A Encarnação de Visão, Compromisso e Sacrifício Marcos Feitosa* Ao falar da época de 77-87 três palavras me vêm à mente; Visão, Compromisso e Sacrifício, e para mim elas estão associadas com três pessoas. Pessoas, mais que palavras, são em última análise quem mais nos falam. Há algum tempo atrás, em uma conversa com o Dr. James Houston, fui desafiado de uma maneira inusitada: "Como você gostaria de ser lembrado, Marcos? Você preferiria um monumento em sua homenagem, ou ficar disperso nos corações e nas vidas de pessoas que você ajudou a crescer?" O contexto da conversa sugeria claramente a última como a resposta apropriada. Pensando naqueles cujas vidas me ajudaram a crescer, percebí que as palavras que sintetizam as ênfases da ABU para a década de 90 e que, graças a Deus, continuam para o próximo milênio, foram primeiro observadas na vivência dessas pessoas. A década de 77 a 87 foi uma de aventura. Me lembro das viagens descendo do Nordeste para São Paulo para participar nos encontros da ABU. Uma delas me recordo bem. Viajamos umas 80 horas até chegar em São Paulo. A Itapemirim não tinha leito para tão ilustre trajeto. Mas em compensação, ao subir no ônibus em São Luís, fomos informados que as poltronas do ônibus tinham três inclinações: normal, leitura, e dormir. Nós, passageiros, nunca conseguimos distinguir uma da outra. "As poltronas não inclinam!" reclamávamos para o motorista. "Usem a imaginação", respondia ele. Usamos. Não talvez como o motorista gostaria. Ao chegarmos em São Paulo, paramos por algumas horas na antiga estação da Luz e continuamos nosso viagem para o Sul. Era o Congresso Nacional de 78. E finalmente ao chegar em Curitiba, quase 100 horas depois da saída de São Luís, mudanças teológicas significativas haviam acontecido. Se antes eu cria que o inferno era um enorme caldeirão de breu, agora eu sabia; o inferno era um enorme ônibus. Era uma época de aventuras e de amizades. Me lembro das que se formaram naquela época e dos eventos com esses amigos. Me lembro da história contada por Marilo (e que ele jura que não foi com ele) de um paraibano ABUense atravessando às 9:30 da manhã a Avenida 23 de maio, em São Paulo, para chegar na antiga sede do Escritório Central. Ao conseguir milagrosamente chegar no meio-fio central da avenida, impulsionado pelo susto que o fez atingir velocidade inimagináveis com duas grandes malas em cada mão, ele ouve um motorista de um dos carros passar gritando: "Quer morrer, paraíba?". Aquilo realmente o impressionou: "Como é que ele sabe?...". Um outro caso foi na parte prática do IPL de 1976. Após a parte intensiva, dois grupos foram formados para a parte prática; um grupo tomou a dianteira e foi sacrificar-se na evangelização das garotas de Cabo Frio, enquanto que a outros coube a aventura de ir para a Zona da Mata mineira, numa comunidade agrícola bem pobre chamada Funil. Eu e Paul estávamos lá, ele recém chegado da Inglaterra. E me lembro do susto que na partida de futebol entre os ABUenses e o pessoal da comunidade, ví o Paul literalmente acabar com o lateral-esquerdo do outro time. Não resisti e perguntei, surpreso em ver europeu jogando bem futebol: "Onde tu aprendestes a jogar bola, Paul?". Ao que ele me respondeu: "Você sabia que nós inventamos esse esporte?..." Mas como eu dizia, as palavras que marcaram aquela década para mim, Visão, Compromisso e Sacrifício, estavam retratadas nas vidas de pessoas. Um exemplo de visão para todos nós da ABU foi e continua sendo o Dr. Douglas, que há muitos anos atrás decidiu fazer missão no Brasil como "fazedor de tendas", sendo
professor universitário. Dr. Douglas conhece os primórdios da ABU. Ele estava no princípio. Alguns até dizem que Dr. Douglas está tão relacionado com as origens, que quando ele dá uma palestra sobre a Criação, não é exatamente uma palestra; é mais um testemunho pessoal. Dizem até que existe registrado num livro apócrifo que Deus, quando criou o mundo, enviou um anjo para assessorar Adão na longa tarefa de dar nome a toda criação. "Este será a girafa. Aquele será o tamanduá. Este aqui o leão", ia falando Adão, e num dado momento ao dizer: "E este aqui, será...", o anjo prontamente o interrompeu: "Não, esse não: esse aí é o Dr. Douglas"... Dr. Douglas é um exemplo de Visão, no investir em pessoas, em dar atenção a elas, em tratar a qualquer pessoa quando conversa como se ela fosse a pessoa mais importante do mundo. Um grande número de obreiros, líderes estudantis e profissionais hoje na ABU foram marcados pela visão de serviço que tem orientado a vida do Dr. Douglas. A outra palavra é Compromisso, e ao falar dela, Dionísio Pape me vem imediatamente à mente. Ele foi um dos meus discipuladores. Dionísio marcou muitas vidas, e o que impressionava nele entre muitas outras coisas era o compromisso permanente com as pessoas que ele discipulava e com o Movimento. Mesmo já aposentado, mais ainda assim pastoreando no Canadá onde morava, arrumou tempo e disposição e de lá orquestrou uma campanha que redundou na compra do atual escritório central da ABUB. Era atento aos detalhes quando visitava os discípulos. Após visita ao Brasil, e ao voltar, usou de suas próprias economias e organizou uma pequena campanha na sua igreja para ajudar na compra de um carro após ter visto a necessidade de um obreiro. Homem de compromisso e que desafiava seus discípulos no compromisso maior. Está ainda escrito na dedicatória das Institutas de Calvino que ele me deu: "Aplica-te à leitura, à exortação, ao ensino"; e é o que tenho procurado fazer desde então. A última palavra é Sacrifício e a pessoa que a tem encarnado de forma especial é a Tonica. Os que já a ouviram falar de seu tempo missionário na Angola, ficam com sentimentos mixtos: admiração pela dedicação manifesta inúmeras vezes em sacrifício e risco de vida, e vergonha, ao comparar a disposição juvenil e cheia de esperança da Tonica ao lidar com as muitas dificuldades que passou, e as atitudes que temos com problemas que nem chegam a merecer esse nome quando comparados com os que ela enfrentou. Visão, Compromisso e Sacrifício. Palavras que resumem dinamicamente o ethos de nosso Movimento. Mas o melhor de tudo é que elas não são só palavras. Na ABU temos a sorte de ter um grande número de pessoas que são expressões vivas do que elas significam. *Marcos Gilson G. Feitosa é atualmente Secretário de Capacitação da ABUB e está no movimento desde 1973.