A22 INTERNACIONAL
DOMINGO, 30 DE AGOSTO DE 2009 O ESTADO DE S.PAULO
MEMÓRIA AP
O conflito que mudou o mundo faz 70 anos Em 1.º de setembro de 1939, invasão de Hitler à Polônia iniciava 2ª Guerra WASHINGTON
Com aproximadamente 60 milhões de mortos e uma tecnologia armamentista sem precedentes, a 2ª Guerra permanece como o conflito mais devastador da história, no qual ambos os lados cometeram atrocidades,como oHolocaustoouolançamentodabombaatômica.“Ficomuitofelizquetenhaminventado os explosivos, mas acho que não devemos melhorá-los” dizia o premiê britânico Winston Churchill. A 2ª Guerra colocou em dúvida os méritos do progresso ao se converter em um campo de teste do homem para sua própria barbárie. Os resultados superaram as expectativas e chegaram às raias da autodestruição. O próprio Churchill acabaria escrevendo sobre a decisão de lançar a bomba sobre o Japão: “Era uma unanimidade. Não houve nenhuma objeção.” Assim, ele resumia a instrumentalização da técnica, que haviasidoapontadapelosfilósofos da Escola de Frankfurt e cristalizada com eficiência nos campos de concentração nazistas. “Uma morte é uma tragédia, milhões de mortes é uma estatística”, dizia o ditador soviético Josef Stalin. O extermínio de 12 milhões de pessoas (a metade delas, judeus) e a bomba atômica continuam sendo as atrocidades mais significativas do conflito, masnãoforam asúnicas ocorridas entre 1º de setembro de 1939 e 9 de setembro de 1945. Da invasão alemã à Polônia à rendição formal das tropas japonesas na China, princípio e fim do conflito, produziram-se outras batalhas cruentas: Stalingrado,DunquerqueeGuadalcanal, assim como bombardeiosfamosos, comoosdeDresden e de Pearl Harbor. Mais de 70 foram os países envolvidos em duas frentes: os Aliados, capitaneados por EUA, França, Grã-Bretanha e União Soviética, e o Eixo, com Alemanha, Itália – que logo mudou de lado – e Japão. O fracasso da Liga das Naçõesinspirousuaherdeira,aOrganização das Nações Unidas. O Plano Marshall de recuperação da Europa converteu-se em
FRASE
Peter Kuznick Professor de História da American University “Até a 2ª Guerra, os EUA viviam isolados. Se continuassem assim, não haveria bomba nuclear nem Guerra Fria. O mundo seria diferente” DEVASTAÇÃO – Escombros da cidade polonesa de Wielun após o primeiro bombardeio da Força Aérea alemã, em setembro de 1939
peça fundamental para a hegemonia econômica americana. A criação do Estado de Israel, em 1948, é hoje um dos principais focos de conflito no mundo. A linha divisória, no início bem definida, entre vencedores evencidos,heróisevilões,continuaseesfumandonodebatehistérico. O maniqueísmo, que alcançou seu auge durante a GuerraFria,continuamostrando suas falhas à medida que vão se descobrindo novas informações do período. A abertura parcial dos arquivos soviéticos após o colapso do comunismomudouacompreensão da guerra na frente oriental porpartedosestudiososocidentais. O fato de Stalin ter sido indicado para o Nobel da Paz, em 1945, e de as bombas atômicas serem consideradas um ato de libertação são dados que revelam o poder da perspectiva. “Pensei que o povo japonês pudesse encontrar no aparecimento de uma arma sobrenatural como essa uma desculpa que salvaria sua honra e os eximiriade suaobrigaçãodesedeixar matar até o último homem. Além disso, assim, não precisaríamos dos soviéticos”, dizia Churchill. Por outro lado, permanece a crítica à comunidade internacional de fazer ouvidos moucos ante os primeiros passos da expansão nazista por sua “utilidade” como freio à pujança comunista. A França, quando Hitler ocupou a Renânia, em 1935, foi incapaz de tomar uma decisão sem o apoio da Grã-Bretanha. Por isso, os historiadores WilliamsonMurrayeAllan Millet reconhecem que, “à medida que o passado foi se distanciando da memória e tomando forma sobre a página impressa, os historiadorescomeçaramaempregarpalavrasmaissuavespara descrever a vitória.” ● EFE
COMEÇO DA BARBÁRIE
2ª Guerra marca a expansão dos EUA
Como a Europa entrou no conflito Há 70 anos Hitler invadiu a Polônia para recuperar território perdido
SUÉCIA
TERRITÓRIOS ALEMÃES PERDIDOS APÓS DINAMARCA A 1.ª GUERRA
MAR BÁLTICO
TERRITÓRIOS ANEXADOS POR HITLER EM 1938
Washington conquista hegemonia global após ataque a Pearl Harbor
MAR DO NORTE
Berlim
WASHINGTON
POLÔNIA
ALEMANHA Weimar
SUDETENLAND CHECOSLOVÁQUIA
Stuttgart Munique FRANÇA 0
ÁUSTRIA
160
EM KM
ITÁLIA
Alemanha no ataque CAMINHO DAS TROPAS ALEMÃS
MAR BÁLTICO
LITUÂNIA
3.° EXÉRCITO EXÉRCITO NORTE
Berlim
Bialystok B
4.° EXÉRCITO
Poznan
POLÔNIA Varsóvia
BrestBrest-Litovsk
Lodz ALEMANHA Breslau
14.° EXÉRCITO
10.° EXÉRCITO
Cracóvia
EXÉRCITO SUL
8.° EXÉRCITO
Lwow
CHECOSLOVÁQUIA
1.º de setembro Tanques alemães apoiados por navios cruzam a fronteira com a Polônia
3 de setembro Em resposta, França e GrãBretanha declaram guerra à Alemanha
28 de setembro Nazistas tomam capital polonesa (Varsóvia)
6 de outubro Últimos focos de resistência polonesa são derrotados INFOGRÁFICO/AE
A entrada dos EUA na 2ª Guerra acabou com as aspirações do país de manter-se isolado do conflito e levou Washington a iniciar sua fase de intervencionismo externo que perdura até hoje. “OsEUAmudaramdrasticamente com a 2ª Guerra. Até então, eram uma potência econômica, não militar, que se mantinha isolada”, disse Peter Kuznick, professor de História da American University. “Se continuassem isolados, não haveria bomba nuclear nem Guerra Fria. O mundo seria diferente.” Em 1939, os americanos presenciaramaoinício deoutra guerra europeia sem nenhuma vontade de se envolverem em uma briga para a qual não estavam preparados. O presidente Franklin Roosevelt até que conseguiu do Congresso a autorização paraaumentarosgastosmilitares, mas o país tinha apenas 174 mil soldados capazes apenasde defender o território nacional. Além disso, a 1ª Guerra, que matou 116 mil pessoas, havia deixado uma péssima lembrança nos americanos. Com a Grande Depressão ainda fresca na memória, a população não queria entrar
em outro dispendioso conflito. Em 1939, o índice de desemprego era de 18% e a metade dos 132 milhões de americanos vivia em zonas rurais. Nos EUA predominava o isolacionismo,quesurgiuapósaindependência e levou os colonos a detestarem os conflitos europeus. Segundo pesquisas, a maioria esmagadora do país era contra a entrada na guerra. No entanto, o ataque japonês a Pearl Harbor, em 1941, mudou tudo. Os EUA entraram na briga e saíram dela como a primeira potência mundial. Nos três anos e meio seguintes, o país mobilizou 16 milhões de soldados, dos quais 400 mil morreram e 672 mil ficaram feridos em combate. O envio de tantos homens para o front fez com que milhões de mulheres ocupassem espaço em um mercado de trabalho até então essencialmente masculino. As necessidades da guerra forçaram também a integração no Exército de soldados e oficiais negros. No fim dos combates, os EUA tinham 10 milhões de soldados e o desemprego era quase zero. O conflito fortaleceu ainda a indústria e estimulouodesenvolvimentodatecnologia, transformando os americanos em um exemplo a ser seguido na moda, na música e até em seus hábitos, como o de fumar cigarros Lucky Strike. ● EFE
Artigo
Em visita à Polônia, 70 anos após o início da 2.ª Guerra, o presidente Putin reescreverá a história
Quando o ladrão roubou o ladrão Mark Medish* THE NEW YORK TIMES
ladimir Putin prevê estar na Polônia em 1º de setembro, pelo 70º aniversário da deflagração da 2ª Guerra, e sua visita poderá contribuir para reduzir as novas tensões a respeito da conturbadahistóriada Europa.Comoobservou o primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, a presença de seu colega russo em Gdansk “constituiráum avanço em nossa reavaliação dos eventos históricos”. Há 70 anos, enquanto a Alemanha nazista invadia a Polônia, W.H. Auden escrevia que
V
se sentia “incerto e temeroso ao se esvaírem as brilhantes esperanças de uma década de baixezasedesonestidades”.Omergulho da Europa na loucura havia acarretado uma longa saga de alianças e traições das grandes potências – tanto das democracias quanto das ditaduras. Uma das muitas “baixezas e desonestidades” no caminho da guerra foi o Pacto de NãoAgressão Nazi-soviético, assinado em Moscou em agosto de 1939 pelo chanceler de Adolf Hitler, Joachim von Ribbentrop, e pelodeJosef Stalin,Vyacheslav Molotov. O acordo de Moscou selouodestinodaPolônia,aogarantir a neutralidade soviética. Reduzido o risco de uma guerra em duas frentes, Hitler lançou sua “blitzkrieg” na Polônia. Os protocolos secretos do pacto Ribbentrop-Molotov,
guardados nos arquivos nazistas,vieram à luz depois da guerra. Então, o mundo soube que Hitler e Stalin haviam concordado em dividir a Europa em duas esferas de influência. Mas a aliança terminou nas primeiras horas de 22 de junho de 1941, quando Hitler traiu e invadiuaURSS.Existeumafrase na Rússia sobre a honra entre ladrões: “O ladrão roubou um chapéu do ladrão.” Em julho desse ano, a reunião parlamentar anual da Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) adotouumaresoluçãoinstituindo o 23 de agosto como o Dia da Memória às vítimas do stalinismo e do nazismo. Comentaristas russos denunciaram a resolução como mais uma tentativa “anti-russa de refazer a história”.E fizeramisso muito embo-
ra seu país tenha reconhecido oficialmente os protocolos secretos em 1989. Recentemente, nostálgicos soviéticos irritaram-se com a transferênciadeummonumento ao Exército Vermelho na Estônia, em 2007, e com várias observações favoráveis do presidente ucraniano, Viktor Yushchenko, sobre o Exército Rebelde Ucraniano, que cooperou com os nazistas contra as forças soviéticas. Em maio, o presidente russo, Dmitri Medvedev, anunciou acriaçãodeuma“comissãocontra os esforços para falsificar a história e prejudicar os interesses russos”. A referência aos “falsificadores” lembra diretamente a terminologia stalinista. O Parlamento russo também começou a estudar a possibilidade de sancionar uma lei
que consideraria crime “minimizar a vitória soviética” na 2ª Guerra. O presidente da Câmara Alta da Rússia, Sergei Mironov, foi cuidadoso ao explicar que a lei proposta trata dos “resultados” da guerra. Ele talvez lembre do que o historiador dissidente soviético A. M. Nekrich escreveu em 1965: “Narrar o último dia da guerra é uma tarefa mais gratificante do que narrar o primeiro. A guerra, a maior das tragédias, teve um final brilhante, mas um começo difícil.” Não se conserta um erro cometendo outro, mas vale a pena lembrar que as democracias ocidentais já haviam selado seu próprioacordodepazcomodiabo na Conferência de Munique, em 1938 – acordo denunciado pelos soviéticos. Como Churchill observou,
“as terríveis palavras foram pronunciadas, até o momento, contra as democracias ocidentais: “Pesado foste na balança e foste achado em falta.” Segundo o filósofo polonês Leszek Kolakowski, “aprendemos História não para saber como devemosnoscomportaroucomopoderemos ser bem-sucedidos, mas para saber quem somos”. O conhecimento da História – quem somos – exige estudo e reflexão. No entanto, os grandes gestos políticos podem ser importantes para a causa da verdade e da reconciliação. O que quer que se acrescente a respeito do aniversário nazi-soviético, a visita de Putin a Gdansk poderá contribuir para virar esta página da História. ●
*Mark Medish é pesquisador da Fundação Carnegie