UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL CURSO DE MEDICINA MÓDULO DE CLÍNICA MÉDICA IV
Relato de Caso Caroline Klovan Christina Suksteris Cristiane Mezzomo Gabriel Volpato
ID: M.A.S. , 61 anos, feminino, casada, negra, do lar, natural de Gravataí e procedente de Porto Alegre. QP: QP Hepatite C HDA: HDA Paciente refere hipocolia e icterícia intermitente há um ano. Também refere dor em pontada no hipocôndrio esquerdo e sensação de “estufamento” abdominal, sem alteração com alimentação ou evacuação. Vem encaminhada pela UBS de sua região com diagnóstico de hepatite C.
HMP: HMP • Transfusão sangüínea há 40 anos, após hemorragia desencadeada por aborto induzido • Perineoplastia há 12 anos • Retirada de nódulo mamário há 7 anos • Miomas Uterinos • Safenectomia D • G8 P5 PN6 A3 • Hipertensão
•Transtorno afetivo bipolar (em tratamento há 6 meses). • Ex – tabagista (1 maço/dia por 20 anos) • Etilista social • Sedentarismo • Nega DM • Dieta rica em carboidratos, verduras, legumes e doces • Realiza vacina para gripe anualmente/não vacinada para hepatite A e B
• Medicações em uso: - Propranolol 60 mg 2x/dia - Hidroclorotiazida 25mg/dia - Ácido Valpróico 250 mg 2x/dia - Haloperidol 0,5 mg/dia - Paracetamol 500 mg, se dor
HF: • Pai falecido aos 72 anos por CA de próstata • Mãe falecida aos 68 anos por AVEH • Irmã falecida aos 52 anos por CA de colo de útero • Irmão Falecido aos 60 anos por CA de próstata • Marido com hepatite C (doença descoberta há 1 ano, em tratamento) • Filhos hígidos
RS: - Gerais: Ganho de 8 Kg em 6 meses. Fraqueza e fadiga. Nega
febre. - Pele: Nega nódulos, úlceras, prurido, ressecamento, mudança na coloração, alterações no cabelo e unhas. - Cabeça: Crises de cefaléia raras, em região temporal. - Olhos: Presbiopia. Nega ardência, lacrimejamento, visão dupla ou visão turva, manchas, escotomas. - Ouvidos: Nega dificuldade auditiva, zunido, otalgia, otorréia, otorragia. - Nariz e Seios Paranasais: Nega resfriados freqüentes, epistaxe, rinorréia. - Boca e Garganta: Nega sangramento gengival, boca seca, rouquidão. - Pescoço: Nega bócio, rigidez e dor. - Sistema Respiratório: Nega dispnéia, ortopnéia, tosse, escarro, hemoptise.
- Sistema Cardíaco: Nega palpitações, dor, desconforto torácico.
- Sistema Gastrointestinal: Constipação. Evacua em média 3x/semana. Nega sangramentos, hemorróidas e hematêmese. Pirose. - Sistema Urinário: Retenção urinária e disúria. Nega polaciúria, poliúria, hematúria e alterações no jato urinário. - Sistema Genital: Relata leucorréia, nega feridas. - Vascular Periférico: Edema periférico e veias varicosas, com dor e desconforto. - Músculoesquelético: Nega mialgias, artrite, lombalgia. - Endócrino: Nega polidpsia, sudorese excessiva, intolerância ao calor ou frio, sede em excesso. - Sistema Neurológico: Nega crises convulsivas, parestesia, paresia, tremores. - Psiquiátrico: Refere nervosismo, tensão e perda de memória.
PPS: Paciente poliqueixosa, ansiosa e deprimida. Reside com suas duas filhas, em uma casa ao lado do marido, com quem refere boa relação. Demonstra tranqüilidade frente ao problema.
EF: • Paciente em BEG, MUC, letárgica • Abdômen globoso, sem presença de veias dilatadas • RHA normais • Timpanismo e macicez normais • Palpação abdominal sem alterações • Fígado palpável na região hemiclavicular direita
• Baço e rins impalpáveis
Exames Laboratoriais – 21/05/2007 Exames
Resultados
Valores de Referência
Bilirrubina Total
0,54 mg/dL
< 1,0 mg/dL
Bilirrubina Direta
0,16 mg/dL
0 – 0,20 mg/dL
Bilirrubina Indireta
0,38 mg/dL
< 0,90 mg/dL
AST
44 U/L
< 32 U/L
ALT
53 U/L
< 31 U/L
Fosfatase Alcalina
119 U/L
35 – 104 U/L
Gama - GT
16 U/L
5 – 39 U/L
• Anticorpos anti-HBc IgG : Não Reagente • Anticorpos IgM anti-core da Hepatite B: Não Reagente • Anti-HCV: Reagente
Ecografia Abdominal Total – 29/01/2008 • Fígado com dimensões, formas e contornos normais, textura sólida e homogênea • Hepatocolédoco, vias biliares, vesícula biliar, pâncreas, baço, rins, aorta abdominal, veia cava inferior, retroperitônio, bexiga urinária sp. • Ausência de lesões expasivas pélvicas • Ausência de líquido livre
Exames Laboratoriais - 25/09/2008 Hemograma Eritrócitos
5,04 milhões/UL
(4,9 – 5,4)
Hemoglobina
14,70 g/dL
(11,5 – 17,0)
Hematócrito
45,40 ml/dL
RDW
12,8
(até 14,5)
VCM
90 fL
(80 – 100)
HCM
32,40 %
(31,5 – 36,0)
Leucócitos
6.700 /UL
(4.000 – 11.000)
Plaquetas
305.000/ UL
(140.000 – 400.000)
Glicose Jejum
90 mg/dL
(70 – 99)
Creatinina
0,7 mg/dL
(0,5 – 0,9)
Colesterol
124 mg/dL
HDL
40 mg/dL
CT/HDL
3,10
Triglicerídeos
112 mg/dL
(< 4,0 mg/dL)
Soro AST
38 U/L
(< 32 U/L)
ALT
41 U/L
(< 31 U/L)
CK
63 UI/L
( 26 – 140)
K
4,1 mEq/L
(3,6 – 5,2)
• HBsAg: Não Reagente
21/05/2007
25/09/2008
AST
44 U/L
38 U/L
ALT
53 U/L
41 U/L
Impressão Diagnóstica: • Hepatite C • HAS • Constipação • Obesidade • Transtorno Afetivo Bipolar
Conduta: • Lactulose Xarope, SN • Encaminhamento para psiquiatria • Solicitado vacinação para hepatite B com dose dobrada ( 2ml - 40mg )
Exames solicitados : - PCR qualitativo com genotipagem - TGO/TGP, TP, BB, FA, Gama- GT - Hemograma com plaquetas - Proteinograma - Creatinina, Uréia, Na, K - Colesterol, TG, HDL - TSH/T4 Livre - Glicemia de Jejum - Colonoscopia
Transtorno Afetivo Bipolar • Doença que afeta o humor, o
comportamento e a capacidade de pensamento e racionalização com flutuações ao longo do tempo, evoluindo com períodos de depressão, mania ou hipomania e episódios mistos.
• Distúrbio recorrente da afetividade • Emoções intensas, persistentes, angustiantes, pessimistas, à revelia da vontade • Rebaixamento global das atividades • Sem alterações da qualidade dos próprios processos cognitivos intelectuais • Acomete 2% dos homens e 4% das mulheres • Evolui como unipolar em 91% dos casos ( 89% de forma depressiva, 2% maníaca)
• Psicótico (psicose maníaco-depressiva): Sintomas psicóticos e amplo comprometimento da vida da pessoa; Característica mais típica: Ilusões ou alucinações; • Neurótico: Há um componente depressivo da personalidade;
Fatores de risco ou desencadeantes da doença ou de uma crise: • Endógenos • Reativos • Vivências Pregressas • Genéticos • Drogas e Medicamentos • Doenças Graves
Fase Depressiva: • Humor deprimido, incapacidade de sentir prazer, fadigabilidade, diminuição da concentração, da auto-estima, idéias de culpa, de inutilidade, transtornos do sono e do apetite, por pelo menos 2 semanas, por menos de 2 anos de forma ininterrupta.
Fase Maníaca • Caracterizada por expansividade eufórica ou alegria com agitação psicomotora. A fala é confusa e mostra falta de discernimento e dificuldade de ideação. As funções psíquicas estão aceleradas e o pensamento é rápido. Aumento da auto-estima e sentimentos de superioridade, elação, logorréia. • Comportamento auto-destrutivo, irritabilidade, agressividade. • Pode evoluir para psicose.
Hepatite C • Existem cerca de 175 milhões de portadores crônicos de HCV em todo o mundo. • Período de incubação varia de 15 a 120 dias • O HCV é responsável por 20% dos casos de hepatite aguda, 70% dos casos de hepatite crônica, 40% dos casos de cirrose em estágio terminal, 60% dos casos de carcinoma hepatocelular e 30% dos casos dos transplantes hepáticos. • O uso de drogas intravenosas é o principal modo de transmissão
• Virologia molecular: Estrutura e ciclo de replicação viral ainda não foram completamente esclarecidos devido a falta de um sistema de cultura de células eficiente. O HCV é classificado como um membro da família flaviviridae (gênero hepacivírus), é um vírus encapsulado , pequeno que contém RNA monofilamentar. As proteínas estruturais incluem a proteína do cerne e duas glicoproteínas do invólucro, E1 e E2.
• O HCV está presente no indivíduo como um complexo de seqüências virais intimamente relacionadas, heterogêneas, conhecidas como quasi-espécies. Podem ocorrer mutações durante o tratamento, permitindo que o HCV escape dos efeitos antivirais da medicação. • A menor heterogeneidade favorece a resposta ao tratamento antiviral, pois há menos formas variantes que se tornam resistentes escapando do controle imunológico.
• Existem 6 genótipos principais e mais de 90 subtipos. • A principal diferença clínica entre os genótipos é a resposta a terapia antiviral. O índice de resposta sustentada com α-interferon, isolado ou combinado a ribavirina, é muito menor no genótipo 1 que nos genótipos 2 e 3.
• Exames sorológicos: Podem detectar anticorpos contra antígenos do HCV. Elisa é satisfatório para rastreamento de rotina e menos sensível nos pacientes em hemodiálise e imunocomprometidos. • A pesquisa do HCV RNA, no fígado e no soro, pode ser realizada pela técnica de bDNA, que é menos sensível que a PCR. • O Elisa pode se tornar positivo em até 11 semanas após a infecção, mas certamente em 20 semanas.
• Resposta imunológica: A resposta vírusespecífica é feita pelos linfócitos T. Há associação entre os alelos HLA II e a proteção contra a cronificação da infecção por HCV. • Fatores de risco: Drogas injetáveis, transfusões, profissionais de saúde, contato sexual e domiciliar com portadores do HCV , baixas condições econômicas, entre outros. A transmissão vertical não é freqüente e o leite materno não transmite.
•
História Natural: Curso lento e progressivo. 15 % se recuperam espontaneamente. 25% são assintomáticos com TGP normal. A maioria daqueles com níveis elevados de TGP e evidências de hepatite crônica apresentam apenas alterações histológicas discretas e desfecho a longo prazo imprevisível, mas é provável que a maioria deles não morra devido à hepatopatia. Cerca de 20% dos pacientes desenvolvem cirrose em 10 a 20 anos. A incidência anual de carcinoma hepatocelular é de 1 a 4% dos pacientes com cirrose. Outros co-fatores, como hepatite B e D, estão associados à doença mais grave. O álcool também é um fator de risco importante.
Hepatite C Aguda • Em 1 a 2 semanas de exposição o RNA do HCV
pode ser detectado por PCR. O anti HCV surge tardiamente no curso da hepatite C aguda e pode não estar presente no início dos sintomas e das elevações séricas das aminotransferases. Se a hepatite for autolimitada o RNA do HCV em breve torna-se indetectável no soro, títulos de anti HCV em geral são modestos e podem decair a níveis indetectáveis.
• A principal complicação da hepatite C aguda é a cronificação . Nessa situação, o RNA do HCV continua detectável e as aminotransferases permanecem elevadas, embora freqüentemente com níveis flutuantes.
• Sintomas prodrômicos são raros, apenas 20% dos pacientes se tornam ictéricos. • O HCV RNA sérico torna-se positivo em 1 a 2 semanas após a infecção. Em 7 a 8 semanas, observase aumento moderado nos níveis séricos de TGP para cerca de 15 vezes o limite superior da normalidade. • Hepatite fulminante é controversa. • Evolução rápida em portadores do HIV.
• Aqueles com doença autolimitada normalizam os níveis séricos de TGP e o HCV RNA se torna negativo. • Os anticorpos anti-HCV persistem por muitos anos. • Anemia aplásica, agranulocitose e neuropatia periférica são complicações possíveis.
Hepatite C Crônica
• Cerca de 80% desenvolverão hepatite crônica de gravidade variável.Desses: 20-30% evoluem para cirrose e 3-6% evoluem para hepatocarcinoma. • Diagnóstico é feito com achados do anti HCV e elevação sérica de aminotransferases. • Se o anti-HCV estiver presente sem o RNA do HCV, a recuperação da hepatite C ocorreu. • No curso típico da hepatite C crônica, o RNA do HCV torna-se detectável logo após a exposição e continua presente durante todo o curso da enfermidade.
• Cerca de 1/3 dos pacientes com HCV RNA detectável no soro possuem níveis normais de TGP. • Um anti- HCV pode não se tornar detectado em pacientes com insuficiência renal, imunossuprimidos ou que apresentam hipogamaglobulinemia ou agamaglobulinemia. • Fatores de risco para desenvolvimento de cirrose na hepatite C crônica: idade, sexo masculino, bebidas alcoólicas e co-infecção por HIV ou outras hepatites.
• Fatores associados à maior taxa de desenvolvimento de carcinoma hepatocelular: Cirrose ou fibrose avançada na biópsia hepática, idade, sexo masculino e abuso de bebidas alcoólicas. • Tratamento com interferon-α mesmo sem uma resposta virológica mantida, está associado a uma menor taxa de desenvolver câncer.
• Paciente geralmente assintomático, podendo apresentar fadiga e desconforto no hipocôndrio direito.
• Manifestações extra-hepáticas(em 3%): crioglobulinemia, tireoidites, artrite reumatóide, glomerulonefrite, vasculite mucocutânea, síndrome SICCA, linfoma não-hodgkin, porfiria, líquen plano.
• Tratamento: Abstenção alcoólica e vacinação contra hepatite A e B. Medicamentoso: Atualmente se utiliza associação de peginterferon e ribavirina.
Genótipo 1: chance de cura de 46%. Tratar por 48
semanas com peginterferon (1,5µ/kg de alfa-2b, ou 180 µg de alfa-2) semanalmente em combinação com ribavirina em dose de 1000mg se o peso corporal for abaixo de 75Kg e de 1200mg se for maior do que 75Kg.
Genótipo não 1: chance de cura é de 76% para genótipos 2 e 3. peginterferon na mesma posologia dos pacientes com genótipo 1 e ribavirina 800mg por dia. Tratar por 24 semanas e após avaliar com PCR.
Candidatos ao tratamento: anti-HCV+ com PCR+, aminotransferases elevadas, biópsia hepática com atividade inflamatória moderada a intensa e/ou fibrose (A2/F2 na classificação de metavir), e ausência de contraindicações ao interferon e ribavirina. A terapia com ribavirina é contraindicada em pacientes com hemólise, anemia, coronariopatia ou doença vascular cerebral significativa ou insuficiência renal.
Interferon induz uma síndrome similar à
gripe. Seus principais efeitos colaterais são: fadiga, mal-estar, depressão, dificuldade de concentração, supressão da medula óssea e, em raras circunstâncias infecções bacterianas ou indução de doença imunológica.
Os efeitos colaterais da ribavirina incluem: hemólise dose-dependente, anemia, dentre outros. Indicadores de boa resposta ao tratamento: Genótipo 2 ou 3(não 1), carga viral baixa (menos de 2 milhões de cópias/ml), ausência de cirrose, menos de 40 anos, curta duração de infecção, sexo feminino e não obeso
Hepatite C Crônica Interferon Convencional x Interferon Peguilado
Com o interferon peguilado não há picos de concentração nem redução drástica da quantidade de medicamento, pois é feita apenas uma aplicação semanal e o medicamento permanece agindo por mais tempo na corrente sangüínea.
Hepatite C Crônica Interferon Convencional x Interferon Peguilado
O interferon convencional (não peguilado) é usado 3 vezes por semana, fazendo com que o medicamento apresente picos de concentração (onde os efeitos colaterais são mais presentes) algumas horas após a aplicação. No intervalo entre as aplicações há uma redução drástica da quantidade de medicamento no sangue, momento em que o vírus pode voltar a se replicar.
Depressão no Tratamento da Hepatite C • Estudo realizado na Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, buscou saber se a depressão durante o tratamento da hepatite C era ocasionada por alterações bioquímicas resultantes da ação do interferon e da ribavirina. • Foram selecionados 201 pacientes não respondedores a um tratamento prévio, os quais foram tratados com interferon peguilado alfa 2-a e ribavirina, todos eles com avançada fibroses, objetivando evitar que eles progredissem para a cirrose. Um grupo foi tratado por 24 semanas e outro durante 48 semanas.
• O estado psicológico e a depressão foram avaliados realizando entrevistas e utilizando formulários reconhecidos cientificamente como o Beck Depression Inventory II e o Composite International Diagnostic Interview, acompanhando o tratamento com exames no inicio do tratamento e nas semanas 4, 24, 48 e 72 para verificar o nível de cortisol e serotonina.
• Foi verificado que na semana 24 do tratamento 23% dos pacientes apresentava depressão induzida pelo tratamento e na semana 48, 42% apresentavam sinais de depressão.
Bibliografia 1. GOLDMAN. ANSIELLO. Cecil - Tratado de Medicina Interna. 22 ªed. Vol. São Paulo: Editora Saunders, 2005. 2. SHERLOCK, Sheila. DOOLEY, James. Doenças do Fígado e do Sistema Biliar. 11 ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. 3. American Journal Gastroenterology. Changes in Mood States and Biomarkers During Peginterferon and Ribavirin Treatment of Chronic Hepatitis C. Gastroenterology, 2008.