L'OSSERVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum Ano XL, número 35 (2.071), sábado 29 de Agosto de 2009
EM PORTUGUÊS Non praevalebunt
Cidade do Vaticano
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No Angelus o Papa admoesta contra a tentação de adaptar o Evangelho às modas do tempo
O paradoxo da fé cristã escandaliza também hoje No domingo, 23 de Agosto Bento XVI recitou o Angelus com os numerosos fiéis presentes em Castel Gandolfo, aos quais recordou que ser cristão «não é uma adesão superficial e formal» à mensagem evangélica, mas um modo de pensar e de viver que muitas vezes vai «contra a corrente». Queridos irmãos e irmãs! Como podeis ver a mão foi libertada do gesso, mas ainda está um pouco preguiçosa; deve estar ainda por algum tempo numa «escola de paciência», mas vamos em frente! Sabeis que há alguns domingos a liturgia propõe à nossa reflexão o capítulo 6 do Evangelho de João, no qual Jesus se apresenta como o «pão vivo que desceu do céu» e acrescenta: «Se alguém comer deste pão viverá eternamente; e o pão que Eu hei-de dar é a minha carne pela vida do mundo» (Jo 6, 51). Aos judeus que discutem asperamente entre si, perguntando-se: «Como pode Ele dar-nos a comer a Sua carne?» (v. 52) – e o mundo continua a discutir – Jesus reafirma em todos os tempos: «Se não comerdes a carne do Filho do Homem, e não beberdes o Meu sangue não tereis a vida em vós» (v. 53); motivo também para nós de reflectir se compreendemos realmente esta mensagem. Hoje, 21º domingo do tempo comum, meditamos a parte conclusiva deste capítulo, no qual o quarto Evangelista descreve a reacção do povo e dos próprios discípulos, es-
Mensagem do cardeal Bertone por ocasião do Meeting de Rímini
O amor impele ao desejo do conhecimento PÁGINA 5
Da Igreja nenhum apoio a lógicas económicas injustas O economista coreano Thomas Hong-Soon Han, desde Novembro revisor internacional da Prefeitura para os Assuntos Económicos da Santa Sé, traçou um primeiro balanço da sua experiência no Vaticano. PÁGINA 6
Um pouco de África no Vaticano O Reitor do Pontifício Colégio Etíope fala do papel desempenhado por esta instituição, que é lugar de encontro ecuménico e ponto de referência para os sacerdotes que aperfeiçoam os estudos em Roma. PÁGINA 8
A Igreja de Roma e a guerra GIOVANNI MARIA VIAN
candalizados com as palavras do Senhor, a ponto que muitos, depois de o terem seguido até então, exclamam: «Duras são estas palavras! Quem pode escutá-las?» (v. 60). A partir de então «muitos dos Seus discípulos retiraramse e já não andavam com Ele» (v. 66), e acontece sempre de novo a mesma coisa, em diversos períodos da história. Poderíamos esperar que Jesus procure maneiras para se fazer compreender melhor, mas Ele não abranda as suas afirmações, aliás dirige-se directamente
aos Doze, dizendo: «Também vós quereis retirar-vos?» (v. 67). Esta pergunta provocatória não se destina só aos ouvintes de então, mas atinge os crentes e os homens de todas as épocas. Também hoje muitos permanecem «escandalizados» diante do paradoxo da fé cristã. Os ensinamentos de Jesus parecem «duros», demasiado difíceis de aceitar e de pôr em prática. Então há quem rejeita e abandona
No Verão de 1939 a Europa percorreu o último trecho do caminho que a levou a precipitar no abismo da guerra. Um abismo que, apenas vinte anos após a primeira catástrofe bélica mundial, se abriu com uma série de horrores inimagináveis. Do desmembramento da Polónia – depois do pacto, com muita frequência esquecido, entre a Alemanha nazista e a Rússia soviética – teve de facto início o incêndio que fez arder grande parte do velho continente, a bacia mediterrânea e a imensa área do Pacífico. Com o monstruoso extermínio do povo judeu, destruições sem precedentes de civis e de muitas cidades do velho continente, até ao epílogo nuclear, carregado de novos pesadelos, que com a destruição de Hiroshima e Nagasaki pôs fim ao conflito desencadeado pelo Japão e, deste modo, aos seis anos da guerra mais sangrenta que a terra viu. A lição da primeira guerra mundial de nada serviu e, aliás, dela surgiram um suceder-se de injustiças e sobretudo a afirmação dos totalitarismos – soviético, fascista, nazista – que levaram a Europa e grande parte do mundo a sofrer males indizíveis. Face à guerra, a Igreja de Ro-
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Quarenta anos da Federação bíblica católica
Um livro para viver CARLO DI CICCO A edição quotidiana do nosso jornal publicou uma página para recordar os quarenta anos da Federação bíblica católica. A intenção é apoiar aquela mudança de sensibilidade que, na Igreja católica, coloca a escuta da Palavra de Deus ao lado da Eucaristia, considerando-as os dois pilares básicos para alimentar a fé cristã no nosso tempo. A ideia vém-nos da publicação da primeira pesquisa sociológica internacional sobre a difusão da Bíblia no mundo apresentada nas linhas essenciais no último Sínodo dos Bispos dedicado, precisamente, à Palavra de Deus. A pesquisa foi promovida pela Federação bíblica católica na comemoração da sua fundação e documenta o bom trabalho realizado até agora para o conhecimento e difusão da Bíblia. Querida por Paulo VI, a Federação expressa a vontade determinada dos Pontífices de pôr em prática a constituição Dei Verbum. Este texto do Concílio Vaticano II reanimou e motivou a vida cristã de milhões de fiéis, leigos e eclesiásticos, porque torna Deus familiar na vida quotidiana e ensina a ver e a julgar os acontecimentos pequenos
e grandes com os seus olhos e a agir segundo o seu Espírito. E é actual uma acção pastoral que quer tornar a Bíblia, especialmente lida, ouvida e rezada na liturgia, fonte da acção cristã. Bento XVI recorda-o pontualmente no seu magistério solene e quotidiano com o qual pretende formar cristãos capazes de dizer no mundo moderno a razão da própria esperança Miniatura do Scriptorium de Echternach (Brema) e inspira-se quotidianamente na Sagrada Escritura para as suas catequeses e homi- aos diversos aspectos da existência hulias. A reforma da Igreja que o Papa mana a partir das solicitações da próvai propondo e explicando está radica- pria Bíblia. O Papa está convencido da na Palavra de Deus. Assim como a de que a nova evangelização, estratésua capacidade de ler os sinais dos gia unificante de toda a pastoral de tempos e de se pôr em diálogo com as hoje, deve recomeçar a partir de um culturas modernas, incluídas as que fo- regresso à Palavra de Deus. Como ram atingidas pela revolução informá- aconteceu no início da Igreja. «É urtica. O estilo de vida cristã proposto gente – escreveu em 2006 na sua pripor Bento XVI provém da escuta da meira mensagem para a Jornada Palavra de Deus. Ele não oferece uma Mundial da Juventude – que surja reflexão própria à qual sobrepor uma uma nova geração de apóstolos radicaesporádica confirmação da Sagrada CONTINUA NA PÁGINA 4 Escritura, mas justifica a sua atenção
A Igreja de Roma e a guerra Giovanni Maria Vian No Verão de 1939 a Europa percorreu o último trecho do caminho que a levou a precipitar no abismo da guerra. Um abismo que, apenas vinte anos após a primeira catástrofe bélica mundial, se abriu com uma série de horrores inimagináveis. Do desmembramento da Polónia depois do pacto, com muita frequência esquecido, entre a Alemanha nazista e a Rússia soviética teve de facto início o incêndio que fez arder grande parte do velho continente, a bacia mediterrânea e a imensa área do Pacífico. Com o monstruoso extermínio do povo judeu, destruições sem precedentes de civis e de muitas cidades do velho continente, até ao epílogo nuclear, carregado de novos pesadelos, que com a destruição de Hiroshima e Nagasaki pôs fim ao conflito desencadeado pelo Japão e, deste modo, aos seis anos da guerra mais sangrenta que a terra viu. A lição da primeira guerra mundial de nada serviu e, aliás, dela surgiram um suceder-se de injustiças e sobretudo a afirmação dos totalitarismos soviético, fascista, nazista que levaram a Europa e grande parte do mundo a sofrer males indizíveis. Face à guerra, a Igreja de Roma não abandonou aquelas fronteiras da paz que arduamente tinha iniciado a presidiar no início do século XIX e sobretudo a partir dos últimos trinta anos do século, quando a perda do poder temporal tinha de facto favorecido a expansão da sua influência internacional. E se Pio X nos seus últimos dias de vida se tinha quase oferecido como vítima sacrifical, sentindo o aproximar-se da "grande guerra", Bento XV empenhou-se contra a insensata tragédia europeia que, incompreendido e insultado pelas partes contrapostas, definiu "massacre inútil". Mobilizando, de resto, uma "diplomacia da assistência" que, silenciosa e eficaz, teria voltado a caracterizar a atitude da Santa Sé também na segunda guerra mundial. Durante os respectivos encargos diplomáticos, no coração da Europa em chamas, os futuros Pio XI e Pio XII tinham sido testemunhas directas do surgir dos totalitarismos, causa dos males que se preparavam. E, tendo ambos chegado à guia da Santa Sé, no decorrer dos anos 30 viram com lucidez o encaminhar-se inexorável para a guerra, que procuraram contrastar com a diplomacia, a política concordatária, a firmeza sobre a doutrina católica, numa consonância substancial não enfraquecida por personalidades e temperamentos entre si muito diversos. Não foi portanto
por acaso que a escolha do conclave, rapidíssima, se orientasse para o secretário de Estado de Pio XI. E imediatamente Pio XII teve que enfrentar uma situação que precipitava: "Nada se perde com a paz, tudo pode ser perdido com a guerra" foi o inútil apelo extremo, a cuja redacção lançou mão o substituto Montini, estreito colaborador do Papa também na tenaz obra de socorro depressa iniciada: no Vaticano, em Roma, na Itália e em muitos outros países, onde ao lado de muitos católicos os representantes pontifícios como Roncalli em Istambul se prodigalizaram de todos os modos para socorrer os perseguidos, sem distinções. Pio XII e quantos lhe teriam sucedido na sede romana com os nomes de João XXIII e Paulo VI foram assim, com o enfurecer do conflito, quer defensores das razões humanas e da justiça, quer testemunhas da caridade de Cristo. Com uma pregação de paz que o Papa Pacelli não interrompeu durante a guerra e nos anos seguintes: apoiando a opção da democracia, rejeitando a atribuição de uma culpa colectiva ao povo alemão, contrastando o totalitarismo soviético que impôs regimes ditatoriais a muitos países e semeou novos males e apoiando sem incertezas a árdua construção de um projecto unitário para a "velha Europa, que foi obra da fé e do génio cristão" e que contudo não tinha sido capaz de ouvir a radiomensagem pontifícia transmitida na tarde de 24 de Agosto de 1939. Se de muitas formas os cristãos souberam dar contribuições importantes para a reconstrução e a reconciliação, a Igreja de Roma fechou simbolicamente a segunda guerra mundial com as eleições papais de Karol Wojtyla que em 1989, cinquenta anos após o seu início, lhe dedicou uma carta apostólica e de Joseph Ratzinger, precisamente a sessenta anos da conclusão do conflito que os futuros João Paulo II e Bento XVI sofreram em primeira pessoa, filhos de Nações então contrapostas. Sob o ponto de vista histórico, a dúplice escolha do colégio dos cardeais demonstrou a inconsistência de muitos prognósticos baseados em velhas convicções de carácter político, segundo as quais as eleições de 1978 e, sobretudo, de 2005 teriam sido impossíveis. Em conclusão, a geopolítica da Igreja é diversa. E isto porque, assumindo o passado, olha para o homem e para o futuro com os olhos fixos numa promessa que não será desiludida.
(© L'Osservatore Romano - 29 de Agosto de 2009)