Textos De Subsidios Aos Seminarios Estaduais 2008

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Em 1989, “Kizomba - A Festa da Raça” foi o título do samba-enredo da Unidos da Vila Isabel. Composto por Martinho e Luis Carlos da Vila, entre outros, o samba acabou dando à escola título de campeã do carnaval carioca. Era o ano em que se completava 100 anos da Abolição da Escravidão no Brasil.

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Kizomba Por uma nova cultura

Para conseguirmos articular nossas lutas e bandeiras, devemos deixar nossas frases feitas e apontar o caminho real para avançarmos na luta da construção de uma nova sociedade. A construção de uma nova cultura política não é apenas pensar novos espaços de debate e deliberação, mas é criar formas novas de organização e militância. Não significa pensarmos apenas nas direções das entidades, mas em formas que não favoreçam práticas burocráticas e antidemocráticas, que despolitizam e desencantam os estudantes. Propor o que não seria proposto, pensar em novas formas de linguagem, praticar o novo. Isto significa dizer que somos construtores do Fórum Social Mundial, da Marcha Mundial das Mulheres, que temos nossa atuação cotidiana pautada pela construção de uma nova sociedade. Esperamos com isso dar alguns passos para o que acreditamos ser a construção de um movimento estudantil combativo, libertário e antenado com o desejo de um mundo justo, solidário e humanamente igualitário.

Caderno de Debates

Kizomba era a festa do povo dos quilombos que resistiu bravamente à escravidão e à dominação do colonizador português.

Há dez anos o campo Kizomba surge no movimento estudantil (ME) construindo algo diferente. Nós da Kizomba sempre levantamos a necessidade de aproximarmos os estudantes das entidades estudantis, dos movimentos sociais e populares, e também de repensar a forma de fazer política. Uma forma ousada, radical, mas sem ser destrutiva; propositiva, mas sem ser adesista; séria, mas sem ser chata. Nascia daí uma nova visão do movimento estudantil, sem que ela negasse o que já havia sido feito. Muito pelo contrário, absorvíamos o que tinha de positivo naquilo que fora anteriormente construído, mas queríamos fazer diferente.

Seminários Estaduais

Kizomba – Construindo uma nova cultura política!!

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Kizomba

Agenda Novembro Jornada de Lutas nas universidades privadas Seminário UNE e os movimentos sociais 15/11 - Último dia para inscrição de trabalhos à Bienal 20/11 - Dia da consciência negra 25/11 - Atividades no dia internacional de combate à violência contra as mulheres

Dezembro 01/12 - Dia Mundial de Combate à AIDS 13/12 - Credenciamento dos Delegados(as) ao CONEB 15/12 - Último dia para apresentação de emendas ao Anteprojeto de Reforma Universitária da UNE

Janeiro 17/01 a 20/01 - 12° Conselho Nacional de Entidades de Base - CONEB Salvador/BA 20/01 a 25/01 - VI Bienal de Arte, Ciência e Cultura da UNE - Salvador/BA 27/01 a 01/02 - Fórum Social Mundial - Belém/PA

Março 08/03 - Dia Internacional de luta das mulheres

Abril Encontro de Mulheres da UNE

Junho 21/06 - Dia em defesa de uma educação não sexista 28/06 - Dia do orgulho homossexual

Julho 51° Congresso da UNE

Fórum Social Mundial da Amazônia para o Mundo!! Fórum Social Mundial (FSM) é um espaço de debate democrático de idéias, aprofundamento da reflexão, formulação de propostas, troca de experiências e articulação de movimentos sociais, redes, ONGs e outras organizações da sociedade civil que se opõem ao neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital e por qualquer forma de imperialismo. O FSM se caracteriza também pela pluralidade e pela diversidade, tendo um caráter não confessional, não governamental e não partidário. Ele se propõe a facilitar a articulação, de forma descentralizada e em rede, de entidades e movimentos engajados em ações concretas, do local ao internacional, pela construção de um outro mundo, mas que não pretende ser uma instância representativa da sociedade civil mundial. Seja nas discussões relativas a organização do Acampamento Intercontinental da Juventude e das inúmeras atividades presentes nesse espaço, seja na organização das metodologias e da mobilização para o FSM em si, os/as jovens do mundo inteiro sempre foram protagonistas nesse espaço. A Kizomba sempre representou uma das organizações de juventude que encararam e construíram o FSM como estratégico para a superação do paradigma capitalista. Como coletivo de estudantes que lutam pela construção de um socialismo internacionalista e democrático, a Kizomba sempre priorizou na sua

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participação no FSM o fortalecimento das relações internacionais com juventudes organizadas do mundo todo e aprofundamento na construção de alternativas para a construção de um novo modelo educacional. Assim, nesse período em que o Fórum Social mundial volta ao Brasil, nós, kizombolas, temos um papel importante a cumprir em nossos estados e nas nossas lutas diárias. Devemos nos empenhar na construção de comitês estaduais e municipais de organização do FSM, visando cada vez mais ampliar a mobilização e a participação de jovens nesse espaço, além de fazer dessa pauta uma questão prioritária nos centros acadêmicos, DCE’s e UEE’s que participamos da construção. Foto: Caio Britto

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Índice Um convite ao debate 4 Autonomia ou hegemonia? 5 Crítica feminista à sociedade de mercado 7 Um roteiro para compreender o conceito de cultura política 14 Para atualizar a cultura política no movimento estudantil1 16 UNE: 70 Anos de Luta Pela Reforma na Universidade Brasileira 20 Fórum Social Mundial da Amazônia para o Mundo!! 22 Agenda 23

www.kizomba.org.br

Um convite ao debate Estamos próximos a importantes momentos para os movimentos sociais, em especial o estudantil. No próximo período, em janeiro de 2009 acontecerão duas atividades da UNE o 12° CONEB e a VI Bienal de Cultura e na seqüência, o Fórum Social Mundial. Além disso, já estamos completando mais de um ano da nova diretoria da UNE e próximos aos 10 anos da Kizomba. Todos esses momentos merecem uma reflexão e um debate sobre nossos desafios. Essa cartilha que estamos apresentando é composta por diferentes textos que pretendem contribuir para momentos de formação e reflexão. Esperamos que ela possa significar um mecanismo para discutirmos a atualidade da Kizomba, nossa ação no movimento estudantil nos estados, e principalmente uma contribuição para formação política de novos militantes kizombolas. Os textos trabalham diferentes temas de grande importância para nós. O primeiro pretende auxiliar num debate de conjuntura, com as contribuições de Emir Sader. Outro texto trabalha a questão da sociedade de mercado, do consumo, dos padrões estéticos que tem impactos cada dia maiores na vida das mulheres. Além disso, desde o início da kizomba o feminismo sempre foi central para nossa militância e para o nosso olhar de sociedade, e por conseqüência de universidade. Os outros dois textos seguintes abordam a situação política atual do país e a necessidade de construírmos uma nova cultura política, principalmente no movimento estudantil, tão cheio de vícios e jargões que pouco tem ajudado para ampliarmos as fileiras de lutadores e lutadoras na construção de um novo mundo. Nesse caderno de textos encontramos também um texto introdutório para desde já aprofundarmos o debate sobre a universidade que queremos construir, pois no próximo CONEB estaremos discutindo e aprovando o Projeto de Reforma Universitária da UNE. Por fim,

temos o Fórum Social Mundial, um resgate de sua importância para os movimentos anti-capitalistas de todo o mundo. Precisamos iniciar o debate em nossos municípios sobre o Fórum, criando os comitês que são espaços para debates sobre os temas propostos, seus desafios para o próximo período, e de organização da participação de cada município. Além disso, esse espaço deve ser oferecido para os interessados em participar das caravanas para que possam entendê-lo como um espaço internacional de organização de luta e de uma agenda de mobilizações dos diferentes movimentos e não um turismo ou passeio, reproduzindo assim a falta de compromisso na construção dos espaços do Fórum e do Acampamento, além de todo tipo de de situações lamentáveis e opressoras que não queremos presentes no mundo possível que queremos construir. Por todas essas razões, convidamos todos e todas para construírem espaços de formação e de organização municipais e estaduais da kizomba. É importante que até o final do ano todos os estados possam estar pensando a organização da kizomba e nossa atuação nacional e local. Em alguns estados já vemos iniciativas como seminários, reuniões estaduais, acampamentos, etc, que já estão capilarizando nosso debate no país, absorvendo as demandas regionais e preparando nossa intervenção nos próximos espaços nacionais. Então boa discussão e boa luta

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21 Foto: Vinícius Costa

O resultado destas políticas dos governos neoliberais para a educação brasileira reflete a crise em que se encontram atualmente as universidades brasileiras, que vai desde o gargalo financeiro até a sua falta de legitimidade com o conjunto da sociedade. É por isso que uma reforma na educação brasileira – na sua universalização, na sua qualidade, no seu engajamento para solução dos grandes desafios nacionais – deve ser uma luta de todos os estudantes brasileiros. O processo de reforma no ensino exige um papel protagonista das entidades estudantis. Deve afirmar a participação ativa dos estudantes nos espaços educativos como princípio fundamental,

que abarca desde a participação na formulação das políticas públicas de educação, até na vida cotidiana das escolas e universidades. Por isso, a União Nacional dos Estudantes, neste período em que o projeto neoliberal sofre enorme contestação na sociedade brasileira, tem como tarefa central a formulação de um projeto de educação que tenha a capacidade de mobilizar os estudantes e a sociedade para a transformação do ensino superior brasileiro. O projeto de Reforma Universitária da UNE, que vai ser aprovado no CONEB com a participação de todas e todos os estudantes, deve representar o acúmulo histórico das lutas e das formulações da UNE em defesa da universidade pública, democrática, de qualidade e socialmente referenciada. * Por Rafael Chagas, diretor de Políticas Educacionais da UNE

UNE: 70 Anos de Luta Pela Reforma na Universidade Brasileira* Durante os 70 anos de sua história a UNE sempre teve como uma de suas pautas centrais a mudança radical da universidade brasileira. Sendo assim, após a realização de uma ampla discussão na base do movimento estudantil, a UNE terá finalmente o seu projeto estratégico de Reforma Universitária. Este projeto deverá representar a unidade da categoria dos estudantes em torno de um projeto de educação que orientará a nosso debate para transformar o ensino superior brasileiro. A universida-

de no Brasil, desde sua fundação, sempre esteve intimamente ligada ao projeto das elites brasileiras, ou seja, espaço de reprodução do seu poder e das desigualdades enraizadas na sociedade.

Em toda a sua história, a UNE sempre teve a luta pela reforma universitária como uma de suas importantes bandeiras. A universidade no Brasil, desde sua fundação, sempre esteve intimamente ligada ao projeto das elites brasileiras, ou seja, espaço de reprodução do seu poder e das desigualdades enraizadas na sociedade. No início da década de 60, com o grande movimento pelas reformas de base na nossa sociedade, a UNE não deixou de levantar a sua bandeira, organizando durante esse período três seminários sobre a reforma universitária. Nesses seminários, ficou nítida a opção dos estudantes em debater não só os problemas internos da universidade, mas principalmente qual o seu papel na sociedade. As resoluções aprovadas nesses seminários questionavam a estrutura das universidades e colocavam a necessidade de seu projeto ter como horizonte a superação dos problemas nacionais. Mas todo este movimento de luta por reformas de base

no Brasil foi sufocado pelo golpe militar em 1964. Nas universidades, além da falta de democracia com a perseguição do movimento estudantil, esta também sofreu com o retrocesso em sua estrutura. O acordo MEC- USAID, feito pela ditadura militar, implantou os departamentos e definiu regras autoritárias para o funcionamento das instituições de ensino superior. Neste período, os estudantes enfrentaram a repressão e lutaram contra o governo autoritário e sua política para as universidades brasileiras. O fim da ditadura militar e o processo de redemocratização no Brasil colocaram novamente em disputa o projeto de sociedade. A UNE, em conjunto com diversos movimentos sociais, alcançaram vitórias no sentido de democratizar a universidade brasileira e recolocar em pauta a necessidade de mudanças em sua estrutura. A esperança de uma nova universidade, entretanto foi esvaziada com a implementação do projeto neoliberal nos anos 90, que teve como lógica desresponsabilizar o Estado com a educação pública. Todas as conquistas democráticas foram perdidas, como a nova lei de escolha dos dirigentes universitários por consulta, lista tríplice e uma proporcionalidade de 70% para os professores, além do sucateamento que as instituições federais foram submetidas e a proliferação desregulada do ensino privado.

Autonomia ou hegemonia?* A resistência ao neoliberalismo, especialmente ao longo da década de 90, foi protagonizada particularmente pelos movimentos sociais, seja pela renúncia de muitas forças partidárias a desempenhar esse papel, seja porque os efeitos mais cruéis do neoliberalismo se dão exatamente no plano social. Formulou-se nesse momento a expressão “autonomia dos movimentos sociais”, com o sentido de lutar contra a subordinação a forças políticas e lutar Os movimentos sociais são um pelo predomínio das forças componente, mui- que mais diretamente expressavam os interesses poto importante, mas pulares.

ticularmente depois das crises nas três maiores economias do continente, México, Brasil e Argentina -, a luta passou a outra fase: a de construção de alternativas e a de disputa por uma nova direção política.

Mas que significado pode ter a autonomia do social? Autonomia diante do quê? O “outro mundo possível” pode ser construído a partir da “autonomia do social”?

Quem não entendeu essa nova fase, deixou de captar o andamento da luta anti-neoliberal. Quem persistiu na “autonomia dos movimentos sociais”, ficou relegado ao corporativismo, opondo autonomia a hegemonia e renunciando à luta pela construção do “outro mundo possível”, que passa pela conquista de governos, para afirmar direitos – dado que o neoliberalismo é uma máquina de expropriação de direitos. Além de que outros elementos essenciais do anti-neoliberalismo, como a regulação da circulação do capital financeiro, a recuperação da capacidade reguladora do Estado, o freio aos processos de privatização, o avanço nos processos de integração regional, entre outros, supõe ações governamentais. Transformar a autonomia numa categoria absoluta – em qualquer esfera: social, política, econômica ou ide-

não o único, do campo popular ou campo da esquerda, como se queira chamar, ao qual pertencem também forças políticas, governos, locais, estaduais ou nacionais.

Essa autonomia aponta para a centralidade da “sociedade civil”, para a contraposição ao Estado, à política, aos partidos, ao poder – conforme ficou consagrado na Carta do Forum Social Mundial. No limite, se identifica com duas versões teóricas: a de Toni Negri, por um lado, a de John Holloway, por outro, ambas tendo em comum a contraposição ao Estado, promovendo, em contraposição, a esfera social. Essa concepção primou durante a década de 90 quando, colocadas na defensiva, as forças anti-neoliberais se concentraram no plano social, desde onde desataram suas principais mobilizações. A partir do momento que se evidenciou o desgaste precoce do modelo neoliberal – par-

Foram se sucedendo assim as eleições de presidentes, como rejeição dos governos neoliberais, em 8 países do continente – já com três reeleições -, marcando a fase de transferência da esfera predominante para a política.

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ológica – significa não captar o peso das outras instâncias e entender a política como uma esfera entre outros e não como a síntese delas todas. A avaliação dos governos tem que ser feita em função da natureza do seu programa e da sua capacidade de realização, no caso do nosso continente, no período atual, pela ação contra o modelo neoliberal e a favor dos processos de integração regional e contra os TLCs. Os movimentos sociais são um componente, muito importante, mas não o único, do campo popular ou campo da esquerda, como se queira chamar, ao qual pertencem também forças políticas, governos, locais, estaduais ou nacionais. Nunca os movimentos sociais, autonomamente, dirigiram ou dirigem um processo de transformações na sociedade. Para fazê-lo, tiveram que, como na Bolívia, construir um partido – nesse caso, o MAS - isto é, restabelecer, de uma nova forma, as relações com a esfera política, para poder construir uma hegemonia alternativa.

Emir Simão Sader nasceu em São Paulo no 13 de julho de 1943. É graduado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, mestre em filosofia política e doutor em ciência política por essa mesma instituição. Foi professor da USP e da Unicamp e trabalhou como pesquisador do Centro de Estudos Sócio Econômicos da Universidade do Chile. Atualmente dirige o Laboratório de Políticas Públicas (LPP) da Uerj. Pensador de orientação marxista, Sader colabora com publicações nacionais e estrangeiras e é membro do conselho editorial do periódico inglês New Left Review. Presidiu a Associação LatinoAmericana de Sociologia (ALAS, 1997-1999) e é um dos organizadores do Fórum Social Mundial.

Alguns de seus livros publicados ♦ Século XX - Uma biografia não-autorizada. Ed. Fundação Perseu Abramo, 2000.

A autonomia que faz sentido na luta emancipatória é aquela que se opõe à subordinação dos interesses populares e não a que se opõe à hegemonia, que articula obrigatoriamente as esferas econômica, social e ideológica, no plano político. A passagem da defensiva – concentrada na resistência social – à luta por uma nova hegemonia, caracteriza a década atual no continente, que se transformou, de laboratório de experiências neoliberais, no elo mais frágil da cadeia neoliberal no mundo.

♦ O Anjo Torto (Esquerda e Direita no Brasil). Ed. Brasiliense, 1995 ♦ Estado e Política em Marx (Ed. Cortez) ♦ A transição no Brasil: da ditadura à democracia? (Ed. Atual) ♦ Cuba, Chile e Nicarágua: o socialismo na América Latina (Ed. Atual) ♦ Que Brasil é este? (Ed. Atual) ♦ O poder, cadê o poder? (Ed. Boitempo) ♦ A Revolução Cubana (Ed. Scritta) ♦ Democracia e Ditadura no Chile

* Por Emir Sader

Brasiliense) ♦ Governar para todos (Ed. Scritta)

(Ed.

estudante – o(a) jovem - em sujeito do movimento, e não mero objeto. Por isso urge a necessidade de compreender as aflições e os interesses dos estudantes e proporcionar uma atuação política prazerosa. Para que não fique confusa a questão do interesse dos estudantes, é preciso expor uma última observação, muito bem analisada pelo marxismo. Existe uma diferença entre o interesse real e o interesse aparente dos indivíduos. Às vezes - na maioria das vezes - é exposta uma necessidade que, na realidade, não passa de um desejo provocado pelo imediato. Para dar um exemplo bastante simplista, imaginemos aquela pessoa que trabalha o mês inteiro para destinar um terço do seu salário para o pagamento do plano privado de saúde. Seu desejo aparente é que o plano de saúde fique mais barato. Mas precisamos perceber que o interesse real é que não fosse necessário pagar para poder ter acesso à saúde de qualidade, que o SUS fosse plenamente implementado. Mas aquela pessoa já não acredita que isso seja possível e, portanto, não contribui na luta pela melhoria do sistema público. Esse exemplo vale para o interesse dos estudantes. O consumismo exacerbado e a preparação para a competição é uma necessidade imposta pela cultura capitalista à juventude. Não trata-se de uma necessidade real, mas ilusória. As lide-

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ranças do ME precisam ter como desafio a incorporação das necessidades reais dos estudantes, e não cair na demagogia de atender aos anseios ilusórios que lhes são impostos. O ME não pode permanecer corporativamente estudantil. Torna-se necessário incorporar, de forma crítica, os anseios reais da juventude, denunciando os interesses aparentes e ilusórios. São as questões sobre a cultura, a ecologia, o feminismo, a sexualidade, o combate ao racismo, o cotidiano da exclusão e da opressão que vêm tomando espaço e impondo pautas de discussão. O resultado positivo disso é a busca por expressão através de grupos e de outros movimentos. O ME, permanecendo corporativista, tende a se tornar um gueto, no qual existirá uma representação sem representantes. A perda da legitimidade da atual estrutura e cultura política do movimento tende a se acentuar cada vez mais. O compromisso das lutas da juventude com as lutas da classe trabalhadora – exaltada por Trotski como tendência histórica – contra toda forma de exploração e opressão que são bases de sustentação do sistema capitalista será fortalecido se existir um movimento de juventude. O projeto de transição ao socialismo tende, então, a se tornar cada vez mais próximo. * Por Anderson Campos, foi presidente do DCE da UFRN (2000) e membro da Executiva da UNE (2001-2003). Atualmente, é assessor político-sindical da CUT Nacional.

Foto: Anizio das Olindas

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buiu ainda mais para o seu distanciamento em relação aos estudantes. Estes, por sua vez, não encontrando nas entidades estudantis respostas para suas ansiedades, estão criando canais alternativos de atuação. As entidades, aquelas “coisas formais”, deixam de ser o espaço privilegiado de expressão das angústias e desejos da juventude. Expomos então um outro São as quesdesafio que necessita ser ultões sobre a cul- trapassado para quebrarmos tura, a ecologia, o as barreiras da atual constifeminismo, a sexu- tuição do ME: a necessidade alidade, o combate de considerar o(a) estudante ao racismo, o co- enquanto jovem. Trata-se de perceber que o nexo corpotidiano da exclu- rativo estudantil está envolvisão e da opressão do de uma representação da que vêm tomando condição do período do estuespaço e impondo do, da estrutura/ambiente do pautas de discus- estudo (escola, universidasão. O resultado de) e restringe as demandas positivo disso é a à questão da educação - que também recebe uma noção busca por expres- limitada de ensinar-aprender são através de gru- em sala de aula e não como pos e de outros mo- uma ação transformadora do vimentos. educar homens e mulheres para a compreensão da sociedade em que vivemos (vide Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire). Considerar o(a) estudante enquanto jovem força o movimento a compreender as especificidades da condição juvenil. Além do mais, esta é uma compreensão estratégica para a continuidade das lutas sociais. O militante do ME pode interromper a sua militância ao terminar seus es-

tudos, ou limitá-la, como já foi exposto, aos problemas que permeiam a condição do estudante. A compreensão da condição juvenil traz a tona os problemas que atingem este segmento social: as opressões de geração, sexualidade, trabalho precário, educação alienante, indústria cultural. Pode, também, extrapolar as questões da Juventude, ao ponto que as percebe enquanto contradições sociais do próprio sistema capitalista. Desta forma, as questões de qualidade de vida - ou melhor, da ausência da qualidade de vida ¬são imediatamente vinculadas àquele sistema. Saúde, moradia, educação, emprego, terra, cultura, violência, todos esses pontos são ligados diretamente a mercantilização da vida e do ser humano. É fundamental, Poe exemplo, compreender que o estudante tem sexo. Ao compreender que existem opressões estruturantes do sistema, que as mulheres são educadas para o espaço privado, que não participam do movimento por que o próprio movimento é masculinizado e excludente é um passo importante para criar políticas mais democráticas e socialistas. Seguindo a orientação de Karl Marx, para quem o sujeito revolucionário precisa compreender a totalidade do ser humano e transformá-lo em homens e mulheres novos. É preciso tornar o(a)

Crítica feminista à sociedade de mercado* Nesse texto analisamos a mercantilização como a principal característica das sociedades baseadas no liberalismo econômico. Nesse modelo as relações entre as pessoas passam a ser mediadas pela relação com a mercadoria. As mercadorias parecem ter um valor em si, o que esconde a enorme quantidade de trabalho das pessoas necessário para produzi-las. Esse sistema não se expande apenas colonizando regiões do planeta, em que as sociedades estavam organizadas de maneira diferente, ele se expande auHoje, as novas mentando o ritmo fronteiras do mer- e a intensidade de cado estão avan- exploração do traçando sobre nos- balho nas fábrisos direitos, sobre cas, nos lares, nos o meio-ambiente, escritórios. E ele também se expana genética dos se- de ocupando mais res vivos, sobre os dimensões da vida conhecimentos e das pessoas. Hoje, a criatividade dos as novas fronteiras do mercado estão seres humanos. avançando sobre nossos direitos, sobre o meio-ambiente, a genética dos seres vivos, sobre os conhecimentos e a criatividade dos seres humanos. Depois de uma forte resistência dos povos, principalmente através das lutas contra a OMC e os Tratados de Livre Comércio, percebe-se que o modelo passa por uma crise. Porém ele ainda mantém sua hegemonia, embora já não seja mais capaz de se apresentar como a única alter-

nativa. A construção de um pensamento crítico e de ações diretas contra a mercantilização é fundamental para reconstruir, em nossa sociedade, a hegemonia de um outro modelo baseado no bem-estar da humanidade. O lugar das mulheres na sociedade de mercado O mercado tornou-se organizador da economia e, assim, nos impõe uma forma de organizar nossas vidas e de definir o que é ser mulher. Na vida de mercado, ser mulher é ser flexível e ter paciência para aceitar condições de trabalho cada vez piores e com salários cada vez menores. É sacrificar-se na informalidade sem nenhuma garantia de direitos. É se sentir responsável por cuidar sozinha da casa, das crianças, das pessoas doentes depois de um dia todo de trabalho. É assim que a sociedade de mercado explora gratuitamente o trabalho doméstico das mulheres, para não ter que disponibilizar serviços públicos de saúde e educação, equipamentos como restaurantes populares, creches, lavanderias públicas, etc. O discurso disseminado é que serviços públicos são coisas do passado, que se queremos hospitais e escolas de qualidade temos que pagar por eles. Na vida de mercado, a mulher que depois de tudo isso se sente cansada, deve comprar numa farmácia as novas drogas que prometem dar fim às dores do corpo e da alma. Somos mulheres, e não mercadorias! Nesse sistema, que é ao mesmo tempo ma-

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chista e capitalista, as mulheres são transformadas em mercadorias, objetos, seja na indústria da prostituição e da pornografia, seja na forma como são expostas na publicidade, que manipula nossos sonhos e desejos, criando necessidades que antes não existiam apenas para aumentar o consumo. A publicidade expõe as mulheres como um produto para consumo dos homens As mulheres (e cujo valor é estabelecido pela vontade deles), no senexibidas nessas propagandas vi- tido literal, como fazem as ram “modelos de propagandas de cerveja, ou perfeição”, mode- no sentido indireto, quando afirmam que é comprando lo que as mulheres um produto X ou Y que elas perseguem como se agradarão aos olhares masfosse uma condi- culinos e serão felizes, como ção para sua reali- se fosse essa a primeira das suas atribuições: ser um obzação. jeto acolhedor, atraente, disponível. Também há as campanhas publicitárias que anunciam mil e uma facilidades para as mulheres cumprirem sua intensa jornada de trabalho, como os produtos de limpeza que fazem milagres para que a realização das tarefas domésticas que cabem às mulheres seja mais “eficiente”. A definição da “feminilidade” é marcada pela dependência em relação às expectativas masculinas, reais ou imaginadas. Basta olhar ao redor para perceber que estamos cercadas de produtos a serviço da “feminilidade”, que se baseiam na exploração e na naturalização dessa dependência. Na publicidade, a mulher é constantemente repre-

sentada assim: um objeto de consumo, que, para ter valor, tem que seguir um padrão. Para atingir esse padrão, ela deve aceitar as condições do mercado e consumir uma enorme quantidade de produtos e serviços. As mulheres exibidas nessas propagandas viram “modelos de perfeição”, modelo que as mulheres perseguem como se fosse uma condição para sua realização. Assim, a exposição da imagem e do corpo das mulheres como objeto contribui muito para colocá-las num estado permanente de insegurança com relação ao seu corpo. A magreza das super-modelos é esperada daquelas que “se cuidam” como “boas mulheres”. Hoje, cada vez mais jovens sofrem com transtornos alimentares como bulimia e anorexia. Segundo a Organização Mundial de Saúde, essas doenças estão entre as principais causas de mortes de mulheres jovens. As intervenções cirúrgicas para redução de peso – que lembram as cirurgias de retirada de parte do cérebro de pessoas diagnosticadas como doentes mentais no século XIX – estão se sofisticando. Além da cirurgia de redução do estômago, uma companhia americana patenteou um tratamento para obesos à base de eletrochoques. As formas do corpo da mulher, historicamente controladas, hoje também podem ser compradas segundo os pa-

Kizomba mais fácil de ser controlada. Esses pontos justificam a afirmação de que verticalização e hierarquia não combinam com democracia. A questão da hierarquização vai mais além. O binômio deturpado base/ vanguarda expressa mais ainda a maneira vertical e autoritária do movimento. Uma vanguarda revolucionária é necessária para o processo de direção das transformações sociais. A luta de classes não nega esta necessidade, que é muito mais ampla no processo histórico do que um movimento segmentado. Nossa crítica, aqui, diz respeito à estigmatização da liderança política enquanto um “capa”, o dirigente inquestionável, misticamente dono da verdade. Este termo passa a tornar-se um sufixo pejorativo quando se apresenta de forma natural e sem necessidade de referenciar-se enquanto líder. Uma alienação do poder estabelece-se; dominação, sujeição e impotência: assim se estabelece a relação entre a “base” e o “capa”. A aceitação desta situação por alguns é explicitamente desproporcional aos que a rejeitam. Essa relação provoca o afastamento de potenciais militantes que questionam esta sujeição. Estes, por sua vez, rejeitam a organização coletiva em seu conjunto, generalizando que, em toda organização existe uma relação de sujeição. A horizontalização do coleti-

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vo não pode ser confundida com a destruição da organização, como pregam os críticos do anarquismo. Quer dizer, ao contrário, que as relações horizontais e coletivas fortalecem a organização, pois as pessoas individualmente passam a considerar-se participantes dos processos decisórios e da construção da luta concreta. Uma tarefa revolucionária é colocada em questão: a necessidade de abandonar as posturas “capistas” (noção deturpada de vanguarda), autoritárias e verticais, pois as mesmas vêm sendo rejeitadas pelo conjunto dos estudantes. E não se trata de, simplesmente, desenvolver técnicas de sedução de novos militantes, mas de profundas mudanças nas práticas políticas, portanto, uma atualização do ME. O desafio, então, é o de fazer com que o “estudante-base” passe de objeto a sujeito(a) do movimento.

Uma tarefa revolucionária é colocada em questão: a necessidade de abandonar as posturas “capistas” (noção deturpada de vanguarda), autoritárias e verticais, pois as mesmas vêm sendo rejeitadas pelo conjunto dos estudantes.

A juventude muda, o movimento não As últimas décadas têm apresentado mudanças consideráveis na condição social da juventude. Em outro espaço, poderemos aprofundar a discussão sobre essas mudanças. Por hora, salientemos apenas que, junto a essas mudanças vieram, também, novas demandas, novos conflitos, novas opressões sobre este segmento social. Equivocadamente, o ME manteve-se corporativista. Não conseguindo absorver, ou mesmo acompanhar as novas demandas, contri-

Para atualizar a cultura política no movimento estudantil1 Quando tratamos dos problemas vividos pelas lideranças estudantis para ampliar o alcance do movimento estudantil (ME), logo vem à cabeça uma explicação simples: reina uma apatia geral entre os estudantes. “Ah, bando de alienados”. O imediatismo tem sido a base da ação política do ME contemporâneo. O seu horizonte não consegue ultrapassar as entidades – que foram burocratizadas, em seu conjunto – e apenas aquilo que surge a partir delas. O distanciamento dos Nossa crítica, estudantes em relação as aqui, diz respeito suas entidades é resultado à estigmatização do isolamento destas em seu da liderança polí- próprio mundo. A forma butica enquanto um rocrática e limitada de orga“capa”, o dirigen- nização, os discursos repetite inquestionável, tivos dos jargões, as reuniões descoladas de planejamenmisticamente dono tos, muitas vezes presas por da verdade. detalhes que se sobrepõem ao debate fundamental, dentre outras coisas, são a forma através da qual o movimento se apresenta para o estudante. Eles não conseguem ver, por meio de sua participação, influência alguma sobre o seu cotidiano. O ME vem perdendo, paulatinamente, seu caráter formativo. O tarefismo do cotidiano das entidades – bastante acentuado com o processo de confecção de carteirinhas desde os anos 90 – e os discursos enlatados dos jargões, dentre outros empecilhos, demonstram que as entidades não estão contribuindo para a formação de pessoas com-

prometidas com novos valores. Assim, as reivindicações são levadas à frente com os estudantes permanecendo distantes delas, uma vez que não há uma ligação destas reivindicações com o seu cotidiano, muito menos o interesse das lideranças atuais em envolver um número maior de pessoas em defesa delas. A passagem por uma entidade estudantil acaba por adquirir um sentido efêmero. Uma vez formado para reivindicar o imediato, sem conectar sua ação com a luta mais geral da mudança da sociedade, esse(a) militante estudantil não seguirá militante ao terminar seus estudos. Não buscará, por exemplo, organizar-se no sindicato de sua futura profissão. Nem será um filiado a um partido político. Mexer na estrutura do poder. Mas é necessário, também, ressaltar o fato de que a estrutura verticalizada das entidades contribui fundamentalmente para o seu isolamento. Os motivos são muitos. Primeiro, porque, para ser considerado do movimento, o estudante precisa ser membro de uma entidade. Só assim ele será um “representante legítimo” dos estudantes. Segundo, porque a democracia do ME só ocorre no interior das entidades. Uma estrutura vertical é

Esse texto é uma versão do artigo Em defesa de uma nova cultura política para o movimento estudantil, escrito pelo mesmo autor em 2001. 1

Kizomba drões da moda. Segundo o secretáriogeral da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, em entrevista à Folha de São Paulo, a quantidade de adolescentes que colocam prótese de silicone aumentou 300% nos últimos dez anos. Em 2006, foram realizadas 700 mil cirurgias plásticas no país. O crescimento do mercado também se dá por sua expansão para as mulheres do meio popular através de parcelamentos, consórcios ou dívidas com agiotas. Direito ao nosso corpo A mercantilização do corpo e da vida das mulheres também se expressa no plano da sexualidade. A determinação de um padrão para o exercício da sexualidade feminina e a constante vigilância e controle sobre ela demonstram que, no plano do sexo, as mulheres também devem ser vistas como disponíveis e pertencentes aos homens. A vivência da sexualidade está marcada pelas relações opressivas que as mulheres vivem na sociedade. É visível que há uma banalização da sexualidade feminina, exposta incansavelmente pela mídia ou abordada de forma pouco respeitosa em diversos âmbitos da sociedade. Dessa forma, a sexualidade também é apresentada como uma mercadoria disponível. Essa banalização traz consigo uma padronização no exercício da sexualidade, impondo um padrão aceitável de como cada um e

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cada uma deve vivenciar a sua. Tal situação expressa que o controle sobre o corpo da mulher e sobre a sexualidade está muito relacionado com essa realidade de coisificação e mercantilização. Por exemplo, por mais que haja uma farta exposição da nudez feminina e de exploração da sexualidade, o sexo ainda é altamente atrelado à realização da maternidade. Na sociedade de mercado vi“a quantidavemos um retrocesso: a maternidade como obrigação e de de adolescentes condição para que uma mu- que colocam prótelher seja “completa” é um se de silicone audos discursos permanentes mentou 300% nos da propaganda, dos anúncios de pasta de dente aos de se- últimos dez anos. Em 2006, foram guros de saúde.

realizadas 700 mil

O feminismo pôs em de- cirurgias plásticas bate a função social da mano país.” ternidade, a responsabilidade do poder público em garantir serviços de saúde de pré-natal e parto, creche e educação, entre outras políticas. Ao mesmo tempo, deve ser garantido às mulheres o direito de decidir se querem ou não ter filhos e o momento de tê-los. Ser mãe biológica também se tornou uma mercadoria através do mercado da “reprodução assistida”. Cada vez mais mulheres consideram natural procurar médicos, tomar hormônios e submeter-se a processos dolorosos para engravidar a todo custo. Remédios: mina de ouro das transnacionais Há remédio para emagrecer, pra moderar apetite, para limpar a pele, para tantas outras coisas. E sempre há

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os antidepressivos para aquelas que não conseguem atingir seu objetivo de modelar o corpo ao padrão do que é considerado desejável e aceitável. Remédios para emagrecer também podem causar depressão, crises de ansiedade, insônia. As indústrias conhecem bem esse círculo vicioso e lucram a partir dele: a Pfizer, por exemplo, líder entre as farmacêuticas, produz anticoncepcionais, remédios para emagrecer e antidepressivos.

A indústria farmacêutica é a terceira mais lucrativa do mundo. Ganha bilhões por ano, à custa, da afirmação de que os corpos das mulheres são doentes e devem ser “tratados”.

A indústria farmacêutica é a terceira mais lucrativa do mundo. Ganha bilhões por ano, à custa, da afirmação de que os corpos das mulheres são doentes e devem ser “tratados”. Parte muito significativa dos lucros dessa indústria vem dos remédios chamados comportamentais, como antidepressivos e hormônios sintéticos. Predomina a idéia de que as mulheres têm mais depressão, sem considerar os determinantes sociais: a sobrecarga de trabalho dentro e fora de casa, que aumenta o cansaço e o estresse, e as pressões para responderem ao padrão de mulher ideal. O poder da ciência, dos médicos e a idéia de eficiência apresentam-se como soluções imediatas, típicas do neoliberalismo. As pessoas procuram o médico e confiam que sairão da consulta com uma solução para seus incômodos. A solução mais fácil é a receita de um remédio. Os laboratórios criam estratégias para que os médicos receitem seus medicamentos, e não o dos concorrentes. Fica difícil para as mulheres terem autonomia para decidir o que é

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saudável. A indústria da beleza: falsas promessas O Brasil é o quarto vendedor de cosméticos no mundo. Por trás da aparente diversidade de produtos nos supermercados existem poucas empresas que controlam várias marcas de produtos, cada uma para atingir um perfil de consumidora diferente. A maior transnacional do mundo neste setor, a L’oreal, da França, tem algumas marcas voltadas para o consumo popular, como a linha de esmaltes e xampus Colorama. Para as mulheres com renda alta, desenvolve produtos como os cremes Lancôme. A L’oreal em conjunto com uma grande transnacional farmacêutica, a Roche, desenvolve os chamados “cosméticos ativos”, como os creme anti-rugas. A Avon outra grande transnacional desse setor, explora o trabalho das mulheres através de um sistema de venda direta, que aparece como complemento à renda ou uma facilidade para as mulheres, pois não precisam ter tempo fixo para o trabalho. Elas não têm nenhum direito garantido e são consideradas “consultoras de beleza”, mas garantem uma grande margem de lucro para estas empresas e são mais da metade da mão-de-obra no setor de cosméticos. As consultoras da Avon e Natura chegam a 1 milhão de mulheres no Brasil.

8. A ampliação dessa luta deve aglutinar os interesses de diversos grupos sociais que formarão um novo bloco histórico, emergindo uma nova hegemonia. Essa hegemonia nova, sustentada por um bloco histórico de formação popular, não pode ser o contrário de uma hegemonia popular, com idéias e práticas populares. 9. A luta pela democratização da sociedade e do Estado, ou seja, pela democratização das relações de poder é elemento central do socialismo democrático. A democracia, portanto, não tem valor instrumental. É pressuposto para a construção do bloco histórico e base de uma hegemonia popular. II – Cultura política 10. A cultura política é um conjunto de valores, atitudes e comportamentos políticos, resultado tanto de socializações originárias quanto da experiência acumulada ao longo da vida. São padrões que orientam as opiniões e ações políticas, possuindo, portanto, continuidade no tempo e no espaço. 11. Três itens são importantes para compreender determinada cultura política: a. Valores políticos: são orientações que impõem formas de compreender determinada realidade e incorpo-

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ram-se aos discursos e às práticas políticas; b. Discursos políticos: é o reflexo das atitudes conscientes ou inconscientes em relação à política; c. Práticas políticas: é padrão de ação política. 12. Entendendo o significado do conceito de cultura política, podemos localizá-lo no movimento pelo socialismo. Têm lugar destacado: os fenômenos político-culturais da ação política; a dimensão dos valores e das crenças nos processos de legitimação; e o papel das lideranças políticas. 13. Não tratamos, portanto, de opções individuais ou autônomas, mas de processos formados historicamente e, como tal, devem ser desconstruídos a partir da acumulação histórica. A democracia participativa, por exemplo, não se configura enquanto valor, discurso ou prática política a partir de uma medida administrativa, tal qual uma lei constitucional. Requer acúmulo de forças, convencimento, legitimação. Nesse sentido, as lideranças políticas têm papel insubstituível para introduzir as novidades de uma nova sociedade. 14. Não podemos, com isso, minimizar a necessária socialização dos meios de produção e o fim da sociedade de classes. O importante a notar é que a cultura política é elemento indispensável para a ruptura com a sociedade do capital e para evitar a construção de sistemas totalitários. 15. Essa estratégia de luta pelo socialismo se contrapõe aos autoritarismos de esquerda: aqueles que combinam igualdade social com autoritarismo político. Com base na compreensão instrumental da democracia, da visão militarista da política, assumem uma relação autoritária e manipulatória com as massas. * Por Anderson Campos

Um roteiro para compreender o conceito de cultura política* I – Hegemonia e estratégia socialista 1. A teoria liberal insiste em fundir capitalismo e democracia, como os dois lados de uma mesma moeda. Podemos considerar que o principal problema de uma esquerda não-crítica é reproduzir essa mesma confusão voluntária. A visão segundo a qual a democracia é um mecanismo de dominação burguesa ou apenas um instrumento para tomar o poder leva à burocratização e ao autoritarismo de esquerda. 2. O sistema capitalista é baseado na distribuição desigual de recursos, sejam eles materiais ou simbólicos. O processo de dominação tem bases materiais, que sujeitam a classe trabalhadora a aceitar sua condição. A idéia de aceitação da condição de classe dominada não é possível apenas com a expropriação dos meios de produção. A classe dominante necessita construir mecanismos para garantir o consentimento da classe dominada. 3. Para Antônio Gramsci, filósofo marxista italiano, esse consentimento dá-se a partir do exercício da liderança intelectual e moral e por concessões, mesmo que limitadas, para a construção de alianças que inserem num bloco social, o que ele denomina por bloco histórico. 4. A hegemonia de uma classe dominante é construída com base na ordem social sustentada pelo bloco histórico. As instituições, relações sociais e idéias são constantemente recriadas para garantir a continuidade da dominação, do consentimento. 5. A classe dominada pode adquirir poder para reivindicar e pode até garantir conquistas. Porém, estas podem limitar-se a concessões da classe dominante, contanto que não altere as

relações de poder que sustentam a dominação mais geral. A classe hegemônica, para manter sua hegemonia, pode atender reivindicações de outra classe e suprir interesses corporativos e imediatos. 6. A compreensão da natureza do poder do Estado, portanto, é imprescindível para a elaboração da estratégia de luta pelo socialismo. A visão economicista segundo a qual o Estado é o comitê executivo da burguesia não contribui para construir uma estratégia política para a classe trabalhadora. 7. Se concordarmos com essa visão, temos que considerar que a ideologia é, na linguagem de Gramsci, um terreno de luta. A estratégia do movimento da classe trabalhadora deve debruçar-se profundamente na luta ideológica, materializando-se em relações, instituições e práticas sociais.

Kizomba Empresas controlam a agricultura e alimentação Além da indústria da beleza, que envolve farmacêuticas, cosméticas e outras, há uma série de transnacionais que ditam padrões de consumo e retiram a autonomia das mulheres nas mais diversas áreas. A indústria da alimentação, por exemplo, define hábitos alimentares, avança sobre a agricultura camponesa (fomentando o latifúndio, a monocultura, expulsando do campo trabalhadores e trabalhadoras rurais), concentra o monopólio das sementes e atua também no mercado, no sentido de controlá-lo integralmente, roubando-nos a possibilidade de escolhermos sobre o que vamos comer. O advento das “comidas rápidas” dialoga com o dia-a-dia atribulado das mulheres que cumprem sua intensa jornada de trabalho – dentro e fora de casa. Os supermercados que circulam essas mercadorias também são exemplos do impacto que as transnacionais trazem à vida das mulheres. Uma das maiores redes de supermercado do mundo, a Wal-Mart, constantemente é acusada por discriminação de gênero no âmbito trabalhista: as mulheres trabalham sem regulamentação de jornada, sem férias, sem direitos, e vivenciam na pele a desigualdade em relação aos homens, com diferenças salariais e discriminação nas promoções.

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Mulheres em ofensiva contra a mercantilização Ser contra a mercantilização do corpo e da vida das mulheres significa combater a lógica que transforma as mulheres em objetos a serem comprados, vendidos, ou mesmo tomados à força. A desconstrução dos mecanismos do mercado, da exploração do trabalho, das pressões da mídia, passando pelas novas e velhas formas de controle do corpo, vai ao coração do sistema capitalista, e nos permite, a partir de experiências cotidianas das mulheres, fazer relações entre as situações de opressão Ser contra a e o funcionamento da ordem mercantilização econômica.

do corpo e da vida das mulheres significa combater a lógica que transforma as mulheres em objetos a serem comprados, vendidos, ou mesmo tomados à força.

A Marcha Mundial das Mulheres, MMM, tem como um eixo estruturador de sua ação a luta contra o livre comércio ou livre mercado. Atuou na luta contra a OMC, denunciando que essa instituição não serve apenas para a regulação do comércio, mas tem como objetivo a mercantilização de todas as dimensões da vida. Na Campanha contra a Alca, em 2002, a MMM elaborou como consigna “O mundo não é uma mercadoria! As mulheres também não!”. Esta consigna se transformou em um grito da batucada feminista: “A nossa luta é todo dia: somos mulheres e não mercadoria” A batucada na MMM, como uma expressão de nossa ação feminista, iniciou com as mulheres do Rio Grande do Norte no FSM em 2003. Essa experiência somou e inovou uma linguagem própria da MMM. Possibilitou ocupar

Kizomba

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plenamente o espaço público desde os nossos sons, que produzimos dos tambores e latas, e de nossas vozes com gritos que fortalecem uma ação feminista irreverente. O ritmo, visual e rebeldia da batucada feminista já apareceu nas manifestações do 8 de março de 2003 em alguns estados. A batucada se tornou uma marca de atuação na MMM. No Fórum Social Brasileiro realizado em novembro de 2003 em Belo Horizonte, A luta conem uma manifestação contra a sociedade de junta com o acampamento mercado e a resis- da juventude, ocupamos o tência à mercanti- Carrefour e etiquetamos os lização do corpo e produtos transgênicos. Nesta da vida das mulhe- ação a batucada “estourou” dando o ritmo da intervenres segue como um ção com paródias críticas às eixo fundamental músicas de propagandas de para uma ação fe- produtos alimentícios.

minista que incorpore a perspectiva de classe e seja protagonista de uma transformação profunda da ordem social global.

Ainda no ano de 2003 foram organizadas várias oficinas de pichação crítica aos cartazes sexistas, principalmente, de cervejas e de beleza. Nessas oficinas, voltadas principalmente para as jovens, se construiu uma reflexão sobre a imposição do padrão de beleza e como ele já está presente na juventude. A proposta de construir uma “Ofensiva contra Mercantilização do Corpo e da Vida”, com o objetivo de articular e intensificar as ações que já eram realizadas em

realizado em 2006 em Belo Horizonte, houve um avanço na formulação dos conteúdos que trabalhamos na ofensiva, aprofundando a relação com a luta contra o livre comércio e a OMC. Também foram debatidas formas criar novas referências culturais, novas práticas e formas de lazer que se combinem a uma crítica da indústria cultural, da imposição de padrões de beleza e comportamento, e dos valores da sociedade de mercado.

vários estados, surgiu em uma reunião das jovens na MMM. A ofensiva foi lançada em 2004 como uma ação permanente, e não como uma campanha que tem reivindicação específica. Sua estratégia inclui a reflexão e elaboração de ações feministas contra o machismo na sociedade de mercado e se materializam em colagem de cartazes, intervenção em cartazes publicitários, ações de rua com batucada, debates sobre letras de música, publicidade na TV, revistas e padrões de beleza. A luta contra a mercantilização foi o eixo orientador das ações do dia 17 de outubro de 2004 no Brasil. Vários estados realizaram ações relacionado a atuação das transnacionais à mercantilização da vida e corpo das mulheres. Dentre estas ações, em São Paulo, foi realizada uma intervenção direta em outdoors, na Av. Paulista, que tratavam a mulher como mercadoria. A formação de batucadas e o fortalecimento das que já existiam foi importante para afirmar a ofensiva como uma ação feminista onde há uma grande participação das jovens na MMM. No FSM de 2005, várias atividades foram realizadas a partir do acúmulo das ações da ofensiva. A batucada se tornou uma marca de atuação da Marcha. No 1º Encontro Nacional da MMM,

Em abril de 2008, numa reunião nacional das jovens na MMM, decidiu-se intensificar as nossas atividades, atualizar os conteúdos abordados no tema da mercantilização e ampliar nosso foco de ação nos temas da prostituição, do tráfico de mulheres e das transnacionais. Nossa Foto: MMM/SP

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estratégia para realizar estas tarefas é estabelecer uma dinâmica freqüente de troca de informações entre os estados para socializar as atividades realizadas. Para viabilizar esse intercâmbio utilizaremos o sítio eletrônico (blog) e outras formas de comunicação. Outra tarefa desta retomada é a rearticulação das batucadas nos Estados, recuperando e acentuando seu sentido de aglutinador político, além de um espaço permanente de auto-organização. A luta contra a sociedade de mercado e a resistência à mercantilização do corpo e da vida das mulheres segue como um eixo fundamental para uma ação feminista que incorpore a perspectiva de classe e seja protagonista de uma transformação profunda da ordem social global. Ou seja, para a construção de um feminismo não institucionalizado e militante. * Texto extraído da primeira cartilha da Marcha Mundial de Mulheres

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