A Empresa Viva[1]

  • August 2019
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A empresa viva A elevada taxa de mortalidade corporativa pode ser combatida com mudanças nas prioridades e a incorporação de alguns traços comuns a organizações centenárias. Por Arie de Geus O que explica a diferença entre algumas companhias que existem há mais de 100 anos e a média de vida das empresas1 que não supera 20 anos? Uma equipe da empresa Royal Dutch Shell, que tinha entre seus integrantes o vice-presidente Arie de Geus, hoje da London Business School e do MIT, encontrou respostas para a questão em um estudo. Muitas empresas morrem jovens porque suas políticas e práticas enfatizam a produção de bens e serviços, de acordo com esse estudo, esquecendo que são comunidades de pessoas que fazem negócios para permanecer vivas. Em contraposição, as “empresas vivas”, que funcionam como se fossem um rio segundo o autor, têm outras prioridades: valorizar as pessoas, flexibilizar a direção e o controle, organizar-se para aprender e criar uma comunidade. Além disso, elas compartilham algumas características, como conservadorismo na gestão das finanças, sensibilidade ao ambiente externo, consciência de sua identidade e tolerância a novas idéias. O estudo em que se baseia este artigo focalizou 30 organizações na América do Norte, na Europa e no Japão com mais de 100 anos de idade, forte identidade corporativa e destaque em seu setor de atividade. Entre elas, DuPont W.R. Grace, Kodak, Mitsui, Sumitomo e Siemens. Ele é relatado integralmente no livro A Empresa Viva, de Geus, publicado no Brasil no ano passado pela editora Campus.

No mundo das instituições, as empresas comerciais são membros recém-chegados. Elas existem há apenas 500 anos - uma minúscula fração de tempo no curso da civilização humana. Nesse período, têm desfrutado um enorme sucesso como produtoras de riqueza material. Foram responsáveis pela explosão populacional mundial, fornecendo os produtos e serviços que tornaram possível uma vida civilizada. Quando analisadas à luz de seu potencial, no entanto, muitas empresas comerciais ainda têm um longo caminho por percorrer Elas estão em uma fase primitiva de evolução; desenvolvem e exploram apenas uma pequena fração de seu potencial. Analisemos sua alta taxa de mortalidade. Em 1983, cerca de um terço das 500

maiores empresas listadas pela revista Fortune em 1970 havia sido adquirido ou desmembrado ou fundido com outras empresas. Como sabemos que muitas dessas mortes são prematuras? Porque temos provas de que as empresas podem durar muito mais. A Sumitomo, do Japão, tem origem em uma fundição de cobre aberta por Riemon Soga em 1590. A empresa sueca Stora, atualmente uma grande fabricante de papel, celulose e produtos químicos, começou como mina de cobre na região central da Suécia há mais de 700 anos. Exemplos como esses sugerem que a longevidade natural de uma empresa poderia ser de dois ou três séculos, ou mais. As implicações dessas estatísticas são deprimentes. A diferença entre a longevidade de

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uma Sumitomo ou uma Stora e a vida efêmera da empresa comum representa um potencial desperdiçado. As pessoas, as comunidades e as economias são afetadas - e até destruídas- pela morte prematura de empresas. A alta taxa de mortalidade empresarial não parece natural. Nenhuma espécie viva apresenta tal discrepância entre sua expectativa máxima de vida e a longevidade média que alcança. E são poucas as instituições de outros tipos - igrejas, exércitos ou universidades - que apresentam o recorde terrível de mortalidade da empresa comercial.

As empresas morrem jovens Por que tantas empresas morrem jovens? As provas acumuladas indicam que as empresas fracassam porque suas políticas e práticas se baseiam predominantemente no pensamento e na linguagem da economia. Em outras palavras, as empresas morrem porque seus executivos se concentram exclusivamente na produção de bens e serviços e se esquecem de que sua organização é uma comunidade de seres humanos que trabalha em uma empresa - de qualquer tipo - para se manter viva. Os executivos se preocupam com terra, trabalho e capital e negligenciam o fato de que “trabalho” significa pessoas de verdade. O que há de tão especial sobre as empresas duradouras? As que eu passei a chamar de “empresas vivas” têm uma personalidade que lhes permite evoluir harmoniosamente. Elas sabem quem são, entendem qual seu papel no mundo, valorizam novas idéias e novas pessoas e administram o dinheiro de uma maneira que lhes propicia controle sobre seu futuro. Resumindo, as empresas vivas produzem bens e serviços para ganhar seu sustento exatamente como nós fazemos por meio de nossos empregos. Antes de discutir as características da empresa viva com mais profundidade são necessárias certas informações históricas. Em 1983, um grupo da Shell do qual eu fazia parte decidiu aprender mais sobre a longevidade empresarial estudando companhias mais antigas que a nossa. Como naquela época a Shell já tinha cerca de 100 anos, decidimos analisar empresas que já existissem nos últimos 25 anos do século XIX, fossem importantes em seu setor e ainda possuíssem uma forte identidade corporativa.

Nossa equipe descobriu 30 organizações na América do Norte, na Europa e no Japão que atendiam àqueles critérios. As empresas tinham de 100 a 700 anos e 27 delas - como DuPont, W.R. Grace, Kodak, Mitsui, Sumitomo e Siemens- dispunham de excelente documentação.

Expectativa de vida: 20 anos A primeira coisa que aprendemos foi que a vida média de uma organização é muito menor do que sua vida média potencial. Já tínhamos algumas indicações a respeito nas listas das 500 maiores empresas da revista Fortune, e conseguimos confirmar esses dados em registros públicos da América do Norte, da Europa e do Japão. Na maioria desses lugares, a lei exige que a abertura e o fechamento de firmas sejam registrados. Pelo estudo desses dados conseguimos obter estatísticas "populacionais" e três informações valiosas: índice de empresas fundadas, índice de empresas encerradas e a população total. Assim, pudemos calcular a expectativa média de vida das organizações, que, no Hemisfério Norte, era bem inferior a 20 anos. Somente as grandes empresas que estudamos e haviam começado a se expandir depois de sobreviverem à infância - período em que a taxa de mortalidade é extremamente alta continuaram ativas por outros 20 a 30 anos, em média. Aparentemente a empresa é uma espécie com uma expectativa máxima de vida na casa das centenas de anos, mas com uma expectativa média de vida inferior a 50 anos. Se essa espécie fosse o Homo sapiens, poderíamos afirmar com toda certeza que ainda estaria na era de Neanderthal - ainda não teria realizado seu potencial. A segunda observação extraída do estudo da Shell é que as empresas vivas são muito eficientes na "gestão para a mudança", como dizemos hoje. A Stora, exemplo mais expressivo de nosso estudo, sobreviveu à Idade Média, à Reforma, às guerras do século XVII, à Revolução Industrial e às duas grandes guerras do século XX. Durante a maior parte de sua existência, dependeu de mensageiros, cavaleiros e navios para transmitir ou receber mensagens, em vez de usar telefones, aviões e redes eletrônicas. O ramo de atividade da Stora

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mudou do cobre para a exploração florestal, fundição de ferro, energia hidrelétrica e finalmente papel, celulose e produtos químicos. Ao longo do tempo, suas tecnologias de produção

passaram do vapor para a combustão interna, depois para a eletricidade e para o microchip. E a Stora continua a se adaptar a um mundo em permanente mudança.

A Stora tem vida longa porque se adapta a um mundo mutante. Passou dos cavalos para os aviões, da extração de cobre para os químicos, do vapor para o microchip. Os traços comuns das bemsucedidas O que as empresas extraordinariamente bemsucedidas têm em comum? Nosso grupo descobriu quatro traços de personalidade em comum que poderiam explicar sua longevidade. •

Conservadorismo nas finanças.

Essas empresas não arriscavam gratuitamente seu capital. Entendiam o significado do dinheiro à moda antiga e sabiam como era útil ter reservas em caixa. Com dinheiro na mão, podiam agarrar oportunidades que seus concorrentes não conseguiam. Não precisavam convencer financistas externos sobre a atratividade das oportunidades que desejavam explorar Essa reserva de caixa lhes permitia governar seu crescimento e evolução. •

distâncias, e mesmo assim conseguiam reagir de forma oportuna às condições então existentes. Eram competentes em aprendizagem e adaptação. •

Consciência de sua identidade.

A despeito da extensão de sua diversificação, os funcionários dessas organizações se sentiam partes de um todo. Os casos estudados demonstram repetidamente que a sensação de pertencer a uma comunidade é essencial para a longevidade da empresa. Os executivos das empresas vivas que estudamos eram, na maioria, provenientes da própria firma, e todos se consideravam servidores de um empreendimento duradouro. Sua maior prioridade era, no mínimo, manter a instituição tão saudável quanto no momento em que assumiram o cargo. •

Tolerância a novas idéias.

Sensibilidade ao ambiente externo.

Independentemente de terem construído suas fortunas com base no conhecimento (como as inovações tecnológicas da DuPont) ou em recursos naturais (como o acesso da Hudson Bay Company às peles das florestas canadenses), as empresas vivas de nosso estudo foram capazes de se adaptar às mudanças que ocorriam no mundo à sua volta. No vaivém de guerras, depressões, tecnologias e políticas, sempre primaram por manter os sensores ligados em tudo que estivesse acontecendo em torno. Em termos de informações, às vezes dependiam de meios de transporte terrestre e marítimo que precisavam percorrer longas

As empresas longevas de nosso estudo toleravam atividades que ocorriam à margem: experiências e excentricidades que expandiam seus conhecimentos. Reconheciam que as novas firmas criadas não precisavam estar interrelacionadas com as existentes, ou seja, que a diversificação de atividades não precisava ter um controle centralizado. Desde o início, a W.R. Grace estimulou a experiência autônoma. A empresa foi fundada em 1854 no Peru por um imigrante irlandês e comercializava guano, um fertilizante natural, antes de passar para os ramos de açúcar e estanho. Acabou fundando a Pan American Airways. Atualmente fabrica basicamente produtos químicos, embora tam-

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bém seja uma das grandes prestadoras de serviços de diálise nos EUA. Por definição, uma organização que sobrevive mais de um século atua em um mundo sobre o qual não pode ter expectativas de controle. Nesse sentido, as multinacionais são semelhantes às empresas longevas de nosso estudo. Atuam em um mundo muito grande, que abrange várias culturas, e é inerentemente menos estável e mais difícil de influenciar do que um ambiente nacional confinado. As multinacionais, como as empresas duradouras, precisam estar dispostas a mudar para ter sucesso.

Prioridades Esses quatro traços formam o caráter essencial

das empresas que vêm funcionando com sucesso por centenas de anos. Dada essa personalidade básica, quais as prioridades que seus executivos estabelecem para si e para seus subordinados? O executivo de uma empresa viva entende que dar continuidade à sobrevivência da empresa significa entregá-la a seu sucessor com, no mínimo, a mesma saúde que tinha quando ele assumiu o cargo. Para isso, precisa deixar as pessoas crescerem dentro de uma comunidade que se mantém coesa devido a valores claramente definidos. É preciso, portanto, colocar o compromisso com as pessoas antes dos ativos, o respeito pela inovação antes da devoção às políticas, a desordem da aprendizagem antes dos procedimentos ordenados e a perpetuação da comunidade antes de todas as outras preocupações.

Valorizar as pessoas em vez dos ativos. Isso explica por que todas as 27 empresas longevas mudaram completamente de ramo de atividade pelo menos uma vez •

Valorizar as pessoas, não os ativos.

Essa inversão das prioridades tradicionais de gestão é comprovada por uma descoberta surpreendente de nosso estudo: cada uma das 27 organizações longevas mudou completamente de ramo de atividade pelo menos uma vez. A DuPont, que tem cerca de 200 anos, começou como fabricante de pólvora. Nos anos 20, era a maior acionista da General Motors e hoje especializa-se em produtos químicos. A Mitsui, com cerca de 300 anos, era uma loja de tecidos. Transformou-se em banco, depois em mineradora e, no final do século XIX, entrou no setor de fabricação industrial. Essas histórias indicam que tais empresas estão dispostas a descartar os ativos para sobreviver Para elas, os ativos - e os lucros - são como oxigênio: necessário para a vida mas não a finalidade da vida. A Stora explorava cobre para existir; não existia para estar no ramo de cobre. Essas empresas sabem que os ativos são apenas meios para ganhar seu sustento. Uma firma que segue um modelo diferente de gestão descarta as pessoas para salvar sua fábrica e seus

equipamentos, considerados a essência de sua existência. •

Afrouxar a direção e o controle.

Se a saúde a longo prazo da empresa e a sobrevivência por sucessivas gerações exigem uma disposição para mudar de ramo de atividade, os executivos precisam levar em conta as opiniões e experiências de outras pessoas. A organização precisa dar aos indivíduos um espaço para o desenvolvimento de idéias e certa liberdade em relação ao controle, à direção e à punição por fracassos. Em outras palavras, é preciso colocar em prática o princípio da tolerância, assumindo riscos com as pessoas e procurando novas idéias em novos lugares. Talvez a melhor maneira de ilustrar essa idéia seja a metáfora do cultivo de rosas. Toda primavera os jardineiros precisam decidir como podar as roseiras. Podar muito significa deixar cada roseira com três ramos, escolhidos entre os mais fortes, e cada um deles com três brotos. Essa técnica força a planta a canalizar todos os seus recursos para um número

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relativamente pequeno de brotos. E por que podar as roseiras dessa forma? Para ter as maiores rosas do bairro no verão. Eu não costumo podar muito, porque essa é uma estratégia de alto risco. Eu moro em um lugar na montanha onde minhas rosas podem sofrer muito. As geadas noturnas são comuns até meados da primavera e os cervos, que adoram os botões, vivem livremente. Se eu podar muito, se houver geada e se os cervos estiverem famintos, posso chegar ao verão sem nenhuma rosa. Portanto, eu deixo de cinco a sete ramos em cada pé, e de cinco a sete brotos em cada ramo. Assim, a roseira pode dividir seus recursos entre muitos brotos. Eu nunca tive as maiores rosas da vizinhança, mas não passo um verão sem rosas no jardim.

Algo mais acontece ao podar da minha maneira por vários anos seguidos: surpresas. Em dois ou três anos, alguns dos ramos novos crescem muito mais fortes e começam a produzir brotos, e alguns dos ramos antigos param de produzir rosas. O que podemos fazer? Remover os caules antigos e estimular os novos. Uma política tolerante de poda renova gradualmente o nosso portfólio de rosas. A metáfora do cultivo de rosas também ajuda a resolver um dos dilemas atuais da gestão de empresas: como diversificar sem "dar sopa" para o desastre. Uma política de tolerância permite que a rosa e o meio ambiente se integrem continuamente sem colocar em risco a capacidade de crescimento da roseira.

É exatamente quando a empresa está totalmente organizada que as circunstâncias externas podem mudar. Ela precisa se organizar para isso. •

Organizar-se para aprender.

Há ocasiões em que o know-how, o portfólio de produtos e as relações trabalhistas de uma organização estão em harmonia com o ambiente externo. As situações são conhecidas, a empresa está bem estruturada e os funcionários estão treinados e preparados. Nesses períodos, os executivos não precisam desenvolver e implementar novas idéias. Sua tarefa é destinar recursos para promover o crescimento e o desenvolvimento, canalizando o capital e as pessoas para aquelas áreas da organização que estejam mais bem posicionadas para receber os benefícios da situação presente dos negócios. Essas áreas se tornam, então, maiores, mais sólidas e mais poderosas. Mas é exatamente quando a empresa está totalmente organizada que as circunstâncias externas podem mudar. Novas tecnologias entram em cena, os mercados mudam, as taxas de juros flutuam, as preferências dos consumidores se alteram e a empresa precisa entrar em uma nova fase de vida. Para permanecer sintonizada com o mundo exterior, ela precisa ser capaz de alterar sua estratégia de

marketing, seu portfólio de produtos, sua organização e o local e a maneira de produzir bens ou serviços. Uma vez adaptada ao novo ambiente, a organização deixa de ser o que era; ela evolui. Essa é a essência do aprendizado. Como uma organização - diferentemente de uma pessoa - aprende? Os pássaros podem ajudar a responder a essa pergunta. Analisemos o trabalho de Allan Wilson, professor já falecido de bioquímica e química molecular da University of California de Berkeley, nos EUA. Segundo a hipótese de Wilson, uma espécie inteira pode melhorar sua capacidade de explorar as oportunidades do ambiente. São necessárias três condições. Primeira, os membros da espécie precisam ter e usar a capacidade de se movimentar e precisam se deslocar em bandos em vez de permanecer sozinhos em territórios isolados. Segunda, alguns deles precisam ter potencial para inventar novos comportamentos - novas habilidades. Terceira, a espécie precisa ter um processo estabelecido para transmitir a habilidade de um indivíduo para toda a comunidade, não geneticamente, mas por meio da comunicação direta. Segundo Wilson, a presença dessas três

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condições acelera o aprendizado na espécie como um todo, aumentando sua capacidade de se adaptar rapidamente a mudanças profundas no ambiente. Para testar sua hipótese, Wilson recorreu a um caso bem documentado sobre o comportamento dos chapins e dos tordos-vermelhos na GrãBretanha. No fim do século XIX, as garrafas de leite que os leiteiros deixavam na porta das casas não tinham tampa. A nata chegava até a boca da garrafa. Dois pássaros de jardim muito comuns na Grã-Bretanha, o chapim e o tordo vermelho, começaram a comer a nata. Nos anos 30, depois de os passarinhos saborearem a nata por cerca de 50 anos, os britânicos passaram a fechar as garrafas de leite com uma tampa de alumínio. O que aconteceu? No início dos anos 50, a população total estimada de chapins do Reino Unido, que chegava a um milhão da Escócia à Cornualha, havia aprendido a furar as tampas de alumínio. Os tordos jamais adquiriram essa habilidade. Por que os chapins conseguiram uma vantagem na concorrência interespécies? Lembremos as condições necessárias apontadas por Wilson para que o aprendizado ocorra em uma população: um grande número de indivíduos com mobilidade, alguns deles com capacidade para inovar e um sistema social para propagar a

inovação. Os tordos-vermelhos não tinham esse tipo de sistema social. Obviamente, os tordos cantam, são coloridos e têm mobilidade, mas são pássaros fundamentalmente territoriais. Quatro ou cinco tordos moram em meu jardim, e cada um tem seu pequeno território. Eles se comunicam muito entre si, mas em geral só para dizer aos outros: "Fora do meu território!" Os chapins também adoram meu jardim. Vivem em pares durante a primavera e no meio do verão começam a voar em bandos de oito, dez e 12. Eles voam de jardim para jardim, brincam e se alimentam. Os pássaros que se congregam aprendem mais rapidamente. O mesmo acontece com as organizações que estimulam seus funcionários a se congregar. Em qualquer organização com centenas de pessoas certamente existem algumas suficientemente curiosas para abrir caminho para novas descobertas, como os chapins que descobriram como furar a tampa do leite. Todavia, ter algumas pessoas inovadoras não garante o aprendizado institucional. A organização precisa estimular essas pessoas a interagir com as outras. Os skunk works (bolsões de espaço organizacional reservados para grupos de pessoas que trabalham sem a interferência do restante da organização) são um exemplo desse fenômeno.

Os pássaros que se congregam aprendem mais rapidamente. O mesmo ocorre com as empresas que estimulam seu pessoal a se congregar; pois uns puxam os outros. Os programas de desenvolvimento gerencial também são uma excelente oportunidade para que as pessoas se congreguem. A Shell, por exemplo, gasta cerca de US$ 2.400 por funcionário todos os anos em treinamentos que os ajudam a progredir em seus campos de atividade, mudar para outras áreas e desenvolver novas habilidades. Mais significativo ainda, a grande maioria desses treinamentos é feita em grupo. É muito importante para equipes formadas por indivíduos completamente diferentes passar juntas por treinamentos periódicos intensivos. Esse tipo de experiência ajuda a disseminar o conhecimento na

organização e reúne pessoas oriundas de ambientes culturais diferentes e de diversas áreas profissionais e acadêmicas. E comum os participantes dos cursos comentarem: "Não foi tanto o que aprendi nas sessões formais, o importante foi o que aprendi com os colegas durante os intervalos". •

Criar uma comunidade.

Os executivos precisam decidir como posicionar o elemento humano em sua empresa. Podem optar por produzir riqueza para um pequeno círculo de dirigentes e investidores, ou

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desenvolver uma organização que seja uma comunidade. Os que querem construir uma organização que consiga sobreviver por muitas gerações colocam o desenvolvimento dos funcionários acima de qualquer outra consideração e atribuem prioridade a questões do tipo "como devemos nos preparar para garantir a continuidade de geração para geração". Nas organizações em que apenas alguns recebem os benefícios acumulados, todos os demais são estranhos, não membros, De acordo com o contrato implícito firmado com a empresa, esses estranhos trocam seu tempo e experiência por dinheiro. Como demonstram as inúmeras evidências colhidas pelas ciências do comportamento organizacional, esse tipo de contrato não inspira as pessoas a ser leais ou a se sentir leais à organização ou a seus executivos. Elas entendem que devem trabalhar tendo sempre em mente que, mais cedo ou mais tarde, sairão da empresa. Em minha opinião, uma empresa cujo objetivo é produzir riqueza para alguns é como uma poça

de água - uma série de pingos de chuva reunidos em uma cavidade. As gotas permanecem no fundo. Quando chove, mais pingos se juntam à poça e seu raio de influência se expande, encharcando o chão à volta. Mas os primeiros pingos permanecem no meio da cavidade. A estagnação pode levar à vulnerabilidade. As poças de água não sobrevivem ao aquecimento. Quando o sol aparece e a temperatura sobe, a poça começa a evaporar. Até mesmo as gotas que permaneceram no meio da poça correm o risco de se transformar em vapor. Uma empresa cujo objetivo é a sobrevivência se parece mais com um rio. Ao contrário da poça de água, o rio é um elemento permanente da paisagem. Se chover, ele pode subir. Se fizer sol, pode baixar. Mas somente uma seca prolongada e grave fará o rio desaparecer Da perspectiva dos pingos de água, o rio é muito turbulento. Nenhum pingo permanece no meio do rio por muito tempo. De um momento para outro, a água de outra parte do rio sofre uma mudança. Novos pingos substituem os antigos, e todos seguem a correnteza.

Uma empresa cujo objetivo é produzir riqueza para alguns é como uma poça d'água. Quando chove, se expande. Quando o sol aparece, quase seca. A vida do rio é muito mais duradoura que a vida dos pingos de água. O rio é uma comunidade autoperpetuadora com garantias próprias de continuidade e movimentação da água em seu leito. Ao instituir regras de continuidade e movimentação para seus funcionários, uma empresa pode imitar a longevidade e a força do rio. A empresa viva é exatamente como um rio. Nesse tipo de organização, os executivos consideram que a otimização do capital não passa de um complemento necessário para a otimização das pessoas. Para construir uma empresa rentável e duradoura, tomam o cuidado de criar uma comunidade. Existem processos que definem os membros, estabelecem os valores comuns, recrutam as pessoas,

desenvolvem os funcionários, avaliam seu potencial individual, seguem as normas de um contrato humano e estabelecem políticas para que os profissionais deixem a organização com dignidade.

Confiança mútua Na empresa viva, os membros entendem o que significa "nós" e têm consciência dos valores comuns. Eles sabem a resposta à pergunta fundamental sobre identidade corporativa: "O que valorizamos?" Quem não conseguir conviver com os valores da empresa não pode e não deve fazer parte dela. A sensação de fazer parte do todo une até seus mais diferentes integrantes. A essência do contrato implícito na empresa

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viva é a confiança mútua. Os profissionais sabem que, em troca de seu esforço e compromisso, a organização os ajudará a desenvolver seu potencial. O dinheiro não é considerado um motivador positivo em uma empresa que funciona como um rio. Se o dinheiro é insuficiente, as pessoas ficam insatisfeitas. Entretanto, aumentar a quantia de

dinheiro acima do limite de remuneração suficiente não as motivará a dar mais de si. Para que isso aconteça, os membros precisam saber que a comunidade está interessada neles como indivíduos, e eles precisam estar interessados no destino da empresa. Entidades e pessoas precisam se preocupar mais umas com as outras.

O dinheiro não é considerado um motivador positivo em uma empresa viva. O essencial é a confiança mútua, a preocupação com o outro. Parte dessa preocupação é garantir que os profissionais entrem e saiam da empresa entendendo corretamente as coisas. Os novos funcionários precisam saber que são avaliados tanto com base em sua adequação aos valores e princípios da empresa como por sua capacidade de atender às exigências técnicas do cargo que vão ocupar Em uma empresa viva, os indivíduos contratados sabem perfeitamente que estão lá para desenvolver seu potencial. Isso não significa que têm um contrato de trabalho para toda a vida. Quando não unem suas forças ou partilham os valores da comunidade, não podem permanecer na empresa. Além disso, quando chegam a certa idade, devem se aposentar. A liderança nas empresas vivas é exatamente o oposto daquela ilustrada em uma antiga charge que mostrava 12 diretores idosos concordando com a proposta do presidente de aumentar em mais um ano a idade para aposentadoria. Muitos acionistas e altos executivos não estão interessados em construir uma comunidade de trabalho que se autoperpetue. Preferem que a empresa permaneça como uma máquina de fazer dinheiro para o beneficio de um pequeno círculo. É uma preferência perfeitamente legitima, mas é preciso ter consciência de que essa decisão tem conseqüências sérias. Cada vez mais as empresas funcionam em um mundo que não controlam. As chances de que uma organização possa influenciar o mundo atual em seu beneficio são cada dia menores como os bancos, as seguradoras - as empresas de telecomunicações e os fabricantes de software estão descobrindo. Por quê? Porque a concorrência global está forçando as empresas a sair de seus nichos regionais ou nacionais e

entrar em territórios menos conhecidos. Mesmo as firmas que não se expandem acabam vendo o mundo externo invadir seus territórios. Na aldeia global, é cada vez mais difícil descobrir nichos ou se esconder atrás de barreiras. Em resumo, as empresas que funcionam como maquinas de fazer dinheiro correm o risco de se tornar espécies em extinção que só conseguem sobreviver em reservas protegidas.

Conhecimento e sucesso As empresas vivas que aprendem têm uma chance maior de sobreviver e evoluir em um mundo que não controlam. Elas fazem sentido principalmente porque o sucesso hoje depende da mobilização do maior nível possível de conhecimento. Os altos níveis de tolerância que existem em uma organização viva criam espaço para mais inovação e mais aprendizado. Criar esse espaço é vital para as empresas ricas em conhecimento e pobres em ativos, como as firmas de advocacia e de contabilidade, as administradoras de cartão de crédito e as consultorias financeiras, cujo sucesso depende da qualidade da sua comunidade interna. Mas até mesmo aquele antigo tipo de organização rica em ativos, como as empresas petrolíferas e as montadoras, precisa embutir muito mais conhecimento em seus produtos e serviços hoje do que há 20 anos. A empresa viva tem maior chance de durar mais «'e reduzir o hiato entre as expectativas média e máxima de vida da "espécie". Isso é importante, porque a morte de uma empresa não ocorre sem custos. Todos perdem: funcionários,

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fornecedores, empresas contratadas,

comunidades e acionistas.

Saiba mais sobre Arie de Geus Arie de Geus é professor da London Business School e um dos diretores do centro de Aprendizado Organizacional da Sloan School of Management, escola de administração do Massachusetts Institute of Technology (MIT), de Cambridge, Illinois, EUA. Geus entrou para o Royal Dutch Shell Group em 1951 e se aposentou em 1989 como vice-presidente. Durante pela sua passagem pela Shell, trabalhou nos Países Baixos, na Turquia, na Bélgica, no Brasil e no Reino Unido. Também é diretor do Nijenrode Learning Centre, nos Países Baixos (Holanda). Seu best seller The Living Company foi publicado no Brasil em 1998 pela editora Campus, com o título A Empresa Viva – Como as Organizações Podem Aprender a Prosperar e Se Perpetuar. © Traduzido e reproduzido com autorização da Harvard Business Review. Este artigo foi originalmente publicado com o título The Living Company, pela Harvard Business Review, em março-abril de 1997. Copyright 1997 do presidente e dos membros do Conselho do Harvard College. Todos os direitos reservados. HSM Management 13 - março-abril 1999

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