Volume 01 - 12

  • December 2019
  • PDF

This document was uploaded by user and they confirmed that they have the permission to share it. If you are author or own the copyright of this book, please report to us by using this DMCA report form. Report DMCA


Overview

Download & View Volume 01 - 12 as PDF for free.

More details

  • Words: 1,199
  • Pages: 4
12 CULPABILIDADE:

PRESSUPOSTO

DA PENA OU CARACTERÍSTICA DO CRIME?

___________________________ 12.1 POLÊMICA Para alguns doutrinadores, como Giuseppe Bettiol, Aníbal Bruno, Magalhães Noronha, Francisco de Assis Toledo, Heleno Cláudio Fragoso, José Henrique Pierangelli e outros, o crime apresenta três notas características, três requisitos ou três elementos: a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade. Os mais antigos, Nelson Hungria e Basileu Garcia, igualmente, acresciam, à estrutura do crime, um quarto elemento, a punibilidade, que – hoje é entendimento pacífico – não integra o conceito de crime, pois se situa fora dele, como sua conseqüência jurídica que é, e que por isso será estudada no Capítulo 23 deste manual. Entre os brasileiros, entretanto, Damásio E. de Jesus, Julio Fabbrini Mirabete, Manoel Pedro Pimentel e René Ariel Dotti, entre outros, pensam diferente: a culpabilidade não faz parte do crime, não é seu elemento, mas uma condição para a imposição da pena criminal, um pressuposto de aplicação da pena. O crime, para eles, apresenta apenas duas notas essenciais, dois elementos: a tipicidade e a ilicitude. É um fato típico e ilícito.

12.2 DISCUSSÃO E CONCLUSÃO DAMÁSIO E. DE JESUS afirma: “A culpabilidade não é elemento ou requisito do crime. Funciona como pressuposto da pena. O juízo de reprovabilidade não incide sobre o fato, mas sim sobre o sujeito. Não se trata de fato culpável, mas de sujeito culpável.” 1

1

JESUS, Damásio E, de. Direito penal: parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. v. 1, p. V.

2 – Direito Penal – Ney Moura Teles Assevera que o Código Penal sustenta essa conclusão, pois, quando trata da exclusão da ilicitude, utiliza expressões como “não há crime” (art. 23), “não se pune o aborto” (art. 128), “não constituem injúria ou difamação punível” (142) e “não constitui crime” (art. 150, § 3º), ao passo que, para tratar da exclusão da culpabilidade, as expressões usadas são “é isento de pena” (arts. 26, caput, e 28, § 1º) e “só é punível o autor da coação ou da ordem” (art. 22). Conclui que, na primeira hipótese, quer a lei dizer não existir o crime, e, na segunda, o agente não é culpável, mas o crime existe. Essa argumentação não é suficiente para dar sustentação à idéia defendida, até porque não é coerente. Ao falar da expressão utilizada na norma do art. 22 – que trata da exclusão da culpabilidade pela coação moral irresistível ou obediência hierárquica – “só é punível o autor da coação ou da ordem”, DAMÁSIO E. DE JESUS explica que, a contrario sensu, está a lei dizendo “não é punível o autor do fato”2. Então, a lei usa a expressão “não é punível” para referir-se à exclusão da culpabilidade. Ora, o mesmo Código Penal, no art. 128, quando trata da exclusão da ilicitude do aborto necessá rio e do aborto ético, usa a expressão “não se pune” o aborto praticado por médico. Qual a diferença, de se perguntar, entre as expressões “não é punível” e “não se pune”? É claro que não há qualquer diferença; logo, não se pode buscar nas expressões utilizadas pela lei solução que ela não autoriza. Aliás, o Código Penal não se preocupou com a conceituação do crime, daí por que usa expressões diversas para tratar de excludentes da ilicitude e igualmente diferentes para falar de excludentes da culpabilidade. Por outro lado, não é correto dizer que a culpabilidade é apenas um pressuposto da imposição da pena, pois tanto a tipicidade e como a ilicitude são, igualmente, pressupostos de aplicação da sanção penal. São pressupostos de aplicação da pena as três notas características do crime. Este sim, o crime, na sua integralidade,

é o

pressuposto da pena. Igualmente incorreta a afirmação de que a culpabilidade recai sobre o agente e não sobre o fato. Em verdade, a reprovação incide sobre o comportamento do sujeito, e não sobre ele, isoladamente, como se fosse possível isolá-lo do fato. Aliás, é aí que reside o perigo de se aceitar a formulação de que a culpabilidade não é integrante do crime. 2

Direito penal. Op. cit. p. 397.

Culpabilidade: Pressuposto da Pena ou Característica da Pena ou Característica do Crime? - 3 O pressuposto da culpabilidade – a imputabilidade – deve ser verificado ao tempo da ação ou da omissão, ao tempo do fato (art. 26, art. 27, art. 28, § 1º). A definição da evitabilidade do erro de proibição parte das “circunstâncias” em que o agente se encontrava, quando agiu (art. 21, parágrafo único), leva em conta o fato. O erro de proibição na descriminante putativa deve ser “plenamente justificado pelas circunstâncias” que cercam o fato praticado pelo agente (art. 20, § 1º). A lei manda excluir a culpabilidade pela realização de um fato “cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem” (art. 22). Ora, com base na própria lei é que se extrai o conceito normativo de culpabilidade, que inclui seus dois elementos: potencial consciência da ilicitude do fato, e exigibilidade de realizar outra conduta, outro fato. A reprovabilidade, portanto, recai necessariamente sobre a ação ou omissão realizada pelo agente, e não sobre sua pessoa, isoladamente. É claro e evidente que a reprovação da conduta é dirigida ao agente, que é quem vai sofrer a pena, como não poderia deixar, mesmo, de ser, mas isso não significa que ela incide sobre a pessoa do sujeito, sem a consideração do fato praticado. Aliás, não só a culpabilidade, mas também a tipicidade e a ilicitude são valorações que são feitas, a posteriori, acerca do fato praticado pelo sujeito. Finalmente, é preciso atenção ao alerta formulado pelo Prof. David Teixeira de Azevedo, da Universidade de São Paulo: “A concepção do crime apenas como conduta típica e antijurídica, colocada a culpabilidade como concernente à teoria da pena, traz sérios riscos ao Direito Penal de cariz democrático, e desmonta lógica e essencialmente a idéia jurídicopenal de delito. Abre-se perigoso flanco à concepção da culpabilidade pela conduta de vida, pelo caráter, numa avaliação tão-só subjetiva do fenômeno criminal. O passo seguinte é conceber o delito tão só como índice de periculosidade criminal, ao feitio extremo da defesa social de Filippo Gramatica, cuidando-se de assistir, para modificar o homem, seus valores, sua personalidade. É uma picada aberta ao abandono do Direito Penal de fato, pelo desvalor da conduta, e acolhimento do Direito Penal do autor, de pesarosas lembranças.”3 O Direito Penal que atende aos interesses de uma sociedade democrática

3

A culpabilidade e o conceito tri-partido de crime. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 2, p. 51, 1993.

4 – Direito Penal – Ney Moura Teles assenta-se sobre o fato praticado pelo agente, e não, ao contrário, sobre o agente do fato. O crime é furtar, estuprar, matar. Pune-se, de conseqüência, o furto, o estupro, o homicídio, não o ladrão, por ser ladrão, nem o estuprador e o homicida, por serem estuprador e homicida. Um Direito Penal que voltar seu norte para a culpabilidade do agente, com sua personalidade e seu caráter, privilegiando-a, em detrimento da culpabilidade do fato praticado, significará um golpe profundo nas conquistas obtidas pela humanidade nos últimos anos, às custas de muito sofrimento. O crime é e deve continuar sendo entendido assim: um fato típico, ilícito e culpável.

Related Documents

Volume 01 - 12
December 2019 4
Volume 01 - 01
December 2019 12
01-12
November 2019 11
01-12
April 2020 4
Volume 01 - 06
December 2019 3
Volume 01 - 10
December 2019 6