Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais – FAFIC Departamento de Filosofia – DFI Disciplina: Seminário de Monografia II Professor: Adalberto Ximenes Aluno: Elon Torres Almeida.
A Filosofia, ontem e hoje. A maioria das pessoas admite saber menos a respeito de Filosofia do que de qualquer outra ciência. Embora possam não ter uma idéia sobre que tipo de trabalho, no momento atual, os pesquisadores estejam realizando em suas ciências, entendem, contudo, qual seja o objetivo geral que pretende alcançar. Mas qual é o objetivo da Filosofia? A Origem da palavra nos lembra que o filósofo é aquele que ama a sabedoria, mas todos nós, mesmo acadêmicos, não amamos igualmente? Que, de especial, faz o filósofo para se associar assim à sabedoria? Do que trata a Filosofia? Alguns acham que a Filosofia é o estudo da sabedoria do passado. Sendo assim, teríamos de concordar que, há muito, a Filosofia estaria morta também. Há outra pergunta. Os que ensinam Filosofia ou escrevem sobre Filosofia são efetivamente filósofos? Ou sua missão seria, apenas, transmitira sabedoria dos filósofos a cada nova geração de estudantes? Isto é importante, mas não é a tarefa principal. Eu diria que a atividade filosófica mais importante consiste no esforço sincero e na procura inteligente de soluções para o problema que afligem a época em que vivemos. Tentar construir uma solução para o problema é mais importante do que a descrição daquilo que algum sábio disse a respeito do assunto, numa época diferente da nossa. Realmente, os problemas filosóficos mais importantes são antigos e são também presentes. As respostas encontradas pelos filósofos são importantes, embora nem sempre definitivas. O que eles
disseram vale a pena ser discutido, pois podemos verificar o que faltava às suas explicações para serem mais conclusivas. O interesse primordial da Filosofia é com os problemas não resolvidos. Os aspectos históricos da nossa disciplina são também importantes porque podem nos ajudar nessa tarefa. Por que estes problemas, pelos quais a Filosofia se interessa, permanecem sem solução? Uma resposta simples a esta pergunta é que estes são exatamente os problemas que restam depois de termos resolvido todas as outras situações que foram solucionadas pela descoberta de novos fatos. Vamos dar um exemplo. A Física, a Química, a Biologia, a Economia, a Psicologia etc. podem resolver muitos problemas, que, no final, dão origem a outros problemas, sobre os quais essas ciências não têm alcançado. São exatamente estes novos problemas que constituem o objetivo da Filosofia. Os problemas filosóficos exigem argumentos racionais e lógicos. Não são tratados à base de experiências de laboratório, nem de cálculos matemáticos, mas a partir de uma explicação racional, com validade geral e aceitação para sua época. Vemos outro problema mais amplo. Cada ciência explica sua parte da realidade, mas qual vai dizer o que é esta realidade universal, cósmica, infinita, da qual fazemos parte, como a gota d’água faz parte do seu oceano? A Filosofia de cada um Afrânio Coutinho escreveu um livro intitulado A Filosofia de Machado de Assis. Ora Machado de Assis nunca fez, no sentido rigoroso e sistemático, Filosofia. Como todos, porém, tinha ele a sua filosofia de vida e sob este aspecto que o título do livro tem propriedade. Num sentido vulgar e de uso corrente na linguagem comum, Filosofia é uma visão do mundo, uma concepção de vida, que o homem adota para uso pessoal. É nesta concepção que se pode falar numa filosofia de vida mais pessimista ou mais otimista, menos séria ou mais boêmia. Esta filosofia de vida é muito importante para o destino que cada um determinou seguir. Se perceber a realidade como má e hostil, terá sua vida influenciada por esta visão. A realidade e um convite permanente à reflexão. A Filosofia aparece quando um pensamento mais tradicional e lógico faz uma explicação da realidade que passa a ser uma síntese e um símbolo de sua época. O homem, antes da Filosofia, já havia pretendido compreender a realidade, de modo mais abrangente, através da religião, da Mitologia e da arte.
Na representação artística não deixava de existir uma forma de compreensão do mundo. A Arte remonta a mais de oitenta mil anos, é época de que datam as primeiras pinturas das cavernas. A Religião é uma visão do mundo, do homem e do destino, mas segundo suas crenças. A Filosofia, por sua vez, é uma visão racional e crítica da realidade, apoiada apenas na capacidade de pensar. Sentido etimológico. A primeira vez que a palavra filosofia apareceu foi sob a forma verbal filosofar (Heródoto, 484-425? A.C.), com o significado de esforçarse por adquirir novos conhecimentos. O historiador grego se refere à observação de Creso, rei da Lídia, feita a Sólon, o legislador ateniense. “Ouvi dizer que viajaste por muitas terras como que filosofando, isto é, como que buscando adquirir novos conhecimentos” (Hist. I,30). Já segundo Cícero, foi Pitágoras o criador do vocábulo filosofia. “Quando o príncipe Leonte, comenta ele, perguntou a Pitágoras em que arte era versado, respondeu-lhe que em nenhuma. Era um filósofo, isto é, um estudioso e amigo da sabedoria: um filó-sofos.” No tempo dos sofistas e de Sócrates, a palavra filosofia era empregada para designar o cultivo sistemático de qualquer conhecimento teórico. O pensamento mítico Vejamos, primeiro, este tipo de pensamento para, em seguida, entender a Filosofia. Evidentemente, o pensamento mítico fornecia uma ordenação mental do mundo, capaz de satisfazer às exigências racionais da mente primitiva. Depois da explicação, a mente sente-se como que dona da situação. Apossa-se, apenas intelectualmente, da realidade ou, mais precisamente, de alguns de seus aspectos simbólicos e representativos, e isto a satisfaz. O mito é aquele tipo de pensamento feito com elementos sensíveis e concretos. Ao mesmo tempo, é um conhecimento representativo do meio e de seus problemas. Nossos índios atuais, depois de uma implacável ameaça de mais de 500 anos por parte dos brancos, criaram o seguinte mito explicativo de seu destino, segundo relato de Orlando Vilas Boas. “A três índios diferentes foram dados um arco branco, um arco preto e uma carabina. Os três chegaram às margens de um lago de águas muito claras. Os dois índios que escolheram os arcos não quiseram entrar no lago, puseram apenas as mãos
em sua águas. As mãos ficaram brancas e eles tentaram limpa-las numa árvore. Aí ouviram a voz de Avinhoka (divindade protetora) que disse: “Assim como a árvore, vocês não serão para sempre”. O terceiro índio, que havia escolhido a carabina, entrou na água e saiu completamente branco. Em seguida foi deitar-se sobre uma pedra. A este, disse Avinhoka: ‘assim como a pedra, você será eterno’. Pode-se perceber uma lógica neste contexto mítico. Ele explica uma realidade sócio-cultural, ou seja, a permanência da cultura do branco e a extinção da cultura indígena. Como em todo mito, o fato é explicado numa linguagem constituída de elementos sensíveis, isto é, que se utiliza de elementos concretos do meio e nunca de leis, princípios, causas ou generalização e abstrações. Os dois primeiros índios que escolheram os arcos, de qualquer que fosse a cor (branca ou preta), foram comparados a uma árvore, enraizada na terra, mas perecível. O que escolheu a carabina era como a pedra, que não está enraizada na terra, mas é indestrutível. Que vem a ser um mito? O pensamento mítico ou, como o denominava Claude Lévi-Strauss, o “pensamento selvagem” é uma forma de explicar e compreender a realidade natural e social (o mundo da Natureza e da Cultura) diferente da nossa. Na explicação mítica não se usam nem esquemas nem princípios abstratos. Este tipo de pensamento teve sua expansão no período neolítico, entre vinte e dez mil anos atrás. Nesta faze, ocorreu a primeira grande revolução da humanidade: a criação da agricultura, da cerâmica e da propriedade particular. Foi um grande salto: de uma vida primitiva e nômade passou-se à produção agrícola e a uma vida comunitária e econômica ativa. Isto representou um grande passo. Entre a revolução verde (agropastoril), com tantas repercussões sociais, e a próxima revolução econômica, que foi a Industrial, passaram-se milhares de anos. É o que se chama de ruptura do neolítico. Como se explicar este intervalo tão grande? A resposta pode estar no tipo ou modo de pensamento existente em cada época. Na primeira, dominava o pensamento mítico, e, na segunda, o científico. A Revolução agrícola fez uma ordenação dos elementos econômicos da Natureza. Em vez de ficar colhendo aleatoriamente espigas de trigo e arroz, o homem passou a cultivar esses produtos dentro de uma determinada ordem. Em vez de ficar caçando, passou a domesticar os animais. O pensamento mítico, do mesmo modo, caracteriza-se como um
processo de ordenação de elementos concretos: coisas, seres vivos, pessoas, para significar a realidade que pretendiam explicar. Assim cria-se um saber a partir do sensível, empregando-se outros elementos concretos e sensíveis para explicar uma realidade concreta (que está à nossa frente).
“Mito é, pois, um conjunto fechado de conhecimento, capaz de ordenar e dar significação a realidade do meio, importante e prioritário para o homem.”
Ciência e mito O pensamento mítico, característico da fase pré e pós-neolítica, prevaleceu até o aparecimento da Filosofia, no século VII a.C. O conjunto do saber adquirido pelo pensar mítico, neste longo período, forma o que a Antropologia chama de Ciência de Conceito. Entenda-se por esta expressão aquela sistematização e elaboração da realidade feita pelos mitos. Sua metodologia consistia em explicar os fatos e a realidade, quer natural quer cultural, por meio de outros fatos e realidades sensíveis do meio. Era uma “metodologia” ou modo de agir da mente. O mito, como vimos, ordena e explica uma realidade concreta por meio de elementos sensíveis pertencentes à realidade social ou natural. O mito não é um conhecimento que busca a verdade objetiva das coisas, procurando seus princípios e causas determinantes. Este novo tipo de conhecimento surgiu muito depois, há vinte e cinco séculos. Quando a mente começou a procurar a verdade das coisas, a relação causa e efeito, as leis gerais explicativas dos fatos particulares, só então se inaugurou uma nova fase do saber humano, que a Antropologia denomina de Ciência do Abstrato, a princípio com o nome de Filosofia e que, depois, continuou se aperfeiçoando e se desdobrando nas várias ciências. Estas, por sua vez, possibilitam a segunda Grande Revolução, a Industrial, seguida pela Revolução Eletrônica dos nossos dias. Com a Filosofia se iniciou um tipo de conhecimento visando à verdade. Enquanto na fase anterior ou mítica havia um conhecimento que visava à ordenação e significação do mundo, neste se buscava a essência e a verdade da realidade. Foi, pois, preciso chegar às ciências experimentais modernas para que ocorresse o segundo salto significativo, o da Revolução
Industrial e o da Revolução Eletrônica ou Tecnológica dos nossos dias. O longo intervalo de doze mil anos que existiu entre a Revolução Agrícola e a revolução Industrial do século XIX deveu-se, portanto, aos dois tipos de conhecimento existentes em cada período. O Conhecimento mítico era muito limitado, por não ter generalizações. Desse modo, não permitia dedução, raciocínio, cálculos, nem qualquer possibilidade de se extrair dele alguma conclusão. Servia apenas para explicar um fato e se encerrava ali. Por este motivo, não possibilitou outro tipo de tecnologia que a domesticação de animais e a lavoura, na Revolução Agrícola e Pastoril a que nos referimos. Depois deste grande passo inicial, a humanidade estacionou até que a mente criasse novas formas de pensar. É importante observar que os mitos não pretendiam explicar apenas a Natureza e seus fenômenos. Havia uma preocupação constante em ordenar e criar conhecimento a respeito do social. A explicação da hierarquia humana e dos fatos econômicos era uma constante.