Xamanismo Yawanawa Ainda que atualmente o aspecto mais destacável do xamanismo yawanawa seja a cura, em tempos passados suas funções estavam mais diversificadas e atendia a outros aspectos da cultura como a guerra e a caça. A respeito da cura, existem várias técnicas praticadas pelos especialistas yawanawa — o canto de cura, o assopro...- entre as quais se destaca na atualidade a reza, chamada shuãnka. Durante as sessões de cura, o xinaya — nome que recebe o rezador — ingere ayahuasca e reza sobre um pote cheio de caiçuma de mandioca que posteriormente beberá o doente. Um aspecto interessante desta prática é que o diagnóstico da doença se estabelece a partir do sonho que teve o paciente antes de adoecer. Da mesma forma que existem diferentes técnicas xamânicas, há também diversas denominações para designar a cada especialista (yuvehu, kushuintia, shuintia). A iniciação xamânica consiste em quatro processos paralelos: a realização de certas provas (chupar o coração de uma sucuri, derrubar uma colméia de abelhas); o cumprimento de resguardos estritos que implicam a abstinência sexual e de certos alimentos; a ingestão de certas substâncias alucinógenas (ayahuasca, pimenta, datura, rapé de tabaco, rarë — planta não identificada; caldo de tabaco); e o aprendizado dos conteúdos específicos de cada técnica, isto é, os cantos de cura e as rezas. O poder xamânico é ambivalente já que outorga simultaneamente a capacidade de curar e de provocar doenças. As acusações de feitiçaria e envenenamento entre os Yawanawa são tanto intergrupais como intragrupais, provocando em ocasiões tensões sociais que podem derivar em fissões. Hoje em dia a comunidade conta com dois rezadores e cinco especialistas em remédios vegetais. Rituais. As festas têm uma especial importância na constituição das relações sócio-políticas que os Yawanawa mantêm com outros grupos e entre eles mesmos. Saiti (sai significa gritar) é a palavra Yawanawa que designa genericamente a festa. Mariri, que não é uma palavra propriamente Yawanawa, utiliza-se atualmente com o mesmo significado e é empregada também por outros grupos da região. O uma aki (festa da caiçuma) prolonga-se durante vários dias e focaliza normalmente as relações intergrupais já que costumam participar nele outras comunidades. Este ritual desenvolve várias seqüências, algumas das quais podem aparecer isoladas em festas menores: brincadeiras, ingestão e vômito de caiçuma, encenações guerreiras, danças e cantos. Existem dois tipos principais de brincadeiras: aquele em que homens e mulheres disputam pedaços de cana, mamão ou melancia (mehina "tomar do outro"); e aquele em que se imitam animais (kanë "virar", "se transformar"). Durante a celebração deste ritual, observam-se, por um lado, rígidas normas de parentesco, cada qual brinca com primos e cunhados de sexo oposto, ou seja, aqueles com os quais as relações sexuais são preferenciais. Quando as festas reúnem vários grupos
dissolve-se a oposição entre eles enfatizando-se aquela entre homens e mulheres, e promovendo as alianças através de uniões matrimoniais. A caiçuma de mandioca — bebida fermentada com a saliva das mulheres — joga um papel importante neste ritual, sendo elaborada e oferecida aos homens pelas mulheres, os quais devem vomitá-la sobre elas. O processo se dá de uma forma cruzada: mulheres Yawanawa brincam com os homens de outros grupos, enquanto os homens Yawanawa recebem a caiçuma das visitantes. O mariri, celebrado durante a noite, consiste numa série de danças e cantigas que têm um tom jocoso e metafórico. Durante o ritual, algumas pessoas, majoritariamente homens adultos, bebem ayahuasca (uni). Existe também o ritual de inverno yuina yunua (mandar por caça) em que após uma petição metafórica das mulheres — solicitam as frutas que os animais que querem comem — os homens organizam uma caçada especial, trocando com as mulheres a seu regresso a carne por pamonha. Aspectos atuais do contato. Os Yawanawa mantêm relações continuadas com o homem branco há um século aproximadamente: primeiramente encontros fugazes e violentos com os caucheiros peruanos e posteriormente um contato mais continuado com os seringalistas brasileiros. Durante décadas trabalharam para diversos patrões, produzindo borracha no seringal Kaxinawa, que só foi abandonado no ano 1992, com a implementação dos novos projetos em parceria com empresas privadas estrangeiras. No começo da década de 80, este panorama mudou bastante. Jovens líderes, educados na cidade, cientes dos direitos indígenas, conseguiram o reconhecimento e a demarcação da TI Rio Gregório por parte do governo federal e, apoiados pela FUNAI e pela Comissão Pró-Índio do Acre, expulsaram os funcionários da Paranacre, empresa que tinha comprado a área do seringal para sua exploração madeireira e pecuária. Nesta mesma época, os missionários das Novas Tribos do Brasil, estabelecidos na aldeia durante anos, foram também expulsos da TI pelos próprios Yawanawa. No tempo que ficaram na aldeia, criaram conflitos ao entenderem que algumas práticas indígenas, como o consumo de ayahuasca ou a execução de danças rituais, por exemplo, não se adequavam à doutrina por eles pregada. Na atualidade, ainda que perdure a lembrança dos missionários, apenas algumas pessoas expressam suas convicções religiosas, e são poucos os que mantêm uma relação direta com os pastores. Depois da demarcação da TI, iniciou-se uma nova etapa caracterizada pelo empreendimento de novos projetos que visavam fornecer uma alternativa econômica para o desenvolvimento sustentável da aldeia: com a Aveda corporation contrataram a produção de urucum, utilizado como corante em seus produtos cosméticos. É relevante também mencionar que nesta nova etapa os Yawanawa criaram uma escola e um posto de saúde na aldeia administrados respectivamente por professores e agentes de saúde indígenas.
Nota sobre as fontes: Atualmente existem alguns trabalhos acadêmicos sobre os Yawanawa: um relatório de 1991 sobre a pesquisa campo realizada pela antropóloga Lúcia Szmerecsanyi, na época aluna de mestrado na USP, e duas dissertações de mestrado defendidas pelos antropólogos Miguel Carid Naveira e Laura Pérez Gil em novembro de 1999 no PPGAS da Universidade Federal de Santa Catarina. Existem também alguns relatórios sobre projetos da FUNAI ("Projeto Yawanawa", 1988) e do CIMI ("Projeto dos Yawanawa e Katukina do Gregório", 1983; "Rápido histórico do povo Yawanawa"; 1984); e artigos em jornais ("O projeto da FUNAI para transformar os índios yawanawa em madeireiros", por Terri Valle de Aquino, na Gazeta do Acre). Além disso, os Yawanawa aparecem mencionados em alguns trabalhos gerais sobre os grupos Pano, entre os quais se destaca a tese de mestrado de Edilene Coffaci de Lima sobre os Katukina-Pano, que também habitam a TI Rio Gregório. Fontes de Informação Miguel Carid Naveira Laura Pérez Gil Mestres pelo PPGAS — UFSC