PRINCIPAIS TIPOS DE DESENHOS DE PESQUISA
Bráulio Luna Filho UNIFESP-EPM 20000
INTRODUÇÃO Uma investigação científica começa sempre por um planejamento visando à elaboração de um plano capaz de responder uma pergunta ou resolver um problema. Esse planejamento definirá a estrutura que abordará as manifestações ou fenômenos a serem estudados. Essa estrutura, comumente designada de desenho, é essencial ao bom desenvolvimento do trabalho científico. O desenho de uma pesquisa é realizado na tentativa de minimizar vícios que possam influenciar a opinião do investigador. O leitor que não é familiarizado com os princípios do desenho de pesquisa estará à mercê do autor do trabalho, que pode muito bem ter desconsiderado os problemas inerentes ao desenho de seu estudo.
A BASE LÓGICA DO DESENHO O principal objetivo do desenho de um estudo é responder uma questão científica, utilizando os princípios gerais da investigação científica. O grande problema é que as questões científicas são freqüentemente imprecisas; os instrumentos de medidas das variáveis não são comumentes confiáveis (válidos) ou disponíveis, e as relações entre as variáveis são muitas vezes enganosas. O primeiro passo do investigador deve ser formular a questão do estudo. O segundo passo é no planejamento do desenho de pesquisa. Deverá decidir se o desenho será experimental ou não-experimental. Uma vez decidido que tipo de desenho efetuará, deverá considerar cuidadosamente se existem variáveis confundidoras. Se existirem, deverá desenvolver estratégia para neutralizá-las. O terceiro passo, geralmente concomitante com o segundo, envolve a seleção do instrumento para a análise das variáveis dependente(s) e operacionalização das variáveis independente. Telegraficamente, para os nãoiniciados nesta terminologia, variáveis dependentes são aqueles em com os investigadores consideram que expressam a pergunta da pesquisa. Variáveis independentes são todas as demais, que inclusive podem influenciar ou explicar o comportamento da variável dependente. A escolha do instrumento é também um importante passo na investigação. Geralmente é dada pouca atenção a esta decisão, principalmente pela implicação em relação à variável dependente. Normalmente, o investigador gasta longo tempo em consideração apenas com as variáveis independentes. O quarto e final passo em qualquer estudo é como conduzi-lo. 1
TIPOS DE PESQUISA EXPERIMENTAL Estudo experimental é aquele tipo de investigação em que o pesquisador, desejando estudar os efeitos da exposição, ou da ausência de exposição, a um determinado fator, decide, ele mesmo, quais os elementos (pessoas, animais, cidades etc.) serão expostos ou não ao referido fator. Estudos experimentais são aqueles em que há uma intervenção deliberada do investigador. Se o investigador compara indivíduos expostos a um fator com outros não expostos ao referido fator, ele estará conduzindo um experimento controlado. Com quanto mais cuidado ele assegurar a
similaridade dos grupos em relação aos outros aspectos, melhor controlado será o experimento. Um estudo é um experimento verdadeiro somente quando as decisões sobre exposição ou ausência de exposição do fator em consideração são realizadas pelo investigador. A pedra angular do desenho experimental é o controle. Isto envolve manter constante ou variar sistematicamente as variáveis para que seus efeitos possam ser removidos de um estudo ou comparável com outro estudo.
Ensaio Clínico O Ensaio Clínico é o tipo de estudo experimental em que o objeto de investigação são pacientes. O objetivo deste tipo de estudo é avaliar uma ou diferentes formas de tratamentos para uma doença ou condição. As exposições em um ensaio clínico não são medidas primariamente positivas, desde que ela não previne a ocorrência do início da doença, mas elas podem ser medidas preventivas de seqüelas da doença. Por exemplo, a modificação da dieta depois do IAM poderá prevenir o reinfarto e a morte subsequente, ou a redução dos níveis pressóricos através de drogas antihipertensivas poderá reduzir a incidência de AVC. A seleção dos pacientes deve ser feita de forma que minimize variações que possam afetar as comparações entre os grupos em investigação. Isto é feito, geralmente, utilizando o processo de randomização, ou seja, os grupos participantes do estudo são escolhidos aleatoriamente, e apenas o fator sorte poderá definir para que grupo cada paciente será alocado. Figura 1 A validade do ensaio clínico depende, na essência, da extensão em que o processo de randomização alcança uma distribuição homogênea das características basais dos grupos em estudo. Além de ser o padrão ouro dos tipos de estudos para determinação de eficácia terapêutica, o ensaio clínico fornece as mais fortes evidências para o estabelecimento de causalidade. 1
QUASE-EXPERIMENTAL Quando realizamos observações antes e depois de alguma intervenção que não está sob o controle do investigador (tratamento médico, exposição a um programa de saúde), e paralelamente realizamos observações em um grupo de indivíduos não expostos. Este termo é também usado quando a distribuição dos indivíduos para os grupos experimental e controle não é randomizada. Os estudos quase-experimental são reconhecidos de grande utilidades quando não é possível a realização de estudos experimentais. Mas seus resultados devem ser interpretados com cuidados - é difícil garantir que o resultado obtido possa ser atribuído à intervenção.
Desvantagens dos Estudos Experimentais Geralmente são caros e demanda muito tempo. Além do fato que muitos estudos não são passíveis desse tipo de desenho. Seria eticamente abominável sortear os indivíduos em grupos de fumantes e não-fumante e segui-los por um prazo de 20 anos para saber quem desenvolverá doenças cardiovasculares ou câncer de pulmão. Outro aspecto pouco relevado é que os ensaios clínicos costumam ter objetivos bem específicos o que quase sempre o distancia da prática médica, onde os doentes geralmente apresentam diversas manifestações patológicas e submetem-se a vários tipos intervenções ( tratamentos) simultaneamente.
ESTUDOS OBSERVACIONAIS Estudo observacional (survey) é uma investigação em que a informação é sistematicamente colhida, mas no qual o método experimental não é usado. Não há uma intervenção ativa do investigador. O termo ‘survey’ é geralmente usado, no sentido mais amplo, para se referir aos estudos não-experimentais. Alguns autores circunscrevem o termo ‘survey’ para estudos baseados em questionários. Os Estudo Observacionais podem ser: Descritivos e Analíticos. Estudos observacionais descritivos caracterizam por descrever uma situação. Isto é, a distribuição da doença na população em relação ao sexo, idade e outras características. Estudos observacionais analíticos (explanatórios) tentam explicar uma situação. Isto é, o estudo dos processos determinativos (Por que a doença ocorre nessas pessoas? Por que certas pessoas não tomam seus remédios? Pode a queda da incidência de uma doença ser atribuída à introdução de alguma medida preventiva?). Isto é geralmente feito pela formulação de hipóteses. Eles podem ser baseados em estudos descritivos prévios. Os estudos observacionais descritivos e analíticos podem ser categorizados em transversal (cross-section) e longitudinal (cohort), dependendo do período de tempo coberto pelas observações.
O Estudo Transversal fornece uma informação limitada no tempo - pontual - de uma situação. Neste tipo de estudo as medidas ou coletas dos dados são realizadas uma única vez e no mesmo intervalo de tempo. É freqüentemente utilizado como "screening" ou como classificação inicial para um outro tipo de estudo. O Estudo Transversal vem se popularizando: em 1946, representava 24% dos artigos publicados nas principais revistas médicas; já em 1976, representava 44%. Fig 2 As principais vantagens desse tipo de estudo são: estratégia simples; realização barata e não ter o problema de perda de seguimento. Também fornece a prevalência de doenças ou fatores de risco e, às vezes, revela associação transversal de interesse. Por exemplo, a observação que os doentes de AVC geralmente são portadores de hipertensão arterial levou a hipótese de que o tratamento poderia reduzir a incidência daquele evento.
As Principais Desvantagens do Estudo Transversal Como todas as medidas são realizadas na mesma época, não é possível estabelecer relação de causalidade, porque não é possível determinar quem apareceu primeiro. Um dos argumentos mais forte da indústria de tabaco contra a vinculação do cigarro com o câncer de pulmão era que os estudos iniciais que revelaram esta associação eram do tipo transversal. E assim argumentavam que muitos indivíduos poderiam já ter o câncer em forma incipientes antes de início do hábito de fumar. Também não é factível para o estudo de doenças raras. Um estudo transversal para estudar câncer do estômago em pacientes entre 45 e 59 anos necessitaria de 10.000 indivíduos para encontrar um único caso. Além disso só é possível medir a prevalência e não fornece informação sobre prognóstico e história natural. 2
Estudo Longitudinal
fornece dados acerca de eventos ou mudanças que ocorrem em determinado espaço de tempo. As medidas ou coletas dos dados são realizadas mais de uma vez e em períodos de tempo diferente. Um estudo longitudinal em que um grupo de indivíduos (geralmente selecionados) que são acompanhados por algum tempo pode ser chamado de estudo coorte. O estudo de ocorrência de novos casos de uma doença é conhecido como um estudo de incidência. O estudo observacional pode utilizar dados já coletados ou passar a fazê-lo após o início do estudo. Este tipo de dados são designados como retrospectivo e prospectivo, respectivamente. Os estudos coortes prospectivos são um poderoso desenho para natural de doença e investigar causas potenciais de uma suspeitos são medidos antes da ocorrência da doença, este tipo com segurança que os mesmos precederam àquela manifestação, de causalidade.
definir incidência, história condição. Como os fatores de estudo pode estabelecer e então sugerir uma relação
Principais Desvantagens do Estudo Coorte Prospectivo É um desenho caro e ineficiente para estudar fatores de riscos para ocorrência de doenças raras. A doença arterial coronária tem na população geral uma incidência ao redor de 1% ao ano. Foi necessário a realização inicial do estudo de Framingham, que acompanhou uma amostra populacional de uma cidadezinha americana por mais de 20 anos, para estabelecer a relação conhecida hoje entre fatores de risco (HÁS, DM, tabagismo, fatores genéticos, hipercolesterolemia etc.) e doenças cardiovasculares. Naturalmente esse tipo de estudo é mais eficiente quando os eventos se tornam mais comuns Ressalve-se que uma associação encontrada pelo estudo coorte pode ser secundária a efeito de variável confundidora (confounding). A relação entre atividade física e doença coronariana durante muito tempo foi questionada, porque os indivíduos praticantes geralmente eram não- fumante, em contra-partida aos sedentários que majoritariamente eram tabagistas. Por último como geralmente deve-se acompanhar um grupo de pacientes por um determinado período de tempo, a perda de seguimentos desses pacientes podem constituir grande problema na hora de avaliar o resultado final do estudo. Fig. 3.
O ESTUDO COORTE RETROSPECTIVO O desenho de um estudo coorte retrospectivo é essencialmente o mesmo do estudo prospectivo.A diferença é que a constituição do coorte, a realização das medidas basais das variáveis, o acompanhamento dos participantes e os eventos finais, todos aconteceram no passado. No estudo coorte retrospectivo todos os eventos relevantes (tanto a exposição como o resultado de interesse) já deve ter ocorrido quando o estudo é iniciado. Este tipo de estudo só é factível se banco de dados ou fontes alternativas para obtenção de fatores de risco e eventos são disponíveis em coorte de indivíduos reunidos por outros motivos. Por exemplo, Nishimura et al, na Mayo Clinic, estudou em amostra extraída de prontuários, 343 pacientes com o diagnóstico ecocardiográfico de prolapso de valva mitral. Descreveram naqueles com folhetos mitrais com degeneração mixomatosa, e algum grau de insuficiência mitral, uma incidência de 10% de morte súbita, AVC ou endocardite infecciosa contra 0.7% dos mesmos eventos naqueles que não tinham valvas redundantes. Fig. 4. O estudo coorte retrospectivo geralmente é realizado mais rapidamente e com custo bem mais barato que o estudo coorte prospectivo. Isto porque todos os eventos relevantes já ocorreram quando o estudo foi iniciado. DESVANTAGENS DO ESTUDO COORTE RETROSPECTIVO Neste estudo o investigador não tem controle sobre a natureza e qualidade das medidas realizadas. Considerando que os dados foram coletados de maneira rotineira e para propósitos diferente daquele da investigação, esses podem ser incompletos, falhos e com informações não-comparáveis para todos os indivíduos. Outro aspecto relevante é que quando se realiza a coleta de informações referente a fatos ocorridos no passado, é freqüente o que se designa de viés de recordação - os indivíduos do grupo com a doença lembram-se mais de fatos relacionados com sua doença que os do grupo controle.
Estudo de Caso-Controle Conceituamente há um vínculo de gradação entre estudo experimental, estudo não-experimental e estudo de Caso-Controle. Todavia o estudo de Caso-Controle difere substancialmente do paradigma científico do estudo experimental que aborda a questão da causalidade na condução e interpretação dos seus resultados. No caso particular do estudo tipo Caso-Controle tal postura enseja muitos erros e interpretações equivocadas. No estudo de Caso-Controle os ‘casos’ são indivíduos que ficaram doentes durante um período de tempo. O controle é extraído da mostra da população em que se originou os casos. Este tipo de desenho de pesquisa é muitas vezes a única opção no estudo de doenças ou eventos raros ou com longo período de evolução. Por exemplo, a associação entre câncer de pênis, cuja incidência é de 0,16 ao longo de toda uma vida, e a prevenção pela circuncisão demandaria o acompanhamento de mais de 6.000 indivíduos por várias décadas, se considerarmos que em 80% a chance de detectarmos um poderoso fator de risco! Assim, o papel mais importante do estudo caso-controle é na formulação de novas hipóteses. Fig. 5. Embora haja confusão entre este estudo e o coorte retrospectivo, destacamos que o estudo coorte retrospectivo tem a vantagem sobre o estudo de Caso-Controle porque tanto os indivíduos que desenvolvem o evento final (casos) como aqueles que não (controle) provêem da mesma população.
Isto diminui a chance de viés que pode originar-se da seleção de casos e controles proveniente de diferentes fontes. 3
Fraqueza do Estudo de Caso-Controle A maior fraqueza do estudo de Caso-Controle é a grande susceptibilidade para vícios ou viéses. Os viéses são de dois tipos: seleção dos casos e controle -Viés de Seleção - e pelas medidas retrospectivas das variáveis preditivas - Viés de Aferição.
Conclusão Esta breve introdução aos estudos dos desenhos de pesquisa tem o intuito de estimular, nos consumidores de artigos científicos, uma leitura crítica em contrapartida à aceitação passiva dos seus resultados. Todos conhecem o vaivém das diversas teorias e tratamentos, em consonância com as publicações de artigos em jornais de prestígios. O conhecimento dos principais tipos de pesquisas e dos problemas inerentes a cada um deles permitirão aos médicos decidir, em causa própria e em proveito dos seus pacientes, qual a informação mais relevante no contexto da sua prática. Este caminho novo e aparentemente árduo para a maioria dos médicos, com pouco tempo de leitura e prática, incorporará-se ao raciocínio clínico, tornando-se um aliado poderoso e imprescindível.
Referências Bibliográficas 1. Friedman LM, Furberg CD, DeMets DL. Fundamentals of clinical trials. 3rd St. Louis. Mosby, 1996. 2. Fletcher RH., Fletcher SW, Wagner EH. Clinical epidemiology – The essentials. Baltimore. Williams & Wilkins, 3rd, 1999. 3.
Hennekens CH, Buring J, Mayrent, SL. Epidemiology in medicine. Boston.Little,Brown and Co, 1987.
Início do Estudo
Tempo t-PA t-PA
Média FEVE
Outro tratam.
Pacientes
Randomização
Selecionado
“Intention to Treat Analysis”
s
Estreptoquinase
Média FEVE
Estreptoqui. Outro tratam.
Direção da Investigação ENSAIO CLÍNICO RANDOMIZADO CONTROLADO
Figura 1
Medida/ Classificação Resu / ESTUDO COORTEMedida lt Comp PROSPECTIVO Doença /Resultado (+)
Risco /Fato r (+)
Doença /Resultado (-)
População Sem (Estudo) Doença Doença /Resultado (+
Doença
Presen te
Figura 3
Presente (Excluída )
Risco / Fator (-)
) Doença / Resultado (-)
Futuro
Tipos de Desenhos Decisão # 1 Altera os eventos da Pesquisa?
Estudo Observacional O investigador observa os eventos sem interferir.
Não Sim
Estudo Aplica a intervenção Experimental e observar o efeito no resultado final. Est. Observacionais Decisão # 2 Realizam mensurações em mais de uma
Não Sim
Estudo CadaTransversal paciente é examinado apenas uma vez. Estudo Longitudinal Cada paciente é acompanhado por um período de tempo.
ESTUDO TRANSVERSAL
Medida / Classific. e Comparação Fator /Risco
Começo
Sem Doença (Resultado)
(+ ) Fator /Risco (-)
População (Estudo )
Fator /Risco (+ ) Com Doença (Resultado)
Tempo Presente
Figura 2
Fator /Risco (-)
ESTUDO COORTE RETROSPECTIVO
Com Doença
Exposta ao Risco Sem Doenç a
Prontuário ou
Com Doença
Questionário
(Control e)
Não Exposta
Sem Doenç a
Início do Estudo Tempo
Figura 4
ESTUDO DE CASO-CONTROLE Classific /Comp. Começo
Risco / Fator (+)
Casos Pessoas Doentes
Risco / Fator (-)
Risco / Fator (+)
Risco / Fator (-)
Passado
Figura 5
Control Pessoas e
sem Doenças
Present e