado o �nimo, readquiriu o sorriso de bem-aventuran�a que, durante as duas �ltimas semanas, o distinguia do resto dos mortais. D. Joana n�o se atrevia a olhar para ele e brincava com as pontas do mantelete que trazia. Correram assim dois ou tr�s minutos. � Pois � o que lhe digo, continuou Jo�o Barbosa, o casamento h� de fazer-se. Sou maior, n�o devo satisfa��o a ningu�m. � L� isso � verdade. � Mas, ainda que as devesse, poderia eu hesitar � vista... oh! � vista da incompar�vel gra�a daquela... v� l�.. de D. Lucinda? Se um condor, segurando D. Joana em suas garras possantes, subisse com ela at� perto do sol, de l� a despenhasse � terra, menor seria a queda do que a que lhe produziu a �ltima palavra de Jo�o Barbosa. A raz�o da queda n�o era, na verdade, aceit�vel, porquanto nem ela at� ent�o sonhara para si a honra de desposar o amo, nem este, nas poucas palavras que lhe dissera antes, lhe fizera crer claramente tal coisa. Mas o dem�nio da cobi�a produz maravilhas dessas, e a imagina��o da caseira via as coisas mais longe de que elas podiam ir. Creu um instante que o opulento septuagen�rio a destinava para sua esposa, e forjou logo um mundo de esperan�as e realidades que o sopro de uma s� palavra dissolveu e dispersou no ar. � Lucinda! repetiu ela quando p�de haver de novo o uso da voz. Quem � essa D. Lucinda? � Um dos anjos do c�u enviado pelo Senhor, a fim de fazer a minha felicidade na
terra. � Est� ca�oando! disse D. Joana atando-se a um fragmento de esperan�a. � Quem dera que fosse ca�oada! replicou Jo�o Barbosa. Se tal fosse, continuaria eu a viver tranq�ilo, sem conhecer a suprema ventura, � certo, mas tamb�m sem padecer abalos de cora��o... � Ent�o � certo... � Cert�ssimo. D. Joana estava p�lida. Jo�o Barbosa continuou: � N�o pense que � alguma menina de quinze anos; � uma senhora feita; tem seus trinta e dois feitos; � vi�va; boa fam�lia... O paneg�rico da noiva continuou, mas D. Joana j� n�o ouvia nada. posto nunca meditasse em fazer-se mulher de Jo�o Barbosa via claramente que a resolu��o deste viria prejudic�-la: nada disse e ficou triste. O septuagen�rio, quando expandiu toda a alma em elogios � pessoa que escolhera para ocupar o lugar da esposa morta h� t�o longos anos, reparou na tristeza de D. Joana e apressou-se a anim�-la. � Que tristeza � essa, D. Joana? disse ele. Isto n�o altera nada a sua posi��o. Eu j� agora n�o a deixo; h� de ter aqui a sua casa at� que Deus a leve para si. � Quem sabe? suspirou ela. Jo�o Barbosa fez-lhe os seus mais vivos protestos, e tratou de vestir-se para sair. Saiu, e dirigiu-se da Rua da Ajuda, onde morava, para a dos Arcos, onde morava a dama de seus pensamentos, futura esposa e dona de sua casa. D. Lucinda G... tinha trinta e quatro anos para trinta e seis, mas parecia ter mais, t�o severo era o rosto, e t�o de matrona os modos. Mas a gravidade ocultava um grande trabalho interior, uma luta dos meios que eram escassos, com os desejos, que eram infinitos. Vi�va desde os vinte e oito anos, de um oficial de marinha, com quem se casara aos dezessete para fazer a vontade aos pais, D. Lucinda n�o vivera nunca segundo as ambi��es secretas de seu esp�rito. Ela amava a vida suntuosa, e apenas tinha com que passar modestamente; cobi�ava as grandezas sociais e teve de contentar-se com uma posi��o med�ocre. Tinha alguns parentes, cuja posi��o e meios eram iguais aos seus, e n�o podiam portanto dar-lhe quanto ela desejava. Vivia sem esperan�a nem consola��o. Um dia, por�m, surgiu no horizonte a vela salvadora de Jo�o Barbosa. Apresentado � vi�va do oficial de marinha, em uma loja da Rua do Ouvidor, ficou t�o cativo de suas maneiras e das gra�as que lhe sobreviviam, t�o cativo que pediu a honra de travar rela��es mais estreitas. D. Lucinda era mulher, isto �, adivinhou o que se passara no cora��o do septuagen�rio, antes mesmo que este desse acordo de si. Uma esperan�a iluminou o cora��o da vi�va; aceitou-a como um presente do c�u. Tal foi a origem do amor de Jo�o Barbosa. R�pido foi o namoro, se namoro podia haver entre os dois vi�vos. Jo�o Barbosa, apesar de seus cabedais, que o faziam noivo singularmente aceit�vel, n�o se
atrevia a dizer � dama de seus pensamentos tudo o que lhe tumultuava no cora��o. Ela ajudou-o. Um dia, achando-se ele embebido a olhar para ela, D. Lucinda perguntou-lhe graciosamente se nunca a tinha visto. � Vi-a h� muito. � Como assim? � N�o sei... balbuciou Jo�o Barbosa. D. Lucinda suspirou. Jo�o Barbosa suspirou tamb�m. No dia seguinte, a vi�va disse a Jo�o Barbosa que dentro de pouco tempo se despediria dele. Jo�o Barbosa pensou cair da cadeira abaixo. � Retira-se da corte? � Vou para o Norte. � Tem l� parentes? � Um. Jo�o Barbosa refletiu alguns instantes. Ela espreitou a reflex�o com uma curiosidade de c�o rafeiro. � N�o h� de ir! exclamou o velho da� a pouco. � N�o? � N�o. � Como assim? Jo�o Barbosa abafou uma pontada reum�tica, ergueu-se, curvou-se diante de D. Lucinda e pediu-lhe a m�o. A vi�va n�o corou; mas, posto esperasse aquilo mesmo, estremeceu de j�bilo. � Que me responde? perguntou ele. � Recuso. � Recusa! � Oh! com muita dor do meu cora��o, mas recuso! Jo�o Barbosa tornou a sentar-se; estava p�lido. � N�o � poss�vel! disse ele. � Mas por qu�? � Por que... por que, infelizmente, o senhor � rico.
� Que tem? � Seus parentes dir�o que eu lhe armei uma cilada para enriquecer... � Meus parentes! Dois biltres, que n�o valem a m�nima aten��o! Que tem que digam isso? � Tem tudo. Al�m disso... � Que mais? � Tenho parentes meus, que n�o h�o de levar a bem este casamento; dir�o a mesma coisa, e eu ficarei... N�o falemos em semelhante coisa! Jo�o Barbosa estava aflito e ao mesmo tempo dominado pela eleva��o de sentimentos da interessante vi�va. O que ele ent�o esperdi�ou em eloq��ncia e racioc�nio encheria meia biblioteca; lembrou-lhe tudo: a superioridade de ambos, sua independ�ncia, o desprezo que mereciam as opini�es do mundo, sobretudo as opini�es dos interessados; finalmente, pintou-lhe o estado de seu cora��o. Este �ltimo argumento pareceu enternecer a vi�va. � N�o sou mo�o, dizia ele, mas a mocidade... � A mocidade n�o est� na certid�o de batismo, acudiu filosoficamente D. Lucinda, est� no sentimento, que � tudo; h� mo�os decr�pitos, e homens maduros eternamente jovens. � Isso, isso... � Mas... � Mas, h� de ceder! Eu lho pe�o; unamo-nos e deixemos falar os invejosos! D. Lucinda resistiu pouco mais. O casamento foi tratado entre os dois, convencionando-se que se verificaria o mais cedo poss�vel. Jo�o Barbosa era homem digno de apre�o; n�o fazia as coisas por metade. Quis arranjar as coisas de modo que os dois sobrinhos nada tivessem do que ele deixasse quando viesse a morrer, se tal desastre tinha de acontecer � coisa de que o velho n�o estava muito convencido. Tal era a situa��o. Jo�o Barbosa fez a visita costumada � interessante noiva. Era matinal demais; D. Lucinda, por�m, n�o podia dizer nada que viesse a desagradar a um homem que t�o galhardamente se mostrava com ela. A visita nunca ia al�m de duas horas; era passada em coisas insignificantes, entremeada de suspiros do noivo, e muita faceirice dela. � O que me estava reservado nestas alturas! dizia Jo�o Barbosa ao sair de l�. Naquele dia, logo que ele saiu de casa, D. Joana tratou de examinar friamente a situa��o. N�o podia haver pior para ela. Era claro que, embora Jo�o Barbosa n�o a despedisse logo, seria compelido a faz�-lo pela mulher nos primeiros dias do casamento, ou talvez antes. Por outro lado, desde que ele devesse carinhos a algu�m mais que n�o a ela somente, sua gratid�o viria a diminuir muito, e com a
gratid�o o legado prov�vel. Era preciso achar um rem�dio. Qual? Nisso gastou D. Joana toda a manh� sem achar solu��o nenhuma, ao menos solu��o que prestasse. Pensou em v�rias coisas, todas impratic�veis ou arriscadas e terr�veis para ela. Quando Jo�o Barbosa voltou para casa, �s tr�s horas da tarde, achou-a triste e calada. Indagou o que era; ela respondeu com algumas palavras soltas, mas sem clareza, de maneira que ele ficaria na mesma, se n�o tivesse havido a cena da manh�. � J� lhe disse, D. Joana, que a senhora n�o perde nada com a minha nova situa��o. O lugar pertence-lhe. O olhar de dignidade ofendida que ela lhe lan�ou foi tal que ele n�o achou nenhuma r�plica. Entre si fez um elogio � caseira. � Tem-me afei��o, coitada! � uma alma dotada de muita eleva��o. D. Joana n�o o serviu com menos carinho nesse e no dia seguinte; era a mesma pontualidade e solicitude. A tristeza por�m era tamb�m a mesma e isto desconsolava sobremodo o noivo de D. Lucinda, cujo principal desejo era faz�-las felizes ambas. O sobrinho Jos�, que tivera o bom gosto de cortar os la�os que o prendiam ao outro, desde que viu serem in�teis os esfor�os para separar D. Joana de casa, n�o deixava de ali ir a mi�do tomar a b�n��o ao tio e receber alguma coisa de quando em quando. Acertou de ir alguns dias depois da revela��o de Jo�o Barbosa. N�o o achou em casa, mas D. Joana estava, e ele em tais circunst�ncias n�o deixava de se demorar a louvar o tio, na esperan�a de que alguma coisa chegasse aos ouvidos deste. Naquele dia notou que D. Joana n�o tinha a alegria do costume. Interrogada por ele, D. Joana respondeu: � N�o � nada... � Alguma coisa h� de ser, dar-se-� caso que... � Que?... � Que meu tio esteja doente? � Antes fosse isso! � Que ou�o? D. Joana mostrou-se arrependida do que dissera e metade do arrependimento era sincero, metade fingido. N�o tinha grande certeza da discri��o do rapaz; mas via bem para que lado iam seus interesses. Jos� tanto insistiu em saber do que se tratava que ela n�o hesitou em dizer-lhe tudo, debaixo de palavra de honra e no mais inviol�vel segredo. � Ora veja, concluiu ela, se ao saber que essa senhora trata de enganar o nosso bom amigo para haver-lhe a fortuna...
� N�o diga mais, D. Joana! interrompeu Jos� fulo de c�lera. � Que vai fazer? � Verei, verei... � Oh! n�o me comprometa! � J� lhe disse que n�o; saberei desfazer a trama da vi�va. Ela veio aqui alguma vez? � N�o, mas consta-me que h� de vir domingo jantar. � Virei tamb�m. � Pelo amor de Deus... � Descanse! Jos� via o perigo tanto como D. Joana; s� n�o viu que ela lhe contara tudo, para hav�-lo de seu lado e faz�-lo trabalhar por desfazer um la�o quase feito. O medo d� �s vezes coragem, e um dos maiores medos do mundo � o de perder uma heran�a. Jos� sentiu-se resoluto a empregar todos os esfor�os para obstar o casamento do tio. D. Lucinda foi efetivamente jantar em casa de Jo�o Barbosa. Este n�o cabia em si de contente desde que se levantou. Quando D. Joana foi levar-lhe o caf� do costume, ele desfez-se em elogios � noiva. � A senhora vai v�-la, D. Joana, vai ver o que � uma pessoa digna de todos os respeitos e merecedora de uma afei��o nobre e profunda. � Quer mais a��car? � N�o. Que gra�a! que maneiras, que cora��o! N�o imagina que tesouro � aquela mulher! Confesso que estava longe de suspeitar t�o raro conjunto de dotes morais. Imagine... � Olhe que o caf� esfria... � N�o faz mal. Imagine... � Creio que h� gente de fora. Vou ver. D. Joana saiu; Jo�o Barbosa ficou pensativo. � Coitada! A id�ia de que vai perder a minha estima n�o a deixa um s� instante. In petto n�o aprova talvez este casamento, mas n�o se atreveria nunca a diz�-lo. � uma alma extremamente elevada! D. Lucinda apareceu perto das quatro horas. Ia luxuosamente vestida, gra�as a algumas d�vidas feitas � conta dos futuros cabedais. A vantagem daquilo era n�o parecer que Jo�o Barbosa a tirava do nada. Passou-se o jantar sem incidente nenhum; pouco depois de oito horas, D. Lucinda retirou-se deixando encantado o noivo. D. Joana, se n�o fossem as circunst�ncias apontadas, devia ficar igualmente namorada da vi�va, que a tratou com uma bondade, uma distin��o verdadeiramente ador�veis. Era talvez c�lculo; D. Lucinda queria ter
por si todos os votos, e sabia que o da boa velha tinha alguma considera��o. Entretanto, o sobrinho de Jo�o Barbosa, que tamb�m ali jantara, apenas a noiva do tio se retirou para casa foi ter com ele. � Meu tio, disse Jos�, reparei hoje uma coisa. � Que foi? � Reparei que se o senhor n�o tiver conta em si � capaz de ser emba�ado. � Emba�ado? � Nada menos. � Explica-te. � Dou-lhe not�cia de que a senhora que hoje aqui esteve tem id�ias a seu respeito. � Id�ias? Explica-te mais claramente. � Pretende despos�-lo. � E ent�o? � Ent�o, � que o senhor � o quinto rica�o, a quem ela lan�a, a rede. Os primeiros quatro perceberam a tempo o sentimento de especula��o pura, e n�o ca�ram. Eu previno-o disso, para que n�o se deixar levar pelo conto da sereia, e se ela lhe falar em alguma coisa... Jo�o Barbosa que j� estava vermelho de c�lera, n�o se p�de conter; cortou-lhe a palavra intimando-o a que sa�sse. O rapaz disse que obedecia, mas n�o interrompeu as reflex�es: inventou o que p�de, deitou cores sombrias ao quadro, de maneira que saiu deixando o veneno no cora��o do pobre velho. Era dif�cil que algumas palavras tivessem o cond�o de desviar o namorado do plano que assentara; mas � certo que foi esse o ponto de partida de uma longa hesita��o. Jo�o Barbosa vociferou contra o sobrinho, mas, passado o primeiro acesso, refletiu um pouco no que lhe acabava de ouvir e concluiu que seria realmente triste, se ele tivesse raz�o. � Felizmente, � um caluniador! concluiu ele. D. Joana soube da conversa havida entre Jo�o Barbosa e o sobrinho, e aprovou a id�ia deste; era necess�rio voltar � carga; e Jos� n�o se descuidou disso. Jo�o Barbosa confiou � caseira as perplexidades que o sobrinho buscava lan�ar em seu cora��o, � Acho que ele tem raz�o, disse ela. � Tamb�m tu? � Tamb�m eu, e se o digo � porque o posso desligada desta casa. D. Joana disse isto o cora��o de Jo�o Barbosa em mil peda�os; de semelhante resolu��o. D. Joana recusou de sua boca tr�mula e comovida:
dizer, visto que desde hoje estou levando o len�o aos olhos, o que partiu tratou de a consolar e inquiriu a causa explicar; afinal estas palavras sa�ram
� � que... tamb�m eu tenho cora��o! Dizer isto e fugir foi a mesma coisa. Jo�o Barbosa ficou a olhar para o ar, depois dirigiu os olhos a um espelho, perguntando-lhe se efetivamente n�o era explic�vel aquela declara��o. Era. Jo�o Barbosa mandou-a chamar. Veio D. Joana e arrependida de ter ido t�o longe, tratou de explicar o que acabava de dizer. A explica��o era f�cil; repetiu que tinha cora��o, como o sobrinho de Jo�o Barbosa, e n�o podia, como o outro, v�-lo entregar-se a uma aventureira. � Era isso? � � duro de o dizer, mas cumpri o que devia; compreendo por�m que n�o posso continuar nesta casa. Jo�o Barbosa procurou apaziguar-lhe os escr�pulos; e D. Joana deixou-se vencer, ficando. Entretanto, o noivo sentia-se um tanto perplexo e triste. Cogitou, murmurou, vestiu-se e saiu. Na primeira ocasi�o em que se encontrou com D. Lucinda, esta, vendo-o triste, perguntou-lhe se eram inc�modos dom�sticos. � Talvez, resmungou ele. � Adivinho. � Sim? � Alguma que lhe fez a caseira que o senhor l� tem? � Por que sup�e isso? D. Lucinda n�o respondeu logo; Jo�o Barbosa insistiu. � N�o simpatizo com aquela cara. � Pois n�o � m� mulher. � De apar�ncia, talvez. � Parece-lhe ent�o... � Nada; digo que bem pode ser alguma intrigante... � Oh! � Mera suposi��o. � Se a conhecesse havia de lhe fazer justi�a. Jo�o Barbosa n�o recebeu impunemente esta alfinetada. Se efetivamente D. Joana n�o passasse de uma intrigante? Era dif�cil sup�-lo ao ver a cara com que ela o
recebeu na volta. N�o a podia haver mais afetuosa. Contudo, Jo�o Barbosa p�s-se em guarda; conv�m dizer, em honra de seus afetos dom�sticos, que n�o o fez sem tristeza e amargura. � Que tem o senhor que est� t�o macamb�zio? perguntou D. Joana com a mais doce voz que possu�a. � Nada, D. Joana. E da� a pouco: � Diga-me; seja franca. Algu�m a incumbiu de me dizer aquilo a respeito da senhora que... D. Joana tremeu de indigna��o. � Pois imagina que eu seria capaz de fazer-me instrumento... Oh! � demais! O len�o correu aos olhos e provavelmente encheu-se de l�grimas. Jo�o Barbosa n�o podia ver chorar uma mulher que o servia t�o bem h� tanto tempo. Consolou-a como p�de, mas o golpe (dizia ela) fora profundo. Isto foi dito t�o de dentro, e com t�o amarga voz, que Jo�o Barbosa n�o p�de esquivar-se a esta reflex�o. � Esta mulher ama-me! Desde que, pela segunda vez, se lhe metia esta suspeita pelos olhos, seus sentimentos em rela��o a D. Joana eram de compaix�o e simpatia. Ningu�m pode odiar a pessoa que o ama silenciosamente e sem esperan�a. O bom velho sentia-se lisonjeado da vegeta��o amorosa que seus olhos faziam brotar dos cora��es. Da� em diante come�ou uma luta entre as duas mulheres de que eram campo e objeto o cora��o de Jo�o Barbosa. Uma tratava de demolir a influ�ncia da outra; os dois interesses esgrimiam com todas as armas que tinham � m�o. Jo�o Barbosa era um joguete entre ambas � uma esp�cie de bola de borracha que uma atirava �s m�os da outra, e que esta de novo lan�ava �s da primeira. Quando estava com Lucinda suspeitava de Joana; quando com Joana suspeitava de Lucinda. Seu esp�rito, debilitado pelos anos, n�o tinha consist�ncia nem dire��o; uma palavra o dirigia ao sul, outra o encaminhava ao norte. A esta situa��o, j� de si complicada, vieram juntar-se algumas circunst�ncias desfavor�veis a D. Lucinda. O sobrinho Jos� n�o cessava as suas insinua��es; ao mesmo tempo os parentes da interessante vi�va entraram a rodear o velho, com tal sofreguid�o, que, apesar de sua boa vontade, este desconfiou seriamente das inten��es da noiva. Nisto sobreveio um ataque de reumatismo. Obrigado a n�o sair de casa, era a D. Joana que cabia desta vez exclusivamente a dire��o do esp�rito de Jo�o Barbosa. D. Lucinda foi visit�-lo algumas vezes; mas o papel principal n�o era seu. A caseira n�o se poupou a esfor�os para readquirir a antiga influ�ncia; o velho rica�o saboreou de novo as del�cias da dedica��o de outro tempo. Ela o tratava, amimava e conversava; lia-lhe os jornais, contava-lhe a vida dos vizinhos entremeada de velhas anedotas adequadas � narra��o. A dist�ncia e a aus�ncia eram dois dissolventes poderosos do amor decr�pito de Jo�o Barbosa. Logo que ele melhorou um pouco foi � casa de D. Lucinda. A vi�va o recebeu com polidez, mas sem a solicitude a que o acostumara. Sucedendo a mesma coisa outra vez, Jo�o Barbosa sentiu que, pela sua parte, tamb�m o primitivo afeto esfriara um
pouco. D. Lucinda contava agu�ar-lhe o afeto e o desejo mostrando-se fria e reservada; sucedeu o contr�rio. Quando quis resgatar o que perdera, era um pouco tarde; contudo n�o desanimou. Entretanto, Jo�o Barbosa voltara � casa, onde a figura de D. Joana lhe pareceu a mais ideal de todas as esposas. � Como � que n�o me lembrei h� mais tempo de casar com esta mulher? pensou ele. N�o fez a pergunta em voz alta; mas D. Joana pressentiu num olhar de Jo�o Barbosa que aquela id�ia alvorecia em seu generoso esp�rito. Jo�o Barbosa voltou a concentrar-se em casa. D. Lucinda, ap�s os primeiros dias, derramou o cora��o em longas cartas que eram pontualmente entregues em casa de Jo�o Barbosa, e que este lia em presen�a de D. Joana, posto fosse em voz baixa. Jo�o Barbosa, logo � segunda, quis ir reatar o v�nculo roto; mas o outro v�nculo que o prendia � caseira era j� forte e a id�ia foi posta de lado. D. Joana achou enfim meio de subtrair as cartas. Um dia, Jo�o Barbosa chamou D. Joana a uma confer�ncia particular. � D. Joana, chamei-a para lhe dizer uma coisa grave. � Diga. � Quero fazer a sua felicidade. � J� n�o a faz h� tanto tempo? � Quero faz�-la de modo mais positivo e duradouro. � Como? � A sociedade n�o cr�, talvez, na pureza de nossa afei��o; confirmemos a suspeita da sociedade. � Senhor! exclamou D. Joana com um gesto de indigna��o t�o nobre qu�o simulado. � N�o me entendeu, D. Joana, ofere�o-lhe a minha m�o... Um acesso de asma, porque ele tamb�m padecia de asma, veio interromper a conversa no ponto mais interessante. Jo�o Barbosa gastou alguns minutos sem falar nem ouvir. Quando o acesso passou, sua felicidade, ou antes a de ambos, estava prometida de parte a parte. Ficava assentado um novo casamento. D. Joana n�o contava com semelhante desenlace, e aben�oou a vi�va que, pretendendo casar com o velho, sugeriu-lhe a id�ia de fazer o mesmo e a encaminhou �quele resultado. O sobrinho Jos� � que estava longe de crer que havia trabalhado simplesmente para a caseira; tentou ainda impedir a realiza��o do plano do tio, mas este �s primeiras palavras f�-lo desanimar. � Desta vez, n�o cedo! respondeu ele; conhe�o as virtudes de D. Joana, e sei que pratico um ato digno de louvor. � Mas...
� Se continuas, pagas-me! Jos� recuou e n�o teve outro rem�dio mais que aceitar os fato consumados. O pobre septuagen�rio treslia evidentemente. D. Joana tratou de apressar o casamento, receosa de que, ou algumas das v�rias mol�stias de Jo�o Barbosa, ou a pr�pria velhice desse cabo dele, antes de arranjadas as coisas. Um tabeli�o foi chamado, e tratou, por ordem do noivo, de preparar o futuro de D. Joana. Dizia o noivo: � Se eu n�o tiver filhos, desejo... � Descanse, descanse, respondeu o tabeli�o. A not�cia desta resolu��o e dos atos subseq�entes chegou aos ouvidos de D. Lucinda, que mal p�de crer neles. � Compreendo que me fugisse; eram intrigas daquela... daquela criada! exclamou ela. Depois ficou desesperada; interpelou o destino, deu ao diabo todos os seus infort�nios. � Tudo perdido! tudo perdido! dizia ela com uma voz arrancada �s entranhas. Nem D. Joana nem Jo�o Barbosa a podiam ouvir. Eles viviam como dois namorados jovens, embebidos no futuro. Jo�o Barbosa planeava mandar construir uma casa monumental em algum dos arrabaldes onde passaria o resto de seus dias. Conversavam das divis�es que a casa devia ter, da mob�lia que lhe convinha, da ch�cara, e do jantar com que deviam inaugurar a resid�ncia nova. � Quero tamb�m um baile! dizia Jo�o Barbosa. � Para qu�? Um jantar basta. � Nada! H� de haver grande jantar e grande baile; � mais estrondoso. Demais, quero apresentar-te � sociedade como minha mulher, e fazer-te dan�ar com algum adido de lega��o. Sabes dan�ar? � Sei. � Pois ent�o! Jantar e baile. Marcou-se o dia de ano bom para celebra��o do casamento. � Come�aremos um ano feliz, disseram ambos. Faltavam ainda dez dias, e D. Joana estava impaciente. O sobrinho Jos�, alguns dias arrufado, fez as pazes com a futura tia. O outro aproveitou o ensejo de vir pedir o perd�o do tio; deu-lhe os parab�ns e recebeu a b�n��o. J� agora n�o havia rem�dio sen�o aceitar de boa cara o mal inevit�vel. Os dias aproximaram-se com uma lentid�o mortal; nunca D. Joana os vira mais compridos. Os ponteiros do rel�gio pareciam padecer de reumatismo; o sol devia ter por for�a as pernas inchadas. As noites pareciam-se com as da eternidade.
Durante a �ltima semana Jo�o Barbosa n�o saiu de casa; todo ele era pouco para contemplar a pr�xima companheira de seus destinos. Enfim raiou a aurora cobi�ada. D. Joana n�o dormia um minuto sequer, tanto lhe trabalhava o esp�rito. O casamento devia ser feito sem estrondo, e foi uma das vit�rias de D. Joana, porque o noivo falava em um grande jantar e meio mundo de convidados. A noiva teve prud�ncia; n�o queria expor-se e exp�-lo a coment�rios. Conseguira mais; o casamento devia ser celebrado em casa, num orat�rio preparado de prop�sito. Pessoas de fora, al�m dos sobrinhos, havia duas senhoras (uma das quais era madrinha) e tr�s cavalheiros, todos eles e elas maiores de cinq�enta. D. Joana fez sua apari��o na sala alguns minutos antes da hora marcada para celebra��o do matrim�nio. Vestia com severidade e simplicidade. Tardando o noivo, ela mesma o foi buscar. Jo�o Barbosa estava no gabinete j� pronto, sentado ao p� de uma mesa, com uma das m�os cal�adas. Quando D. Joana entrou deu com os olhos no grande espelho que ficava defronte e que reproduzia a figura de Jo�o Barbosa; este estava de costas para ela. Jo�o Barbosa fitava-a rindo, um riso de bem-aventuran�a. � Ent�o! disse D. Joana. Ele continuava a sorrir e a fit�-la; ela aproximou-se, rodeou a mesa, olhou-o de frente. � Vamos ou n�o? Jo�o Barbosa continuava a sorrir e a fit�-la. Ela aproximou-se e recuou espavorida. A morte o tomara; era a melhor das noivas.