Trabalho De Pesquisa Altes-museum.docx

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Arquitetura do Séc. XIX – 2018-2019 João Manuel Mota Martins Serra

Altes Museum, Berlim Schinkel, 1823-1830

O presente ensaio explora o papel do Altes Museum, o mais antigo e também o primeiro museu de arte público de Berlim, no desenvolvimento da arquitetura no século XIX. Trata-se de um dos vários museus de renome internacional situado na Ilha dos Museus, tendo a sua construção sido, extremamente, importante para o arranjo arquitetónico da ilha. Património da UNESCO desde 1999, a ilha abrange cinco museus representativos para a cidade de Berlim e está localizada entre as duas margens do rio Spree. É de salientar que todas as edificações da ilha foram construídas num período de, aproximadamente, cem anos, entre 1830 e 1930.

O século XIX veio estabelecer, definitivamente, a consolidação do museu como equipamento público e foi, curiosamente, na Alemanha que se desenvolveram as obras que expressaram uma arquitetura de museu, como se pode confirmar por edifícios como o Glyptothek de Munique, o Alte Pinakothek e o Altes Museum. O Altes Museum foi projetado por Karl Friedrich Schinkel, pintor, urbanista e notável arquiteto do neoclassicismo na Prússia, e é um daqueles edificios que ficarão para sempre gravados na história da arquitetura, por associar o funcional ao sublime e estabelecer, permanentemente, a rotunda abobadada como um motivo de arquitetura de museu (Naredi-Rainer, 2004, 22). A hierarquização das fachadas e a inclusão de uma colunata monumental implementam uma métrica de organização formal, cuja conceção comanda a idealização global do edifício. Esta colunata, idêntica a uma stoa grega (Bergdoll, 1994, 83), pode ser penetrada de qualquer ponto, marcando, assumidamente, um prolongamento urbano para o interior do edifício. Apesar da sua monumentalidade, este não tinha a pretensão de ser um templo ou santuário, mas sim um museu, ao serviço da cidade e das pessoas,

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destacando-se no espaço público e elevando a sua tipologia a um novo patamar, devido à sua importância tanto arquitetónica como social.

A estrutura do Altes Museum é relativamente simples, com formas retangulares e teto plano, mas as dezoito colunas, ao longo da sua fachada frontal, com 87 metros de largura, que antecedem as paredes do edifício, criam um átrio alongado e dão-lhe imponência. Em cima de cada coluna, encontram-se dezoito águias de arenito, que ornamentam o telhado. A entrada para o museu é feita através de uma escadaria de vinte e um degraus, que conduz os visitantes ao salão público. No interior, encontramos uma rotunda no centro geométrico do edifício, inspirada no Panteão de Roma, decorada com esculturas de deuses da antiguidade. Schinkel não deixa transparecer a presença desta grande rotunda de pé-direito triplo para o exterior, disfarçando-a com muros que formam um quadrado completo, para criar a impressão de um pátio interno. A configuração interior do museu revela as intenções urbanas de Schinkel. Na entrada, uma escadaria dupla dá acesso a um “terraço entre o exterior e o interior” (Buddensieg, 1999), a fim de não obstruir a visão da praça, de onde é possível observar o Lustgarten e a cidade de Berlim através do pórtico. Segundo Schinkel, o museu é elevado para “ocupar um lugar de destaque na cidade” (Schinkel, 1989, 41).

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Construído em estilo clássico, o museu tem dois pátios interiores e é composto por

três

pisos,

que

não

são

perceptíveis a partir do exterior. O piso inferior é reservado para as salas de serviço,

espaços

destinados

a

académicos e artistas, apartamentos dos funcionários do museu, auditórios, fornos e depósitos. O primeiro andar abriga as esculturas e o segundo pinturas. O piso inferior é, completamente, separado dos demais, para proteger as obras em caso de incêndio na área de serviço. As divisões do segundo andar são separadas umas das outras, por paredes de madeira, que não vão até o teto, criando, assim, um caminho, em frente às janelas. Schinkel explica o mérito destas divisões de madeira, afirmando que criam mais espaço para pendurar as pinturas e classificá-las

de

acordo

com

sua

importância (Schinkel, 1989, 42). Dentro do edifício, os dois pátios são separados pela rotunda, suportada por vinte colunas.

A evolução e as modificações, ocorridas em relação aos museus, não se restringiram apenas às funções do museu. As implicações da revolução industrial e tecnológica afetaram a construção, as características estruturais e arquitetónicas do próprio edifício do museu: predominavam os frontões clássicos, as pilastras romanas e as abóbadas e cúpulas inspiradas na arquitetura do século XVI. Assim, não foram apenas as obras dentro do museu que exibiam o passado, mas também a própria estrutura do edifício. Existem muitos exemplos de museus do século XIX, que lembram as expressões arquitetónicas do passado como é o caso do Altes de Karl Friedrich Schinkel que, isolado num ambiente urbano e distinguido por uma série ininterrupta de galerias, expressa o status cultural da cidade. O Altes Museum, construído entre 1823 e 1830, é uma das obras mais importantes da arquitetura do classicismo. Com um exterior ordenado com lucidez e uma estrutura interior de grande precisão, após o estilo grego antigo, Schinkel seguiu a ideia de Humboldt do museu como uma instituição educacional aberta ao público.

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No início do século XIX, a burguesia alemã, classe em ascenção, passou a ter novos anseios e visões, como por exemplo que todos os cidadãos deveriam ter acesso à arte e à educação cultural, uma vez que, até então, as coleções de arte eram fechadas ao público em geral. Adepto desta visão, o rei da Prússia Friedrich Wilhelm III solicitou a Karl Friedrich Schinkel, o arquiteto mais importante da Prússia, a projeção de um museu para expor as coleções de arte da realeza.

Quando o projecto do Altes Museum lhe foi atribuído, Schinkel tinha como principal objetivo a transformação da imagem da cidade, através da construção de um museu monumental num sítio proeminente. No entanto, fez uma escolha polémica ao decidir construir o museu na ilha degradada de Lustgarten, no coração de Berlim, que, como consequência das instalações marítimas colocadas ao longo dos canais do rio Spree, revelava a inexistência de relação entre os demais edifícios públicos da cidade. Karl Schinkel argumentou que o edifício teria inúmeras vantagens neste local, tanto na reestruturação do Lustgarten como na organização do tráfego marítimo, transferido entretanto para o canal principal da cidade. Desta forma, o museu implantouse neste local como agente transformador urbano. A sua localização reflete uma preocupação em relacionar os edificios com o ambiente circundante, seja ele urbano ou rural. Além disso, significava a substituição de um passado recente indesejável por um passado ideal. O Lustgarten, que havia servido de praça para a parada de entrada das tropas napoleónicas, em Berlim, em 1806 (Jager, 2002, 128) e de campo de exercício destas mesmas tropas, nos anos seguintes, passaria a ser habitado pela memória ancestral do povo, veiculada pelas obras de arte e antiguidades a serem reunidas naquele prédio com ares de templo grego. No projeto, Schinkel incorporou o museu a um conjunto de construções que já existia em redor da praça Lustgarten: o Palácio Real da família Hohenzollern, que representava o poder mundano; a Zeughaus, que era um

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arsenal e representava o poder militar, e a Berliner Dom, associada ao poder divino. O museu, que pretendia fornecer educação ao povo, representava as ciências e as artes. O Altes Museum foi desenhado em estilo arquitetónico do classicismo, tendo, inicialmente, a designação de Königliches Museum (Museu Real), nome que foi mantido até 1845, quando foi renomeado para o seu nome atual.

Após a retirada francesa da Prússia, novos projetos arquitetónicos começaram a ser realizados em Berlim, a fim de criar uma nova imagem para a capital. Estes projetos desempenharam um papel crucial na formação do gosto estético do público e no avanço da arte, em termos de educação pública. Entre eles, temos o Neue Wache, a Casa da Nova Guarda, concluída em 1816; a Schauspielhaus, a Sala de Concertos, concluída em 1821, e, finalmente, o Altes Museum inaugurado em 1830. Estes três edifícios, que ainda hoje, são ícones de Berlim, foram projetos reais, encomendados diretamente a Karl Schinkel. A sua posição como funcionário do estado em Oberbaudeputation (Conselho Prussiano de Obras) também lhe permitia supervisionar projetos arquitetónicos e ser responsável pela estética arquitetónica, em todo o estado.

Schinkel foi um dos arquitectos que travou a luta para encontrar o modo como a arquitetura, estando ao serviço da necessidade e da utilidade, é elevada ao estatuto das artes. Foi dos primeiros alunos a frequentar a Bauakademie, todavia a sua formação não se limitava ao currículo da academia. “Schinkel assistia, também, às conferências na Academia de Belas Artes, onde Aloys Hirt (...) falava da arquitectura e das civilizações antigas com a mais clara manifestação de um ideal estético” (Bergdoll, 1994, 14-15). Além disso, estabeleceu um contacto intímo com David Gilly e o seu filho Friedrich, que se revelou fundamental para a sua formação. “David forneceu-lhe os princípios de uma filosofia pragmática, na qual a construção era o aspecto fundamental da arquitectura. Friedrich despertou o seu interesse pela filosofia estética e pela subjectividade romântica” protagonizadas por intelectuais como Karl Wilhelm Solger, Johann Gottlieb Fichte, Friedrich Wilhelm Schelling ou Auguste Schlegel (Bergdoll, 1994, 16). A relação dialética, entre a importância da construção e a subjetividade romântica, está presente em Schinkel, durante toda a sua vida. Este admite que a tarefa central da arquitetura é responder às necessidades de uma sociedade, o que não a impede de ser capaz de transcender o mero pragmatismo da construção pela virtude de assumir significado simbólico. É na escola do idealismo estético, que Schinkel percebe que a arquitectura deve culminar num enriquecimento espiritual, numa forma artística. Conclui-se, portanto, que a beleza arquitetónica e o seu ideal, apenas, emergem, depois, dos requisitos da necessidade e da construção terem sido cumpridos. De acordo

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com Mallgrave, é bastante provável que Schinkel tenha assistido às palestras de August Schlegel, lecionadas, em Berlim, em 1801-02, que definem a arquitetura como uma arte que se “deve dirigir a um propósito” (Mallgrave, 2009, 99).

A arquitetura de Schinkel passa por uma fase inicial romântica na década de 1810, em que projeta tanto no estilo gótico como no neoclássico. A segunda fase descreve um Schinkel defensor de um estilo utilitário, puramente, mecânico, a partir da década de 1820, período em que Berlim tentava recuperar da ruína fiscal, devido às guerras napoleónicas e esforçava-se por investir em áreas como o comércio, a indústria e as artes. É com Peter Christian Beuth que se faz acompanhar na viagem até França, Inglaterra e Escócia, em 1826, para se inteirarem das mais recentes técnicas construtivas usadas na arquitetura industrial - armazéns, fábricas, pontes, maquinaria, galerias -. Ainda segundo Mallgrave, é na terceira fase da sua carreira, que Schinkel procura “revestir” uma arquitetura tectonicamente pura com os ditos atributos “históricos e poéticos” (Mallgrave, 2009, 101). O ornamento tanto pode apresentar-se como decoração ou emergir da própria estrutura do edifício, sendo cada um justificado pela sua finalidade. Há duas obras que focam este ponto de vista, mas de maneiras distintas: o Altes Museum e o novo edifício da Bauakademie (1831-1836). No Altes Museum, o ornamento representado pelas esculturas tem o papel moral de educar o público, narrando a história mitológica das divindades e do nascimento da raça humana. Schinkel, através da conceção clássica e dos murais torna o edifício numa “paragem de instrução civíca e de auto-reflexão histórica” que ultrapassa o seu uso imediato, na perfeita tríade entre arquitetura, pintura e escultura (Mallgrave, 2009, 101). No entanto, no edifício das novas dependências da Bauakademie (1831-1836), a construção industrial como tema volta a colocar-se e o edifício consiste numa estrutura independente, em tijolo de terra cota à vista, não estrutural. Os elementos ornamentais “históricos e poéticos” não implicam, aqui, um recurso ao mundo clássico, puramente decorativo ou formal. Schinkel demonstra que é possível uma arquitetura que, não implicando uma decoração formalmente histórica, o é nos seus princípios.

Como boa parte de Berlim, também o edificio do Altes Museum não ficou imune à Segunda Guerra Mundial, tendo sido, praticamente, destruído pelo fogo, nos dois últimos anos. Os trabalhos de restauração foram concluídos, em 1966, quando passou a apresentar exposições de arte contemporânea da República Democrática da Alemanha, uma vez que o prédio ficou na parte oriental de Berlim.

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Atualmente, o Altes Museum exibe grande parte da Coleção de Antiguidades Clássicas – a parte da coleção dedicada à arte da antiguidade grega, romana e etrusca, distribuídas em dois andares. O andar principal , térreo, é dedicado à arte da Grécia antiga - esculturas em barro, bronze e mármore, vasos em cerâmica, jóias em ouro e prata, moedas, etc. O andar de cima é dedicado às artes romana e etrusca,

onde é possível

encontrar as esculturas de César e Cleópatra, além de mosaicos, sarcófagos e afrescos.

Em suma, podemos concluir que a obra de Schinkel permite compreender a situação de Berlim, no início do século XIX e compará-la com o resultado de um longo processo de conceção urbana reproduzido no espaço da cidade. O projeto de Schinkel fez com que o o Altes Museum viesse ocupar o horizonte de todos aqueles que circulassem pelo centro de Berlim. A construção de um edifício, que convida ao passado e à história, tornou-se, desde então, a principal tarefa pedagógica do museu moderno.

É visível que Schinkel se interessou pela arquitetura da Grécia clássica não apenas pela sua simbologia, mas, também, porque servia os seus propósitos de conceção racional dos edifícios, tendo sido o principal difusor deste estilo, no norte da Europa. A forma como aproveitou as oportunidades, conciliando as questões pragmáticas com os aspetos conceptuais, é, ainda, hoje, inspiradora para arquitetos e urbanistas.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bergdoll, Barry. Karl Friedrich Schinkel: An Architecture for Prussia, Rizzoli International Publication, New York, 1994

Buddensieg, T. Berliner Labyrinth, neu besichtigt: von Schinkels Unter den Linden bis Fosters Reichstagskuppel. Klaus Wagenbach Verlag, Berlin. 1999

Jaeger, M. Der Berliner Lustgarten: Gartenkunst und Stadtgestalt in Preussens Mitte. Berlin: Deutscher Kunstverlag, 2002

Mallgrave, Harry Francis. Modern Architectural Theory: A Historical Survey, 1673–1968. Cambridge: Cambridge University Press, 2009

Naredi-Rainer, Paul von. Museum Buildings: Design manual. Basel, Birkhauser, 2004

Schinkel, Karl Friedrich. Collection of architectural designs: including designs which have been executed and objects whose execution was intended. Guildford : Butterworth Architecture, 1989 .

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