Na sexta-feira passada (27), a dona de casa Maria de Fátima Souza deu uma entrevista à repórter Mônica Silveira. Ela vinha sendo ameaçada pelo excompanheiro e queria contar a sua história. Dois dias depois, Maria de Fátima foi internada em um hospital do Recife. Na primeira vez que a equipe do Globo Repórter encontrou Maria de Fátima, ela estava assustada, com muito medo. Vivia torturada pelas ameaças. Ela tentou seguir em frente, mas o homem com quem viveu sete anos se sentia dono do destino da ex-companheira. "Ele não se conforma. Acho que não é nem por gostar, é pela a mordomia que tinha comigo. Mas o medo que eu tenho das ameaças dele é tão grande que se ele pede para fazer uma comida, eu faço", contou. Maria de Fátima tinha medo, mas não imaginava que o ex-companheiro pudesse cumprir a ameaça. No último domingo, José Marcos teve um acesso de fúria porque ela demorou a entregar o almoço. Maria de Fátima foi ferida e passou três dias internada em um hospital. A equipe do Globo Repórter voltou a encontrar Maria de Fátima nesta quintafeira (5) na Delegacia da Mulher. Ela levou a faca que o ex-companheiro usou para machucá-la. "Eu corri para o banheiro. Quando cheguei ao banheiro, comecei a gritar segurando a porta. Ele jogou a faca o meu dedo. Quando o vizinho ao lado gritou para ele me deixar, ele saiu correndo. Se ele conseguisse abrir aquela porta, eu não estaria aqui para contar essa história", diz Maria de Fátima. O agressor fugiu. Mária de Fátima o denunciou pela primeira vez em dezembro do ano passado. E nada foi feito. Agora, ela revela tudo o quer: "Eu quero que ele vá preso, para pagar pelo que fez. Ele tentou me matar e não conseguiu. Pode ser que tente de novo. Quero justiça". Ela quer justiça e quer viver em paz, um direito que é de todas as mulheres. A violência contra as mulheres é o tipo mais generalizado de abuso dos direitos humanos no mundo, apesar de ser também o menos reconhecido. É também um problema grave de saúde, já que mina a energia da mulher, comprometendo sua saúde física e desgastando sua autoestima. Apesar destes altos custos, a maioria das sociedades do mundo tem instituições sociais que legitimam, obscurecem ou negam este tipo de abuso. Os mesmos atos que seriam punidos se perpetrados contra um empregador, vizinho ou conhecido, com freqüência permanecem impunes quando perpetrados contra as mulheres, especialmente dentro de uma mesma família. Há mais de duas décadas que os grupos de defesa dos direitos das mulheres vêm procurando atrair mais atenção ao abuso físico, psicológico e sexual das mulheres, salientando a necessidade de ações concretas. Estes grupos colocam abrigos à disposição das mulheres, fazem campanhas para promover reformas legais e desafiam as atitudes e crenças disseminadas que apoiam o comportamento violento contra as mulheres (209). Cada vez mais, estes esforços estão tendo resultados. Hoje, existem instituições internacionais que protestam contra a violência de gênero (veja a tabela 01). Pesquisas e estudos estão coletando mais informações sobre a prevalência e a natureza do abuso. Mais organizações, serviços de saúde e autoridades estão reconhecendo que a violência contra as mulheres tem
conseqüências graves para sua saúde e para a sociedade. Um número crescente de programas e profissionais de saúde reprodutiva já entende o papel essencial que têm de cumprir no combate à violência, não somente ajudando as vítimas individualmente mas também prevenindo o abuso. Quanto mais se tomar conhecimento do impacto da violência de gênero e das razões subjacentes, mais programas encontrarão formas de combatê-la. (Veja a figura 1) O que é a violência contra as mulheres? O termo “violência contra as mulheres” engloba muitos tipos de comportamentos nocivos cujo alvo são mulheres e meninas, simplesmente por serem do sexo feminino. Em 1993, a Assembléia Geral das Nações Unidas introduziu a primeira definição oficial deste tipo de violência quando adotou a Declaração para Eliminação da Violência Contra as Mulheres. De acordo com o Artigo 1 desta declaração, a violência contra as mulheres inclui: Qualquer ato de violência de gênero que resulte ou possa resultar em dano físico, sexual ou psicológico ou sofrimento para a mulher, inclusive ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrária da liberdade, quer isto ocorra em público ou na vida privada. (444) Há um consenso crescente, como o refletido na declaração acima, de que os abusos perpetrados contra mulheres e meninas, seja onde e como ocorrerem, são melhor entendidos dentro de um quadro de referência do “gênero”, pois tais abusos surgem em parte da subordinação da mulher e da criança na sociedade. O artigo 2 da Declaração das Nações Unidas mostra que a definição da violência contra as mulheres deve incluir mas não se limitar aos atos de violência física, sexual e psicológica na família e na comunidade. Estes atos incluem o espancamento conjugal, o abuso sexual de meninas, a violência relacionada a questões de dotes, o estupro, inclusive o estupro conjugal, e outras práticas tradicionais prejudiciais à mulher, tais como a mutilação genital feminina (MGF). Também incluem a violência não conjugal, o assédio e intimidação sexual no trabalho e na escola, o tráfico de mulheres, a prostituição forçada e a violência perpetrada ou tolerada por certos governos, como é o caso do estupro em situações de guerra. Este número de Population Reports focaliza principalmente dois tipos de violência: (1) o abuso das mulheres no casamento e outros relacionamentos íntimos, e (2) o sexo sob coação, quer este ocorra na infância, adolescência ou idade adulta. Esta abordagem reflete os tipos de abusos mais encontrados nas vidas das mulheres e meninas ao redor do mundo. Outras formas de abuso-tais como o tráfico de mulheres, o estupro durante as guerras, o infanticídio feminino e a MGF-são também importantes. No entanto, não foram incluídos neste informe por já terem sido considerados separadamente. Ao concentrar-se na violência pelos parceiros íntimos e no sexo coagido, este informe pode discutir com maior profundidade estes problemas e as possíveis respostas dos programas. A violência contra as mulheres é diferente da violência interpessoal em general. A natureza e os padrões de violência contra os homens, por exemplo, são tipicamente diferentes dos sofridos pelas mulheres. Os homens têm maior probabilidade de serem vítimas de pessoas estranhas ou pouco conhecidas, enquanto que as mulheres têm maior probabilidade de serem vítimas de membros de suas próprias famílias ou de seus parceiros íntimos (55, 96, 212, 258, 436). Como, freqüentemente, as mulheres estão envolvidas emocionalmente e dependem financeiramente daqueles que as agridem, isto tem profundas implicações sobre a forma em que as mulheres experimentam a violência e sobre a decisão de como melhor intervir no processo. (Veja o quadro 1)