tos que se pode ouvir na tentativa de entender o rápido crescimento. Além de violar uma Área de Preservação Permanente (APP), a Vila do Arvoredo está sobre o aqüífero que abastece o norte da ilha e que nos chega em copos de plástico com a marca da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento, a Casan. Glauceli Branco, presidente da associação de moradores (Amovilar), lembra que “se a lei valesse para todos, mais de 60% das propriedades do distrito seriam atingidas” por também estarem em APP. As pessoas que vivem ali e no loteamento adjacente (com ruas pavimentadas e iluminação pública) não possuem sistema para coleta e tratamento de esgoto. As fossas improvisadas e as centenas de ponteiras colocadas para a captação ameaçam a qualidade da água, apesar da prefeitura garantir que ainda é uma das melhores fontes disponíveis. A areia é aspirada pelas crianças que brincam nas servidões, no meio do lixo e dos cães. É bronquite, doença de pele, bicho geográfico no pulmão. O atendimento médico é feito no único posto de saúde responsável pelos bairros dos Ingleses e do Santinho, e pelo grupo de saúde da família. Salomão Sobrinho, secretário adjunto da Secretaria de Habitação e Saneamento, admite que, a curto prazo, não vê solução para a comunidade, também conhecida como Favela do Siri. Desde 1999, quando o Ministério Público (MP) encaminhou à administração municipal a Recomendação 010/99 – que pedia providênFotos Laura Daudén
DUNAS Avançam em média 5m por ano e se acumulam nas paredes das casas
cias em relação à ocupação de APPs –, a prefeitura tenta tirar do papel o projeto para construção de um conjunto habitacional. As primeiras oportunidades de assentamento, uma no Rio Vermelho e outra na Vargem do Bom Jesus, foram abandonadas por causa da resistência dos moradores que seriam vizinhos do conjunto. Foram feitos abaixo-assinados contra o projeto – o suficiente para que a prefeitura cedesse. “Tínhamos as coisas encaminhadas, mas morreram duas pessoas e tudo foi por água abaixo”, afirma o secretário adjunto. Ele se refere ao assassinato de dois homens dentro da vila, em maio – o que deu margem para que a violência fosse usada como argumento. Na sala de sua casa, a moradora Vanusa da Silva, que faz parte da Amovilar, explica os entra-
ves que impediram a realização do projeto num terreno próximo. Em maio, a Casan doou um lote à prefeitura, no distrito dos Ingleses, mas grande parte da área mostrou-se alagadiça. A porção que poderia servir pertence à Igreja do Engenho. Prefeitura e moradores recorreram ao padre Vânio para que ele o vendesse. Vanusa diz que, na data para apresentação do projeto, os moradores da vila foram impedidos de entrar na igreja e discriminados pelos fiéis. “Com a chave na mão, o responsável disse que não ia abrir para os favelados do Siri.” O projeto está parado, novamente, por resistência da vizinhança. Enquanto esperam, diz Sobrinho, “a areia entra todo dia na boca das crianças”. Moradores e prefeitura estudam opções, mas preferem não falar para não suscitar novas reações.
Passeando pela Vila do Arvoredo, Vanusa mostra os pontos mais críticos. Uma dezena de casas e duas ruas sumiram ali. Em 2005, a prefeitura pagou indenizações e passagens para 42 famílias que aceitaram voltar à cidade natal. Nessa operação, moradores de casas mais comprometidas foram transferidos para as que haviam sido deixadas. Bruno Palha, da Fundação Municipal do Meio Ambiente (Floram), diz que, enquanto a solução não vem, o órgão trabalha para impedir novas construções – fato contestado pelos próprios moradores, que garantem que novas famílias se instalam. “São umas 20 casas lá, né?” Não. Ele é surpreendido pelo número apontado pela Secretaria de Habitação e Saneamento. “Tudo isso?” Dona Leni não espera caridade. Se o projeto for realizado, ela pagará pelo apartamento através do Fundo Municipal de Integração Social (FMIS), que financia a compra de imóveis para quem ganha até três salários mínimos. Salomão Sobrinho diz que mesmo sendo classificada como prioritária, a Vila do Arvoredo perdeu a verba de quase R$1,3 milhão, liberada pelo Ministério das Cidades. Sem possibilidade de ser aplicado, o dinheiro foi redirecionado para outras comunidades. Algumas pessoas ainda têm a esperança de que o local vire um paraíso e não estão dispostas a deixá-lo. Enquanto isso, na rua que dá acesso à vila, é impossível ler a placa da prefeitura, quase soterrada. “Sabemos que mais cedo ou mais tarde, a areia vai alcançar”, conclui Vanusa antes de seguir em sua caminhada. 15