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Intertextualidade e leitura: o implícito e o explícito

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Intertextualidade e leitura: o implícito e o explícito

Universidade Anhembi Morumbi

Introdução A intertextualidade é um fenômeno da linguagem em qualquer uma de suas manifestações textuais. Conhecer um pouco sobre seus processos pode auxiliar na composição e leitura de textos, os mais variados, em qualquer setor profissional. A leitura profunda de um texto, não só de suas informações objetivas, bem como de suas entrelinhas, é fundamental para a formação crítica do cidadão e pode auxiliá-lo na execução de qualquer atividade.



Intertextualidade e leitura: o implícito e o explícito

Universidade Anhembi Morumbi

Definindo “intertextualidade”

Ao realizarmos qualquer atividade comunicativa, temos a impressão de que o que estamos produzindo é único e original. Sem dúvida, cada pessoa tem seu estilo e ele deixa marcas em todas as suas produções. No entanto, mesmo que não se perceba, tudo o que cada ser humano manifesta é, de alguma forma, a “recombinação” de algo que já foi visto, lido, ouvido, sentido em algum outro lugar: na conversa com a família, no jornal, no rádio, na televisão, no contato com os amigos, entre muitos outros. Assim, pode-se afirmar que é característico da linguagem humana esse diálogo permanente com o que já existe. Se, neste momento, for solicitado a você que escreva ou diga qualquer coisa, é provável que você reflita um pouco e busque, em sua mente, uma série de informações sobre o tema pedido. Nesse processo tão rápido, muitas fontes de onde você retirou tal ou tal informação não serão lembradas, pois esse não é seu objetivo; no entanto, seria ingênuo afirmar que elas são completamente novas ou que “vieram do nada”. Quando, nesse processo, é possível reconhecer de forma clara ou levantar hipóteses sobre quais fontes estão sendo retomadas, ocorre o que denominamos intertextualidade. Dizendo de outro modo, é quando um texto, de qualquer natureza, retoma um outro (ou mais de um), de alguma forma.

“Na cena do filme, vemos uma referência clara ao universo cinematográfico hollywoodiano”

Para Charaudeau e Maingueneau, “esse termo designa ao mesmo tempo uma propriedade constitutiva de qualquer texto e o conjunto das relações explícitas ou implícitas que um texto ou um grupo de textos determinado mantém com outros textos.” 

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Um dos aspectos apontados por Charaudeau e Maingueneau é mostrar a intertextualidade justamente como um caráter constitutivo do texto. Assim, mesmo que o produtor ou o leitor não se dêem conta, um texto sempre retoma outros. Já Roland Barthes diz que “todo texto é um intertexto; outros textos estão presentes nele, em níveis variáveis, sob formas mais ou menos reconhecíveis [...] O intertexto é um campo geral de fórmulas anônimas, cuja origem raramente é recuperável, de citações inconscientes ou automáticas, feitas sem aspas.” (CHARAUDEAU e MAINGUENEAU: 2004, p.289) A definição de Barthes destaca, entre outros pontos: na relação intertextual entre um texto A (que poderemos chamar “fonte”) e um texto B (que poderemos chamar “derivado”), há níveis de diálogo entre A e B; ou seja, A pode ser retomado em B de maneira mais ou menos explícita.

Intertextualidade explícita De acordo com Koch, Bentes e Cavalcante, “A intertextualidade será explícita quando, no próprio texto, é feita menção à fonte do intertexto, isto é, quando um outro texto ou um fragmento é citado, atribuído a outro enunciador; ou seja, quando é reportado como sendo dito por outro ou por outros generalizados (...).” Intertextualidade explícita, portanto, é um tipo de diálogo entre textos no qual é possível reconhecer o texto fonte dentro do texto derivado. Isso ocorre pois há marcas textuais claras de seu autor, da obra, entre outras possibilidades. Observe o fragmento a seguir: 

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A mais sofrida das derrotas Abatidas, as brasileiras não sabiam explicar como o ouro escapou Ubiratan Brasil - RIO A dimensão da tristeza – enorme, praticamente incontrolável – pela derrota para Cuba estava refletida nos olhos marejados da líbero Fabiana Oliveira, a Fabi, justamente a mais baixa das jogadoras brasileiras com seu 1,67 m. “Claro que tenho orgulho pela medalha de prata, mas a dor, nesse momento, é difícil de suportar”, disse Fabi, tentando controlar as lágrimas. “Sei que vou para casa e ficarei pensando durante muito tempo nos nossos erros. Uma pena que isso não vai alterar o resultado.” (Jornal O Estado de São Paulo, sexta-feira, 20 de julho de 2007, Caderno especial PAN 2007)

Há duas vozes muito nítidas na reportagem de Ubiratan Brasil. A dele, jornalista, noticiando o sofrimento das jogadoras após a derrota da equipe de vôlei feminino para a equipe cubana, no Pan 2007; e a voz da jogadora é Fabiana Oliveira, citada duas vezes dentro do texto. Podemos dizer que houve um intertexto entre o texto de Fabiana (a entrevista que a jogadora deve ter dado após o jogo) e o texto do jornalista (a reportagem que escreveu). E esse intertexto foi explícito, pois a fala da jogadora é marcada dentro do texto de dois modos: a presença das aspas em suas falas e a oração “disse Fabi”. É possível, portanto, distinguir quando a fala é dela e quando é do jornalista. Observe ainda a seguinte situação:



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Alguns funcionários de uma empresa estão em reunião e produzem o seguinte diálogo: (interlocutor1) – Parece que a filial de Mato Grosso adotou um sistema de controle diferente, com alguns métodos que não utilizamos aqui. (interlocutor 2) – Há também a diferença na tributação, que não deve ser esquecida... (interlocutor 3) – Acho que a gente poderia se concentrar primeiro no dado que o João trouxe, essa diferença de metodologia de controle do pessoal de Mato Grosso. Acho que o João poderia apresentar informações mais detalhadas para que o grupo possa analisar... Na conversa entre os três interlocutores, fica nítido que o interlocutor 3 retoma o que foi dito pelo interlocutor 1, produzindo uma intertextualidade explícita. É importante destacar que, em todo processo intertextual, mesmo o mais explícito, há sempre uma alteração do texto base no texto derivado, mesmo que seja mínima, uma vez que ele foi destacado de seu contexto original.

Intertextualidade implícita Para Koch e Elias, “a intertextualidade implícita ocorre sem citação expressa da fonte, cabendo ao interlocutor recuperá-la na memória para construir o sentido do texto (...). Nesse caso, exige-se do interlocutor uma busca na memória para a identificação do intertexto e dos objetivos do produtor do texto ao inseri-lo no seu discurso. Quando isso não ocorre, grande parte ou mesmo toda a construção do sentido fica prejudicada.” Como podemos notar, no caso da intertextualidade implícita a fonte não está expressamente indicada no texto derivado. Assim, para que o diálogo possa ser percebido, é preciso que o leitor, a partir de seu repertório, consiga identificar o texto fonte. 

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DESFILE BREGA: “Como uma deusa” que sonha ser, a mulher de André Lima vem exuberante, com referências meio selvagens meio urbanas, sempre pronta para a festa. E “tão perto das lendas, tão longe do fim”, o desfile termina com longos esvoaçantes ou mais estruturados, com decote princesa – bem 80’s como o corajoso hit-brega O amor e o Poder da trilha que fez a platéia sorrir. (Jornal O Estado de São Paulo, 30 de junho de 2007, caderno especial SPFW – São Paulo Fashion Week, 2007.)

O texto “Desfile brega” apresenta vários momentos de intertextualidade implícita, baseados em dois pontos: fala-se sobre o desfile da “mulher de André Lima”, que o texto não informa quem é, muito menos o nome de sua esposa (pelo teor do texto, imagina-se que seja um casal de pessoas ligadas ao universo da moda). O segundo ponto é a canção “O amor e o poder”. O texto cita trechos da música (“como uma deusa”, “tão perto das lendas, tão longe do fim”) sem, no entanto, deixar claro para o leitor que se trata de partes da letra da música que foi um hit “brega” nos anos 80, interpretada pela cantora Rosana e tema de novela da Rede Globo de Televisão.

Fique atento! - A questão do repertório Segundo Koch e Elias, “a intertextualidade é elemento constituinte e constitutivo do processo de escrita/ leitura e compreende as diversas maneiras pelas quais a produção/ recepção de um dado texto depende de conhecimentos de outros textos por parte dos interlocutores, ou seja, dos diversos tipos de relações que um texto mantém com outros textos.” 

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Como indicam as autoras, o repertório do leitor, em geral, faz toda a diferença no momento de reconhecer e compreender as intertextualidades. Nesse sentido, muitas vezes, quando lemos os mais diversos textos, sentimos algumas dificuldades de compreensão, devido à quantidade ou complexidade dos intertextos que eles estabelecem. Uma forma de auxiliar esse processo é, antes de iniciar uma leitura, fazer uma pesquisa sobre o autor, a obra, o contexto em que se inserem; outro ponto importante, no caso de livros, é ler os textos introdutórios ou de apresentação. Neles, muitas vezes, encontramos informações importantes para a compreensão geral da obra.

Alguns processos intertextuais Os intertextos, explícitos ou implícitos, podem ser construídos de várias formas. Vamos estudar três delas: a paráfrase, a estilização e a paródia.

Paráfrase Há diversas formas de paráfrase, que é um tipo de relação intertextual entre dois ou mais textos. Ela ocorre quando o texto fonte é retomado pelo texto derivado, de tal maneira que muito do original é mantido. São exemplos de paráfrases as citações, os resumos, algumas traduções, transcrições etc. Para Othon Garcia, “(...) paráfrase corresponde a uma espécie de tradução dentro da própria língua, em que se diz, de maneira mais clara, num texto B o que contém um texto A, sem comentários marginais, sem nada acrescentar e sem nada omitir do que seja essencial, tudo feito com outros torneios de frase e, tanto quanto possível, com ou

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tras palavras, e de tal forma que a nova versão – que pode ser sucinta sem deixar de ser fiel – evidencie o pleno entendimento do texto original.” Como destaca Othon Garcia, na paráfrase não há comentários, acréscimos ou omissões dos elementos fundamentais do texto fonte. Existe, sim, um respeito muito grande ao original, que é bastante preservado.

Estilização Então, aqui está o fim: o confronto final entre Harry Potter, o Menino Que Viveu, o Escolhido, o ‘símbolo da esperança’ tanto para o mundo dos Mágicos como para o dos Trouxas, e Lorde Voldemort, Aquele Que Não Deve Ser Nomeado, o líder nefasto dos Comensais da Morte e candidato a controlador supremo. Bem contra o Mal. O jogador de quadribol contra o Senhor das Trevas. (...) Não é fácil alcançar a linha de chegada – a porção final do livro tem algumas passagens tolas, com desvios do foco principal e longas explanações – mas a conclusão da série, suas linhas e determinações sobre as personagens principais, possui uma inevitabilidade que faz de algumas especulações sobre o final da saga parecerem obtusas.” (jornal O Estado de São Paulo, Caderno 2, 20 de julho de 2007) Esse fragmento é uma resenha sobre o livro “Harry Potter and the Deathly Hallows” e pode ser considerado uma estilização. Há elementos do objeto original (no caso, referências à trajetória da personagem, “Harry Potter, o Menino Que Viveu...”). No entanto, há também comentários da autora da resenha (“Não é fácil alcançar a linha de chegada...”). 10

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Em A. R. de Sant’Anna pode-se ler a seguinte definição de estilização: “trabalhemos com a noção de desvio. Consideremos que os jogos estabelecidos nas relações intra e extratextuais são desvios maiores ou menores em relação a um original. (...) Vejamos a estilização enquanto desvio tolerável. Por desvio tolerável estou significando algo quantitativamente verificável, sem me envolver em problemas qualitativos. Ou seja: esse desvio tolerável seria o máximo de inovação que um texto poderia admitir sem que se lhe subverta, perverta ou inverta o sentido. Seria a quantidade de transformações que o texto pode tolerar mantendo-se fiel ao paradigma inicial.” Assim, a estilização é um tipo de relação intertextual em que há uma mistura entre o que é preservado do original e elementos que são acrescentados (opiniões, comentários, outras informações etc.). O detalhe fundamental: o que for acrescentado não pode, no caso da estilização, inverter ou perverter o sentido do texto original.

Paródia M. Bakhtin, comparando estilização e paródia, afirma que na paródia, “como na estilização, o autor emprega a fala de um outro; mas, em oposição à estilização, se introduz naquela outra fala uma intenção que se opõe diretamente à original. (...) Assim, a fusão de vozes, que é possível na estilização, não é possível na paródia.” No texto inicial dessa aula, há a “Oração do internauta”. O texto faz um diálogo bastante explícito com o texto do “Pai Nosso”, acompanhando sua estrutura linha a linha. Mas, diferentemente dos casos anteriores, há aqui uma subversão muito grande dos valores do texto original. 11

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Como estrutura, como dissemos, ele está ali, preservado. No entanto, seus valores foram muito adulterados. De uma oração religiosa, de maior texto de fé da comunidade católica, passa a ser uma oração de internautas, que, no lugar de Deus, instauram o “satélite”. De acordo com Fávero, “na paródia, a linguagem torna-se dupla (...): é uma escrita transgressora que engole e transforma o texto primitivo: articula-se sobre ele, reestrutura-o, mas, ao mesmo tempo, o nega”. É exatamente o que ocorre no texto da oração.

Sintetizando Para Affonso Romano de Sant’Anna, “(...) a diferença entre esses termos está em que a paródia deforma, a paráfrase conforma e a estilização reforma. (...) Sem dúvida, a paródia deforma o texto original subvertendo sua estrutura ou sentido. Já a paráfrase reafirma os ingredientes do texto primeiro conformando seu sentido. Enquanto a estilização reforma esmaecendo, apagando a forma, mas sem modificação essencial da estrutura.”

Conceitos de Leitura Para além da noção de leitura como o ato de ler palavras escritas, vamos compreendêla como a capacidade de atribuir sentido a qualquer objeto, produzido a partir de qualquer forma de linguagem. Nesse sentido, lemos livros, fotos, imagens da tv, músicas, combinações de roupas, projetos arquitetônicos, entre muitas outras possibilidades. De acordo com E. Orlandi, “leitura, em sua concepção mais ampla, pode ser entendida como ‘atribuição de sentidos’. Daí ser utilizada indiferentemente tanto para a escrita como para a oralidade. Diante de um exemplar de linguagem, de qualquer natureza, tem-se a possibilidade da leitura.” 12

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Comumente, no processo de atribuição de sentido, é muito comum dar-se importância apenas ao autor ou ao texto, deixando ao leitor um papel passivo, apenas de “decodificador da mensagem”. Acreditamos, com Koch e Elias, que “o sentido de um texto é construído na interação texto-sujeitos e não algo que preexista a essa interação. A leitura é, pois, uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza evidentemente com base nos elementos lingüísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do evento comunicativo.” Dessa definição, destacamos alguns aspectos: • o autor, o texto e o leitor são elementos igualmente importantes para a leitura; • a leitura efetivamente ocorre no momento em que autor, texto e leitor entram em contato; • o autor organiza elementos em um texto; o texto, portanto, propõe ao leitor alguns desafios. O leitor, por sua vez, mobiliza uma série de recursos para atribuição do sentido ao texto, contribuindo com seu repertório, a situação em que a comunicação ocorre (entre outros fatores).

Leitura: o explícito e o implícito Nesta unidade, vamos estudar dois elementos que formam o complexo processo de constituição da leitura. São eles o “explícito” e o “implícito”. Em qualquer texto, há uma série de informações, das mais diversas naturezas (opiniões, histórias contadas, apelos, desabafos etc.). A essas informações efetivamente registradas 13

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no texto, dá-se o nome de “explícito” ou “posto”. Segundo Charaudeau e Maingueneau, “o posto corresponde a ‘aquilo que é objeto confesso da enunciação dessa declaração’ (...).” Mas um texto não é composto só de explícitos. Novamente de acordo com Charaudeau e Maingueneau, pode ocorrer que o enunciado ‘Faz calor’ signifique simplesmente que faz calor. Mas, em um contexto comunicativo, é freqüente que a verdadeira significação de um tal enunciado seja, segundo o caso, e entre outros: ‘Abra a janela’, ‘Desligue o aquecedor’, ‘Posso tirar o casaco?’, ‘Não tenho nada mais interessante para dizer’... A maior parte dos enunciados tem, assim, além de seu conteúdo explícito, um ou vários conteúdos implícitos, que vêm enxertar-se no precedente, e podem mesmo substituí-lo em seu favor (...).” No anúncio do jornal O Estado de São Paulo, encontramos a seguinte afirmação: “mais uma vez, os ‘QUE ABSURDO, GENTE’, ‘VERGONHA’, ‘VOCÊ VIU ISSO?’, saíram antes no Estadão”. Ela indica, explicitamente, que o jornal mostrou a indignação da sociedade antes de outros veículos de comunicação. Afirma ainda, implicitamente, que o Estadão sempre faz isso, pois ele fez “mais uma vez”. Observando o exemplo, é possível notar que os textos apresentam informações explícitas e implícitas. O explícito é composto pelo que está efetivamente afirmado. Já os implícitos são significados que podem ser acrescentados ao que está dito, o que popularmente se designa “entrelinhas”. Há duas formas básicas de implícito: os pressupostos e os subentendidos.

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Uma forma de implícito: o pressuposto Novamente segundo Charaudeau e Maingueneau, “os pressupostos têm as seguintes características: (1) correspondem a realidades supostas já conhecidas do destinatário (evidências partilhadas ou fatos particulares decorrentes de seus saberes prévios), e constituem um tipo de pedestal sobre o qual se formulam os postos (que, ao contrário, presume-se que correspondem a informações novas), garantindo a coesão do discurso, quando os postos se encarregam de sua progressão.” Pensando em um exemplo simples, a oração “Carlos continua comendo demais” apresenta um posto e um pressuposto. O posto ou explícito é que Carlos come muito; já a informação implícita é que Carlos já tinha o hábito de comer bastante. Observe que ela está pressuposta (pelo uso do verbo “continua”), mas não afirmada. Outro detalhe importante: como leitor, posso concordar ou não com o explícito. Por outro lado, não há como discutir o implícito; ele deve ser admitido como verdadeiro; caso contrário, o que está posto não tem cabimento. Ou seja: para que a afirmação “Carlos continua comendo demais” seja aceita como posto, tenho, como leitor, que aceitar o pressuposto de que ele já comia muito antes. Observa-se, portanto, que os pressupostos de um texto, se não forem aceitos, emperram o diálogo entre autor, leitor e texto; a composição do sentido do texto fica muito prejudicada, pois os dois interlocutores têm bases muito diferentes.

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Dois pesos para dois “crioulos” Quem tem medo da palavra “crioulo”?

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O professor Paulo Roberto da Costa Kramer, da Universidade de Brasília, usou o termo “crioulada” numa de suas aulas. Foi suspenso e condenado a pagar uma multa depois que nove alunos – apenas dois dos quais negros – o denunciaram à reitoria. (...) No mesmo dia em que foi aplicada a multa ao professor Kramer, Lula, num evento do Rio de Janeiro, contou que, aos 14 anos, aproveitava as enchentes em seu bairro para ganhar uma gorjeta dos vizinhos. Ele estendia uma tábua sobre o charco, no meio de fezes, ratos e baratas, e cobrava um pedágio dos passantes. Um de seus clientes era, de acordo com ele, “um afrodescendente, que naquele tempo a gente chamava de crioulo, bem forte e alto”. A claque presidencial riu e aplaudiu, sem se incomodar com o deboche da linguagem politicamente correta. O episódio demonstra que, desde cedo, Lula aprendeu a lucrar com a miséria alheia. Demonstra também que as regras que se aplicam a uns podem ser impunemente violadas por outros.” (MAINARDI, Diogo. “Dois pesos para dois crioulos”. In: revista Veja, 11 de julho de 2007).

No texto “Dois pesos para dois crioulos”, de Diogo Mainardi, encontram-se algumas informações explícitas e uma implícita, em forma de pressuposto. O posto é: • O professor Kramer, da UNB, usou o termo “crioulada”, em uma de suas aulas e foi punido por isso, depois da denúncia de alguns de seus alunos; • No mesmo dia, o presidente Lula, em evento, conta um episódio em que afirma ter cobrado pedágio, aos 14 anos, em sua terra natal, usando uma tábua colocada sobre o charco em período de enchente; 16

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• Um dos clientes de Lula era, segundo o presidente, “um afrodescendente”, que antigamente era chamado de “crioulo”. Daí em diante, entra mais um explícito, mas agora carregado de implícito. Diz Mainardi: “O episódio demonstra que, desde cedo, Lula aprendeu a lucrar com a miséria alheia.” O explícito é: desde cedo, Lula aprendeu a lucrar com a miséria alheia. Se, desde cedo, ele lucra, significa dizer, implicitamente, que ele continua lucrando com a miséria alheia. Essa informação não está escrita, mas implícita. Se, como leitor, não concordar com ela, toda a lógica do articulista não faz sentido para mim. De acordo com O. Ducrot, “introduzindo uma idéia sob forma de pressuposto, procedo como se meu interlocutor e eu não pudéssemos deixar de aceitá-lo. Se o posto é o que afirmo, enquanto locutor, (...), o pressuposto é o que apresento como pertencendo ao domínio comum das duas personagens do diálogo, como o objeto de uma cumplicidade fundamental que liga entre si os participantes do ato de comunicação.”

Outra forma de implícito: o subentendido Procurando caracterizar os subentendidos, O. Ducrot afirma que “um primeiro traço observável consiste no fato de que existe sempre para um enunciado com subentendidos, um “sentido literal” do qual tais subentendidos estão excluídos. Eles parecem ter sido acrescentados. (...) Sempre poderei proteger-me por trás do sentido literal de minhas palavras e deixar a meu interlocutor a responsabilidade da interpretação que delas faz.” Voltando ao texto de Mainardi, podemos observar um trecho em que ocorre um implícito: “O professor Paulo Roberto da Costa Kramer, da Universidade de Brasília, usou o 17

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termo “crioulada” numa de suas aulas. Foi suspenso e condenado a pagar uma multa depois que nove alunos – apenas dois dos quais negros – o denunciaram à reitoria.” O trecho “apenas dois dos quais negros” pode ser entendido de diversas formas: • os alunos do grupo eram majoritariamente brancos, o que mostra a grave exclusão social no Brasil, problema muito maior do que as palavras usadas na comunicação; • os alunos universitários de universidades públicas, em sua maioria brancos, aproveitam-se do sistema de exclusão social; mas, em seus discursos, assumem uma posição de forte policiamento ideológico; • se havia mais alunos afrodescendentes na sala, não se sabe; mas, se havia, não se incomodaram com a expressão usada pelo professor, o que pode indicar um excesso de rigor e patrulhamento ideológico do grupo que levou o manifesto à reitoria. Há ainda outras interpretações possíveis para a frase. De qualquer forma, todas elas não estão explícitas. Mais do que isso, diferentemente da ocorrência de pressupostos, nesse caso, o autor Diogo Mainardi pode dizer que estão todas erradas e afirmam que apenas informou a quantidade de alunos brancos ou afrodescendentes no grupo, sem nenhuma outra conotação. Essa frase de Mainardi marca um tipo de implícito denominado “subentendido”. Diferentemente do pressuposto, ele é uma interpretação de responsabilidade absoluta do leitor.

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Sintetizando Segundo Platão e Fiorin, “há uma diferença capital entre pressupostos e subentendidos. O primeiro é uma informação estabelecida como indiscutível tanto para o falante como para o ouvinte, uma vez que decorre necessariamente de algum elemento lingüístico colocado na frase. (...) Já o subentendido é de responsabilidade do ouvinte. O falante pode esconder-se atrás do sentido literal das palavras e negar que tenha dito o que o ouvinte depreendeu de suas palavras.”

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Materiais Complementares “Shrek 2”. Animação, 92 min, 2004, EUA, dir. Andrew Adamson, Conrad Vernon, Kelly Asbury. “Adaptação”. Título original: Adaptation. Comédia, 114 min, EUA, 2002, dir. Spike Jonze. “Irma Vap – o retorno”. Comédia. 80 min, BRASIL, 2006, dir. Carla Carmurati. COETZEE, J. M. Elizabeth Costello. São Paulo: Cia das Letras, 2004. NASSAR, Raduan. Lavoura arcaica. São Paulo: Cia das letras, 1989.

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Bibliografia BAKHTIN, M. Problemas na poética de Dostoiéviski. São Paulo: Forense Universitária, 2005. CHARAUDEAU, P., MAINGUENEAU, D. Dicionário de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2004. DUCROT, O. O dizer e o dito. Campinas: Pontes, 1987. BAKHTIN, M. Problemas na poética de Dostoiéviski. São Paulo: Forense Universitária, 2005. CHARAUDEAU, P., MAINGUENEAU, D. Dicionário de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2004. DUCROT, O. O dizer e o dito. Campinas: Pontes, 1987. DUCROT, O., TODOROV, T. Dicionário enciclopédico das ciências da linguagem. São Paulo: Perspectiva, 2001. FÁVERO, L. L. “Paródia e dialogismo”. In: Dialogismo, polifonia, intertextualidade. São Paulo: EDUSP, 1994. FIORIN, J. L., SAVIOLI, F. P. Lições de texto; leitura e redação. São Paulo: Ática, 1996. GARCIA, O. M. Comunicação em prosa moderna. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. KOCH, I. V. e ELIAS, V. M. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006. KOCH, I. V., BENTES, A. C., CAVALCANTE, M. M. Intertextualidade: diálogos possíveis. São Paulo: Cortez, 2007. ORLANDI, E. P. Discurso e leitura. São Paulo: Cortez, 2006. SANT’ANNA, A. R. Paródia, paráfrase & cia. São Paulo: Ática, 2003. 21

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