180 – JUSTIÇA – Pelo visto, o caso do famoso cheque voador (cheque sem fundos) tomará rumos indelicados para os bancos; o Tribunal de Justiça de Santa Catarina entendeu que a RESPONSABILIDADE DO CHEQUE É DO BANCO e do cliente e condenou o BRADESCO a pagar a um comerciante a quantia de R$ 1,8 mil porque ele recebeu de um estelionatário dois cheques que somam este valor.
Foi entendimento dos Desembargadores catarinenses que o banco apresentou um serviço DEFEITUOSO ao conceder os cheques a seu cliente sem as devidas cautelas e por ter permitido que estes permanecessem em poder do cliente sem o devido respaldo monetário; palavras do magistrado. "Deflui do especial regime de responsabilidade dos bancos o dever de agir com total cuidado, transparência e lisura, tanto no momento inicial de seleção de seus correntistas, como no posterior trato com seus clientes e o público em geral", afirmou.
O desembargador lembra que a regulamentação da atividade bancária no Brasil cobra das instituições uma conduta responsável quanto à cessão de talonários de cheques e à observância da respectiva base financeira, mas destaca que esta, ao contrário, é realizada de modo "descontrolado e desmedido, haja vista a quase ilimitada possibilidade de acesso a talonários via caixas de auto-atendimento, operação destituída de qualquer fiscalização".
Sustentou ainda que seja um contra-senso os bancos lucrarem com a devolução de cheques e se eximirem da indenização aos beneficiários desse. "Não há nenhuma norma que obrigue o banco a providenciar o pagamento de cheque apenas se houver provisão de fundo na conta do correntista", finalizou.
Com esta decisão, todas as pessoas podem em tese, litigar contra o banco elaborador dos cheques que eles receberam sem fundos, após a data da publicação da sentença, ou seja, a partir de hoje, 27 de novembro; isso porque, as decisões proferidas pelos Tribunais Estaduais possuem peso consistente de desembaraço para outros julgamentos em qualquer lugar do Brasil; toma-se como base de uma ação obsecrada a decisão superlativa de um colegiado de Magistrados; desta forma e como foi proferida a sentença, o cliente do banco não se exime da responsabilidade pelo estelionato, tipificado no art. 171 do Código Penal, caso de polícia e justiça crime, mas o banco fica responsabilizado também pela garantia dos cheques que ele CONCEDEU ao seu cliente.
Com certeza haverá contra-ataque do BRADESCO, levando o caso a uma instância superiora da Justiça, isso é mais do que óbvio, afinal de contas, se a moda pegar, ou melhor, a lei ficar, o que vai ter de gente ingressando em juízo contra os bancos não está no gibi. Pilantras brasileiros acostumados a solicitar mais de um talonário de cheques farão a festa, principalmente se estes não forem devidamente consultados pelos mecanismos de proteção ao crédito. Se o caso passar pelos mecanismos legais acima do Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, eu presumo que para solicitar cheques nos bancos o cliente deverá provar muito mais do que hoje é necessário, o que em tese é bom em todos os sentidos.
Eu concordo com os Desembargadores, que é fácil solicitar um talão de cheques em qualquer banco; concordo que não há tanto controle para o fornecimento destes documentos, mas discordo quando eles afirmam que o mecanismo de produção em máquinas de atendimento 24 horas é sem controle. Sou cliente do próprio banco condenado há pelo menos 20 anos e somente duas vezes fiz utilização deste serviço e para fazê-lo, tive que solicitar de meu gerente a admissão a ele, ou seja: em tese, se eu fosse um bandido ou não reunisse condições de obter cheques em máquinas 24 horas, o gerente não daria tal comando, da mesma forma que são controladas as emissões dos cheques que chegam a minha casa.
Concordo também com o TJ-SC na questão do CHEQUE ESPECIAL, caso específico do autor da ação; o réu possuía cheques com a inscrição “ESPECIAL” o que se traduz uma peculiaridade prima na questão; se existem dois tipos de cheques, os comuns e os especiais, o agente recebedor verifica de imediato que, em tese, aquele portador seja mais confiável se o cheque dele for Especial. Alguns bancos utilizam várias nomenclaturas para os cheques, como se os dividissem em categorias distintas, tais como os comuns, os mais ou menos e os VIP; em outro banco que sou correntista, os cheques são Especiais e Especiais Preferenciais; esta sopa de letrinhas só confunde e humilha o correntista do bem.
Antigamente os bancos garantiam até determinado valor por seus cheques especiais; Bradesco e Banco do Brasil faziam questão de não verem seus cheques enchendo as listas comerciais dos maus pagadores, mas estas instituições se cansaram de bancar os luxos de muitos de seus clientes e esta fábula foi encerrada há pelo menos 10 anos; hoje, o cheque que volta, principalmente por não ter fundos, raramente é honrado com menos de um ano, alguns jamais são honrados, mas agora o caminho da cobrança mudou, ou está por mudar; no caso em questão, um dos pilantras passa a ser o banco.
A luz da Constituição o cheque virou há muitos anos uma espécie de moeda paralela; milhares de usuários desta folhas de papel de pouca utilidade prática fazem delas um crédito simples e perigoso; os cheques pré-datados, que na verdade o nome correto seria PÓS-DATADO deixa de ser uma ordem de pagamento avista, como foi idealizado, ele passa a ser uma duplicata cuja promessa de pagamento ocorrerá na data pactuada. Por causa destes cheques voadores, milhares de comércios fecham e abrem as portas, os que dão sorte, permanecem vivos, já os que não têm tanta sorte assim, padecem até a morte sem que nenhuma ação prática seja adotada. Eles ainda são famosos nas cidades pequenas do interior, mas nestas cidades onde os cheques são as estrelas e até sinônimo de status os clientes são conhecidos; vale mais a palavra do que o papel.
Os bancos possuem responsabilidade clara e indiscutível nesta popularização dos cheques pós-datados; esta invenção da moeda paralela pode até não ter sido gerada pelos próprios bancos, mas sua culpa na proliferação é grande; com os altos ganhos dos factorings os bancos viram um filão no negócio e inventou o FOMENTO DOS CHEQUES PÓSDATADOS; seus clientes podem descontar estes voadores nas próprias agências com juros baixos; os cheques são confiados aos bancos que se encarregam de descontá-los nas datas aprazadas, deduzindo é claro, os juros combinados. Em resumo, os bancos fazem parte desta jogatina financeira medíocre e ultrapassada e lucram forte, mesmo que estes cheques retornem por falta de saldo.
O mundo civilizado espera com alegria o momento da morte geral dos cheques; já está na hora dos cartões magnéticos assumirem a posição de instrumento único de pagamento avista, exceto o pagamento em dinheiro vivo. Por enquanto, após esta decisão de Santa Catarina, os cheques estarão inseridos numa espécie de UTI; falta o momento e a coragem para alguém desligar os aparelhos; eu torço por isso!
Em países onde a Lei é respeitada, o cheque sem fundos DÁ CADEIA e a justiça toma tudo do emissor para quitar sua dívida; em outros, dá até morte e vergonha familiar eterna, mas aqui, pelo visto, é comum, simples e corriqueiro.
Carlos Henrique Mascarenhas Pires www.irregular.com.br