Texto De Apoio Psicologia Desenvolvimento

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Sebenta de Textos de

Psicolo gia do Desen volviment o

Psicologia do Desenvolvimento © Celeste Duque ([email protected]) & Pedro Zany Caldeira, 2004 1

1. INTRODUÇÃO O presente texto2 tem como objectivo fornecer aos alunos do Curso de Terapêutica da Fala, da Universidade do Algarve, da ESSaF, uma forma sintética de estudar as Teorias da Personalidade consideradas mais adequadas no enquandramento do programa da disiciplina da Psicologia do Desenvolvimento. Por mais longo que possa parecer o desenvolvimento das mesmas, muito mais haveria a dizer sobre o assunto, pelo que se recomenda a leitura das obras originais que constam da bibliografia ao aluno interessado em aprofundar um pouco mais os diversos conceitos. Aconselha-se igualmente a presença nas aulas, quer teóricas quer teórico-práticas já que nestas, e apesar de se fornecer o texto síntese da teoria apresentada, são referidos inúmeros exemplos e a verbalização utilizada vai sempre de encontro às necessidades, dúvidas e interesses dos alunos presentes, pelo que são únicas e irrepetíveis. Fornecendo toda uma informação que não está escrita em nenhum livro, nem mesmo nos apontamentos da disciplina, já que aí se tem o cuidado de relacionarem conceitos do âmbito da Psicologia do Desenvolvimento apresentando uma contextualização histórica, e sócio-cultural, socorrendo-se igualmente de outras áreas de saber sempre que isso se mostre relevante para a melhor explicação e integração do conceito, por parte dos alunos. Posto isto passamos a apresentar uma síntese teórica elaborada em 2001, e que foi totalmente revista para melhor se adaptar ao Curso de Terapêutica da Fala do ESSaF. Recomenda-se ainda a consulta dos apontamentos (Textos de Apoio) fornecidos na disciplina de Introdução à Psicologia3, em 2003-2004.

2. TEORIAS DA PERSONALIDADE Antes de se abordarem as Teorias da Personalidade, propriamente ditas é necessário definir-se o que se entende por personalidade.

2.1. Personalidade São padrões ou elementos relativamente constantes, duradouros e permanentes de percepcionar, pensar, sentir e comportar-se que atribuem ou parecem atribuir aos sujeitos identidades separadas. Personalidade é um ‘constructo sumário’ que inclui pensamentos, motivos, emoções, interesses, atitudes, capacidades e outros fenómenos semelhantes.

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Como citar este texto:

Caldeira, P. Z., & Duque, C. (2004). Sebenta de Textos da disciplina de Psicologia do Desenvolvimento – Curso Terapêutica da Fala. Faro: UAlg-ESSaF. Retrieved on (data em que se acedeu; ex. 1212-2008) from (copiar link internet) at (hora). Texto de Apoio da autoria de Prof. Doutor Pedro Zany Caldeira, Universidade Lusíada de Lisboa, em colaboração com Dra. Celeste Duque, 2002. Arranjo gráfico e revisão e actualização da responsabilidade de Celeste Duque, em Setembro de 2004. 3 Sobre Metodologia em Psicologia e em Saúde, bem como os textos referentes à Personalidade (Teorias da Personalidade e a Perspectiva Psicanalítica). 2

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Psicolo gia do Desen volviment o 2.2. Instrumentos de estudo e metodologias Os diferentes autores que se debruçam sobre o estudo da personalidade tentam compreender a sua natureza geral e, assim, explicar as diferenças inter-individuais. Para o estudo da personalidade de sujeitos específicos existem diversos instrumentos e metodologias. Nos primeiros incluímos as entrevistas e os testes de personalidade (testes objectivos e projectivos). Nos segundos, os métodos clínico e experimental e a observação controlada (ver Texto de Apoio da disciplina de Introdução à Psicologia). As páginas que se seguem são traduções mais ou menos livres de escritos de Sigmund Freud, de Margaret Mahler e colaboradores. É igualmente utilizado o Vocabulário de Psicanálise, da autoria de Laplanche e Pontalis, para maior clarificação de alguns dos conceitos psicanalíticos aqui abordados.

3. Teoria Psicanalítica de Sigmund Freud 3.1. Primeira Tópica do Aparelho Psíquico (1ª Tópica) A divisão da vida psíquica em consciente e inconsciente constitui a premissa fundamental da psicanálise, sem a qual ela seria incapaz de compreender os processos patológicos, tão frequentes e graves, da vida psíquica e de os fazer entrar no quadro da ciência. Mais uma vez, e por outras palavras: a psicanálise recusa-se a considerar o consciente como constituindo a verdadeira essência da vida psíquica, mas vê no consciente uma qualidade simples desta última, podendo coexistir com outras qualidades, ou não surgir de todo. ‘Estar consciente’ é antes de mais uma expressão puramente descritiva e relaciona-se com a percepção mais imediata e segura. Mas a experiência mostra-nos que um elemento psíquico (uma representação, por exemplo) nunca é consciente de forma permanente. O que caracteriza melhor os elementos psíquicos é o desaparecimento rápido do seu estado consciente. Uma representação, consciente num dado momento, não o é mais no momento seguinte, mas pode retomar ao consciente sob certas condições, fáceis de compreender. No intervalo ignoramos o que ela é. Podemos dizer que está “latente”, entendendo com isto que é capaz de se “tornar consciente” a qualquer momento. Dizendo que uma representação ficou, no intervalo, “inconsciente” formulamos ainda uma definição correcta: este estado inconsciente coincide com o estado latente e a capacidade de retornar ao consciente. Obtivemos o termo ou a noção de inconsciente utilizando experiências vividas em que intervém o “dinamismo” psíquico. Relembremo-nos que a teoria psicanalítica declara que se há algumas representações que são incapazes de se tomarem conscientes isto se deve a uma determinada força que se lhes opõe. Sem essa força elas poderiam tomar-se conscientes, o que nos permite constatar a reduzida diferença com outros elementos psíquicos oficialmente reconhecidos como tais. O que toma esta teoria irrefutável é que ela encontrou na técnica psicanalítica um meio que permite vencer a força de oposição e de trazer ao consciente estas representações inconscientes. Ao estado em que estas representações se encontram, antes de voltarem ao consciente, damos o nome de “recalcamento”. E quanto à força que produz e mantém o recalcamento dizemos que a sentimos, durante o trabalho analítico (terapêutico), sob a forma de “resistência”. A noção de recalcamento deduz-se, deste modo, da teoria do recalcamento. O que é recalcado é o protótipo do inconsciente. Sabemos entretanto que existem duas variedades de inconsciente: os factos psíquicos latentes, mas susceptíveis de se tomarem conscientes, e os factos psíquicos recalcados que, como tal, entregues a si mesmos, são incapazes de chegarem ao consciente. Esta

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Psicolo gia do Desen volviment o maneira de encarar o dinamismo psíquico não pode deixar de influenciar a terminologia e a descrição. Assim, dizemos que os factos psíquicos latentes, isto é, inconscientes ao nível descritivo mas não ao nível dinâmico, são factos “pré-conscientes”. E reservamos a palavra “inconsciente” para os factos psíquicos recalcados, isto é, dinamicamente inconscientes. Deste modo, estamos na posse de três termos: consciente, pré-consciente e inconsciente, em que o significado não é mais puramente descritivo. Estes três termos (consciente, pré-consciente e inconsciente) são fáceis de manipular e dão-nos uma grande liberdade de movimentos, sob a condição de não esquecermos que, se do ponto de vista descritivo há duas variedades de inconsciente, só há uma do ponto de vista dinâmico. Nalguns casos podemos fazer uma exposição negligenciando estas distinções mas noutros ela é indispensável. Seja como for, estamos suficientemente acostumados a este duplo significado de inconsciente.

3.2. Segunda Tópica do Aparelho Psíquico (2ª Tópica) Mas as pesquisas posteriores mostraram que estas distinções eram, elas também, insuficientes e insatisfatórias. Admitimos que a vida psíquica é função dum aparelho ao qual atribuímos uma extensão espacial e que supomos formado por diversas partes, Vemo-lo como uma espécie de telescópio, de microscópio ou algo do género. A construção e o acabamento duma tal concepção são uma novidade científica, apesar das tentativas análogas que já foram feitas. Foi o estudo da evolução dos indivíduos que permitiu o conhecimento deste aparelho psíquico. À mais arcaica das instâncias psíquicas constituintes deste aparelho damos o nome de Id. O seu conteúdo abrange tudo o que o ser traz consigo ao nascer, tudo o que é constitucionalmente determinado, isto é e antes de mais, as pulsões emanadas da organização somática e que encontram no Id, sob formas que nos são desconhecidas, um primeiro modo de expressão psíquica. Todo o material que se encontra no Id está sob a forma inconsciente. No Id encontramse quer as pulsões de auto-conservação quer as pulsões de destruição. Sob influência do mundo exterior real que nos cerca, uma fracção do Id sofre uma evolução particular. A partir da camada cortical original, fornecida com órgãos aptos a percepcionar os estímulos assim como a se proteger contra eles, estabelece-se uma organização especial que, desde logo, vai servir de intermediário entre o Id e o exterior, É a esta fracção do nosso psiquismo que damos o nome de Ego.

3.2.1. Principais características do Ego No seguimento das relações já estabelecidas entre a percepção sensorial e as acções musculares, o Ego dispõe do controlo dos movimentos voluntários. Assegura a auto-conservação e, no que diz respeito ao exterior, assegura a sua tarefa aprendendo a conhecer os estímulos, acumulando (na memória) as experiências que eles lhe fornecem, evitando os estímulos demasiado fortes (pela fuga), acomodando-se aos estímulos moderados &ela adaptação) e, por fim, chegando a modificar de forma apropriada e para seu próprio proveito o mundo exterior (através da actividade). No interior, dirige uma acção contra o Id, adquirindo o controlo das exigências pulsionais e decidindo se elas podem ser satisfeitas ou se convém adiar esta satisfação até ao momento mais favorável, ou ainda se é necessário simplesmente sufocá-las completamente. Na sua actividade, o Ego guia-se pela tomada em consideração das tensões provocadas pelos estímulos de dentro e de fora. Um acréscimo de tensão provoca geralmente o desprazer e a sua diminuição gera o prazer.

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Psicolo gia do Desen volviment o De qualquer modo, o prazer e o desprazer não dependem provavelmente do grau absoluto das tensões mas mais do ritmo das variações destas últimas. O Ego tende para o prazer e a evitar o desprazer. A todo o aumento esperado (previsto) de desprazer corresponde um sinal de angústia, e o que dispara este sinal, de dentro ou de fora, denomina-se perigo. De tempos a tempos o Ego, quebrando os laços que o unem ao mundo exterior, retira-se para o sono, onde modifica notavelmente a sua organização. O estado de sono permite constatar que este modo de organização consiste numa certa repartição particular de energia psíquica. Durante o longo período de infância que o indivíduo atravessa e durante o qual depende dos seus pais o indivíduo em curso de evolução vê formar-se no seu Ego, como que por uma espécie de precipitado, uma instância particular através da qual se prolonga a influência parental. Esta instância é o Super-Ego. Na medida em que se destaca do Ego ou se opõe a ele, o Super-Ego constitui um terceiro poder que o Ego é obrigado a ter em conta. É considerado como correcto todo o comportamento do Ego que satisfaz em simultâneo as exigências do Id, do Super-Ego e da realidade, que se produz quando o Ego consegue conciliar estas diversas exigências. Sempre e seja qual for o contexto social, as particularidades das relações entre o Ego e o Super-Ego tomam-se melhor compreensíveis se as relacionarmos com as relações da criança com os pais. É evidente que não é só a personalidade dos pais que age sobre a criança mas, transmitidas através deles, a influência das tradições familiares, raciais e nacionais, assim como as exigências do meio social imediato que eles representam. Ao longo da sua evolução, o Super-Ego dum sujeito modela-se também pelos sucessores ou substitutos dos pais (certos educadores ou personalidades que representam no seio da sociedade ideais respeitados, por exemplo). Vemos que, apesar da sua diferença funcional, o Id e o Super-Ego têm um ponto em comum: ambos representam o papel do passado. O Id, o papel da hereditariedade. O SuperEgo, o papel que pediu “emprestado” a outros. Pelo seu lado, o Ego é sobretudo determinado pelo que o indivíduo viveu, isto é, o acidental, o actual. Segundo Freud, há dois princípios que regem o funcionamento mental: o princípio do prazer e o princípio da realidade. Segundo o princípio do prazer, a actividade psíquica no seu conjunto tem por objectivo evitar o desprazer e proporcionar o prazer. Na medida em que o desprazer está ligado ao aumento das quantidades de excitação e o prazer à sua redução, o princípio do prazer é um princípio económico, O princípio da realidade forma par com o princípio do prazer e modifica-o. Na medida em que o princípio da realidade se consegue impor como princípio regulador, a procura da satisfação já não se efectua pelos caminhos mais curtos, mas toma por desvios e adia o seu resultado em função das condições impostas pelo mundo exterior.

3.3. A Evolução Psicossexual A expressão ‘relação de objecto’ é própria da psicanálise e pode desorientar um pouco aqueles não familiarizados com os textos psicanalíticos. “Objecto deve ser neles tomado no sentido específico que possui em psicanálise em expressões como ‘escolha de objecto’ ou ‘amor de objecto’”. É sabido que uma pessoa, na medida em que é visada pelas pulsões, é qualificada de objecto. Isto nada tem de pejorativo, nada em especial que implique que a qualidade de sujeito seja por esse facto recusada à pessoa em causa. Relação deve ser tomado na plena acepção da palavra: trata-se de facto de uma inter-relação, isto é, não apenas da forma como o sujeito constitui os seus objectos, mas também da forma como estes modelam a sua actividade. “O de” (que está onde poderíamos esperar um com o) vem acentuar esta inter-relação. Efectivamente, falar de relação com o objecto ou com os objectos implicaria que estes preexistem à relação do sujeito com eles e, simetricamente, que o sujeito está já constituído.

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Psicolo gia do Desen volviment o “É sabido que Freud, numa preocupação de análise do conceito de pulsão, distinguiu a fonte, o objecto e o alvo pulsionais. A fonte é a zona ou aparelho somático sede da excitação sexual; a sua importância aos olhos de Freud é demonstrada pelo facto das diversas fases da evolução libidinal serem designadas pelo nome da zona erógena predominante” (Laplanche & Pontalis, 1990, pp. 577-578). As fases pré-genitais da evolução libidinal apoiam-se inicialmente em actividades directamente relacionadas com as pulsões de auto-conservação. A primeira fase da evolução libidinal é a fase oral: o prazer sexual está então ligado de forma predominante à excitação da cavidade bucal e dos lábios que acompanha a alimentação. A actividade de nutrição fornece as significações electivas pelas quais se exprime e se organiza a relação de objecto. Por exemplo, a relação de amor com a mãe será marcada pelas seguintes significações: comer e ser comido. A actividade de chupar assume a partir da época de amamentação um valor exemplar, que permite a Freud mostrar como a pulsão sexual (que a princípio se satisfaz apoiada numa função vital) adquire autonomia e se satisfaz de forma auto-erótica (auto-satisfação das necessidades sexuais). A segunda fase da evolução libidinal, segundo Freud, é a fase anal-sádica que podemos situar aproximadamente entre os 2 e os 4 anos. Esta fase é caracterizada por uma organização da líbido sob o primado da zona erógena anal; a relação de objecto está impregnada de significações ligadas à função de defecção (expulsão-retenção) e ao valor simbólico das fezes. A fase fálica é a fase da organização da líbido que vem depois das fases oral e anal, e e caracterizada por uma unificação das pulsões parciais sob o primado dos orgãos genitais. Mas, o que já não será o caso da organização genital pubertária, a criança (de sexo masculino ou de sexo feminino) só conhece um único órgão genital, o órgão masculino, e a oposição dos sexos é equivalente à oposição fálico-castrado. A fase fálica corresponde ao momento culminante e ao declínio do complexo de Édipo. O complexo de castração é aqui dominante. Por fim, a fase genital é a fase do desenvolvimento psicossexual caracterizada pela organização das pulsões parciais sob o primado das zonas genitais. Esta fase compreende dois períodos, separados pelo período de latência: o período fálico (ou organização genital infantil – fase fálica) e a organização genital, propriamente dita, que se institui na puberdade. Em termos do desenvolvimento psicossexual, e caso o sujeito se fixe numa das fases pré-genitais acima descritas (fixação libidinal), ele fica marcado por experiências infantis, mantém-se ligado de forma mais ou menos disfarçada a modos arcaicos de satisfação, a tipos arcaicos de objecto ou de relação. A fixação liga-se à teoria da líbido e define-se pela persistência, particularmente manifesta nas perversões, de características anacrónicas de sexualidade: o indivíduo exerce certos tipos de actividade ou então permanece ligado a algumas características do ‘objecto’ cuja origem se pode encontrar em certo e determinado momento da vida sexual infantil. Com o desenvolvimento da teoria das fases pré-genitais do desenvolvimento psicossexual (fases oral, anal-sádica e fálica) a noção de fixação assume nova extensão: pode não incidir apenas sobre um alvo ou um objecto libidinal parcial, mas também sobre toda a estrutura da actividade característica de uma dada fase. Assim, a fixação na fase anal está na origem da neurose obsessiva e de certo tipo de carácter. A fixação libidinal desempenha um papel predominante na etiologia dos diversos distúrbios psíquicos, o que levou a determinar a sua função nos mecanismos neuróticos. A fixação está na

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Psicolo gia do Desen volviment o origem do recalcamento e pode mesmo ser considerada como o primeiro momento do recalcamento tomado no sentido lato.

4. MARGARET MAHLER 4.1. Nascimento psicológico do ser humano O momento do nascimento biológico do recém-nascido e o momento do nascimento psicológico do indivíduo não coincidem. O primeiro é um acontecimento dramático, observável e bem circunscrito. O segundo é um processo intra-psíquico que se desenvolve lentamente. O adulto normal, ou quase normal, considera como um dom inato, como sendo natural, a experiência que tem de si mesmo como de um ser ao mesmo tempo e bem separado do ‘mundo exterior’. Ele oscila, com mais ou menos facilidade e segundo diferentes ritmos de alternância e de simultaneidade, entre a consciência de si e a receptividade sem tomada de consciência de si. Mas, também aqui, estamos face a um processo que se desenvolve lentamente. Chamamos ao nascimento psicológico do indivíduo o processo de separação-individuação: face a um mundo de realidade, é a aquisição do sentimento, em simultâneo, de estar separado e em relação, sobretudo no que diz respeito ao seu próprio corpo e ao objecto de amor primário, que é o principal representante do universo tal como ele é experimentado pelo recém-nascido, Como todos os processos intrapsíquicos, possui repercussões ao longo de toda a vida. Não tem fim e está sempre activo: as novas fases do ciclo da vida são ocasiões para novas derivações dos primeiros processos sempre em construção. Mas as realizações psicológicas principais deste processo completam-se ao longo do período que vai do 4º-5º mês até ao 35º-36º mês de vida. Este período designa-se por fase de separacão-individuação. Desde o início a criança forma-se e desenvolve-se na matriz de unidade dual mãe-bebé. Sejam quais forem as adaptações ao seu bebé que a mãe possa realizar, quer ela seja sensitiva e empática quer não, continuamos firmemente, convencidos que a capacidade de adaptação da criança, nova e flexível, e a sua necessidade de adaptação (tendo em vista a obtenção da satisfação), ultrapassam largamente as capacidades da mãe, cuja personalidade, com todos os seus padrões de carácter e de defesa, está finalizada e estabelecida, e muitas vezes é rígida. O bebé modula-se em harmonia e em contraponto à maneira e ao estilo da mãe (representando ela mesmo, para uma tal adaptação, um objecto são ou patológico). De um ponto de vista metapsicológico, o aspecto dinâmico – o conflito entre pulsão e defesa – revela-se muito menos importante nos primeiros meses de vida do que mais tarde, pois que a estruturação da personalidade criará conflitos intra e intersistémicos de primeira importância. A tensão, a angústia traumática, a fome biológica, o aparelho do Ego e a homeostasia são conceitos quase biológicos, pertinentes nos primeiros meses e precursores, respectivamente, da angústia de conteúdo psicológico, do sinal de angústia, das pulsões orais e outras, das funções do Ego e dos mecanismos de regulação interna (defesa e traços do carácter), O ponto de vista da adaptação é dos mais pertinentes na primeira infância – o bebé nascendo da própria convergência das exigências de adaptação a que é submetido. Felizmente, estas exigências encontram no bebé, com personalidade flexível pois ainda não está formada, uma capacidade de se deixar modelar pelo e a se conformar ao seu ambiente. Esta capacidade do bebé se conformar aos elementos do seu ambiente encontra-se já presente desde a primeira infância. O trabalho desenvolvido por Margaret Mahler trata essencialmente da realização cognitivoafectiva da consciência de ser separado (condição essencial a uma verdadeira relação de objecto)

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Psicolo gia do Desen volviment o e do papel dos aparelhos do Ego por exemplo, a motilidade, a memória e a percepção) e de funções do Ego mais complexas (a prova da realidade, por exemplo) no acesso a um tal consciente. Mahler tenta mostrar como a relação de objecto se desenvolve depois do narcisismo infantil, simbiótico ou primário, e em paralelo com a realização da separação e da individuação, Como o funcionamento do Ego e o narcisismo secundário nascem na relação com a mãe, de início narcísica e depois objectal. Antes de mais, emprega-se o termo separação ou sentimento de estar separado em referência à realização intra-psíquica dum sentimento de estar separado da mãe e, deste modo, do universo no seu conjunto. Este sentimento de estar separado leva gradualmente a representações intrapsíquicas claras do Eu distinto das representações do mundo objectal. Naturalmente, no curso normal dos acontecimentos que marcam o desenvolvimento (as separações físicas reais da mãe – de rotina ou outras – por exemplo) são, para a criança, contribuições importantes para o seu sentimento de ser uma pessoa separada. Mas o objecto dos estudos de Margaret Mahler é o sentimento de ser um indivíduo separado e não o facto de estar fisicamente separado de alguém. (Com efeito, nalgumas condições anormais o facto físico da separação pode conduzir a uma negação com cada vez maior pânico ao facto de estar separado e ao delírio de união simbiótica). Em segundo lugar, e de modo semelhante, recorre-se ao termo simbiose para designar uma condição intra-pessoal e não um comportamento. Este estado é fruto duma dedução, pois está para além da observação directa. Em terceiro lugar, descrevem-se o autismo infantil e a psicose simbiótica como dois distúrbios extremos da personalidade. O termo identidade é empregue no sentido da primeira consciência dum sentimento de ser, de entidade – sentimento que compreende em parte um investimento de energia libidinal dirigida para o corpo. O que está em jogo não é o sentimento de quem eu sou mas o sentimento de ser. E por isso é o primeiro passo dum processo de desenvolvimento da individualidade. Qual é a ‘maneira normal’ de vir a ser um indivíduo separado, a que as crianças psicóticas não têm acesso? A que se parece o ‘processo de eclosão’ no bebé normal? Como compreender ao pormenor as contribuições da mãe para este processo – como catalisadora, iniciadora, organizadora?

4.1.1. Fases anteriores ao Processo de separação-individuação Nas semanas que antecedem a evolução para a simbiose, o recém-nascido conhece mais correntemente os estados próximos do sono que os estados de vigília. Estes estados lembram o estado arcaico de distribuição libidinal que predomina ao longo da vida intra-uterina sob o modelo dum sistema monádico fechado, autosuficiente na satisfação alucinatória do desejo. Na fase autistica normal, temos uma ausência relativa de investimento dos estímulos exteriores (especialmente da percepção à distância). É o período onde aparece mais claramente a barreira de protecção contra os estímulos, a tendência inata do bebé a não responder aos estímulos exteriores, O bebé passa a maior parte do seu dia num estado meio acordado, meio a dormir: acorda sobretudo quando a fome ou outras tensões o levam a gritar, para de seguida cair de novo no sono quando está saciado, isto é, quando há um alívio da sobrecarga de tensões. São os fenómenos fisiológicos, mais que os psicológicos, que predominam e a função deste período concebe-se melhor em termos fisiológicos. O bebé encontra-se protegido contra as estimulações extremas, numa situação próxima do estado pré-natal, tendo em vista facilitar o seu crescimento fisiológico. Conceptualizando metaforicamente este estado sensorial, utilizamos a expressão autismo normal para caracterizar as primeiras semanas de vida. São os próprios cuidados maternais que fazem

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Psicolo gia do Desen volviment o com que o bebé efectue gradualmente a passagem duma tendência inata á regressão vegetativa para uma consciência sensorial acrescida do meio envolvente e um melhor contacto com ele. Em termos de energia ou de investimento libidinal, isto pode traduzir-se pela necessidade de operar um deslocamento da líbido desde o interior do corpo particularmente dos órgãos abdominais) para a sua periferia. Ao autismo normal segue-se uma etapa de consciência difusa para o bebé de que não pode satisfazer as suas próprias necessidades, que esta satisfação vem de alguma parte exterior a si. E isto designa-se por narcisismo primário da fase simbiótica nascente. A vida acordada do recém-nascido concentra-se em tomo dos seus esforços incessantes para realizar a homeostasia. O bebé não consegue nem isolar os efeitos dos cuidados matemos, que lhe reduzem a fome, nem os diferenciar dos seus esforços para reduzir a tensão pelos seus próprios meios, tal como urinar, defecar, tossir, arrotar, vomitar – meios pelos quais a criança tenta desfazer-se de uma tensão desagradável. O efeito destes fenómenos de expulsão, tanto como a gratificação obtida pelos cuidados matemos, ajudam o bebé, no momento oportuno, a diferenciar uma qualidade de experiência ‘boa’/’agradável’ de uma outra ‘má’/’dolorosa’. A partir do 2º mês, uma consciência difusa do objecto de satisfação das necessidades marca o começo da fase de simbiose normal, na qual o bebé se comporta e funciona como se a sua mãe e ele formassem um sistema omnipotente – uma unidade dual no interior dum só limite comum. É neste momento que começam a haver falhas na barreira quase sólida (negativa porque não investida) de protecção contra os estímulos – é a concha autística que parava os estímulos exteriores, Graças ao deslocamento do investimento para a periferia sensório-perceptiva, começa-se a formar um pára-excitações, protector mas também receptivo e selectivo, investido positivamente, que começa a envolver a esfera simbiótica da unidade dual mãe-criança. É evidente que se o bebé depende de maneira absoluta do parceiro simbiótico, a simbiose toma um sentido diferente para o parceiro adulto da unidade dual. A necessidade que o bebé tem da sua mãe é absoluta; a necessidade que a mãe tem do seu bebé é relativa. Neste contexto, o termo simbiose é uma metáfora. Não descreve, como o conceito biológico de simbiose, o que se passa realmente numa relação mútua benéfica entre dois indivíduos separados de espécies diferentes. Descreve antes um estado de indiferenciação, de fusão com a mãe, no qual o ‘eu’ não se diferencia ainda do ‘não-eu e onde o dentro e o fora só vêm gradualmente a serem sentidos como diferentes. Toda a percepção desagradável, interna ou externa, é projectada para lá do limite comum do meio interior simbiótico que inclui a gestalt do parceiro adulto durante os cuidados maternos. E somente de maneira passageira que o bebé parece receber os estímulos provenientes do exterior do meio simbiótico. O investimento libidinal fixado na esfera simbiótica substitui a barreira inata de protecção contra os estímulos e protege o Ego rudimentar de toda a tensão prematura e não adaptada, de todo o traumatismo de tensão. O carácter essencial da simbiose é uma fusão somato-psíquica omnipotente, alucinatória ou delirante, à representação da mãe e, em particular, à ideia delirante dum limite comum entre dois indivíduos fisicamente separados. E a este mecanismo que regride o Ego nos casos mais graves de individuação e de desorganização psicótica, descritos como ‘psicose simbiótica da criança’. A função e os meios de auto-conservação estão atrofiados na espécie humana. O Ego rudimentar (ainda não funcional) do recém-nascido e do jovem bebé deve receber em complemento o apoio emocional dos cuidados atentos da mãe, espécie de simbiose social. É no seio desta dependência fisiológica e sócio-biológica da mãe que se opera a diferenciação estrutural que conduz à organização adaptativa do indivíduo: o Ego no seu conjunto de funções.

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Psicolo gia do Desen volviment o O autismo normal e a simbiose normal são os dois primeiros estádios de não indiferenciação, o primeiro an-objectal, o segundo pré-objectal. Ambos aparecem antes da diferenciação da matriz indiferenciada, isto é, antes que sejam produzidas a separação e a individuação e a emergência do Ego rudimentar como estrutural funcional. A fase simbiótica normal caracteriza-se no bebé por um acréscimo do investimento preceptivo e afectivo de estímulos que definimos como provenientes do mundo exterior, mas que o bebé, segundo a nossa concepção, não reconhece claramente a origem exterior. O bebé começa por estabelecer ‘ilhotas mnésicas’ mas não ainda uma diferenciação entre o interior e o exterior, o Eu e o outro. O mundo torna-se cada vez mais investido, sobretudo a pessoa da mãe, mas como unidade dual, com um Eu ainda não claramente demarcado, nem cercado de fronteiras, nem experimentado. O investimento na mãe representa a principal realização psicológica desta fase. Mas há, ainda, continuidade com o que se passará de seguida. Sabemos que o bebé responde de modo diferenciado aos estímulos provenientes do interior e aos do exterior (a luz, por exemplo, será objecto duma experiência diferente da fome). Mas, se não queremos postular a existência de representações inatas, temos boas razões para presumir que a criança não tem nem conceito nem esquema de si e do outro ao qual atribuir e assimilar essas diferenças de estímulos. Pensamos que a experiência do interior e do exterior se encontra ainda vaga: o objecto mais investido, a mãe, é ainda um objecto parcial. Os cuidados matemos e “o jogo” com a criança (segurá-la, apoiá-la, pegá-la ao colo, sustentá-la, limpá-la, mexer nela...) são essenciais para a demarcação do Eu corporal no interior da matriz simbiótica. Estas representações constituem o ‘esquema corporal’. A partir deste momento, as representações do corpo que fazem parte do Ego rudimentar formam uma ligação entre as percepções internas e externas. Isto corresponde à ideia de Freud que o Ego se modela pelo impacto da realidade, por um lado, e pelas pulsões, por outro, O Eu corporal compreende dois tipos de representações de si: um núcleo interno do esquema corporal, em que o limite se volta para o interior do corpo e o separar do Ego; e um envelope externo de engramas sensórioperceptivos, que contribuem para os limites do corpo próprio’. As sensações internas do bebé constituem o núcleo do Eu. Elas permanecem o ponto central, cristalizadas, do ‘sentimento de si’ em tomo do qual se estabelecerá um ‘sentimento de identidade, O órgão sensório-perceptivo (‘o envelope externo do Ego’ – Freud) contribui essencialmente para delimitar o Eu do mundo objectal. As duas espécies de estruturas intrapsíquicas formam em conjunto o quadro de auto-orientação. No seio da esfera simbiótica comum, pode-se dizer que os dois parceiros ou pólos da diade polarizam os processos de organização e de estruturação. As estruturas derivadas deste duplo quadro de referência representam uma base à qual todas as experiências deverão ser associadas antes de se tornarem no Ego representações claras e unificadas do Eu e do mundo objectal. Spitz diz que a mãe é o Ego auxiliar do bebé. Do mesmo modo, o ‘comportamento de apoio’ do parceiro materno, a sua preocupação materna primária’ é o organizador simbiótico, a parteira da individuação, do nascimento psicológico.

4.1.2. Processo de separação-individuação O processo de separação-individuação ocorre em quatro sub-fases. Numa primeira sub-fase verifica-se a diferenciação e desenvolvimento corporal. Na segunda sub-fase é sinónimo de “ensaios”. Ao nível da terceira sub-fase verifica-se a procura da “reaproximação” em relação à mãe ou aos objectos. E, por fim, na quarta sub-fase observa-se a “consolidação da individualidade e início da permanência do objecto emocional”

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Psicolo gia do Desen volviment o 4.1.2.1. 1ª Subfase: Diferenciação e desenvolvimento do esquema corporal Por altura do 4º ou 5º mês, no momento culminante da simbiose, os fenómenos do comportamento parecem indicar o começo da primeira subfase da separação-individuação, isto é, a diferenciação. Ao longo dos meses de simbiose, o bebé familiarizou-se com a metade ma terna do seu Eu simbiótico, tal como indica o sorriso não específico e social. Esse sorriso toma-se gradualmente a resposta específica preferencial do sorriso da mãe, sinal decisivo que um laço específico se estabeleceu entre o bebé e a sua mãe. Freud sublinha o facto de que as percepções interiores são mais fundamentais e mais elementares que as percepções exteriores. Estas percepções interiores são respostas do corpo a si mesmo e aos órgãos internos, Greenacre sustenta que os estados de troca entre a tensão e a relaxação ‘parecem... constituir uma espécie de núcleo duma consciência difusa do corpo’. Os padrões do que constitui o núcleo não são acessíveis através da observação, mas esta permite estudar os comportamentos que, pelo mecanismo de reflexo em espelho, servem para a demarcação do Eu e do ‘outro’. Jacobson sublinha o facto de que a capacidade de distinguir os objectos se desenvolve mais rapidamente que a capacidade de distinguir entre o ‘eu’ e os objectos. Podemos ver o bebé moldar-se ao corpo da sua mãe ou distanciando-se dele, Sentir o seu próprio corpo e o da mãe, e manipular os objectos transicionais. Hofier acentua a importância do tocar e mexer no processo de formação dos limites e igualmente a importância da libidinização do corpo do bebé pela sua mãe, Greenacre chama a atenção sobre a ‘aproximação dum sentimento de unicidade sob o efeito do corpo quente da mãe, que representa um grau relativamente pequeno de diferença de temperatura, textura e odor. Estas diferenças relativamente pequenas podem provavelmente ser facilmente assimiladas pelos esquemas sensório-motores do bebé. Quando o prazer interior originado numa fixação segura na esfera simbiótica continua e que o prazer ligado à percepção sensorial exterior (visão ou olhar e, provavelmente, audição ou escuta exterior), em via de maturação crescente, estimula o investimento da atenção dirigida para o exterior, então estas duas formas de investimento da atenção podem oscilar livremente. O resultado deveria ser um estado simbiótico óptimo. de onde pode nascer uma diferenciação sem dor uma expansão fora da esfera simbiótica, O ‘processo de eclosão’ é uma evolução ontogenética gradual do sensório – o sistema percepçãoconsciência – que favorece no bebé, desde que esteja acordado, um sensório mais constantemente alerta. Noutros termos, a atenção do bebé, que nos primeiros meses da simbiose era dirigida em larga medida para o interior, ou concentrada duma maneira vagamente cinestésica no interior da esfera simbiótica, expande-se progressivamente com o começo de uma actividade perceptiva dirigida para o exterior ao longo dos períodos de vigília cada vez maiores do bebé. E uma mudança mais de grau que de espécie porque, no estado simbiótico, o bebé certamente que se manteve atento á figura materna. Mas esta atenção combina-se gradualmente com um stock crescente de traços mnésicos das idas e vindas da mãe, das experiências ‘boas’ e ‘más’, sendo que estas últimas não podiam de nenhuma maneira ser aliviadas pelo Eu, mas o bebé podia ‘antecipar com confiança’ o alivio trazido pelos cuidados da mãe, A partir dos 6 meses começa, a título de tentativa, a experimentação da separação-individuação. Podemos fazer a observação a partir dos comportamentos do bebé, tais como puxar os cabelos, as orelhas e o nariz, meter os alimentos na boca da mãe, tentar afastar o seu corpo do da mãe a fim de ter uma melhor visão dela, explorar visualmente a sua mãe e o ambiente. Isto contrasta com o simples facto de se moldar ao corpo da mãe, sendo pegado por ela. Há sinais precisos do facto de

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Psicolo gia do Desen volviment o que o bebé começa a diferenciar o seu próprio corpo do da sua mãe. Entre os é e os 7 meses é o ponto culminante da exploração manual, táctil e visual do rosto da mãe e das suas partes tanto cobertas como descobertas. E ao longo destas semanas que o bebé vai descobrir, com fascínio, um colar, um par de óculos ou outro adorno usado pela mãe. Podem existir jogos de escondeesconde (O bebé não está. Está! Está!) nos quais o bebé joga ainda um papel passivo. Estes padrões de exploração transformam-se mais tarde numa função cognitiva de verificação do não familiar oposto ao já conhecido. Tocar e absorver as diversas partes do corpo pelos olhos (visão) ajuda a reunir o corpo numa imagem central para além do nível da simples consciência sensorial imediata. É ao longo da primeira subfase da separação-individuação que todos os bebés normais efectuam as suas primeiras tentativas de ruptura, no sentido corporal, com o seu estado (até agora completamente passivo) de bebé-ainda-ao-colo – o estado de unidade dual com a mãe. Todas as crianças gostam de se aventurar e continuar a uma distância ligeira dos braços envolventes da mãe. Desde que tenham a capacidade motora, gostam de se deixar deslizar pelos joelhos da mãe, mas têm tendência a ficar o mais perto possível da mãe, ou a ela retomarem para brincar. A partir dos 7 ou 8 meses é o padrão visual de ‘reverificação junto da mãe’ o sinal relativamente estável mais importante do começo da diferenciação somato-psíquica. Parece ser, de facto, o padrão normal do desenvolvimento cognitivo e afectivo mais importante. O bebé inicia uma exploração comparativa. Começa a interessar-se pela ‘mãe’ e parece compará-la com o ‘outro’, o não familiar com o familiar, característica por característica. Parece familiarizar-se de modo mais aprofundado com o que é a mãe, lhe dá a mesma sensação, tem o mesmo gosto e cheira como ela, se parece com ela e faz o mesmo ‘som’ que ela. A par da aprendizagem da ‘mãe enquanto mãe’, faz também a descoberta do que pertence ou não pertence ao corpo da mãe – um colar ou uns óculos, Começa a estabelecer uma discriminação entre a sua mãe e aquela ou aquele que se lhe parece ou não, que lhe dá uma sensação parecida ou não e se desloca da mesma maneira ou diferente da da mãe. Os primeiros padrões de diferenciação parecem não ser só duma grande racionalidade em termos da relação mãe-criança e do talento particular de cada criança, mas parecem igualmente desencadear os padrões de organização da personalidade que aparentemente persistem no desenvolvimento futuro do processo de separação-individuação, e provavelmente mais além. E a necessidade específica inconsciente da mãe que, a partir das potencialidades infinitas do bebé, vai acordar aquelas em particular que criam para cada mãe ‘a criança’ que reflecte as suas próprias necessidades únicas e individuais. Este processo desenvolve-se nos limites dos talentos inatos da criança. Os bebés e as mães que tiveram prazer numa fase simbiótica sem demasiados conflitos, aqueles bebés que ficaram saturados, mas não super-saturados, ao longo deste período de unicidade importante com a sua mãe, começam no momento normal a mostrar os sinais de diferenciação activa, afastando-se ligeiramente do corpo da mãe. Pelo contrário, nos casos em que havia ambivalência e parasitismo, intrusão, ‘sufocamento’ por parte da mãe a diferenciação mostra perturbações em diversos graus e sob diferentes formas. Noutros casos, em que a mãe agia claramente segundo as suas próprias necessidades simbiótico-parasitárias mais do que em função do bebé, a diferenciação instala-se de modo quase veemente. É no fim do primeiro ano e nos primeiros meses do segundo que podemos ver que há no processo intrapsíquico da separação-individuação duas linhas de desenvolvimento, interligadas mas não tendo sempre a mesma amplitude ou uma progressão proporcional. Uma destas linhas é a individuação, a evolução da autonomia, da percepção, da memória, da cognição, da prova da realidade. A outra e a linha intrapsíquica do desenvolvimento da separação, que leva à diferenciação, à distanciação, á formação dos limites e ao afastamento da mãe. Todos estes

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Psicolo gia do Desen volviment o processos de estruturação culminarão eventualmente em representações interiorizadas do Eu, que são distintas das representações interiores do objecto. Os fenómenos comportamentais superficiais do processo de separação-individuação podem ser observados em inúmeras variações subtis como acompanhando o desenvolvimento psíquico. As situações óptimas parecem ser aquelas em que a consciência da separação corporal em termos da diferenciação da mãe seguem paralelamente (isto é, não estão muito para trás nem muito para a frente) ao desenvolvimento do funcionamento autónomo do bebé – cognição, percepção, memória, prova da realidade, etc., isto é, as funções do Ego que servem à individuação.

4.1.2.2. 2ª Subfase: Ensaios O período dos ensaios segue-se à subfase de diferenciação. Podemos subdividir o período dos ensaios em duas partes: 1.

O primeiro período dos ensaios, que se caracteriza pela capacidade do bebé em se afastar fisicamente da sua mãe rastejando, gatinhando, trepando, e pondo-se em pé – demorando-se sempre

2.

O período dos ensaios propriamente dito, caracterizado do ponto de vista fenomenológico pela locomoção livre em posição vertical.

Há pelo menos três desenvolvimentos interligados mas identificáveis que contribuem para os primeiros progressos da criança para a consciência de estar separada e para a identificação: a diferenciação corporal face á mãe; o estabelecimento duma ligação específica com ela; o crescimento e o funcionamento dos aparelhos autónomos do Ego em relação estreita com a mãe. Este desenvolvimento parece abrir a possibilidade ao bebé de estender o seu interesse pela mãe para objectos inanimados apresentados por ela – cobertor, almofada, brinquedo, o biberão antes da separação para a noite. O bebé explora visualmente estes objectos e examina o seu gosto, a sua textura e o seu odor através dos órgãos perceptivos de contacto, em particular a boca e as mãos, Seja qual for a fase de diferenciação, é característico deste primeira etapa de ensaios que, apesar do interesse e da absorção destas actividades, é o interesse pela mãe que parece tomar decisivamente a prioridade. A maturação da locomoção e das outras funções ao longo do primeiro período de ensaios tem um efeito dos mais salutares nas crianças que conheceram uma relação simbiótica intensa mas inconfortável. Parece plausível que isto esteja ligado, pelo menos em parte, a um processo simultâneo de desprendimento satisfatório por parte das mães. Estas mães, que estavam angustiadas por não poderem acalmar a aflição dos seus bebés ao longo das fases de simbiose e de diferenciação, ficam agora mais aliviadas por verem os seus filhos tomarem-se menos frágeis, menos vulneráveis e um pouco mais independentes. Estas mães e os seus filhos não conseguiram ter prazer no contacto físico estreito, mas podem ambos ter agora prazer a uma distância ligeiramente maior. Estas mesmas crianças tornam-se mais calmas e mais capazes de recorrerem às suas mães para encontrarem conforto e segurança. Pelo contrário, podemos observar um outro padrão de interacção mãe-criança ao longo do primeiro período dos ensaios naquelas crianças que procuravam mais activamente a proximidade física da mãe, crianças cujas mães tinham a maior dificuldade em entrar em relação com elas ao longo do processo de diferenciação activo. Estas mães apreciavam a proximidade da fase simbiótica, mas uma vez esta fase passada, elas gostariam de ver os seus filhos tomarem-se ‘grandes duma só vez. E interessante notar que estas crianças acham difícil crescer. São incapazes de ter prazer na sua capacidade nascente de se distanciarem e reclamam muito activamente a proximidade.

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Psicolo gia do Desen volviment o A capacidade de locomoção crescente ao longo da primeira subfase dos ensaios alarga o universo da criança. Não só tem um papel mais activo na determinação da proximidade e da distância à mãe, mas as modalidades utilizadas até ai para explorar um ambiente relativamente familiar expõem-no, de súbito, a um maior segmento da realidade: há mais para ver, mais para ouvir, mais para tocar. O modo de experimentar este universo novo parece subtilmente ligado à mãe, ainda o centro deste universo da criança, donde ela sai gradualmente por círculos cada vez mais largos. As primeiras explorações servem para: 1.

Estabelecer uma familiaridade com um segmento maior do universo;

2.

Percepcionar e reconhecer a mãe, a ter prazer com ela a uma distância maior. São as crianças que têm um melhor ‘contacto à distância com a mãe que se aventuram mais longe dela.

Um bebé que esteja neste período dos ensaios ocupa-se alegremente a explorar por si mesmo o seu ambiente físico. De tempos a tempos volta à sua mãe para efectuar uma recarga emocional. Normalmente, a mãe aceita este desprendimento gradual do seu bebé e encoraja o seu interesse pelos ensaios. Está emocionalmente disponível, atenta às necessidades da criança, e assegura este apoio materno necessário a um desenvolvimento óptimo das funções autónomas do Ego. Quando a criança, graças à maturação do seu aparelho de locomoção, se tenta aventurar a uma maior distância em relação à sua mãe, Está muitas vezes tão absorvida nas suas próprias actividades que, durante longos períodos de tempo, esquece aparentemente a presença da mãe. Contudo, volta a ela regularmente, parecendo ter necessidade de vez em quando da sua proximidade física. A distância óptima, neste primeiro período dos ensaios, parece ser aquela que dá à criança a liberdade de se deslocar, de explorar gatinhando e a oportunidade de explorar a uma certa distância física da mãe. E necessário notar, contudo, que ao longo de toda a subfase dos ensaios a mãe continua a ser necessária como ponto fixo, ‘porto de abrigo’, para preencher a necessidade de recarga por contacto físico. Os bebés de 7 a 10 meses gatinham ou arrastam-se rapidamente em direcção à sua mãe, apoiando-se ao longo da sua perna, tocando-a, ou simplesmente apoiando-se nela. É o que se designa por ‘recarga emocional’. É fácil de constatar a rapidez com que o bebé abatido e cansado se ‘revigora’ após o contacto com a mãe: volta rapidamente à sua exploração e deixa-se mais uma vez absorver pelo prazer que tem com o seu funcionamento. Com o desenvolvimento das funções autónomas, como a cognição, e mais particularmente a locomoção em posição vertical começa ‘a história de amor com o mundo’, O bebé passa o maior degrau da individuação humana. Caminha livremente em posição vertical. Por isso, o plano da sua visão muda. Dum ponto de vista completamente novo, descobre perspectivas, prazeres e frustrações inesperados e novos. A posição em pé trás um nível visual novo. Durante estes preciosos 6 a 8 meses (dos 10 ou 12 meses aos 16-18 meses), o mundo é a ostra do bebé. O investimento libidinal desloca-se de modo substancial para se meter ao serviço do Ego autónomo, em vias de crescimento rápido, e das suas funções. E a criança parece intoxicada pelas suas próprias faculdades e da imensidade do seu próprio universo, O narcisismo encontra-se no ponto auge! Os primeiros passos independentes da criança em posição vertical marcam o início dos ensaios por excelência, com um alargamento substancial do seu universo e da sua prova da realidade. Há um investimento libidinal, crescendo de maneira estável, dos talentos motores para os ensaios, da exploração do ambiente que se expande, tanto humano como inanimado. A principal característica deste período dos ensaios é, na criança, o grande investimento narcísico das suas próprias fincões, do seu próprio corpo enquanto objecto e objectivos da sua ‘realidade’ em crescimento. Paralelamente, constatasse uma impermeabilidade relativamente grande aos golpes, quedas e frustrações (o facto de outra criança agarrar um brinquedo, por exemplo).

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Psicolo gia do Desen volviment o A criança fica maravilhada com os seus próprios talentos, continuamente orgulhosa das descobertas que faz no seu universo em vias de expansão e quase apaixonado pelo universo e pela sua própria grandeza e omnipotência. A importância de caminhar para o desenvolvimento emocional da criança é inestimável. Andar dá ao bebé muito mais possibilidade de descobrir a realidade e de fazer a prova do universo, sob o seu próprio controlo e poder mágico. Ao longo do mês que se segue imediatamente à aquisição da locomoção livre e activa, a criança faz sérios progressos na afirmação da sua individualidade. Parece ser o primeiro grande passo para a formação da identidade, A locomoção livre em posição vertical parece tomar-se para numerosas mães a prova suprema de que os seus bebés ‘conseguiram’. Resumindo, andar parece ter, tanto para a mãe como para o bebé, uma grande significação simbólica: é como se o bebé que anda tivesse a prova, pela sua locomoção independente em posição vertical, de que ele já foi promovido ao mundo dos seres humanos independentes. A antecipação e a confiança fornecidas pela mãe, que tem um sentimento de que o seu filho pode ‘conseguir’, parecem servir de despoletadores importantes para o próprio sentimento de segurança da criança e constituir o encorajamento inicial para que ela troque uma parte da sua magia omnipotente pelo prazer ligado à sua própria autonomia e à estima de si crescente.

4.1.2.3. 3ª Subfase: reaproximação Graças à aquisição da locomoção livre em posição vertical e à realização, pouco tempo depois, do estádio do desenvolvimento que Piaget considera como o início da inteligência representativa (que culminará no jogo simbólico e no discurso), o ser humano emergiu como pessoa separada e autónoma. Estas duas ‘forças organizadoras’ são as parteiras do nascimento psicológico. Neste estádio final do processo de ‘eclosão’ o bebé atinge o primeiro nível de identidade – ser uma entidade individual separada. Durante o 2º ano de vida, o bebé torna-se cada vez mais consciente do facto de estar fisicamente separado e utiliza este facto cada vez mais extensivamente. Contudo, paralelamente ao crescimento das suas faculdades cognitivas e à diferenciação crescente da sua vida emocional, há uma diminuição assinalável da sua anterior imperturbabilidade à frustração e, igualmente, uma diminuição do que foi uma tendência relativa a esquecer a presença da sua mãe. Podemos observar um aumento da angústia de separação: no início consiste essencialmente no medo de perder o objecto, e que podemos inferir a partir de numerosos comportamentos das crianças. A ausência relativa de preocupação relacionada com a presença da mãe, característica da subfase dos ensaios, encontra-se agora substituída por uma preocupação aparentemente constante relacionada com as idas e vindas da mãe e por um comportamento activo de aproximação. A medida que se desenvolve no bebé a sua consciência de ser separado – estimulada pela sua capacidade, adquirida por maturação, de se afastar fisicamente da mãe e pelo seu crescimento cognitivo – parece haver uma necessidade acrescida, um desejo maior de ver a sua mãe partilhar com ela cada um dos seus talentos e das suas novas experiências, e um desejo muito grande do amor do objecto. Como já foi descrito anteriormente, a necessidade de proximidade entrou em declínio durante o período dos ensaios. É por esta razão que esta subfase se designa por reaproximação. O género de aproximação corporal ‘de recarga que caracterizou a criança durante o período dos ensaios, é substituída (a partir dos 15-24 meses) pela procura deliberada, ou o evitamento, do contacto corporal estreito. Isto é agora marcado pela interacção do bebé e da sua mãe a um nível

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Psicolo gia do Desen volviment o muito mais elevado: a linguagem simbólica, tanto vocal como sob outros modos de comunicação, e o jogo tomam-se cada vez mais predominantes. Ao longo da subfase de reaproximação observam-se reacções à separação em todas as crianças Os dois padrões característicos do comportamento do bebé nestas idades – o seguimento da mãe (o hábito incessante da criança de vigiar e seguir cada um dos movimentos da mãe) e a partida precipitada para longe dela, com a expectativa de ser perseguida e pegada nos seus braços – indicam o seu desejo de reunião com o objecto de amor e o seu medo de ser reincorporada. Observa-se no bebé um padrão de ‘afastamento’ dirigido contra todo o impedimento sobre a sua autonomia recentemente adquirida. Mais, o seu medo nascente de perder o amor representa um elemento de conflito com a interiorização. Na idade da reaproximação, certas crianças parecem ser já mais sensíveis á desaprovação. Apesar de tudo, a autonomia é defendida pelo ‘não’, assim como pela agressividade acrescida e o negativismo da fase anal. Durante o período dos ensaios, e paralelamente à aquisição dos talentos primitivos e das faculdades perceptivas cognitivas, produziu-se uma diferenciação cada vez mais clara, uma separação entre a representação intrapsíquica do objecto e a representação do Eu. No apogeu do seu domínio sobre o mundo, no final do período dos ensaios, o bebé começou a entrever que o universo não era uma ostra, que tinha de o enfrentar mais ou menos ‘por ele mesmo’, muitas vezes como indivíduo relativamente sem defesas, pequeno e separado, incapaz de solicitar apoio ou assistência pelo simples facto de sentir a necessidade ou mesmo de dar voz a essa necessidade. A qualidade e o grau do comportamento de solicitação do bebé face á sua mãe ao longo desta subfase fornece indicadores importantes relacionados com a normalidade do processo de individuação. O medo da perda do amor do objecto (mais do que o medo da perda do objecto) toma-se cada vez mais evidente, É normal a existência de incompatibilidades e incompreensões entre a mãe e o seu filho. Estas incompatibilidades e incompreensões estão enraizadas nalgumas contradições desta subfase. A exigência do bebé de ver a sua mãe constantemente implicada parece contraditória para a mãe: agora que ele já não é tão dependente e não está tão desarmado em comparação com seis meses atrás, e que o deseja ser cada vez menos, manifesta, contudo e com cada vez maior insistência, o desejo de ver a sua mãe partilhar com ele todos os aspectos da sua vida. Ao longo desta 3ª subfase, o da reaproximação, quando a individuação se efectua muito rapidamente e que a criança a exerce até ao limite, a criança toma-se igualmente cada vez mais consciente de estar e de ser separada, e recorre a todos os mecanismos a fim de resistir a, e a desfazer, esta realidade de separação em relação à mãe. É um facto, entretanto, que, seja qual for a influência exercida pela criança sobre a mãe, os dois não podem funcionar efectivamente mais como uma unidade dual – isto é, a criança já não pode sustentar o delírio da força omnipotente parental que, espera ele em determinados momentos, vai restaurar o status quo simbiótico. A comunicação verbal toma-se cada vez mais necessária. A utilização dos gestos por parte da criança e a empatia pré-verbal mútua entre a mãe e a criança não são mais suficientes para atingirem o objectivo comunicacional. O bebé apercebe-se pouco a pouco que os seus objectos de amor (os seus pais) são indivíduos separados, tendo os seus próprios interesses pessoais. Ele deve, pouco a pouco e não sem sofrimento, abandonar o seu delírio sobre a sua própria grandeza, muitas vezes através de lutas dramáticas com a mãe – e em grau menor com o pai. É este cruzamento que se designa por ‘crise de reaproximação’. Se a mãe está ‘discretamente disponível’, com uma provisão acessível de líbido objectal, se ela partilha as explorações aventureiras do seu bebé, se ela interage com ele nos jogos e nas brincadeiras, e facilita deste modo os seus esforços salutares para imitar e se identificar, então a

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Psicolo gia do Desen volviment o interiorização da relação entre a mãe e o bebé pode progredir até ao ponto onde, no momento previsto, a comunicação verbal se toma relevante, mesmo se há ainda predominância dum comportamento gestual bem saliente, No final do 2º ano e início do 3º, a implicação emocional previsível por parte da mãe parece facilitar o desenvolvimento florescente dos processos mentais do bebé, a prova da realidade e os comportamentos para os realizar. Por outro lado, o crescimento emocional da mãe na sua função materna, a sua vontade emocional de deixar ir o bebé – de lhe dar, como a mãe-pássaro, um ligeiro empurrão, um encorajamento para a independência – ajuda grandemente. Pode mesmo ser uma condição sine qua non da individuação normal e sã. Aquilo que se designa por ‘seguimento’ da mãe parece, até certo ponto, necessário ao bebé (ou o seu contrário, a partida precipitada), muitas vezes verificada no início desta subfase). Nos casos normais, o ‘seguimento’ faz parte, na segunda metade do 3º ano, dum certo grau de permanência do objecto. Entretanto, quanto menos a mãe se mostra disponível no momento da reaproximação mais o bebé tentará solicitá-la intensamente e desesperadamente. Em certos casos, este processo canaliza de tal modo a energia disponível da criança para o desenvolvimento que não restará suficiente energia, nem de líbido nem de agressividade construtiva (ambas neutralizadas), para a evolução das numerosas funções ascendentes do Ego. Pelos quinze meses, regista-se uma mudança importante na qualidade da relação da criança com a sua mãe. Ao longo do período dos ensaios a mãe representava o ‘porto de abrigo’ para o qual a criança retomava quando necessitava – necessidade de comida, de reconforto ou de ‘recarga’, quando estava cansada. Mas, ao longo deste período, a mãe não parecia ser reconhecida como pessoa separada de pleno direito. Para algumas, perto dos 15 meses, a mãe não é somente o porto de abrigo’. Parecia transformar-se numa pessoa com quem o bebé deseja partilhar as suas descobertas do mundo cada vez mais alargado. O sinal de comportamento mais importante neste novo modo de relação é o facto, para o bebé, de trazer incessantemente coisas à mãe, cobrindo os seus joelhos de objectos que ele encontra no seu universo em vias de expansão. Todos eles têm interesse para ele, mas o investimento emocional principal repousa na necessidade da criança os partilhar com a sua mãe. Ao mesmo tempo, o bebé indica à sua mãe, por palavras, sons ou gestos, o seu desejo de a ver interessada nas suas ‘descobertas’ e partilhar o prazer que ele tem. Ao mesmo tempo que começa a ter consciência de ser separada, a criança apercebe-se que os desejos da sua mãe não parecem sempre idênticos aos seus – ou, pelo contrário, que os seus desejos não coincidem sempre com os da sua mãe. Esta constatação representa um desafio imenso ao seu sentimento de grandeza e de omnipotência do período dos ensaios, quando a criança se sentia nos ‘píncaros do universo’. E dado um grande golpe na crença da sua omnipotência e é perturbada a beatitude da unidade dual! A fonte de maior prazer da criança desloca-se da locomoção independente e da exploração do universo inanimado em vias de expansão para a interacção social. Os jogos de esconde-esconde, assim como os jogos de imitação, tomam-se nos passatempos favoritos. O reconhecimento da mãe como pessoa separada do grande universo faz-se paralelamente à tomada de consciência da existência separada de outras crianças, do facto de que elas são parecidas e, em simultâneo, diferentes do seu próprio Eu. A prova é dada pelo facto das crianças manifestarem um maior desejo de ter e de fazer o que outra criança tem ou faz – isto é, um desejo de reflectir em espelho, de imitar e de se identificar, até certo ponto, com outra criança. Ao mesmo tempo que se desenvolvem estas novas características, aparece a ira especifica dirigida a um objectivo, a agressividade se o objectivo não puder ser atingido. Não podemos esquecer que estes desenvolvimentos se dão a meio da fase anal, com as suas características de aquisitividade, de ciúme e de inveja.

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Psicolo gia do Desen volviment o Nesta subfase, o bebé parece experimentar o seu corpo como sua possessão. Deixa de gostar de ser manipulado: resiste a ser segurado numa posição passiva quando o vestem, E não gosta de ser acarinhado e abraçado, a não ser que esteja preparado. O desejo da criança por uma autonomia acrescida tem expressão não só no negativismo face aos outros e à mãe, mas também se traduz numa extensão activa do universo mãe-criança: principalmente a inclusão do pai. O pai, como objecto de amor, pertence muito cedo a uma categoria de objectos de amor inteiramente diferente da da mãe. Se bem que ele não esteja completamente fora da união simbiótica também não faz completamente parte. Mais, o bebé percebe provavelmente cedo uma relação especial do pai com a mãe. Mas na altura da reaproximação a criança desenvolve relações com outras pessoas que não o pai e a mãe. Durante a primeira fase de reaproximação, regista-se uma mudança interessante nas reacções das crianças face à presença ou ausência da sua mãe. Estão agora cada vez mais conscientes da ausência da mãe e perguntam onde ela está. Por outro lado, contudo, são capazes igualmente de se manterem cada vez mais absorvidas pelas suas próprias actividades, e muitas vezes não gostam de ser interrompidas. Querem ‘ir ver’ a mãe, mas sem a intenção de se demorarem perto dela, só um momento, para de seguida continuarem com as suas ocupações. À medida que progridem na subfase de reaproximação, as crianças encontram novas maneiras activas de enfrentarem a ausência da mãe (considerando a hiperactividade e a agitação motora como uma actividade defensiva precoce contra a tomada de consciência do afecto doloroso da tristeza): entram em relação com substitutos adultos e absorvem-se nos jogos simbólicos. Numerosas formas de jogo traduzem a sua identificação precoce à mãe ou ao pai – por exemplo, a sua forma de segurar as bonecas ou os ursos. Parece instalar-se o início da interiorização da representação do objecto. Para a maioria das crianças, o primeiro período da reaproximação conhece o seu apogeu perto dos 17-18 meses, pelo que parece uma consolidação e uma aceitação temporárias da consciência de ser separada. Isto é acompanhado por um grande prazer em partilhar objectos e actividades com a mãe e com o pai e, cada vez mais, com o universo social agora em vias de expansão, compreendendo não só os adultos mas também outros bebés, crianças da sua idade e mais velhas. Ao longo do período dos ensaios a palavra ‘adeus’ era a mais importante. A palavra mais importante neste período de reaproximação é ‘olá’. Aos 18 meses, as crianças parecem muito impacientes por exercerem em toda a sua extensão a sua autonomia rapidamente crescente. Cada vez mais, preferem não ser lembradas que em determinados momentos não se conseguem desembaraçar sozinhas, Seguem-se conflitos que se parecem articular no desejo de ser separada, grande e omnipotente, por um lado, e, por outro, de ver a sua mãe concretizar magicamente os seus desejos, sem ter de reconhecer que a ajuda vem do exterior, do outro. É característico desta idade que as crianças recorram à sua mãe como extensão do seu Eu – processo pelo qual negam a consciência dolorosa de estarem separadas. Um comportamento típico deste género consiste em pegar na mão da mãe e usá-la como instrumento para ir buscar o objecto desejado. Aos 21 meses podemos observar uma atenuação dos esforços de reaproximação. Verifica-se, a reivindicação por um controlo omnipotente, os períodos extremos de angústia de separação, a alternância das exigências de proximidade e de autonomia diminuem. Enquanto isso acontece, parece que cada criança procura, mais uma vez, encontrar a distância óptima à sua mãe, A distância a partir da qual a criança pode funcionar melhor.

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Psicolo gia do Desen volviment o Os elementos de individuação crescente que parecem tomar possível esta capacidade de funcionar melhor a uma distância maior, e sem a presença da mãe, são os seguintes: 1.

O desenvolvimento da linguagem, no sentido de nomear os objectos e de exprimir os seus desejos com palavras precisas. A possibilidade de nomear os objectos parece fornecer à criança um maior sentimento de controlo do seu ambiente;

2.

O processo de interiorização, que podemos inferir a partir de actos de identificação com a ‘boa’ mãe ou o ‘bom’ pai, fontes de aprovisionamento, e a partir da interiorização de regras e de exigências (início do Super-Ego);

3.

Um progresso na capacidade de exprimir os seus desejos e os seus fantasmas pelo jogo simbólico e a utilização do jogo com fins de domínio da realidade.

Quando as crianças atingem o 21º mês constata-se que já não é possível reagrupá-las segundo os critérios gerais anteriores. As vicissitudes dos seus processos de individuação são tão diferentes e produzem-se com tal rapidez que não são mais específicos duma fase mas, antes, muito distintas individualmente e diferentes de criança para criança. O ponto principal não é tanto a consciência de ser separada mas antes como essa consciência é afectada pela, e afecta a relação mãe-criança, a relação pai-criança (esta última muito claramente diferente da primeira), e a integração da personalidade individual e total da criança. Existem grandes diferenças entre rapazes e raparigas. Enquanto que os rapazes manifestam uma maior tendência para se separarem da mãe e terem prazer no seu funcionamento no universo em expansão, as raparigas exigem uma maior proximidade e fixam-se nos aspectos ambivalentes da relação. Ao 23º mês, parece que a capacidade dos crianças enfrentarem a consciência da separação, tanto quanto ao facto físico da separação, depende, em cada caso, da história da relação mãe-criança e do seu estado actual. Sejam quais forem as diferenças sexuais que pré-existam no domínio dos aparelhos do Ego e dos primeiros modos do Ego, elas são certamente complexas e marcadas geralmente pelos efeitos da descoberta pela criança das diferenças dos sexos. Isto produz-se ao 20º-21º meses, por vezes antes (16ºl7º meses). A descoberta pelo rapaz do seu próprio pénis dá-se mais cedo. A componente sensório-táctil desta descoberta pode dar-se no 1º ano de vida, mas subsistem dúvidas quanto ao seu impacto emocional. Aos 12-14 meses a posição vertical facilita a exploração visual e sensório-motriz do pénis. Quando as raparigas descobrem o pénis são confrontadas com qualquer coisa que lhes falta. Esta descoberta origina alguns comportamentos que indicam claramente a angústia, a cólera e a desconfiança das raparigas. Elas desejam desfazer a diferença sexual. Resumindo, parece que a tarefa de se tomar um indivíduo separado parece, neste momento, ser geralmente mais difícil para as raparigas que para os rapazes, porque as raparigas descobrindo as diferenças dos sexos têm tendência a revoltarem-se contra a mãe, a responsabilizá-la, a exigir dela, estão desapontados e, apesar de tudo, permanecem ligadas a ela de maneira ambivalente,

4.1.2.4. 4ª Subfase: Consolidação da individualidade e início da Permanência do objecto emocional Do ponto de vista do processo de separação-individuação, a tarefa principal da 4ª subfase apresenta-se em dois elementos: 1) a aquisição duma individualidade bem definida e, sob certos aspectos, para toda a vida; e 2) a realização dum certo grau de permanência do objecto. No que diz respeito ao Eu, há uma estruturação extensiva do Ego e há sinais precisos da interiorização das interdições parentais, que indicam a formação dos precursores do Super-Ego.

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Psicolo gia do Desen volviment o A realização da permanência do objecto afectivo (emocional) depende da interiorização gradual duma imagem interior da mãe, imagem constante e investida de energia positiva. Para começar, Isso permite à criança funcionar separadamente num ambiente familiar, apesar dum certo grau (moderado) de tensão e de desconforto. A permanência do objecto emocional será fundada, em primeiro lugar, na aquisição cognitiva do objecto permanente, mas todos os outros aspectos do desenvolvimento da personalidade da criança participam igualmente nesta evolução. A última subfase (o 3º ano de vida) é um período extremamente importante do ponto de vista do desenvolvimento intrapsíquico: um sentimento estável de identidade é atingido (limites do Eu). Parece também ser nesta subfase que se dá uma consolidação primitiva da identidade sexual. Mas a permanência do objecto implica mais que a manutenção da representação do objecto de amor ausente. Implica também a unificação do bom’ e do ‘mau’ objectos numa só representação global. Isto favorece a intrincação das pulsões agressivas e libidinais, e ameniza o ódio ao objecto, quando a agressividade é intensa. Num estado de permanência do objecto, um objecto de amor não será rejeitado ou trocado por outro se já não dá satisfação. Neste estado, a nostalgia do objecto subsiste sempre e este não é rejeitado (odiado) como sendo insatisfatório simplesmente por causa da sua ausência. Os principais factores que determinam a permanência do objecto são: 1) a confiança e a segurança adquiridas graças à experiência repetida do alívio da tensão por um agente de satisfação das necessidades e tão precocemente como a fase simbiótica. Ao longo das subfases do processo de separação-individuação, o alívio da tensão da necessidade é gradualmente atribuída ao objecto total (a mãe), fonte de satisfação das necessidades, e de seguida transferida, por meio da interiorização, para a representação intrapsíquica da mãe; e 2) a aquisição cognitiva da representação simbólica interior do objecto permanente (segundo o significado puramente cognitivo de Piaget), de objecto único de amor, a mãe. A maturidade plena da relação, própria da criança em idade escolar e do adulto revela-se por uma relação do objecto de amor sob a forma de uma troca mútua (dar e receber). Uma vez que é neste período que a criança aprende a exprimir-se verbalmente, podemos traçar algumas vicissitudes do processo intrapsíquico da separação com a mãe, e os respectivos conflitos, por intermédio do material verbal e pela fenomenologia do comportamento. A comunicação verbal, que se Iniciou ao longo da 3 subfase, desenvolve-se rapidamente nesta 4 subfase da separação-individuação e substitui lentamente as outras formas de comunicação. A linguagem gestual do corpo continua, contudo, presente. Começa a ser constituído um significado da temporalidade, e com ela uma maior capacidade de tolerar um adiamento da gratificação e de prolongar a separação. A criança compreende e utiliza os conceitos de ‘mais tarde’ e ‘amanhã’. A 4ª subfase caracteriza-se pelo desenvolvimento das funções cognitivas complexas: comunicação verbal, fantasmatização e prova da realidade. Ao longo deste período de diferenciação rápida do Ego (dos 20 ou 22 meses até aos 30 ou 36 meses), a individualização desenvolve-se rapidamente e a aquisição das representações mentais do Eu como distintamente separadas das representações do objecto, abre a via à formação da identidade do Eu. Ao longo da segunda metade do 3º ano, e nos casos ideais, o investimento libidinal persiste mesmo na ausência de satisfação imediata e mantém o equilíbrio emocional da criança durante as ausências temporárias do objecto. As principais condições da saúde mental, no que diz respeito ao desenvolvimento pré-edipiano, repousam na aquisição pela criança duma capacidade contínua de manter e de restaurar a estima de si, no contexto duma relativa permanência do objecto libidinal. Na 4ª subfase, que não tem fim, as duas estruturas internas – a permanência do objecto libidinal e também a imagem

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Psicolo gia do Desen volviment o unificada do Eu baseada nas verdadeiras identificações do Ego – devem-se começar a desenvolver.

5. TEORIA DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO “A aprendizagem era outrora o domínio privilegiado das teorias comportamentais. Também actualmente é estudada no quadro das teorias do desenvolvimento cognitivo” (Vandenplas-Holper, 1982, p. 231), que analisam as interacções entre desenvolvimento e aprendizagem (Coll, 1984; Furth, 1974; Inhelder, Sinclair & Bovet, 1974; Piaget, 1973; Piaget & Chomsky, 1987; Piaget & Gréco, 1974; Pontecorvo, 1988; Tavares & Alarcão, 1989; Vygotsky, 1977). Segundo Vandenplas-Holper (1982), enquanto que as teorias da aprendizagem social insistem sobretudo na acção determinante do meio, os teóricos do desenvolvimento cognitivo põem a tónica quase exclusivamente na actividade estruturante do sujeito que, do interior, organiza os dados do mundo físico e social (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974; Perret-Clermont, 1979; Piaget, 1973; 1974; 1976a; 1976b; 1978; Piaget & Chomsky, 1987; Piaget & Gréco, 1974). À semelhança da observação de Lewin, também Piaget (Piaget & Chomsky, 1987) e Inhelder, Sinclair e Bovet (1974), interrogando-se sobre a validade das experiências realizadas sobre o primado das teorias associacionistas da aprendizagem, também consideram que estas são “fenómenos particulares que devem ser inseridos num sistema explicativo muito mais geral (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974, p. 34), nomeadamente através de uma rigorosa experimentação realizada segundo os pressupostos de uma epistemologia estrutural e genética (Piaget & Gréco, 1974; Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974).

5.1. Desenvolvimento Cognitivo da Inteligência 5.1.1. Interaccionismo piagetiano Vandenplas-Holper (1982, p. 27) acentua que “a teoria de Piaget é uma teoria interaccionista e constructivista”, isto é, o desenvolvimento cognitivo é visto em função das interacções que o sujeito estabelece com os objectos, físicos e sociais (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974; Piaget, 1973; 1976a; 1976b; Vandenplas-Holper, 1987). “O sujeito humano constrói o seu conhecimento dos objectos, incluindo os outros humanos, interagindo activamente com eles” (Vandenplas-Holper, 1987, p. 19), que é um processo no qual “o indivíduo é em parte agente da sua própria mudança e participa na orientação do desenvolvimento” (Gilly & Piolat, 1986, p. 22) e onde o conhecimento é construído em sucessivas etapas evolutivas e adaptativas, visando sucessivos 'equilíbrios majorantes' (Piaget, 1987), equilíbrios que correspondem a modos estruturais diferentes e superiores de compreensão e apreensão da realidade do meio físico e social. Por outro lado, Inhelder, Sinclair e Bovet (1974, p. 14) consideram que a contribuição de Piaget se caracteriza por “três traços dominantes: 1.

A dimensão biológica;

2.

A interacção dos factores sujeito-meio...;

3.

O construtivismo psicogenético”.

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Psicolo gia do Desen volviment o 5.1.2. Adaptação e Evolução Condenando o empirismo, Piaget (1973; 1974; 1987) tem como ponto de partida para a sua teoria de desenvolvimento cognitivo os fundamentos filosóficos preconizados por Kant sobre a origem do conhecimento humano: os conhecimentos 'a priori' (Piaget & Chomsky, 1987). Para Piaget (1973; Piaget & Chomsky, 1987; Piaget & Gréco; 1974; Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974) o desenvolvimento cognitivo da inteligência rege-se por processos de adaptação e evolução análogos aos processos adaptativos e evolutivos encontrados em Biologia e analisados noutros seres vivos. À nascença a criança possui estruturas orgânicas hereditárias (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974) ou, como nos diz Piaget (Piaget & Chomsky, 1987, p. 395), “...o funcionamento (da estrutura cognitiva) implica mecanismos nervosos hereditários”.

5.1.3. Assimilação e Acomodação Segundo Inhelder, Sinclair e Bovet (1974), as primeiras condutas de adaptação cognitiva processam-se através de assimilação funcional a partir de estruturas biologicamente préexistentes. Assimilação no sentido do sujeito incorporar elementos novos nas estruturas programadas hereditariamente. Por outro lado, esta actividade de assimilação ou de incorporação, na medida em que se reproduz e se generaliza, conduz a mudanças na cognição sensório-motora, através da acomodação diferenciadora. Deste modo, essa assimilação está na “origem dos primeiros esquemas de conhecimento do sujeito e da sua integração constituem-se as novas condutas que não estão inscritas nas estruturas orgânicas hereditárias” (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974, p. 15). Essas estruturas hereditárias não determinam em absoluto o desenvolvimento cognitivo do sujeito (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974), pressupõem antes uma “...hereditariedade de funcionamento das próprias construções” (Piaget, 1987, p. 281), isto é, o conhecimento concreto não está inscrito e biologicamente pré-programado (Eibl-Eibesfeldt, 1978), o modo estrutural de funcionamento cognitivo de aquisição e construção do conhecimento, físico ou lógicomatemático, é que é hereditário (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974; Piaget & Chomsky, 1987). Deste modo, Piaget não se situa no campo estritamente apriorístico: “Do ponto de vista epistemológico, a ausência de toda a aprendizagem das estruturas lógicas, seria então naturalmente favorável a uma interpretação apriorística. Recorrendo a um puro desenvolvimento interno, a redução possível de tal aprendizagem, reconhecida como existente, à das estruturas físicas, conduziria pelo contrário a uma interpretação empirista, enquanto o circulo presumido das estruturas lógicas aprendidas e das estruturas anteriores constituindo a condição dessa aprendizagem sugeriria uma interpretação interaccionista, na qual seria necessário aliás precisar o papel de existência e das actividades do sujeito” (Piaget, 1975, p. 25).

5.1.4. Construtivismo piagetiano Em epistemologia genética, o sujeito e o objecto não são dissociáveis (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974). O sujeito só pode conhecer o objecto através das relações e acções que exerce sobre esse mesmo objecto, realizando 'aproximações sucessivas' ao conhecimento deste (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974). O conhecimento dos objectos não é um dado imediato, o sujeito elabora o objecto segundo duas direcções complementares e interdependentes: “aquela que conduz à elaboração de formas de conhecimento ou estruturas lógico-matemáticas e aquelas que conduzem ao conhecimento dos objectos e das

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Psicolo gia do Desen volviment o relações espacio-temporais e causais que os constituem” (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974), ou às estruturas lógicas e às estruturas físicas (Piaget, 1974).

5.1.5. Estádios do Desenvolvimento Cognitivo Obviamente, que a construção desse conhecimento é feito em sucessivas etapas, que Piaget baptizou de estádios de desenvolvimento cognitivo, que mais não são, cada um deles, que formas bem diferenciadas de esquemas, e de coordenação de esquemas de apreensão e construção da realidade (física e social), que correspondem a formas dinâmicas de equilíbrio da estrutura cognitiva.

5.1.6. Coordenação de Esquemas e Equilibração No início os esquemas cognitivos só são parcialmente coordenados, o que origina julgamentos contraditórios ou incompatíveis entre si (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974) e que correspondem a uma forma determinada de equilíbrio da estrutura cognitiva (Piaget, 1973; 1974; 1987). Com a subsequente construção de esquemas lógico-matemáticos melhor coordenados entre si e que correspondem a formas superiores de apreensão lógica dos objectos físicos e sociais (que são testemunhos da capacidade organizativa da estrutura cognitiva – Inhelder, Sinclair e Bovet, 1974 –, através de sucessivos equilíbrios ou processos de equilibração – Piaget, 1978 – ou equilibração cognitiva – Piaget e Chomsky, 1987 – ampliadores ou majorantes – Piaget e Chomsky, 1987) estes conduzem, não a retornos a formas anteriores de equilíbrio, mas sim a formas superiores de equilíbrio, “caracterizada pelo aumento das dependências mútuas ou implicações necessárias” (Piaget, 1987, p. 60).

5.1.7. Desenvolvimento e Aprendizagem As teorias do estímulo-resposta, S – R, ou a sua evolução estímulo-organismo-resposta, S – O – R, de Hull, são acusadas por Smesdlund (Piaget & Gréco, 1974) de imprecisão na definição de S e de R (que acusa de ser tão precisa como a utilização de esquemas causas-efeitos). Piaget (1974) considera, por sua vez, que “o esquema S – R constituiria uma verificação do empirismo se (se pudesse) reduzir o estímulo S às propriedades do objecto e se (se pudesse) reciprocamente reduzir a parte do sujeito no conhecimento às respostas R” (Piaget & Gréco, 1974, pp. 20-21). Deste modo, e transpondo a epistemologia interaccionista em termos de estímulos e respostas, o esquema preconizado por Piaget é S(O) R, “onde o estímulo S é indissociável do organismo O, o qual, antes mesmo de fornecer a resposta R, percebe e interpreta esse estímulo S em função das actividades (perceptivas ou outras), intervindo necessariamente na sua qualificação ... nesse caso o problema epistemológico situa-se primeiramente ao nível da relação SO” (Piaget & Gréco, 1974, p. 21). De qualquer modo, os processos de aprendizagem analisados pelos associacionistas e comportamentalistas, apesar de não explicarem o desenvolvimento cognitivo dos sujeitos, estão sujeitos às suas leis (Piaget & Chomsky, 1987), pois o estímulo ou um padrão de estímulos não actua no vazio, a sua acção supõe a presença de um esquema (Inhelder, Sinclair, &e Bovet, 1974; Piaget & Chomsky, 1987), que é na realidade a fonte da resposta (Piaget & Chomsky, 1987).

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Psicolo gia do Desen volviment o 5.1.8. Estrutura Cognitiva e 'inconsciente cognitivo' “O que caracteriza (...) o aspecto cognitivo dos comportamentos é a sua estrutura, quer se trate de esquemas de acção elementares, de operações concretas de classificação ou de seriação, etc., ou da lógica das proporções com os seus diferentes foncteurs (implicações, etc.)” (Piaget, 1972, p. 42). Assim, e em relação ao aspecto meramente cognitivo do comportamento e da acção, o factor que Piaget realça é a estrutura cognitiva do sujeito. Estrutura cognitiva que Piaget (1972) caracteriza por uma relativa consciência do resultado (embora bastante pobre), e total inconsciência dos mecanismos que conduzem os comportamentos e as acções: é o “inconsciente cognitivo” (Piaget, 1972). Esse inconsciente cognitivo representa os mecanismos (ou estruturas) que fazem funcionar o aparelho cognitivo, transformando o pensamento: “O pensamento do indivíduo é orientado por estruturas cuja existência ignora e que determinam não só o que ele é capaz ou incapaz de 'fazer' (...) mas ainda o que é 'obrigado' a fazer (...) (A) estrutura cognitiva é o sistema de ligações que o indivíduo pode e deve utilizar, não se reduzindo de forma alguma ao conteúdo do seu pensamento consciente” (Piaget, 1972, p. 43). O problema não está em relação à consciência do conteúdo do pensamento mas sim às razões estruturais e funcionais que levam o sujeito a pensar deste ou daquele modo, isto é, do mecanismo íntimo que dirige o pensamento (Piaget, 1972). Por outro lado, a consciência dos resultados obtidos pelo pensamento não dá indicação nenhuma dos mecanismos íntimos que transformam o pensamento, permanecendo as suas estruturas inconscientes enquanto estruturas. Podemos dizer que a estrutura cognitiva “é uma forma de organização da experiência” (Piaget; op. cit. Battro, 1978, p. 98). É, simultaneamente, um produto e um processo, modo de funcionamento, onde se inscrevem os mecanismos que transformam o pensamento, determinando as formas desse pensamento, e, uma vez que as determina, não podemos distinguir as estruturas do seu conteúdo.

5.1.9. Estrutura Cognitiva e Equilíbrio “Cada estrutura é de conceber como uma forma particular de equilíbrio, mais ou menos estável no seu domínio restrito e tornando-se instável nos limites deste. Mas estas estruturas, escalonadas em estádios, devem ser consideradas como sucedendo-se segundo uma lei da evolução tal que cada uma delas assegure um equilíbrio mais lato e mais estável aos processos que intervinham já dentro da precedente. A inteligência torna-se, assim, um mero termo designando as formas superiores de organização ou de equilíbrio das estruturas cognitivas” (Piaget, 1978, p. 15). Mas se os mecanismos que transformam o pensamento funcionam de modo inconsciente, podemos, partindo da própria acção, tentar perceber como actuam esses mecanismos e quais as estruturas que lhes estão subjacentes. Deste modo, “para atingir o funcionamento real da inteligência é importante, pois, inverter este movimento natural do espírito e de nos recolocarmos na perspectiva da própria acção” (Piaget, 1978, p. 44; grifo dos autors).

5.1.10. Acção e Sistema de Operações Por um lado, Piaget considera que o comportamento ou acção se baseia num sistema de operações. Psicologicamente, essas operações têm dois aspectos paralelos: exteriormente tratamse de acções coordenadas entre si (comportamentos observáveis ou mentalizados) e interiormente, isto é, para a consciência, tratam-se de relações que se implicam umas às outras. Por outro lado, essas operações, em termos logiciais, são o produto de uma abstração reflexiva

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Psicolo gia do Desen volviment o (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974; Piaget, 1976b; Piaget & Gréco, 1974) do processo que resulta em acção ou comportamento: o esquema da acção. “O esquema de uma acção é, por definição, o conjunto estruturado dos caracteres generalizáveis da acção, isto é, dos que permitem repetir a mesma acção e aplicá-la a novos conteúdos. Mas o esquema de uma acção não é nem perceptível (percebe-se uma acção particular mas não o seu esquema) nem directamente introspectável e só se toma consciência das suas implicações repetindo a acção e comparando os seus resultados” (Piaget; op. cit. Battro, 1978, p. 92). Deste modo, o esquema é o modo particular de apreensão da realidade, o modo de funcionamento da estrutura cognitiva, organizador da experiência (Piaget, 1976a). Através do esquema da acção pode-se inferir o papel da operação (acção interior, como designou Piaget, em 1976a) ou sistema de operações. Mas a realidade psicológica, tal como é percebida pelo sujeito “...consiste em sistemas operatórios de conjunto e não em operações isoladas concebidas a título de elementos anteriores a esses sistemas: é portanto unicamente quando as acções ou representações (...) se organizam em sistemas tais que elas adquirem (...) a natureza de 'operações'” (Piaget, 1978, p. 48). Mas as operações não são apenas acções interiorizadas: para que existam operações é necessário que essas acções se tornem reversíveis e se coordenem em estruturas de conjunto (Piaget, 1973).

5.1.11. Socialização da Inteligência Individual As estruturas próprias relativas ao pensamento, e que designamos por cognitivas, também estão sujeitas a uma socialização, que Piaget (1978) designou por socialização da inteligência individual.

5.1.12. Conflito Sociocognitivo Nos estudos sobre conflito sociocognitivo (Coll, 1984; Gilly, 1988; Perret-Clermont, 1978; Pontecorvo, 1988) há uma tentativa de se pôr em evidência a importância de certas interacções sociais na mudança da estrutura cognitiva do sujeito. O que está em jogo são “os processos de reorganização interna” que são desencadeadas pelas interacções sociais. “Ao abordar o problema dos laços existentes entre interacções sociais e estruturas cognitivas, Piaget (...) elabora um modelo que demonstra o isomorfismo entre as estruturas operatórias e as estruturas subjacentes às interacções sociais de troca de ideias e de valores” (Perret-Clermont. 1978, p. 66). Segundo Piaget, a interacção social favorece o desenvolvimento do raciocínio lógico e a aquisição dos conteúdos escolares (Coll, 1984) graças aos processos de reorganização cognitiva despoletados pelos conflitos cognitivos e respectiva superação. Deste modo, o conceito socialização da inteligência individual possui uma dupla articulação: a simbólica, influenciando o nível simbólico do pensamento e agrupando conceitos próximos das representações sociais de Moscovici (Leyens, 1985); a objectiva, influenciando o nível objectivo ou lógico do pensamento, constituído por 'agrupamentos' de operações e de acções lógicas exercidas pelo indivíduo sobre o mundo exterior. “É indispensável, para tratar das relações entre as funções cognitivas e os factores sociais, começar por opôr as 'coordenações gerais' das acções colectivas às transmissões culturais particulares que se cristalizam de maneira diferente em cada sociedade” (Piaget, 1972, p. 65). Sem troca de pensamento e cooperação com os outros o indivíduo não conseguiria agrupar as suas operações “num todo coerente”: neste sentido, o agrupamento operatório supõe a vida social (Piaget, 1978). Deste modo, é a socialização da inteligência individual do sujeito que torna o seu pensamento objectivo.

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Psicolo gia do Desen volviment o 6. BIBLIOGRAFIA Battro (1978). Ceci, S.; & Williams, W. (Eds.) (1999). The Nature-Nurture Debate. Oxford: Blackwell. Coll (1984) Dolle, J.-M. (1999). Para Compreender Jean Piaget. Lisboa: Instituto Piaget. Eibl-Eibesfeldt, (1978) Feldman, R. S. (2001). Compreender a Psicologia. Amadora: McGraw-Hill. Furth, (1974) Gilly, M. & Piolat, M. (1986). p. 22 Gilly, M. (1978) Inhelder, Sinclair, & Bovet, (1974); Leyens, J-P. (1985). Matta, I. (2001). Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem. Lisboa: Universidade Aberta. Perret-Clermont, A. N. (1998). Desenvolvimento da Inteligência e Interacção Social. Lisboa: Instituto Piaget. Piaget, J. (1972). Piaget, J. (1974). Piaget, J. (1975). Piaget, J. (1976). Piaget, J. (1976a). Piaget, J. (1978). Piaget, J. (1982) Piaget, J. (1973) Piaget, J. (1976b). Piaget, J., & Chomsky, (1987). Piaget, J., & Gréco, (1974) Pontecorvo (1988). Slater, A., & Muir, D. (Eds.) (2001). The Blackwell Reader in Developmental Psychology. Oxford: Blackwell. Smith, P., Cowie, H., & Blades, M. (2001). Compreender o Desenvolvimento da Criança. Lisboa: Instituto Piaget. Sroufe, L., Cooper, R., & DeHart, G. (1996). Child Development: Its Nature and Course. New York: McGrawHill. Tavares & Alarcão, (1989). Vandenplas-Holper, (1987). p. 19 Vygotsky, (1977)

Nota: Perderam-se partes de texto e as referências (utilizadas para a escrita da actual sebenta), devido a problemas informáticos.

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