A Casa de Vidro Ela continuava lá, sentada, com os braços rodeando as suas pernas flectidas e a cabeça entre os joelhos, querendo-se esconder do mundo e acima de tudo, querendo-se esconder de si mesma. Estava calor na sua pequena casa de vidro. Era sempre assim, demasiado calor no Verão, altura em que os raios de sol incidiam cruelmente sobre o vidro e, um frio insuportavel no Inverno, quando começavam a cair os primeiros flocos de neve, tornando o seu céu de vidro num mar branco. Ela estava só. A sua pequena casa não permitia que desse mais de quatro passos entre cada extermidade, e não havia janelas ou portas que lhe dessem a hipotese de fugir da sua prisão. E, para que precisaria ela de janelas quando conseguia ver tudo o que se passava à sua volta? Observava as pessoas que diariamente passavam pela sua pequena casa sem que nenhuma notasse a sua presença. Algumas corriam apressadas, outras davam curtos passos saboreando o tempo. Outras riam, algumas choravam. Ela desejava fazer parte do mundo daquelas pessoas. Já gritara mas ninguem a ouvira. Seria o vidro demasiado espesso para que não deixasse transportar a sua dor? A primeira vez que o viu, soube imediatamente que ele era diferente dos outros. Nao correu ou andou, não riu ou chorou, simplesmente deitou-se sobre a relva contemplado o azul brilhante do céu. Quantas vezes também não tinha ela feito o mesmo através do seu transparente telhado de vidro? Ele parecia triste, quase tão triste e só quanto ela. Desejou poder estar a seu lado e com ele partilhar o céu, mas como podia isso acontecer se estava presa na sua casa de vidro? A tristeza que invadiu o seu espirito e fez com que todas as noites chorasse até ao nascer do novo dia. Contudo, teve de parar de o fazer. A sua pequena casa de vidro começou a encher-se com as suas próprias lágrimas e ela teve medo de se afogar. Ela não podia morrer, ela tinha de viver para o poder ver todos os dias. Substituiu o choro pelo grito solitário na noite. Lá fora, nem o mocho pousado numa árvore abria os olhos, não se apercebeu que ela existia. Não houve qualquer som que tivesse saido da sua pequena casa de vidro que tivesse abalado o mundo exterior. Contudo, um grito mais agudo fez a casa de vidro estremecer, ameçadando estilhaçarse. Se a sua casa se partisse ela seria certamente atingida por mil um pedaços de vidro e
poderia morrer. Por isso, também parou de gritar. Ela não podia morrer, ela tinha de viver para o poder ver todos os dias. As estações mudaram e ele também. Ela viu a sua vida evoluir, viu a sua namorada, depois a sua mulher e mais tarde observou as brincadeiras que ele teve com os seus filhos. Ela vivia, vivia para o poder ver todos os dias. Ela vivia, vivia na sua pequena casa de vidro para descobrir que um dia nunca tinha realmente vivido.